terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Colóquio em Recife

para mim
Estamos a partilhar momentos históricos neste admirável salão nobre do Gabinete Português de Leitura de Recife, porque falar de "expressões femininas da cidadania" numa grande e tradicional instituição das comunidades portuguesas do Brasil é coisa absolutamente inédita. Estamos, certamente, a abrir um caminho longo, a que não vão faltar os caminhantes. E é excelente que o possamos fazer em conjunto, em reunião de representantes do Estado e da sociedade civil, brasileiros e portugueses, mulheres e homens de várias idades, todos olhando a realidade das migrações, das mulheres na sociedade de hoje, com uma mesma vontade de reinventar as formas de lhes assegurar, concreta e individualmente, o seu " direito de cidade".
O Brasil é um dos países do mundo onde, nas últimas duas décadas, as cidadãs, mais rapidamente e com mais naturalidade, ascenderam a altos cargos políticos, mas nem por isso podemos dizer que, aqui, como no resto do planeta, a questão de género está resolvida. Na verdade, não está.
Mas que o Brasil se tornou um paradigma de abertura da política às mulheres, também é verdade!
E, por isso, se torna particularmente anacrónica a falta de participação feminina nas diretorias das mais prestigiadas organizações da comunidade portuguesa, como salienta. na sua mensagem, o deputado Carlos Páscoa..
 Sabemos bem que o movimento associativo dos portugueses no Brasil é, no universo da emigração nacional, não só o primeiro, mas também o mais grandioso. Como tantas vezes disse, por todo o lado onde deveres de ofício me levaram, reconheço o mérito de tantos emigrantes portugueses, que se destacaram pela sua obra individual, mas maior é ainda, embora seja bem menos referenciada e reconhecida, a sua obra coletiva - exemplificada nas instituições luso brasileiras, Gabinetes de Leitura, Beneficências , Hospitais, Clubes. Uma obra monumental!
No novo século, marcado por um recomeço das correntes migratórias para o Brasil, queremos vê-lo sobreviver, numa ponte de afetos entre as certezas do passado  e as transformações que o futuro exigirá. O que não será possível sem o envolvimento das mulheres e dos jovens.  Por isso,  o Secretário de Estado Dr José Cesário nos vem lembrar, nas palavras de saudação que nos enviou, o papel das mulheres, qualificando-o como "absolutamente decisivo".
Serão várias as razões que explicam um quadro geral de exclusão feminina na cúpula do nosso associativismo no Brasil, a que quase só escapam a organização Elista e algumas Câmaras de Comércio, talvez porque sejam luso-brasileiras. Ao que parece, uma ativa componente brasileira vai sempre num sentido mais inclusivo e igualitário, à imagem da própria estrutura política do país.
Uma das razões para explicar um tal panorama associativo será o caracter masculino da emigração portuguesa, até  meados do século XX,  precisamente quando cessa o êxodo para o Brasil - muito embora a proporção de mulheres viesse a crescer significativamente desde o começo do século, contrariando as políticas limitativas com que os governos, até então, sempre haviam procurado proibi-las de sair (sabe-se porquê: a presença feminina transforma o projeto de emigração, facilita a integração familiar e dificulta o regresso à terra...)
Em meados de novecentos, quando termina o ciclo das partidas para o Brasil, principia o da Europa  - e não só. Porém, os outros destinos tiveram menor visibilidade, apesar da sua  importância, o Canadá, a Venezuela, a África do Sul, a Austrália ( de novo, a dispersão universal...) e, por isso, tornou-se é um lugar comum dizer que a  França se converteu no "novo Brasil".
Por todo o lado, o movimento associativo dessas comunidades emergentes, tal como o das antigas, fortíssimo e multifacetado na sua vocação - e necessidade -  de se substituir à ausência de ação do Estado português,  mantém a sua feição masculina...
Nesta fase mais marcadamente europeia, o inesperado iria aconteceu, sobretudo no que respeita à "metade feminina" (metade mesmo, matematicamente, ainda que , em regra, elas tenham seguido os maridos, à distância de algum tempo) . Os primeiros estudos sociológicos realizados em Paris sobre as portuguesas, em 70 e 80, revelam um quadro muito diverso do que se antevira - as emigrantes, vindas de meios rurais para grandes cidades, haviam conseguido adaptar-se melhor do alguém poderia imaginar, haviam sido o esteio da  integração familiar e alcaçado um novo estatuto dentro e fora de casa. O acesso a trabalho remunerado, regra geral no setor dos serviços, o melhor domínio da língua, e com ele, a capacidade de melhor interagir na sociedade de acolhimento, explicam o fenómeno. A verdade é que a emigração foi para toda uma geração de emigrantes portuguesas - mesmo para as mais pobres, as menos qualificadas profissionalmente - uma via de emancipação. Nesse ciclo migratório, quase todos ganharam, e as mulheres ganharam mais ainda. Eduardo Lourenço, ele próprio emigrante em França e um dos nossos mais prestigiados e queridos intelectuais, chama-lhes "uma geração de triunfadores". Podemos, com segurança, escrever a frase no feminino.
Na geração seguinte, é espantoso o número de luso-francesas envolvidas na política, para já sobretudo a nível municipal, e as ligações que mantêm com o nosso país. No Brasil, ao pensar em exemplos semelhantes, logo me ocorre o nome de Ruth Escobar, a portuguesa que, ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos, se candidatou e foi a 1ª Mulher eleita à AL do Estado de SP. No Rio de Janeiro, igual pioneirismo protagonizou, como Secretária do Governo do Estado, a médica Manuela Santos, que, mais tarde, seria a primeira representante eleita no Brasil ao Conselho das Comunidades Portuguesas
 Constatamos, assim, que, no Brasil como  em França, tem sido mais conseguida a ascensão das emigrantes na sociedade de acolhimento do que no mundo conservador e masculino do associativismo.
A AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países, tem concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de vanguarda nas comunidade portuguesas, a fim de que se convertam em espaço de expressão da cidadania e se expandam com a inclusão de grupos marginalizados, invertendo a tendência para o seu declínio, que tantos profetizam e justamente  receiam.
Vemos o associativismo feminino, essencialmente, como um instrumento para viabilizar, a prazo, a participação paritária nas organizações das comunidades da diáspora.
E encorajamos as novas formas, criativas, que vem assumindo. Penso, sobretudo, em iniciativas que se projetam na internet , com o grupo das "Marias, corações de Portugal" ( a partir da Alemanha), ou nas tertúlias, que combinam a vertente lúdica com a beneficente ou cultural, caso das Universidades ou Academias Seniores, (que se multiplicam do Canadá à Argentina,, da Alemanha à África do Sul), ou das Academias da Espetada, em  grande crescimento nas comunidades madeirenses da Venezuela e África do Sul ( a "espetada é um prato típico madeirense).
 Julgo que nesta corrente inovadora se inclui, com toda a originalidade, e um jeito bem tropical,  a  "Folia das Deusas". justamente porque tão bem concilia o tempo de festa, e o tempo de ação solidária.
 A parceria que agora iniciamos com  a "Folia das Deusas" vai, certamente, continuar. Foi a
  
 Drª Berta Guedes Santana quem nos convidou a vir ao Recife. Depois do sucesso desta iniciativa, somos nós que a vamos convidar a ser  a nossa representante em Pernambuco, a participar nos nossos projetos - a criação de Academias Séniores de Artes e Saberes, a recolha de narrativas de vida,  as tertúlias literárias, as mostras  artísticas, as várias modalidades de "congressismo"  em que  denunciamos discriminações, a mobilizamos mulheres e homens para a vivência paritária da cidadania, no associativismo e na política. 
De tudo isto se falou neste dia inesquecível, com Mulheres Brasileiras e Portuguesas do Recife, que em diversos campos, (até no do associativismo tradicional, como o provam as dirigentes do Hospital Português que integram o painel de oradores) são admiráveis expressões da cidadania no feminino.
A todos os amigos aqui presente, o meu "bem-hajam"
Não vamos dizer adeus uns aos outros, mas sim "até logo".