quinta-feira, 12 de maio de 2022

COLETÂNEA COMEMORATIVA DO 40° ANO DE MORTE DE MARIA ARCHER “É o esquecimento e não a morte que nos faz ficar fora da vida". Mia Couto Há uma intensa movimentação nos centros envolvidos com a dinamização da Cultura, da Literatura, da Ciência e das Artes em torno da homenagem ao 40° aniversário da morte da autora e jornalista portuguesa Maria Archer (1899-1982). O Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer se institui como espaço para a dinamização das culturas, literaturas e da produção de conhecimentos dos países que se comunicam através da língua Portuguesa, promovendo as bases para um ambiente fecundo na valorização da vivência democrática, aproximação entre povos, de comunicação inter, trans, pluri e multicultural, muito em particular os do universo da lusofonia e suas diásporas. O Lançamento do referido Círculo deu-se em 11 de outubro de 2019, na sessão de lançamento do livro "Sem o direito de voltar a casa" Maria Archer - uma jornalista portuguesa no exílio", de Elisabeth Battista, na da Casa da Beira Alta, na cidade do Porto. Desde o seu lançamento, o Círculo, em parceria com a Associação Mulher Migrante, deu início a um roteiro de reflexões, debates e uma série de jornadas e colóquios, que nesta coletânea temos a satisfação de disponibilizar no apêndice desta publicação. Quais as principais razões que nos levam a fazer de Maria Archer uma companheira de jornadas e de diálogos sobre as temáticas de género? Da Diáspora Portuguesa e do mundo plural da Lusofonia ela é um nome que se destaca, como intelectual, jornalista e romancista, e como precursora na observação e registo, em preciosos textos,sobre os usos e costumes das gentes com as quais, por largas décadas, tanto gostou de conviver, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Angola, (nos anos de juventude acompanhando os pais e, depois, o marido), e, já sexagenária, no solitário exílio brasileiro de mais de duas décadas. O Círculo Maria Archer tem por assumida finalidade recolocar o nome de Maria Archer no lugar vazio que é seu na história da nossa Literatura e do feminismo português, e, também, na história do pioneirismo na construção de pontes entre as culturas lusófonas. Revisitar a obra desta Mulher de Letras, através da divulgação e do debate dos seus escritos, visa desocultar o passado, lançar luz sobre a realidade insuficientemente analisada e realçada da sociedade portuguesa de 40 e 50, e fazer futuro com a modernidade do seu pensamento e das prioridades da sua luta cívica e cultural. A coletânea intitulada "Maria Archer e a Partilha do Sensível" perfaz uma reunião de textos sob o signo do encontro e seus prolíficos desdobramentos. De certa forma, a vida de cada autor deste livro foi tocada pela vida e obra de Maria Archer. A autora promoveu aproximação de pessoas de lugares e áreas diferentes, pessoas que antes nem imaginavam se encontrar. O título foi inspirado no ensaio "A Partilha do Sensível", do filósofo Jean Jacques Rancière[1]. "Uma Leve Matéria", poema que abre a coletânea, é de autoria da poeta coimbrã Maria Albertina Mitelo. Um poema para celebrar oencontro e os laços que nos unem desde o início da jornada quanto, em 2005,trilhamos os primeiros passos, na cidade do Porto, em busca de elementos para o corpus da pesquisa sobre Maria Archer. Maria Albertina Mitelo foi professora de História durante alguns anos e, desde cedo, se interessou por Arte, com relevo para a Poesia e a Pintura a Óleo. Possui seis livros publicados: Entre Pássaros e o Mar, (2002), O Corpo das Aves (2004), Uma Leve Matéria (2007), Matéria Brevíssima (2009). O Tempo das Aves (2015) e Lugar das Rosas (2019). A sua poesia é marcadamente voltada ao transcendente, o mesmo se podendo dizer da sua pintura, de tal maneira que é possível considerar uma como extensão da outra. “Maria Archer e o Retorno Definitivo 40 anos depois”, de Maria Manuela Aguiar. Trata-se de texto para a Sessão de abertura do Colóquio Internacional "Maria Archer Reflexos e Reflexões", que aconteceu em 24 de janeiro de 2022, na Biblioteca Nacional, por ocasião das homenagens à Maria Archer no 40° ano de sua morte. Manuela Aguiar traça um elucidativo roteiro sobre o percurso da autora e assinala o movimento iniciado nos meios acadêmicos do Brasil, com uma plêiade de investigadores, que, desde há alguns anos, vem dando visibilidade à obra intemporal da escritora e jornalista, protagonista da luta pelo direito de pensar, de falar e de viver livremente em Portugal. Nesta direção afirma quão imperioso se faz restituí-la à História da Literatura, da democracia e do feminismo em Portugal e na construção de um espaço alargado de diálogo entre os povos e as culturas da lusofonia. “Musa entre Medusas – Maria Archer e a Partilha do Sensível”, de Elisabeth Battista, ao selecionar romances representativos da obra ficcional de Maria Archer, no lapso de duas décadas, indo de sua estreia em Luanda com a novela Três Mulheres (1935), passando por Ela é Apenas Mulher (1944); Filosofia duma Mulher Moderna,(1950); A primeira Vítima do Diabo,(1954); vemos que a autora lança mão de incontáveis elementos para descrever a vida social nos vilarejos, colocando em cena figuras subalternas nas casas de família e o seu cotidiano. A reflexão indaga qual a influência do meio social sobre os seus textos ficcionais? O que a construção dos perfis femininos fornece de elementos para a compreensão da maneira como estas estão condicionadas social e culturalmente à vida portuguesa em meados do Século XX? Como a autora abordou e compartilhou em sua escrita as situações que observou? Como a análise crítica e historiográfica levou à profundas reflexões sobre opercurso crítico e criativo da autora que circulou entre Portugal, África e oBrasil? “Só Quero um Futuro” da autoria de sua sobrinha-neta Olga Archer Moreira. Trata-se do texto relativo à sua intervenção na mesa de abertura do Colóquio Internacional "Maria Archer Reflexos e Reflexões", que aconteceu em 24 de janeiro de 2022, na Biblioteca Nacional de Portugal por ocasião das homenagens à Maria Archer no 40° aniversário de morte da sua tia-avó. Olga Archer apresenta o testemunho da vida e obra de Maria Archer, assinalando que esta sempre considerou que “valia a pena correr riscos para fazer aquilo que sonhava. Ficar em silêncio não era solução. Existia um futuro. Maria queria um futuro.” Revela o percurso oneroso e os desafios enfrentados pela da autora sempre em busca de um horizonte, de estabilidade econômica, tranquilidade financeira e um alvissareiro futuro pela contribuição à cultura e literatura lusófonas. “Maria Archer: Uma Preceptora Singular”, de autoria de Blanche de Bonneval relata as suas experiências no convívio com Maria Archer pelo período aproximado de cinco anos, quando fora preceptora desta, desde os 11 anos idade. Blanche relata o fascínio exercido pela mulher alta e robusta, pitoresca, sempre bem vestida e pintada, Maria Archer deixava a todos impressionados pela sua vastíssima cultura e personalidade forte. Nessa altura, escreveu África sem Luz, (1962);Brasil Fronteira d´África, (1963). Além de também escrever artigos para grandes jornais e revistas paulistas. Nesta época, Blanche tinha começado a escrever poesia e, com a ajuda da preceptora, chegando a publicar várias delas. Revela que Maria Archer era uma costureira de “mão cheia”. Ela mesma confeccionava suas roupas e as pintava (assim como sapatos e bolsas). Blanche guardou muito tempo um broche que era de sua autoria representando um belíssimo buquê de rosas. “Associação Mulher Migrante Versus Maria Archer”, de Maria da Graça Sousa Guedes, atuante presidente da Associação que tem sido um “fórum” interassociativo de reflexão e debate, que toma para si o papel e a função de colocar na ordem do dia as questões da emigração feminina e a repensar o papel das mulheres na diáspora a fim de repensar estratégias e desencadear dinâmicas de mobilização para a mudança. O texto recupera a história do percurso da Associação, ao tempo em que sintetiza elucidativo panorama de contribuição à divulgação do percurso da vida e obra de Maria Archer. Da diáspora portuguesa e do mundo plural da Lusofonia Maria Archer é,sem dúvida, um nome maior, como intelectual, jornalista e romancista, e como precursora na observação e registo da cultura dos países que viveu e tem o português como língua de comunicação. "Maria Lamas e Maria Archer: Síntese de Discursos Diversos na Unidade de Acção",de autoria do Professor Salvato Trigo, Reitor da Universidade Fernando Pessoa. O texto é o resultado da intervenção na abertura do 3º Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora, promovido pela Associação Mulher Migrante.A abordagem elege como fio condutor as confluências entre os percursos das autoras e traça um paralelo entre os percursos notáveis: “a odisseia da nossa diáspora da qual estas duas mulheres, agentes ativas do resgate português da cidadania feminina, foram símbolos maiores.” Neste sentido assinala: “[...] só na pseudonímia Maria Archer não acompanhou Maria Lamas; na militância pelos direitos cívicos das mulheres, sim.” Chama atenção para a forma audaciosa como Maria Archer militava a favor da causa da dignificação da mulher portuguesa. O estudo dos primeiros passos da autora no campo da literatura de ficção encontra-se em “Três Mulheres (1935): Maria Archer – Primeiros Passos de Romancista”, de autoria de Elisabeth Battista e Rosane Alves da Silva. Neste ensaio, a novela Três Mulheres examina aspectos da vida social, as relações entre o amor, o casamento, a felicidade e o sucesso profissional. Lançado em período de intensa instabilidade social no cenário político, econômico e cultural, a década de 30, não só deixa marcas profundas no cotidiano, como estampa as transformações ocorridas dentro e fora das mentes femininas. Indaga-se: é possível inferir que a novela seria um veículo das aspirações individuais, mas profundas de um determinado coletivo de mulheres do seu tempo? Como se define a posição social da mulher que quer seguir carreira artística? Qual o seu lugar na sociedade altamente estratificada? Maria Archer e a Seara Nova (1937): sobre “Tradução e Tradutores” de autoria de Dagoberto Rosa de Jesus volta-se para o texto veiculado na imprensa periódica portuguesa Seara Nova, editado em 1937 e, faz notar que este possui o carimbo de “visado pela censura” posto que Portugal, neste período, estava sobre a égide do Estado Novo. O artigo faz apontamentos a respeito do texto “Tradução e Tradutores”, em resposta ao comentário de Castelo Branco Chaves inserto no número 527 do periódico Seara Nova. O texto de Archer em resposta foi publicado em 9 de outubro de 1937, no número 530 deste periódico. Neste texto a jornalista Maria Archer debate com Castelo a questão da tradução de obras e da publicação de autores portugueses. Ao examinar o artigo, evidencia-se a agilidade discursiva do argumento e a contundência do posicionamento de Archer que se coloca francamente em favor de uma produção local, fazendo esta ponderação que maior que o interesse de uma ou outra pessoa é preciso pensar no coletivo e na cultura do povo. O artigo “Eu e Elas” (1945) – Maria Archer e a Vocação para Sherazade, de autoria de Suelen dos Santos Silva Aburaya e Elisabeth Battista toma como ponto de partida o ano de lançamento da coletânea ocorre-nos indagar em que medida é possível captar, a partir da organização textual das narrativas breves, a crise na vida social e a condição feminina no contexto pós-guerra? Levando-se em conta o nível de elaboração estética da realidade, o seu registro literário, gestado no clima de destruição, poderá ser significativo para entender as complexidades da década perante as devastadoras consequências da Guerra Mundial na estrutura social,econômica e política e o embrião de um amadurecimento crítico do esboço do perfil de uma nova mulher? O ensaio intitulado “Da Dominação à Resistência – Percursos de Maria Archer”, de Elisabeth Battista tem como objetivo fundamental colher elementos que possibilitem a captação de momentos cruciais que permitam a compreensão, no âmbito de sua atuação intelectual de Maria Archer, como se dá o trânsito da arte para dominar à arte para resistir? O artigo “Maria Archer Cronista: Modo de Ver, Viver e Narrar a Condição Feminina” elaborado por Janaina Aparecida da Silva Cruz Barbosa e Elisabeth Battista, volta-se para a atuação da escritora Maria Archer em periódicos e tem como objetivo fundamental a leitura de narrativas breves de sua autoria produzidas para a imprensa periódica. Como a prática intelectual da autora portuguesa, produtora de literatura, põe em circulação dadas ideias, fazendo funcionar uma espécie de (re)visão de conceitos sobre a condição feminina? “Andamos na Saudade de Maria Archer”, título da intervenção de Maria Manuela Aguiar que refere-se à evocação de Maria Archer, em sucessivas iniciativas - no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, em Lisboa, nesta sessão solene que teve como palco o Teatro Nacional da Trindade. Maria Archer, de acordo com Manuela Aguiar, a mais feminista escritoras portuguesas, é uma "feminista muito feminina", que ousou ser um “ícone de beleza e de distinção”, fazer umacarreira no jornalismo e nas Letras, e, em simultâneo, e lutar pela dignidade epela afirmação das capacidades intelectuais e profissionais então negadas à mulher. A sua escrita servida pelo talento, pela capacidade de observação e pela coragem foi uma arma de combate político - como dizia Artur Portela "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante". O texto depoimento intitulado Maria Archer: O encontro com uma escritora viajante, de Elisabeth Battista foi elaborado para apresentação e posteriormente integrou a publicação do Colóquio dedicado às Memórias de Maria Archer e Maria Lamas,promovido pela Associação Mulher Migrante. O texto narra o percurso desde oprimeiro contato com a obra, a vida, os familiares e o acesso ao espólio da autora. Considerando o seu percurso extraordinário, solicitamos dos familiares em Portugal maiores informações sobre a produção crítica de e sobre o autora, recolhida durante toda sua vida.Tal trabalho culminou com a publicação: Maria Archer – O Legado de Uma Escritora Viajante (2015). A organização desta coletânea em homenagem ao 40° aniversário de morte de Maria Archer traduz-se na atualização da memória vem, de certa forma, colmatar uma falha que pesa sobre o nome da autora que não merece ser deixada ao abandono dos investigadores, uma vez que é amplamente reconhecida pelo público-leitor. Elisabeth Battista (Brasil) Maria Manuela Aguiar (Portugal) Organizadoras