quarta-feira, 23 de junho de 2021

ESTADO DE CALAMIDADE NA DEMOCRACIA

ESTADO DE CALAMIDADE NA DEMOCRACIA Ainda somos um Estado de Direito? Vivemos longos meses em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, do qual passamos, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que, em bom português, parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Segundo as nossas autoridades, nenhuma dessas fatalidades é hoje provável. E, aliás, mesmo quando o risco era visível, (e ressurgente, ao sabor de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos), as restrições só podiam ser as ajustadas, estritamente, ao objetivo. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear a liberdade, os direitos e garantias dos cidadãos assentava na racionalidade das medidas, na adequação dos meios ao escopo, em suma, na procura de uma rigorosa proporção, com ela assegurando a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo iam suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusava-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistia, impávida, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise pandémica, foi um médico especialista, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno neste domínio, para a ultrapassagem dos limites de razoabilidade, pondo em cheque o "Estado de Direito", porque o "Estado de Direito" exige a igualdade de tratamento e a justificação dos normativos e ditames, assente numa base científica. Um condicionalismo que as autoridades se mostram incapazes de cumprir. No estado a que chegámos, é crucial, como diz aquele ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de contradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, a inexplicável discriminação de uns setores face a outros, quando não de cidadãos nacionais perante estrangeiros..Na memória dos desmandos do ano louco de 2021 fica uma senhora que foi multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas, portas ou montras com flores de papel, e de vender vasos de manjerico por altura dos Santos Populares... Por sorte para os responsáveis por tudo isto, o ridículo não mata!... Joana Amaral Dias é outra não jurista que se mostra chocada com a experiência governativa destes últimos meses, dizendo que nem Salazar teve tanto poder de condicionar as vidas dos portugueses. De facto, para além de nos terem confinado, vigiado, vedado o acesso às igrejas, aos funerais, aos cemitérios, aos cafés, aos recintos desportivos, às areias das praias e à vista do mar (em tempo invernoso!), ou aos bancos dos jardins públicos, tentam, sistematicamente, intimidar quem ouse pôr em dúvida a bondade das suas delirantes decisões - o que a senhora DGS fez até na AR, perante os deputados, como se estivesse ainda na antiga Assembleia Nacional... Neste capítulo, nem o Primeiro Ministro, insuspeito democrata, se salva, pois não resiste a zurzir qualquer crítico, como se fosse um inimigo da Pátria.. Anda mal habituado, pela notória falta de oposição política. Porém, afortunadamente, de repente, foi a gente anónima que se fartou de tanto desacerto. A revolução mental do 29 de maio O povo acordou no dia em que mais de 16.000 ingleses foram autorizados a assistir à final da Champions nas bancadas do Dragão, e 500 portugueses proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi (depois de idêntica interdição ter atingido a final da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra). Foi a gota de água... Já acontecera a noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital - prenúncio da viragem, ímpeto de retorno às antigas liberdades. Na esfuziante festa do SCP fora, por sinal, muitíssima mais compacta a multidão, mais numerosos os desacatos, mais violenta a repressão policial, (brigas de bêbados são rituais lisboetas de celebrações de campeonatos, ao contrário do Porto, onde a festa é sempre um São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem). O escândalo de Lisboa assumiu, porém, contornos de coisa menor, caseira, benevolentemente olhada, com o próprio Presidente da Câmara a encorajar a festança rija, pretextando ter perdido um email em que a Polícia se manifestava contra. Pela primeira vez, calou-se a voz da DGS, que saiu de cena e deixou o papel de vilão a um solitário Ministro Cabrita. O evento constituiu, em pandemia, um autêntico teste sanitário com desmesurada amostragem (digno de figurar no Guiness), e veio comprovar que o número de internamentos hospitalares não disparou, e menos ainda o de mortes por Covid 19, provocando, contudo, um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas) e levando a juventude a perder o medo, e a animar a noite dos bairros populares, em confraternizações fora de horas e de regras, à maneira dos "hooligans" ingleses, sem precisar da adrenalina do futebol. E assim o vírus se multiplica, imparavelmente.. A nível interno, parece não haver consequências de maior - apenas se mudam, à pressa, os dogmas da DGS, de modo a não confinar a capital... mas não se mudam, com tanta facilidade, os critérios estabelecidos a nível internacional. A catástrofe abateu.se já sobre o nosso turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde", e podendo vir a ser seguida outros. O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido pagam, assim, o preço dos folguedos consentidos em Lisboa! E falta ainda saber se "Champions" agravou, ou não, o "panorama Covid" na região do Porto, após o previsível falhanço da "bolha sanitária" que o governo, com tanta ligeireza, nos prometera.. A verdadeira barreira que isolou os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na cidade inteira, foi uma "bolha cívica", espontaneamente criada pela população do Porto, que não se misturou com eles, nem participou em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fazia nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FCPorto". No interior, dedicava, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o Expresso esqueceu-se de referir o exemplar comportamento dos portistas, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduravam o retângulo de jogo na final. Fora do estádio, a história foi outra, semelhante à da Albufeira e mais ajuntamentos algarvios - ou seja, muita cerveja na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs bastante ébrios. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita e outras pragas anunciadas, felizmente, nada!... Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses e desacreditou a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Este despertar de consciências, ou sobressalto cívico, foi o que de positivo nos trouxe a aberrante dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador - e até o de formação!) se comparado com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa, e quase sempre pacífica, às regras draconianas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências e gerou novos comportamentos (que têm de passar pela liberdade de movimentos, plasmada em normas simples que já interiorizamos - uso de máscara, distância física, desinfeção das mãos). E deixou uma lição, (mais uma...) aos responsáveis máximos, no plano nacional ou local: não vão pelo caminho mais cómodo de proibir, proibir, proibir... Esse pode ser o último recurso, não deve nunca ser o primeiro! É preciso esclarecer as pessoas e confiar na sua racionalidade, na sua colaboração voluntária. Vejam o que aconteceu no futebol, o setor mais diabolizado pela senhora DGS: dentro dos estádios, a capacidade de organização daqueles clubes, onde foi, a título excecional, permitida a presença do público, revelou-se, invariavelmente, perfeita. O que correu mal, em Lisboa e no Porto, aconteceu fora, desafiando proibições. Do futebol bem podemos extrapolar para outros domínios (que gozam, imerecidamente embora, de melhor reputação). Vejamos o exemplo, as festas populares. Entre a proibição, pura e dura, de Medina e a iniciativa de Rui Moreira, ao criar espaços de diversão, com entradas controladas, não tenho dúvidas em recomendar o paradigma portuense, esperando que possa inspirar não só outros municípios, mas, também, o Terreiro do Paço!

Sem alternativa

Maria Manuela Aguiar DE VEZ EM QUANDO SEM ALTERNATIVA 1 – Os grandes homens e as grandes mulheres revelam-se em tempos de crise, pela capacidade em passar do remanso da normalidade à gestão inteligente e eficaz do desconhecido, de catástrofes inimagináveis. Para nossa infelicidade, a pandemia de 2020/21 veio patentear a inexistência de políticos com esse perfil entre os que nos governam – ou desgovernam. O PM e o PR, agora reeleito, não conseguiram “agir”, mas tão só “reagir” à situação, e fizeram de conta que assumiam, não assumindo, as suas responsabilidades no caos em que tentamos sobreviver. Para além deles, no parlamento e nos partidos de oposição não parece haver ninguém com peso e influência na matéria. E os poucos que levantam a voz são, de imediato, intimidados com o labéu de “traidores à pátria”. E, assim, entramos no “inferno português” das chamadas segunda e terceira vagas, que, após breve hiato estival, sucedeu ao ambíguo “milagre português” da primeira vaga – o qual, creio eu, só foi possível graças ao atempado confinamento de março 2020, por iniciativa dos próprios cidadãos, impressionados pela imagens que chegavam de Itália, e contra a teimosa renitência governamental. Por isso, tendo o povo sido incitado a relaxar no verão, com multidões nas praias, e um público apelo à vinda dos turistas ingleses e espanhóis, (sem testes nem controlo à chegada, salvo na Madeira e nos Açores – bendita seja a Autonomia…), e tendo, depois, atravessado o outono, despreocupadamente, e passado o Natal em “shoppings” sobrelotados e festas de família, nos vemos, em janeiro de 2021, no topo da lista negra, em número de mortos pela pandemia (proporcionalmente à população) – perdido que foi, há muito e por completo, o rasto às cadeias de contágio. De bom, avulta o esforço constante dos profissionais de saúde, em cada um dos hospitais, (que até para transferirem doentes das unidades que esgotam recursos, pedem e dão apoios num eixo bilateral). e o de todos aqueles autarcas, que têm sabido estar no terreno, junto dos munícipes. Num programa de televisão a que assisti, recentemente, os presidentes das Câmaras de Gaia (PS), Viseu (PSD) e Loures (PCP) falavam, em tal sintonia, das soluções encontradas face aos ciclópicos problemas trazidos pela Covid, que, se não soubéssemos a sua cor política, era difícil adivinhá-la. Fui sempre regionalista e sinto-me, agora, não direi reforçada nas minhas convicções, porque já eram inabaláveis, mas com mais e melhores argumentos para as defender. Madeira, Açores e muitas autarquias são prova bastante da superior eficácia e sensibilidade destes governos de proximidade, quando comparados com o desnorteado governo da República. 2 – Cronologicamente, o último erro de monta a apontar aos nossos políticos é o da realização das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, em plena pandemia! Na véspera, o número de mortos (272) e o de novos casos diários (mais de 15.000), constituíam novos recordes, mas nem isso moderava o entusiasmo de apelar ao voto, por parte de candidatos, governantes, CNE ou comentaristas dos “media” – todos, em uníssono, assegurando que o ato era realizado em condições de perfeita segurança. Quod erat demonstrandum… Com o meu pessimismo de hipocondríaca (caraterística, por acaso, partilhada com o Senhor Presidente da República), logo admiti como muito provável o aumento de contágios e de fatalidades, mormente nos grupos de risco – os velhinhos que a DGS quer sempre cautelosamente confinar, exceto quando está em causa o “superior interesse” de ganhar uma mão cheia de votos. Ora a democracia não morreria, se os mais vulneráveis escolhessem, sem pressões, ficar em casa, ao abrigo da exposição ao vírus e às intempéries, até porque os políticos não trataram de lhes dar, de facto, as condições de um voto seguro e fácil – por correspondência, ou meios digitais. E nem sequer, ao contrário do que acontece em países verdadeiramente preocupados com os seus idosos, (como os EUA, ainda no mandato de Trump, e, agora, no de Biden, a Alemanha da Senhora Merkel, a maioria dos nossos parceiros europeus), os colocaram na primeira linha de vacinação anti-Covid. Só por força de uma alteração de 25.ª hora, os maiores de 80 anos, que residem “em liberdade” (isto é, os que não cumprem autênticas penas de prisão em lares de idosos), serão, ao que parece, requalificados na lista de precedência de vacinação. (De fora fica, estranhamente, a faixa etária dos 70/79 anos). Em suma, estas eleições deveriam ter sido adiadas, em outubro ou novembro, quando as cadeias de contágio já cresciam assustadoramente, pela via de uma revisão – relâmpago de um artigo da Constituição na Assembleia da República. Em alternativa, poder-se-ia ter previsto, no texto constitucional, a faculdade do voto por correspondência, (de que já há experiência no nosso sistema eleitoral), e até do voto eletrónico, que é o futuro. Segundo a sondagem do “Expresso”, na véspera das eleições, ainda 57% dos portugueses queria o adiamento, contra uma minoria de 37%. Um povo bem mais avisado do que os seus representantes eleitos! Na verdade, só o adiamento do processo e (ou) a votação postal teriam garantido o voto a todos os cidadãos, nomeadamente os emigrantes e os que, por razões de saúde, ou de confinamento profilático, a partir do dia 14 de janeiro, viram, na prática, denegado esse direito. O PR soube lembrá-los como desculpa para a elevada abstenção, mas não contribuiu “ex ante”, para que fossem criadas efetivas condições de sufrágio universal. Uma palavra de especial agradecimento é devida aos milhares de portugueses que permaneceram por mais de doze horas nas mesas de voto, arriscando voluntariamente a sua saúde, apesar de todas as precauções certamente tomadas. 3 – O desenlace eleitoral não trouxe surpresas de maior. O Porto acompanhou o resto do país, muito embora, com Ana Gomes mais destacada à frente de Ventura e o portuense Mayan Gonçalves com votação superior à da sua própria média nacional. Ventura foi, em alguns “media” estrangeiros, chamado o “Trump português”. Talvez goste da comparação e não podem negar-se algumas similitudes de caráter, de pensamento e de estilo arruaceiro… Ambos atraem o eleitorado do “país profundo”, interior, menos letrado e menos desenvolvido, e, saliente-se, masculino – é sabido que, nos EUA, Trump ganhou na metade masculina, e Biden venceu, largamente, no país, graças às mulheres de todas as raças e idades. Em Portugal, Marcelo estará em Belém por mais cinco anos, sem polémicas nem contestação. É de outra ordem a dúvida que ficou no ar: em que medida podem estes resultados ser extrapolados para as próximas eleições legislativas? Uma sondagem da Universidade Católica, feita à boca das urnas, veio dar-nos uma primeira ideia sobre a redistribuição dos sufrágios de Marcelo (que colheu de todas as esquerdas à direita democrática), e os reequilíbrios partidários que se adivinham: um PS (com 35%), um PSD (com 23%), ambos em perda, mas continuando a dominar o largo “centrão” do espectro político. À esquerda e à direita, porém, anuncia-se que nada permanecerá como dantes. A extrema-direita (com 9%) e o centro- direita, do Iniciativa Liberal (com 7%) relegam o CDS/PP para uns residuais 2% – o mesmo que o PAN. O BE consegue segurar 8%, o PCP, derrotado no seu antigo reduto alentejano pelo discurso incendiário de”O Chega”, mantém a posição, (recuperando alguns fiéis tresmalhados) e o “Livre” não vai além de 1%. Que política de alianças permitiria o quadro em que esta sondagem profetiza? Uma nova “geringonça”, não menos instável? Uma (praticamente) impossível reedição do “Bloco Central” de Mário Soares e Mota Pinto? De fora, por força da estatística, e não só, deve ficar o paradigma açoriano… Brada o Ventura que o PSD não pode ser governo sem “O Chega”. Bem pelo contrário: o PSD não pode, a meu ver, nunca, ser governo com “O Chega”! Ganhará, sim, talvez, no plano interno, com ou sem CDS, um novo parceiro possível, ideologicamente distinto, mas decente e democrata – o IL – depois de, a nível internacional, ter pertencido, por largos e bons anos, à Internacional Liberal. No horizonte próximo, este (des)governo não se verá, provavelmente, ameaçado por qualquer alternativa. Não se sabe, porém, se o Presidente andará mais desperto e pronto a “apagar fogos”…

A "BOLHA SANITÁRIA" ESPONTÂNEA QUE SALVOU O PORTO

A "BOLHA SANITÁRIA" ESPONTÂNEA QUE SALVOU O PORTO Estado de calamidade na democracia Este extraordinário país que é o nosso, não pára de nos surpreender, em tempos de pandemia - ora somos os melhores, ora os piores da Europa (ou do mundo), sem perceber exatamente como nos desviamos, num instante, do caminho virtuoso ou, como, depois de bater no fundo, conseguimos recuperar tão depressa. Uma espécie de "montanha russa" que sobe e desce vertiginosamente, sob impulso de forças misteriosas... Longos meses vivemos em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, transitando, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que em bom português parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Diziam-nos, até há pouco, autoridades políticas, sanitárias, científicas (e outras que a Covid 19 revelou), que nenhuma dessas fatalidades era doravante provável. Porém, com a emergência de novas variantes e um razoável, ainda que insuficiente, ritmo de vacinação, já alguns políticos ou especialistas começam a vacilar.... O risco ressurge, a espaços, no vaivém de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos, e, com ele as restrições, muitas delas sem qualquer lógica ou rigor, o que tem um tremendo significado, em termos juríco-constitucionais e democráticos. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear liberdades, direitos e garantias dos cidadãos é delimitada pela racionalidade das medidas, pela procura de uma rigorosa proporção, que assegure a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade, em especial da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo foram suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusou-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistiu, impávida e muda, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à qualidade da democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria, e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise Covid, foi um médico, académico e especialista de saúde pública, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno, a ultrapassar a tal fronteira de razoabilidade, e, por isso, a colocar em questão o "Estado de Direito".... Na verdade, exige este a justificação dos normativos e ditames, em bases científica, racional, pragmática, que as autoridades se têm mostrado incapazes de aduzir. No ponto a que chegámos, é crucial, como disse o ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de constradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, discriminação de uns setores face a outros, e até de cidadãos nacionais perante estrangeiros. Vimo-nos emparedados, vigiados, com acesso vedado a igrejas, funerais, cemitérios, areias da praia e vistas de mar (mesmo em dias invernosos), passeios de carro, cafés, recintos desportivos... Na memória das curiosidades do ano louco de 2021 fica o caso de uma senhora multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas ou montras de lojas e restaurantes, com flores de papel, e de vender vasos de manjerico na véspera do S João (aconteceu em 2020, este ano parece-me que a proibição da festa-convívio, já não se estende a inertes objetos decorativos...). Por sorte para os responsáveis por este "policiamento de costumes, símbolos e imagens", o ridículo não mata! A revolução mental de maio de 2021 A gota de água que despertou no povo a consciência da discriminação inconstitucional e aberrante foi a realização da final da "Champions" no Dragão, com uma assistência de mais de 16.000 ingleses na precisa altura em que 500 portugueses eram proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi, depois de idêntica interdição ter atingido a disputa da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra. Os prenúncios de viragem, contudo, já vinham de trás. Podem datar-se, com precisão, na noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital, em pleno gozo da liberdade de estar ludicamente, à vontade como dantes, no espaço público. Na esfuziante festa do SCP foi muitíssimo mais compacta a multidão de adetos portugueses, do que a dos britânicos no Porto... mais numerosos, também, os desacatos, e mais violenta a repressão policial - brigas de bêbados, é sabido, são rituais lisboetas de celebração de campeonatos, ao contrário da tradição portuense de festejar vitórias em ambiente de São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem. Com este gigantesco ensaio de "desconfinamento total" se inaugurou, sem sombra de dúvida, a já chamada 4ª vaga pandémica. Os responsáveis pelo surto aí desencadeado foram, em primeira linha, o Presidente da Câmara de Lisboa, a incontornável DGS a a Ministra que é suposto tutelá-la (difícil é, de facto, saber quem tutela quem...). Porém, os três têm conseguido, com a cumplicidade dos "media" da capital, (sobretudo das televisões), rodear de cúmplice silêncio a sua ação ou omissão no evento de consequências catastróficas, deixando no terreno a arcar com culpas, pelo menos neste caso alheias, o badalado Ministro Cabrita e a polícia. Do acontecido nessa noite só poderão ser inocentados os adeptos sportinguistas, acima de 100.000, que andaram irmanados em cânticos e abraços, pelas ruas, até às 4.00 da madrugada, porque a isso foram encorajados pela agenda autorizada de festejos, que incluiu ecrã gigante para fãs às portas de Alvalade e passeio do autocarro dos campeões por avenidas pejadas de "manifestantes" ( na sua esmagadora maioria muito pacíficos) até às 4.00 da madrugada. O escândalo de Lisboa foi desvalorizado, de mediato, na narrativa oficial e assumiu contornos de coisa menor, caseira, olhada benevolentemente... sem por isso deixar de ser a origem de um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas), potenciado, nos dias e semanas seguintes por uma juventude à solta, na noite dos bairros populares, já sem qualquer ligação à adrenalina do futebol. A desgraça logo se abateu sobre o turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde". O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido foram os primeiros a pagar, assim, o preço dos folguedos consentidos pela DGS e pela edilidade de Lisboa, contra o avisado parecer da polícia. Vem agora, a Srª Merkl chamar a si o julgamento de mais um retrocesso português, atribuindo culpas à UEFA a aos ingleses, como se a final da Champions o tivesse desencadeado. Engana-se a ilustre senhora- ou foi enganada pelas manchetes que, cá dentro, fizeram opinião! Deveria, antes de discursar, ter estudado a cronologia e o mapa geográfico da pandemia nacional. "Facta": o agravamento deu-se logo na segunda metade de maio, não em junho, e com epicentro em Lisboa, a 300 quilómetros do local de ajuntamento de adeptos ingleses. No Porto, onde realmente estiveram, não deixaram rasto da variante nepalesa!... Aqui, a norte, os números não subiram após o 29 de maio, e, decorrido um mês, continuamos a ser a zona que, no continente, melhor resiste à mutação Delta, largamente predominante a sul. É de lá, onde não houve "Champions", que vai, fatalmente, estender-se ao país inteiro! Alguém deveria informar dos factos a chanceler alemã, iludida pela "portofobia" que grassa a sul, e, quicá, levada pela sua própria anglofobia. Assim se somam fobias, preconceitos e demagogia política, que não é exclusiva dos nossos Costas e dos nossos Rios.... Concedo que o Porto foi colocado em risco pelo governo, com o absoluto falhanço da "bolha sanitária", com tanta ligeireza, prometida à cidade. Mas o milagre aconteceu e a cidade não foi contaminada. Não se tratou de milagre divino. O Porto foi salvo pelos portuenses, pela "a bolha cívica" que souberam manter, (sem precisar de conselhos das doutoras Merkl, Freitas e Temido) isolando os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na inteira urbe - não se misturando com eles, não participando em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fizera nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FC Porto". No interior, dedicara, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o prestigiado semanário esqueceu-se de referir o admirável comportamento dos portistas e dos portuenses, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduraram o retângulo de jogo na grandiosa final. Fora do estádio, a história foi diferente, semelhante à da Albufeira e outros destinos turísticos algarvios - ou seja, muita cerveja consumida na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs embriagados. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita, rivalidades clubísticas luso-britânicas e outras pragas profetizadas, nada, nada mesmo!... Só ingleses, na sua maioria tranquilos e encantados com a bela cidade e o fantástico feito desportivo. Em suma: chegaram juntos, e juntos partiram, levando consigo o vírus nepalês. Escreveu-se direito por linhas tortas e a maior vitória foi a do Porto, graças ao civismo da sua gente! Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses, e desacreditou irremediavelmente, a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Um despertar de consciências, um sobressalto cívico, provocado pela dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador ,e até o de formação!) em comparação com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa às regras draconianas postas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências, fomentou a desobediência - tanto ao que é regulamentação excessiva, como ao que é legítimo exigir (uso de máscara e distanciamento físico qb) - neste último aspeto, infelizmente.... E, assim, a lição que fica deste mês de maio 2021, em Portugal, não vem da "guerra fria" de alemães contra ingleses, ou da "guerra sul-norte", com o futebol em fundo, mas do falhanço do "proibir, proibir, proibir", em vez de esclarecer as pessoas, e organizar competentemente a abertura de zonas convívio e lazer (como vai fazendo Rui Moreira...). A Champions foi a prova provada desta verdade elementar! È nteressante que os melhores exemplos tenham vindo do futebol, (o setor mais diabolizado pela DGS): dentro dos estádios, sempre que a título excecional, foi permitida a presença do público, tudo se passou, invariavelmente, na perfeição! O que correu mal, em Lisboa e no Porto, com portugueses ou com ingleses, ocorreu fora, desafiando, impunemente, proibições.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

DIÁLOGO E MONÓLOGO EM DEMOCRACIA  1-  O Presidente Joe Biden, que, aos 78 anos, foi, nos EUA, o mais velho a tomar posse nesse cargo e se revelou, em poucas semanas, o mais rápido a tomar medidas governativas, participou, no passado mês, na sua primeira "Town Hall", transmitida pela CNN para o mundo. Para quem não sabe exatamente o que isto é - como eu não sabia, antes de me converter em telespetadora habitual da CNN - começo por dizer que não é o que parece. Também se pode designar, mais explicitamente, por "town hall meeting", mas o sentido americano dessa realidade continuará a escapar-nos se traduzirmos por "reunião de Câmara". Não é isso, bem pelo contrário... Por curiosidade, pesquisei no "google" a pluralidade de sentidos de "Town Hall". Os mais comuns são Câmara Municipal - ou Prefeitura, no  Brasil - salão da Câmara, Assembleia, serviços camarários. Mas logo outros significados nos levam para longe da sede e do âmbito municipal, ao incluir qualquer reunião para discutir assuntos importantes, que pode ter um determinado círculo de participação, por exemplo, o interior de uma empresa, de uma instituição, ou constituir um conselho, um meio de comunicação e formação interna, ou alargar-se ao exterior, a públicos, que se quer sondar, esclarecer, atrair, mobilizar. Nos EUA, tem um significado mais preciso e inequívoco: é uma reunião interna ou pública, em que um dirigente, em qualquer domínio, político ou outro, responde a questões, livremente colocadas pela audiência. É sinónimo de diálogo democrático, lembra, porventura, a sua origem na "civitas", porém, o lugar concreto da fórmula "Town Hall /reunião", há muito, perdeu a sua umbilical ligação autárquica. Tanto pode realizar-se num salão municipal, como num anfiteatro universitário, num teatro, num hotel. Aquelas a que tenho assistido, na CNN, são, naturalmente, vistas não só nesse auditório, ao vivo, mas por milhões no ecrã da televisão, em diversas partes do planeta. As personalidades mais poderosas e influentes são ali interrogadas pelo cidadão comum, em perguntas quase sempre oportunas, que nós próprios gostaríamos de pôr em agenda. Um exercício democrático em modelo, infelizmente,  desusado na nossa cultura. 2 - Há, em Portugal, aproximações a este "happening", as mais interessantes das quais terão sido conseguidas nas "presidências abertas" do Doutor Mário Soares. Também se poderão considerar, na categoria de "sucedâneos", as "sessões de esclarecimento", que estiveram em voga no período pós revolução, mas que, com o decurso do tempo, se foram rarefazendo, como se o diálogo sobre políticas ou medidas concretas, (apenas pensadas, já  em execução, ou executadas), à medida que avançava a democracia, se tornasse  mais e mais supérfluo. Fomos, obviamente, no sentido errado! Aumentaram conferências de imprensa restritas a jornalistas e, por vezes, sem período de perguntas e respostas, entrevistas dos mesmos profissionais dos media, mais ou menos independentes, debates entre políticos (que sobem em flecha quando se aproximam eleições), mesas redondas de comentadores, em que os homens, brancos, de meia idade e lisboetas, predominam largamente, ou uma mistura destas modalidades, em moldes originais gizados por um programa de rádio ou televisão.Os governantes preferem, (sempre!) responder, não a interlocução direta do povo, mas a dos seus representantes eleitos, os deputados, num parlamento dominado por aparelhos partidários. E respondem o menos possível! Dá uma ideia precisa do estado da nossa democracia, a drástica redução das sessões parlamentares de "perguntas ao Governo", imposta pelo PS, partido no poder, e pelo PSD, o maior partido da oposição. Uma decisão que só tem paralelo noutra bizarra aliança dos mesmos partidos para limitar, deslealmente, a concorrência de listas de independentes às Câmaras e Juntas de Freguesia.A nível autárquico, a situação não é muito diferente -  os executivos são, periodicamente, questionados pelos eleitos nas assembleias municipais, mas os cidadãos dispõem de limitadas  oportunidades de com eles dialogarem. Em Espinho, isso acontece num período antes da ordem do dia, com exigência de inscrição prévia, e, nos anos em que assisti, por dever de ofício, a Assembleias, posso asseverar que não aconteceu com frequência, e o impacto foi assaz diminuto.Sessões públicas com membros do Executivo, como oradores? Só em comícios de campanha, para propaganda. É para o que servem, de igual modo, quase invariavelmente, as entrevistas nos media locais, ou nacionais.A única iniciativa referendária de que me recordo, num Município, deveu-se a João Soares, em Lisboa - a família Soares, talvez não por acaso, aparece nas exceções à regra, que, neste domínio, me ocorrem... O referendo era sobre a construção de uma espécie de funicular para acesso ao castelo de São Jorge, e foi prontamente derrotada pelo sufrágio popular. Eu, se, naquele tempo, fosse munícipe em Lisboa, também teria votado contra, mas com todo o apreço pelo gesto do Presidente de Câmara. Com outro qualquer, lá estava, hoje, o funicular... 3 - O espírito de "town hall" - de diálogo aberto e basista, com tempos precisos de indagação e esclarecimento, impostos por um moderador, em regra, um bom jornalista - nada tem a ver com convívios em festivos ajuntamentos, "selfies", conversas de rua, sorrisos e abraços (pré pandemia), que mais parecem rituais de campanha eleitoral, fora de época. Nada contra - acho até estimável e divertido, mas não é a mesma coisa que um debate sério e frontal sobre matérias muito concretas..Foi este tipo de debate que Joe Biden e a CNN nos ofereceram, a partir de Milwaukee. Ao satisfazer dúvidas dos  presentes no auditório - todos a distância recomendável, uns dos outros, e de máscara -  ele respondia às perguntas de um mundo, onde as preocupações andam globalizadas.  - Para quando a normalização da vida? Talvez no Natal, talvez para o ano, por esta altura... mas os especialistas não dão certezas (entretanto, com o sucesso da vacinação em massa, já antecipou a data prevista para o 4 de julho). De facto, triplicaram as aplicações, na América pós Trump (nome que evitou mencionar). E, lá, era no ato de vacinação, mais do que na quantidade de vacinas, que residia o obstáculo principal, pelo que estão a recorrer a médicos e enfermeiros reformados, à Guarda Nacional, ao Exército e, sobretudo, às farmácias, como postos de vacinação de proximidade.  - Reabertura das escolas? Sim, começando pelos primeiros anos, que não socializam excessivamente fora das aulas, mas só depois de planificar a divisão de turmas, em grupos mais pequenos, e de assegurar o transporte em perfeitas condições sanitárias.  - A vacinação dos professores de classes em funcionamento efetivo, como grupo de risco? Está em estudo. (por aqui, onde ainda escasseiam vacinas para os grupos de risco, com menos de metade dos maiores de 80 anos inoculados com apenas a 1ª toma, vacinam-se corporações inteiras, não só médicos - vá lá...- mas, também, bombeiros, PSP, GNR,  e agora, professores e pessoal das escolas! E pouco importa que se trate de jovens saudáveis,de 20 ou 30 anos, a trabalhar em ambientes que a propaganda governamental qualificava de "muito seguros" (os únicos que tiveram a decência de recusar a ultrapassagem dos mais idosos, foram os deputados -  e bastantes!).  - Apoios à economia? Sim, e em força. "Now is the time to be spending", segundo Biden (na Europa da Senhora von der Leyen, tarda a "bazuca", tardam as vacinas, suspendem-se vacinas - reinam a confusão, a suspeita, as meias verdades, feitas e desfeitas, no dia seguinte).. Este novo (ainda que velho na idade) Presidente revela-se um comunicador nato e uma simpatia! O momento alto da "town hall" foi a conversa com uma menina de oito anos. A mãe, explicando que a filha andava assustada com a pandemia, quis saber: -  "Para quando a vacinação das crianças?". Biden dirigiu-se, em linha reta, à criança, como um avô fala à neta, tranquilizando-a com informação científica, em linguagem acessível ("não precisas de vacina, pertences ao grupo de menor risco, estás segura"). E assim falou para todas as meninas e meninos da América... Não disse coisas extraordinárias, mostrou-se, sim, um ser humano extraordinário. Conseguiu, a meu ver, o que queria: ser claro, partilhar, sem euforia nem temores, sem ameaças ou recriminações, (a uma população que, em termos de paciente respeito por ditames muitas vezes opacos, fica muito aquém da portuguesa...) o estado atual do seu conhecimento sobre assuntos do quotidiano em que, afinal, se joga o futuro. Com ele, tudo pareceu simples, mas talvez não seja, a avaliar pelos tergiversantes monólogos de tantos responsáveis políticos.. A esmagadora maioria dos europeus e, em especial, dos nossos.
SURPRESA EM TONS DE AZUL E BRANCO Já não se pode esperar confiar na família mais próxima para uma pequena inconfidência... O Tózinho, a Teresinha e até a minha Mãe sabiam e não me disseram nada. Na Câmara, pelo menos nas antevésperas, também sabiam e guardaram segredo.Num país onde toda a informação escapa a qualquer controlo, esta notícia não saiu à rua.Fui assim totalmente surpreendida com a entrega do "Dragão de Espinho" na festa do 10º aniversário da Casa do FCP de Espinho.Primeira entrega para o Bruno Alves, como era há muito do conhecimento público. E, depois, subiu ao palco o Dr. Sardoeira Pinto e eu pensei que fosse discursar, como às vezes acontece, na qualidade de representante do Clube - o presidente da Assembleia Geral. Achei um pouco estranho que começasse por falar de mim, mas mesmo assim não suspeitei do que viria a seguir. Talvez avançasse com o meu nome por ser a única representante de Executivo da Câmara que estava presente... Quando continuou a falar intensivamente do meu trajecto de vida despontou uma suspeita, ainda nebulosa, porque custava a crer que fosse eu a homenageada, para além do Bruno. Nem me estava a ocorrer a habitual distinção de um associado... Mas quando do tempo de estudante de Coimbra o Dr. Sardoeira passa, elegantemente, para a época governamental, fez-se, emfim, luz no meu espírito. Tarde, mas fez-se... Foi muito simpático.Para mim tudo o que está relacionado com o Dragão tem um significado especial. E, sendo de Espinho, mais ainda.Não me achava muito merecedora, mas fiquei muito sensibilizada com o gesto! dez 2010  Publicada por Docas à(s) 14:36   1 comentário: Maria Manuela Aguiar17 de maio de 2012 às 12:31Foi uma decisão da direcção encabeçada pelo Júlio Lemos, que todos chamávamos Juca. Grande Portista, antigo jogador do FCP. Dono de uma boutique, onde me habituei a encontrar e comprar fatos muito bonitos- "sport", evidentemente! Mas a maior parte das vezes passava por lá (a sede da delegação do FCP é mesmo por cima) apenas para conversar com o Juca. Sobre futebol, sobre o nosso clube, sobre este ou aquele jogador.Ainda me custa a acreditar que ele já não esteja entre nós

Adelaide VILELA in Luso Presse

Viagens com vida e caminhos que fazem história Por Adelaide Vilela A história de hoje versa sobre a vida de uma Senhora que se deu ao luxo de fazer um percurso memorável. Nesta viagem com vida, por caminhos que fazem história, Portugal ganhou a primeira mulher Secretária de Estado, em domínios até aí reservados a homens, para gáudio de alguns e desgosto de outros. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira nasceu no dia 9 de junho de 1942, na casa da avó Maria, avó materna, em São Cosme de Gondomar. Maria Antónia, ao dar à luz a pequena Manuela traz alegria aos familiares e energias boas a cada aposento da casa grande, uma das chamadas “casas de brasileiros”.  Naquela moradia, viveu, cresceu, brincou, sonhou e foi feliz a bela Manuela. Depois de ler e analisar uma quantidade industrial de informação e muitos comentários contidos no Blog da Dra. Manuela Aguiar, deixei que a emoção me traísse. As coisas do passado provocam-se insónias mas trazem-me cheia de encantos. Assim, de imediato senti ternura imensa nas palavras desta querida amiga que tanto estimo e admiro, e nas respostas de seus primos e amigos, de todos quantos conhecem, privaram ou privam com Manuela Aguiar. O certo é que me vieram as lágrimas aos olhos: “Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que a cultura brasileira estava realmente presente, e mais nas narrativas, nas memórias, na música, na gastronomia do que propriamente na traça do edifício, ao gosto dos anos 20 do século XX”. Manuela Aguiar desde muito cedo deu provas de grande maturidade e de uma inteligência fora do comum. Tinha apenas treze anos escreveu um soneto no qual emprega uma linguagem literária fora do comum, e surpreende os grandes poetas da época. O poema foi publicado no suplemento do Diário de Notícias, por muitos anos dirigido por Maria Lamas (Modas e Bordados), com honras de bravura à menina e a seus pais e avós. Agora entendo porque aceitou prefaciar o meu livro “Olhos nas Letras”, pois, sei ao certo que gosta de poesia!  Pelo que lemos Manuela Aguiar foi sempre estudiosa. Para isso teve que ir à luta porque sabia de antemão que era necessário um bom quadro de formação, estudos e experiências.E como a vida e as histórias se constroem dia a dia, Manuela ingressa na escola pública durante dois anos, mais sete no Colégio do Sardão, e dois no Liceu Rainha Santa Isabel do Porto, qualificando-se com 18 valores no ano de 1960. Às vezes não é fácil, no entanto Maria Manuela sabia o que a esperava. Vieram tempos difíceis e de muito trabalho, mas Valeu a pena todo o esforço. Completou o curso de Direito na Universidade de Coimbra com 17 valores, corria o ano de 1965. E ganhou o título de aluna brilhante e estudiosa.Claro que para ela as oportunidades são únicas, por isso volta a desafiar-se, ao regressar aos bancos da escola, desta vez como bolseira da Fundação Gulbenkian. Os estudos eram o seu forte ainda que fosse fora de Portugal, e lá vai ela para Paris entre os anos 1968 e 1970. Se o Direito a tinha convencido, as Terras de Molière viriam a ser o paraíso certo para fortalecer os seus conhecimentos em Sociologia, e naqueles tempos a França estava na moda. Ainda bem que hoje é Portugal que anda na boca do mundo. E foi estimulante saber que Maria Manuela concluiu o ano de titularização na “École Pratique des Hautes Études”, com Alain Touraine, vários certificados avulsos na "revolucionária" Universidade de Vincennes, entre eles o de "Sociologia Americana" e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit", na Faculdade de Direito do Instituto Católico de Paris (única instituição onde os ventos da revolução não tinham alterado o quadro de ensino).Maria Manuela Aguiar teve ao longo da sua vida muitos mundos dentro do seu coração, assim podemos afirmar que tinha vários países na mira do seu pensamento, com o Canadá e as suas políticas democráticas no alto. Mas sobre as cidades onde viveu ainda hoje declama desta forma tão peculiar:   “Em muitos lados fiz boas amizades que ficaram para sempre: O que António Vitorino de Almeida diz de Viena, posso eu dizer desta outra geografia: "A França  não é o meu país, mas Paris é a minha cidade". (A par de Coimbra, e só perdendo para o Porto).Percebe-se que já naquela altura, antes e depois do 25 de Abril, Maria Manuela Aguiar era uma mulher que gostava avançar no tempo, pelo que, com rebeldia ou não, desenvolveu, dinamizou e conseguir uma série de conquistas demonstrando que quando é necessário muda-se o que está errado tornando cómodo quaisquer níveis de desenvolvimento uteis para a sociedade.Durante os tempos de migração em França foi assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/74), onde granjeou grandes amizades e teve excelentes diretores, e que sempre lhe deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das  Nações Unidas…). Um homem do regime (Cortez Pinto), o outro progressista e genialmente inteligente (António  da Silva Leal).Como professora universitária Manuela Aguiar - a convite de Álvaro de Melo e Silva – foi docente na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa (1972/73). Logo foi surpreendida com outro convite que a levou à Faculdade de Economia de Coimbra, e como as condições do passado a poucos interessava a Sra. Dra. foi uma sortuda ao encetar o novo e brilhante cargo no derradeiro dia da ditadura, no dia 24 de abril de 1974. Ainda no mesmo ano académico, na Faculdade de Direito, torna-se assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e Mota Pinto, futuro Primeiro Ministro, vindo a reger o curso  de Introdução ao Estudo de Direito, integrando a linha de investigação de Direito de Família do Prof Pereira Coelho. Tempos felizes em que a jovem docente colocava em evidência, perante os seus alunos, a temática sobre o respeito pela lei a como o maior apelo ao desenvolvimento numa nova realidade, sendo a liberdade, e a igualdade, de baixo para cima, um pilar fundamental para uma sociedade livre.Em 1976 deixa a Faculdade para ser assessora do Provedor de Justiça, instituição inspirada no “Ombudsman” sueco, que acabava de abrir as portas:“Aí trabalhei com o primeiro Provedor, um dos grandes “militares de Abril”, Coronel Costa Braz e, poucos meses depois, com o segundo, o mais admirável de todos os notáveis dirigentes  com quem colaborei - o Dr José Magalhães Godinho. No início de 1990 Manuela Aguiar regressa ao ensino, como docente convidada da Universidade Aberta, e dirige os estudantes de mestrado em Relações Interculturais, curso de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas".Em Portugal foi interveniente no Governo e no Parlamento, incentivada pelo Doutor Mota Pinto e, depois, por Sá Carneiro,  a fazer carreira política. E estava encontrada a primeira mulher Secretária de Estado da Emigração que viria a conquistar a simpatia dos emigrantes espalhados pelo Mundo. No seu executivo conseguiu um feito jamais visto, do qual ainda hoje se fala com maior carinho e gratidão. Como podemos analisar muitos foram as viagens e as negociações que a Secretária de Estado teve que empreender para que os emigrantes lusos no Canadá pudessem reaver a nacionalidade portuguesa, pois aqueles que se tinham adquirido a nacionalidade canadiana perdiam automaticamente a portuguesa, isto na década de 70.Não nos podemos esquecer que Manuela Aguiar foi uma das mulheres mais influentes na política nacional e internacional. Esteve na política em cinco governos e no parlamento durante cerca de 25 anos,  sempre amarrada, de alma e coração, à problemática das migrações, dos Direitos Humanos, da igualdade. Fez igualmente parte do Governo de Mário Soares e de  Cavaco Silva e foi a primeira mulher Vice Presidente da Assembleia da República, a dirigir Plenários e delegações Parlamentares Para quem não se lembra, deixou como legado, aos parceiros sociais, a Comissão para a Igualdade no  Trabalho e Emprego (CITE).Foi também eleita, em sucessivas legislaturas, como representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia da União da Europa Ocidental e a primeira mulher a Chefiar a Delegação portuguesa nessas organizações, isto a partir de 2002.Foi Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia e Presidente da Subcomissão da Igualdade da Assembleia e Parlamentar do Conselho da Europa, escolhendo para intervir, também a nível internacional, a causa dos marginalizados, migrantes, refugiados, mulheres...Na política a nível local, foi deputada na Assembleia Municipal do Porto, nos anos noventa, e vereadora da Cultura da Câmara de Espinho (2005/2011). Em todos os projetos desenvolvidos como docente ou através da sua carreira política, o projeto de valorização da mulher na sociedade, foi o mais valioso que lhe conhecemos e que na Diáspora Portuguesa desenvolveu, sobretudo entre 2005 e 2010, com a inesquecível  Drª Maria Barroso, com ela percorrendo as "sete partidas do mundo". E aqui reconhecemos o quanto a Dra. Manuela Aguiar fez no plano nacional como internacional, tendo dado prioridade a múltiplas ações na luta pelos Direitos dos Migrantes em todas os países de acolhimento por onde passou.  Para terminar este trabalho lembramos algumas da múltiplas condecorações e distinções que recebeu Maria Manuela Aguiar:  a Grã- Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique,  atribuída pelo Presidente Jorge Sampaio, a Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e a da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Império Britânico (OBE), a Grã Cruz de Francisco Miranda (Venezuela) ou o grande oficialato da Ordem da Estrela Polar (Suécia), e da Ordem de Mérito (França), o Título de "Cidadão do Rio de Janeiro", Medalha Tiradentes (Brasil). Recebeu ainda a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro) e a Medalha de honra da Câmara de Espinho. Destacamos todas as condecorações que recebeu: “do significado que têm para mim, outras condecorações, e muitos títulos de sócia honorária de associações portuguesas, em Portugal e pelo Mundo”. Este ano Manuela Aguiar teria participado, no mês de março, nas celebrações do Dia da Mulher do Lusopresse, festividades canceladas derivado à pandemia que assolou o Mundo. É mais um prémio que vai arrecadar, assim que as linhas aéreas sejam normalmente abertas. Maria Manuela Aguiar tem apoiado o Jornal Lusopresse, através suas brilhantes atuações, e a cada vez que participa nos eventos como convidada especial. Também agradecemos o facto de ter apreciado e referido aos seus amigos e lugares o nosso jornal fazendo-nos acreditar que devemos continuar com a nossa missão de enaltecimento à língua e á cultura portuguesas.   Na próxima edição contaremos resumidamente a história da família da Dra. Manuela Aguiar

ACADEMIAS DE BACALHAU

ACADEMIAS DO BACALHAU Em 1980, por gratificante "dever de ofício", como membro do Governo responsável pela emigração, iniciei um infindável roteiro de viagens ao mundo da nossa Diáspora, que até aí desconhecia na sua verdadeira dimensão, como era comum, e ainda hoje é, entre os portugueses que de deixaram ficar no território das fronteiras geográficas. Cheguei à África do Sul, em setembro desse ano, já com a experiência de contactos com coletividades portuguesas de três continentes, e, assim, facilmente, pude detetar, viver e sentir a absoluta singularidade das Academias de Bacalhau, enquanto novo modelo de reunir os portugueses para fazerem coisas grandes na campo dos valores do humanismo, da lusofonia, da entreajuda, em ambiente de tertúlia, a partir da festa, de ditames e rituais, que se diria (e bem...) inspirados nas tradições académicas, numa fraternidade de jovens de espírito, se não de idade...  Nos momentos divertidos em que levantava, baixava e bebia um copo de vinho no meu primeiro " gavião de penacho", pensava: "que ideia tão bem achada e tão bem conseguida!". Estava em Joanesburgo, na Academia-mãe, num almoço certamente mais formal do que habituais, mas onde (não obstante esse "senão"...), o espírito da festa se mantinha intacto. Entre tiradas de humor, graça "académica" e boa disposição geral, ao lado do mítico fundador Durval Marques, aprendi que nas Academias, já então pujantes em toda a África Austral, ninguém se ficava no "convívio pelo convívio". Eram todos militantes da intervenção solidária na sociedade! Aprendi que a ação se desenrolava, sempre, em dois tempos sucessivos: o do almoço de amigos, puramente lúdico, com as suas regras estritas de convivialidade, as proibições (como falar de religião, de política...), cuja infração frequente, garantia multas pesadas: o da gestão dessas bem voluntárias e eficazes "multas" em favor da comunidade. Com essas verbas lançaram,por exemplo, a primeira pedra do Lar de Terceira Idade de Joanesburgo, que talvez seja o melhor de todos os que existem na Diáspora , prestaram assistência aos refugiados de Moçambique e Angola, em 1974 e 1975, e prosseguem, hoje nos quatro cantos da terra, projetos adequados ao perfil de cada comunidade, ás suas aspirações culturais ou a apoio aos desfavorecidos.Esse primeiro "almoço de descoberta", logo me tornou uma incondicional admiradora de tão fabuloso paradigma de "ridendo" fazer o bem ! Ainda por cima, correspondendo a esse sentimento de genuína adesão a princípios e práticas das "Academias", fundadas na amizade, na alegria de conviver e na vontade de tornar o mundo melhor, vi-me aceite como membro honorário de tão distinto círculo! Não era, aliás, a primeira portuguesa a ser assim chamada ao convívio dos auto-designados "compadres". Na altura, os almoços e, com eles, a titularidade de associado,  eram, em regra, reservados aos "compadres", mas tudo o que se passava em horário pós-laboral, jantares, ceias, abrangiam as mulheres, as "comadres".  Era a evidência de que a "praxis"  se baseava num relacionamento preexistente - o do almoço, na pausa do trabalho, entre profissionais (todos homens, porque a metade feminina estava, de facto, ausente desse círculo) , o do jantar, naturalmente, para famílias inteiras. E, por que nunca foram uma espécie de "clube inglês" segregacionista,, quando as Academias chegaram a comunidades onde as mulheres partilhavam  com colegas homens o meio profissional, logo se abriram à sua plena participação e prontamente as vimos assumirem a presidência - o que nas instituições mais tradicionais foi um caminho longoDefensora, como sou, de uma associativismo misto, onde os géneros de completam como fator de progresso, compreendo a existência de organizações femininas - ou masculinas - quando moldam realidades  de cooperação, que de outro modo são prejudicadas, esperando sempre vê-las evoluir para um harmonioso encontro de todos. Até também neste aspeto, as Academias de Bacalhau nos deram uma lição de boas práticas, na rota dos bons princípios!

CIDADANIA LUSO BRASILEIRA

A comunidade luso-brasileira é uma realidade humana, histórica, sociológica, linguística, cultural, afetiva, que antecede em séculos a sua consagração na esfera do Direito interno e internacional. Mais do que a história desta comunidade, é a da sua supra estrutura jurídica, e dos processos de formação da vontade política que lhe deu a sua arquitetura atual, num e noutro país, que vamos, de uma forma necessariamente sumária, trazer hoje a debate.  A nível bilateral, as primeiras negociações tiveram lugar nas décadas 50 e 70 do século passado. A elas se seguiu, em 1988, uma iniciativa unilateral brasileira, que, em sede constitucional, consagrou a plena equiparação dos portugueses a nacionais, sob condição de reciprocidade para os brasileiros. Não se tratou de consagrar a dupla cidadania, mas de lhes conceder os direitos da nacionalidade brasileira, na qualidade de imigrantes portugueses. Um inciso à medida das aspirações de uma grande comunidade, a nossa, que nunca se considerou estrangeira no "país irmão". O poderoso movimento associativo, que é seu porta-voz, e muitas personalidades influentes na sociedade e na vida política do país, uniram-se para levar o estatuto de igualdade à sua última fronteira. Da pura utopia se passou a uma absoluta singularidade em matéria de Direito comparado. Em  Brasília, fora complexo o processo de feitura da Constituição, em especial no capítulo da nacionalidade - com uma única ressalva: a atribuição dos direitos de cidadania aos portugueses, votada sem discussão e por unanimidade! Esperava-se outro tanto da Assembleia da República em Lisboa. Contra as expetativas, a sua resposta não foi nem rápida nem fácil, num ambiente partidário de incompreensão e de desconfiança, de polémica e dissenso, que se arrastou por 13 longos anos e três processos revisionais, comprometendo gravemente a tradicional cordialidade nas relações entre os dois países.   Começaremos por uma breve referência aos processos de negociação a nível governamental, para abordar, depois, mais detalhadamente, a chamada "questão da reciprocidade", que se suscitou com a transposição do processo legislativo para o âmbito dos parlamentos. I-1-O TRATADO DE AMIZADE E CONSULTAO estatuto de cidadania luso-brasileira foi formalmente consagrado no "Tratado de Amizade e Consulta", em 1953 e abrangia o direito de livre circulação, de residência e de estabelecimento dos nacionais de um país no outro e a concessão dos direitos da nacionalidade, que não fossem incompatíveis com as respetivas Constituições. Não exigia a prévia residência no território, podendo ser invocado tanto durante uma estadia transitória (art. 4), como para o livre estabelecimento de domicílio no país (art. 5).  Um acordo bilateral pioneiro, em termos de Direito internacional, fundamentado na realidade de uma comunidade preexistente, que a Lei se limitava a subsumir e reconhecer na sua letra. Comunidade nascida do incessante movimento migratório, de que se fez a história partilhada, antes e depois da independência do Reino Unido. Ao longo dos séculos, e, sobretudo, a partir de oitocentos, emigrar era, praticamente, sinónimo de emigrar para a imensa colónia sul- americana. Desde as Ordenações Filipinas a legislação portuguesa tentou, com medidas proibitivas ou restritivas, em vão, travar as correntes migratórias  consideradas excessivas. Desse "excesso" se fez  percurso e convívio de gente comum, mais igualitário e fraterno do que o que é regra estabelecer entre a administração colonial e o povo. Assim o proclama, afinal, o Tratado, ao falar de "afinidades espirituais, morais, éticas e linguísticas", de que resulta "uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos".Este documento matricial foi assinado no Rio de Janeiro, a 16 de novembro de 1953, pelo Embaixador António de Faria, por Portugal, e pelo Ministro das Relações Exteriores Vicente Reo, pelo Brasil.   I - 2 - CONVENÇÃO DE IGUALDADE DE DIREITOS E DEVERES ENTRE PORTUGUESES E BRASILEIROS (1971) Em 1969, a emenda  nº 1 à Constituição brasileira veio explicitar os direitos civis e políticos dos portugueses a nível local, estadual e federal, incluindo o sufrágio nas eleições legislativas. Portugal deu idêntico tratamento aos brasileiros ao assinar a "Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros", em 1971, que, no art.1 estipula "Os Portugueses no Brasil e os Brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais", distinguindo dois estatutos - o "Estatuto geral de igualdade",  que tem de ser requerido à entidade competente e pressupõe apenas a capacidade civil e a residência permanente no território e o "Estatuto especial de igualdade de direitos políticos",  que exige a residência principal e permanente há mais de cinco anos e a prova de que o cidadão não se encontra privado de direitos políticos no país de origem.Em relação ao Tratado de 1953, registam-se  progressos no campo da intervenção política, designadamente, com a previsão dos direitos de voto inclusive, a nível federal, assim como do acesso à magistratura judicial. Todavia, a Convenção dirige-se, em primeira linha aos imigrantes, deixa de se aplicar à generalidade dos naturais dos dois países e não prevê a liberdade de circulação.É de salientar que, nesta data, cessara já a emigração em massa de portugueses para o Brasil, e era praticamente inexistente a de brasileiros em Portugal, pelo que a Convenção beneficiava, sobretudo, as nossas comunidades radicadas no país, satisfazendo, fundamentalmente, as suas reivindicações. Não lhes faltava prestígio e capacidade de se fazer ouvir - as razões determinantes de ter sido sempre o Brasil o principal obreiro dos processos negociais, a que Portugal quase se limitou a corresponder (paradoxalmente, melhor, então, durante a Ditadura do que, depois, em Democracia...)..Numa primeira comparação entre o conteúdo da cidadania luso- brasileira, resultante da Convenção de 1971, e o da "cidadania europeia": constatamos que, embora aquela não abranja o direito de livre circulação (aliás, concedido com fortes limitações dentro da EU…),  vai muito mais longe no campo dos direitos civis e políticos. Na verdade, não se vê como e quando a UE conseguirá ultrapassar o tabú em que está convertida a ideia da partilha de soberania, pela abertura à participação dos cidadãos europeus, não nacionais, na escolha democrática dos seus órgãos de soberania. Coisa encarada como tão natural no vasto espaço da lusofonia (de notar que, antes da independência das colónias portuguesas, os acordos celebrados neste domínio, englobavam, efetivamente, todo esse universo, só depois se limitando ao luso-brasileiro).  ...  II -A QUESTÃO DA RECIPROCIDADE II -1  A iniciativa dos Constituintes Brasileiros A Assembleia Constituinte da República Federal do Brasil, em 1988, tendo com Relator o Constituinte Bernardo Cabral, tomou a iniciativa de ampliar o estatuto de direitos dos portugueses, equiparando-o ao dos brasileiros por naturalização Nos termos do parágrafo 1º, do art.12: “Aos Portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos Brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros natos, salvo os casos previstos nesta Constituição”O parágrafo 3º enumera os cargos políticos exclusivos dos brasileiros natos -  o de Presidente da República, os que estão na sua linha de sucessão, a carreira diplomática e o posto de oficial das Forças Armadas.Aos portugueses são, assim, reconhecidos os direitos de voto em todas as eleições locais, estaduais e federais, a possibilidade de serem deputados, membros do governo, ou juízes dos tribunais superiores.No Brasil dessa época eram já muito significativos os exemplos de vivência concreta do estatuto de igualdade, caso de Ruth Escobar, hoje aqui homenageada, que, tendo tido sempre exclusivamente a nacionalidade de origem foi a primeira mulher eleita deputada à Assembleia do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas, para o acompanhamento da Convenção contra todas as formas de discriminação feminina.Entre nós, tantos anos após a entrada em vigor do mesmo Estatuto, ainda não conhecemos Brasileiros em cargos políticos de idêntico relevo, numa comunidade que vem crescendo desde a década de 90… II - 2 -  As Revisões Constitucionais de 1989 e de 1997Ao tempo em que foi conhecido o texto da Constituição brasileira, preparava-se em Lisboa a segunda revisão da Constituição de 1976. Todavia, nenhum dos projetos subscritos pelos partidos cuidava de introduzir no art.15 as alterações exigíveis para a entrada em vigor do novo Estatuto de Igualdade de Direitos políticos. Era o primeiro indício de incompreensão partidária da importância de aprofundar a cidadania luso-brasileira. Insensibilidade dos partidos, não dos deputados. Sintonizada com o sentir das comunidades portuguesas do Brasil, através de contactos frequentes ao longo de quase 20 anos, alertei para a situação a Comissão de Negócios Estrangeiros, onde, de imediato, por unanimidade se votou a seguinte recomendação de nova redação do nº 3 do art.15, dirigida à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC): “Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e sob condição de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à presidência de órgãos de soberania, e das Regiões Autónomas, as funções de Ministro de  Estado, o serviço das Forças Armadas e a carreira diplomática”.Na Comissão de Negócios Estrangeiros constatamos a espontânea reação de cada um dos deputados, em favor da reciprocidade. Pelo contrário, na CERC prevaleceram as posições de cada um dos partidos, cujos representantes ignoraram aquela recomendação. Quando os projetos de revisão subiram a plenário, foi pela mão de 57 deputados de todos os partidos, a título individual, que a emenda ao art.15 foi subscrita. Entre eles estavam os nomes de Adriano Moreira, Pedro Roseta, Natália Correia, Manuel Alegre, Jaime Gama, Luísa Amorim e até do líder parlamentar do PS (António Guterres) e de um Vice.presidente da bancada do PSD (Pacheco Pereira). A proposta não obteve a necessária maioria de 2/3, devido à abstenção ou ao voto contra de PSD, PS e PCP. A favor, o CDS, o PRD, independentes, como Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, e os deputados, que tiveram a coragem de divergir das suas bancadas parlamentares.O eco mediático desta falta de reciprocidade portuguesa teve  naturalmente, forte impacto negativo do outro lado do Atlântico.A revisão constitucional de 1996/97 foi antecedida por um acordo extra- parlamentar dos dois maiores partidos, em que nada se dizia sobre a dação de reciprocidade no art. 15. Sabia-se que todos os partidos parlamentares eram já favoráveis à reciprocidade salvo o PS, por inultrapassável oposição do influente Presidente da Assembleia  da República Almeida Santos, advogado de profissão, que rejeitava tanto o acesso à magistratura judicial (já aberto na Convenção de 1971) como a intervenção política prevista na Constituição de 1988.Apresentamos, novamente, uma proposta de reformulação do art.15, assinada por cerca de 50 deputados de todas as bancadas, incluindo alguns notáveissocialistas. O PS inviabilizou a sua aprovação. A argumentação aduzida, durante os anos de denegação da reciprocidade, quase se limitava a agitar o medo de "invasão" de um pequeno território habitado por 10 milhões, por quase 200 milhões de brasileiros e a mais alguns milhões de africanos e timorenses,(que involuntariamente entravam na crónica do desentendimento luso-brasileiro, só porque todas as propostas sufragadas sobre o art.15 os abrangiam, também, "sob condição de reciprocidade", que, aliás, nenhum deles, até hoje, se mostrou minimamente interessado em conceder). Todavia, o que estave em causa não era a possibilidade de livre circulação, mas apenas o alargamento do estatuto de direitos políticos, só ao alcance de imigrantes legais com mais de cinco anos de residência!...E assim se criou e se manteve um clima de tensão no relacionamento luso-brasileiro, que foi particularmente visível durante a visita de estado do Presidente Jorge Sampaio ao Brasil, nesse ano de 1997 – não obstante ele ter manifestado o maior apoio à causa da cidadania luso.brasileira.Na sequência das declarações do Presidente, o PSD, através de três dos seus deputados, tentou ainda promover a revisão extraordinária da Constituição, viável por maioria de 4/5, não tendo podido reunir o indispensável consenso. Nem mesmo no ano 2000, por ocasião das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, tal desiderato foi alcançado. Os governos não foramalém da assinatura de uma mera compilação dos tratados bilaterais em vigor, com uma melhoria de reduzido significado no estatuto de direitos políticos -  o encurtamento do prazo para o requerer de cinco para três anos II-3 - A Revisão Constitucional de 2001Em 2001, a fim de permitir a adesão  Portugal ao Tribunal Penal Internacional, foi convocada, de urgência, uma revisão extraordinária da Constituição, À partida, para decidir apenas esse ponto, mas tendo alguns partidos aproveitado para acrescentar mais um ou outro, a título excecional,, também eu no grupo parlamentar do PSD coloquei como inadiável a alteração do art.15. Nem todos pareciam muito recetivos, até que Durão Barroso, o presidente do partido, surgiu em seu favor. Pela primeira vez, a respetiva proposta seria feita por um partido politico, não por um grupo de parlamentares, a título pessoal, Pela primeira vez, também, a CERC ouviu, em audiência pública, entre outras personalidades. um incondicional defensor da imediata dação de reciprocidade: o Dr Mário Soares. A intervenção clara, concisa e veemente do fundador do PS conseguiu em poucos minutos o que tardara em anos de combate: levar o representante da bancada socialista a dar ali, sem mais hesitações, um "sim" definitivo. Quando a proposta foi debatida e votada no hemiciclo, já o consenso de todas as bancadas, e de todos os deputados, era um dado adquirido.Houve, é certo, ainda ocasião para uma última e pontual divergência, mas de natureza puramente simbólica: a inclusão ou não de uma expressa referência ao Brasil  no corpo do artigo, atendendo a que a Constituição brasileira também menciona Portugal e os portugueses. Mas a tarefa fundamental estava concluída, nessa tarde de 4 de outubro, em ambiente de concórdia e de festa, à volta destes dizeres do nº 3 do art 15:" Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente em Portugal, são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro ministro, Presidentes dos tribunais supremos e ao serviço das Forças Armadas e no serviço militar."-Na verdade, o grande debate ocorrera, como vimos, meses antes, em julho de 2001, fora do hemiciclo, E as palavras que mais merecem ser lembradas são as de um tribuno, que ao tempo, já não era parlamentar: Mário Soares, que disse, cito:"Este é um ato político de grande visão em relação ao futuro, que devem considerar como um passo mais naquilo que é o nosso universalismo, que é o reforço de Portugal no mundo, quer em relação aos brasileiros, quer em relação aos africanos, quer em relação, futuramente, aos timorenses"