terça-feira, 27 de julho de 2021

SUBITAMENTE, MEMÓRIAS DAQUELE DIA DE ABRIL... 1 . Com a morte de Otelo se revive, agora, intensamente, aquele 25 de abril já longínquo, com uma avalanche mediática de depoimentos, noticiários, imagens e entrevistas de época... Assim , de repente, e sem ser por decreto do governo, se iniciaram, verdadeiramente, as comemorações da revolução, que vai fazer o seu cinquentenário daqui a três anos. Para um governo que queria começar com grande antecedência a preparação da efeméride, fez-lhe, prematuramente e por uma triste razão, a vontade o destino... Só Salgueiro Maia, que partiu tão cedo e tão discretamente, (na sua opção de uma vida inteira de servir o País, com honra e sem vã glória), é um símbolo maior do movimento dos capitães, que fez a revolução e abriu caminho à democracia. A ambos estes, então, jovens militares - homens da minha geração, apenas alguns anos mais velhos do que eu... - não faltou a audácia e a coragem de afrontar o Poder e arriscar a vida pela liberdade. Isso lhes devemos, para sempre, como Povo, a eles e a todos os que estiveram juntos nessa grande aventura, tão espantosamente bem sucedida. E não vale dizer, como alguns ainda insistem em fazer-nos crer, que em causa estavam meros interesses corporativos. Não... A democratização do regime, na fase final da operação militar em preparação, era já a prioridade. O que começara com um mero caderno de reivindicações de caráter "sindical" de oficiais de carreira, convertera-se em autêntica luta ideológica de combate à ditadura, para pôr termo a uma guerra colonial, votada à derrota pelos ventos da história. Já não estava em causa a alteração de um diploma que gerara o mal-estar inicial num determinado setor, mas a discussão do programa de um movimento das forças armadas para o derrube do regime anacrónico, seguida da transição para a democracia plena. A solução para o mal-estar coletivo de múltiplos mundos, presos no mesmo impasse, na mesma ditadura. Um fim de ciclo. Um fim do império. A libertação simultânea de um Estado velho e de vários novos Estados, que iriam conhecer sorte muito diversa... Tempo de paz, no fim da transição, para Portugal e para Cabo Verde, que rapidamente se reconstroem, em democracia. Tempo de mais sangrentas guerras para outros países africanos, de invasão e genocídio para Timor-Leste... O que se faz demasiado tarde, tem tudo para correr tragicamente A exceção é do domínio do milagre. Na nossa descolonização, o único milagre foi obra dos cabo-verdianos. 2 - Conto-me entre os que olham com agrado uma comemoração do 25 de abril de 1974, que seja mais do que festas e discursos rituais, centrados num dado momento, desde que um período tão alargado se destine a reflexão e estudos sérios, envolvendo investigação académica, preservação de testemunhos e memórias, chamando interlocutores no universo do antigo império, da lusofonia. Missão ciclópica, diálogo que se adivinha difícil, se ousar afrontar dogmas e preconceitos, se ambicionar um enfoque diacrónico não só sobre este meio século, mas sobre o seu "antes" e o seu "depois". Tarefa que deverá congregar velhas e novas gerações, pôr o acento no intercâmbio de ideias, de solidariedades, sem esquecer as migrações, que neste espaço pluricontinental se continuam, e são verdadeiras pontes transnacionais entre as sociedades dos países a que pertencem. Escolha ideal, indiscutível, a do General Ramalho Eanes para a Presidência das comemorações, porque ninguém, como ele, representa não só o espírito da revolução militar que incorporava um projeto (necessariamente incerto) de democracia, mas a capacidade de viver o projeto no seu conseguimento concreto, com o voto dos portugueses. Nem todos queriam o mesmo, como o PREC mostrou, dia após dia, e, sobretudo, em dias que ficaram gravados no curso da história - 28 de setembro, 11 de março, 25 de novembro... - em que se inscreveram diferentes conceitos para a palavra democracia... Á partida, decepcionante é a entrega da coordenação do programa de celebrações a um jovem universitário, com notoriedade que lhe vem muito mais dos ecrãs de televisão do que de trabalhos científicos. Na TV, de onde o conheço, me parece, devo dizê-lo, um moderado e afável comentador, embora não uma fulgurante e carismática personalidade, um Soares, uma Maria Barroso, um Guterres, um António Vitorino - para me ater só ao quadrante socialista... Às vezes, não é mau partir de baixas expectativas... De qualquer modo, sentir-me-ia bem mais animada com um grande nome das Ciências ou das Letras, à frente de estrutura menos rígida, onerosa e pesada. 3 - Otelo é, por sinal, o exemplo mais do que perfeito para exemplificar a diferença que faz entregar uma missão à pessoa certa ou pessoa errada. No 25 de abril, a coordenação do plano estratégico e da sua operacionalidade, converteu-o em herói nacional. Aí, como o "cérebro" de uma revolução sem sangue, vitoriosa e popular, ganhou o seu lugar num pedestal de fama, de onde ninguém jamais o retirará. E, todavia, não era, de todo, talhado para "o dia seguinte". Ou seja, para nenhuma das altas funções que veio a exercer... Não avanço prognósticos sobre o julgamento final que lhe está reservado na história pátria, mas tenho o meu, subjetivo e naturalmente irrelevante. Para mim, há, para além da sua inconstância ideológica, da sua adesão a todos os excessos revolucionários, que fizeram perigar a implantação da democracia, (tal como eu a entendo), uma surpreendente constância na procura do "bem comum" e não de proveito pessoal, que me leva olhá-lo benignamente. Desde o PREC, estive sempre do lado contrário da barricada, olhando a sua radicalização, sem nenhuma condescendência no que respeita às suas ações, enquanto figura pública, mas, estranhamente, com bastante complacência em relação ao Homem. É alguém que eu gostava de ter conhecido pessoalmente, cuja voz faz falta na comemoração que se aproxima, cuja partida lamento.
CONVITE Caríssimas/os No âmbito dos colóquios organizados pelo Círculo Maria Archer, vimos informar que no próximo dia 10 de julho (sábado), às 18 h (hora de Portugal Continental), inserida na iniciativa “As Letras na Diáspora”, será realizada uma homenagem ao Professor Eduardo Mayonne Dias (1927-2021), que recentemente nos deixou, silenciando-se uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa na Diáspora Americana. Subordinada ao tema “Homenagem d’Além Mar”, será oradora a Professora Doutora Rosa Simas, da Universidade dos Açores, cuja vida académica ficou indelevelmente marcada por este docente, quando teve o privilégio de ser sua aluna na Universidade da Califórnia, Los Angeles e Santa Bárbara. Considerem-se todas/os convidadas/os através do link: https://us02web.zoom.us/j/7531842887?pwd=VTdDVFRySkgva2wyUXRJekhFSXA2dz09 ID da reunião: 753 184 2887 Senha de acesso: xK2LNF

terça-feira, 20 de julho de 2021

CONVITE ERA UMA VEZ. - CICLO DE COLÓQUIOS SOBRE O CONTO INFANTIL.. O Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer leva a efeito na segunda feira, dia 26 de julho, o 2º colóquio sobre o conto infantil, em que procuramos divulgar obras de autores da Lusofonia, de dentro e de fora de Portugal. Desta vez, no dia dedicado aos Avós, é Manuela Marujo quem nos apresenta o seu livro "A primeira vez que eu vi neve" - um retorno ao mundo das crianças inspirada na sua própria infância. Manuela Marujo é professora emérita da Universidade de Toronto, onde, durante muito anos, exerceu o cargo de "Associate Chair” do Departamento de Espanhol e Português. Para além da sua faceta académica, é uma personalidade marcante na comunidade portuguesa de Toronto e no universo da nossa Diáspora, Co- fundadora dos movimentos internacionais designados por "A vez e a voz das Mulheres" e "A voz dos Avós", com ela poderemos abordar o significado da sua narrativa, o que a levou a escreve-la, e, também, a sua visão e experiência de diálogo intergeracional num contexto migratório. Com este ciclo de colóquios queremos lembrar Maria Archer, na sua veste de grande contadora de histórias, oralmente - como sabemos pelo testemunha dos que tiveram o privilégio de a ouvir - e através de uma ou outra incursão na literatura infantil e juvenil, como tantos outros escritores, jornalistas e professores, em que se incluem Ana de Castro Osório, Natália Correia, Érico Veríssimo, Luís Sepúlveda e Vargas Liosa.. Tópico: Zoom meeting invitation - Reunião Zoom de Maria Manuela Aguiar Hora: 26 jul. 2021 06:00 da tarde Londres Entrar na reunião Zoom https://us02web.zoom.us/j/87365561790?pwd=aUd5Q0Z3aW1XTUNCNmcySjFaNzliQT09 ID da reunião: 873 6556 1790 Senha de acesso: 925203 A sessão será integralmente gravada
A PANDEMIA NO ESPELHO DO FUTEBOL 1 - Portugal começou bem e acabou mal o Euro - eliminado, no "mata-mata" (como dizia Scolari, o homem que deixou uma herança de bandeiras verde-rubras nas janelas e a má memória da perseguição a Vítor Baía). Desta vez, perdemos para a Bélgica, que só mesmo no "ranking" é a nº 1, tendo na partida de Sevilha posto em prática esquemas táticos, que mais se esperariam de Fernando Santos. Noutra perspetiva, em termos de "jogo jogado", a equipa começou mal e acabou bem. Na última oportunidade mostramos do que somos capazes, merecíamos ganhar, ir em frente para os quartos de final. O futebol é isto: um desporto pontuado por momentos de sorte e azar, de resultado sempre incerto, como a própria vida humana. O factor "suspense" faz parte da sua magia. A perda do ceptro europeu deixou o País de luto e de regresso à normalidade, ou seja, a falar da 4ª vaga COVID, da variante nepalesa, da cerca sanitária de Lisboa, em regime de "part-time", dos desastres de Cabrita, do certificado digital para acesso a restaurantes, dos ritmo da vacinação e do pandemónio de filas de espera - dispensável desorganização civil sob a batuta de um ilustre militar. Já pertencem ao passado os dias de delírio coletivo, a ver na TV o futebol, nosso e alheio, em estádios repletos de público, de cor e de abraços, Já estamos caídos no reino português da burocracia paralisante, que tudo proíbe ou condiciona, sem explicar porquê. Tal como Sísifo, condenado, eternamente, a andar acima e abaixo do caminho da montanha, carregando o seu fardo de pedra, nós, num sobe e desce permanente de horários do comércio e da restauração e do "ranking sanitário" da nossa cidade, confinamos e desconfinamos, enquanto cresce o número de descrentes nestes castigos de deuses menores - sobretudo entre a juventude não vacinada, não mascarada (como diria Ferro Rodrigues), nem fisicamente distanciada.. Há dias, passava eu no Largo da Graciosa e ouvi um fragmento de conversa de três adolescentes sobre este tema do quotidiano espinhense. Um deles bradava, desconsoladamente: "Estou farto da Covid 19. Antes queria um apocalipse zombie!". A pressa que levava não me permitiu ouvir o resto do lamento, que teria valido a pena. Ali estava quem exprimia, numa síntese lapidar, o sentir de uma geração inteira... 2 - O futebol tem sido, desde o início deste interregno "zombie" na história da Humanidade, o espelho fiel de erros, incoerência e arbitrariedade de quem manda na gestão da crise. De entre todos os domínios em que podemos, a meio do 2º ano da pandemia, traçar um balanço negro, este é certamente o "primus inter pares". Logo na primeira avaliação de risco comportamental, recebeu nota máxima, com o consequente encerramento ao público de todos os recintos desportivos (incluindo a pais de meninos pequenos, em jogos de formação!). Assim se demonizava todo e qualquer adepto, dado como incapaz de controlar paixões clubistas ou nacionalistas. A mesma pessoa que assiste civilizadamente a um concerto ou a um cinema, vira selvagem mal se senta num estádio, segundo esta escola de pensamento. Quod erat demonstrandum... Para calar as raras vozes que se levantavam contra o fundamentalismo da medida, os poderes públicos promoveram dois ou três ensaios de abertura ao público, em emocionantes jogos internacionais, esperando um dilúvio de desordem e de caos. Porém, a realidade desmentiu os preconceitos, ancorada na enorme experiência organizativa dos clubes e no caráter ordeiro da maioria das assistências. Tudo correu às mil maravilhas, no acesso, no interior e na saída dos estádios, do Porto e de Lisboa à lonjura dos Açores! Nem por isso, quem, pelo visto, não estava de boa fé, suspendeu a interdição total, mesmo depois de permitir a abertura de portas a espetáculos em espaços fechados. Foi preciso esperarmos vários meses até maio e junho deste ano II pandémico para termos a prova de que, afinal, os desequilibrados, os irracionais, os "loucos" do futebol não são os cidadãos anónimos, mas os próprios detentores de altos cargos do Poder (os autores, materiais ou morais, de leis e regras e minudências absurdas, em que Portugal bate recordes). A desgraça que nos relegou da linha da frente para a cauda da Europa é filha dos monumentais festejos de rua de um campeonato nacional, (todo ele disputado em estádio vazio...), com o "nihil obstat" da DGS e da Câmara de Lisboa. Seguiu-se a polémica autorização para a disputa da final da Champions no Estádio do Dragão, enfim aberto, mas só a um público britânico (desta vez sem funestas consequências, dado o prudente distanciamento físico a que a população do Porto se manteve dos forasteiros). E, logo depois, as mais altas figuras do Estado acompanharam o desenrolar do Euro, febrilmente, tomados por ímpetos juvenis, e, a partir de uma Lisboa em "estado de cerca" parcial", incitaram à deslocação em massa de lisboetas e dos restantes portugueses ao estádio de Sevilha, outra cidade situada em "zona vermelha". Este encadeamento de incidentes com o futebol como pano de fundo, teve, contudo, muito pouco a ver com a realidade e a gente do futebol, e com os interesses do desporto. Tratou-se, em todos os casos, de mero aproveitamento do futebol pelos políticos que nos governam. Quando falam de fãs emotivos e descontrolados, põem um cachecol ao pescoço e olham-se ao espelho... 3 - Quanto à seleção, apenas um diagnóstico breve: sofre de dois males cumulativos: a usura (lenta...) do poder absoluto de Fernando Santos e o endeusamento de Ronaldo, o melhor jogador do mundo por definição, pouco importando que esteja em boa ou em má forma, Santos, ao chegar, fez um saudável contraste com dois antecessores, que, enclausurados nos seus enormes "egos", montavam "equipas de autor" (Queiroz e Bento). Chamou os proscritos de Bento e com eles e outros montou um conjunto em que vedetas e operários, de várias gerações, se uniram harmoniosamente. Foi bonito de ver e, sem produzir maravilhas no relvado - exceto a espaços, com a genialidade de um ou outro predestinado a grandes cometimentos - atingiu o topo da Europa no Euro 2016 e, de seguida, na primeira Taça das Nações. Prestigiado e adulado, a torto e a direito, também Santos, anos volvidos, converte a seleção nacional no "clube do Fernando". Abundam os nomes com lugares cativos, mesmo quando os jogadores que lhes correspondem estão esgotados, Viu-se... Por outro lado, a idolatria de Ronaldo não ajuda o coletivo, sem culpas para o ídolo, vítima e não vilão, (o fenómeno que, aos 36 anos, dá nome a um aeroporto internacional e um museu e é, nas redes sociais, o rosto mais conhecido do seu País). A lenda não vai envelhecer, o homem sim (a menos que Pepe lhe desvende o segredo da sua eterna juventude). E as seleções jovens mostram, constantemente, num futebol de luxo e de ataque, que não nos faltam heróis em lista de espera.