domingo, 20 de agosto de 2017

UM TREINADOR À PORTO (finalmente...)

1 - O FCP anda há vários anos - há mais do que os quatro em que a clamorosa ausência de títulos confirmou um temido "fim de ciclo" - à procura de um "treinador à Porto" e de uma "equipa à Porto", que lhe devolvam a sua identidade ganhadora. Estranho é que, no meio do clamor por novas soluções e novos protagonistas, entre as principais vozes que se ouviram ou se leram, poucos tenham sido as que efetivamente se basearam numa ideia precisa do que isso significa. O enfoque era posto apenas em ganhar, com garra, classe, superioridade. Ora em que é que esses atributos diferenciam um competente vencedor - seja ele o SLB, o SCP ou o FCP? Na verdade, de qualquer campeão se espera, precisamente, garra, classe, superioridade Qual é, então. a diferença do Porto? A meu ver, temos de a procurar no passado, na história do futebol nacional, nas origens da instituição, na singularidade de um percurso longo e penoso de afirmação, no modo como nele se forjou o espírito do clube. Num país de tradição imperial, que se manifesta em todos os domínios, da política às finanças e ao desporto, ganhar a partir de Lisboa era coisa natural, expectável, praticamente obrigatória. Fora da capital, semelhante feito tornava-se uma missão quase impossível. Antes da revolução de abril, as vitórias nacionais do FCP foram raras, espaçadas, titânicas, tais eram os obstáculos que contra ele se conjugavam! Numa imagem bíblica, o Porto foi sempre uma espécie de David em luta com Golias (um David, porém, frequentemente perdedor...). Na expressão inglesa, "the underdog". Numa citação com que, vezes sem conta, denunciei o estatuto dos emigrantes portugueses, no antigo regime, uma espécie de "estrangeiros no seu próprio país". A alma, o caráter do FCP forjaram-se, pois, na adversidade, na oposição a poderes constituídos, na incansável prossecução da utopia da igualdade. Uma cultura "à Porto" é, assim, uma cultura de inconformismo e resistência. Cultura inexistente (porventura,até, incompreensível e incompreendida) nos outros grandes clubes, que nasceram e cresceram instalados na "geografia do poder". Na Europa, mesmo em Estados onde o poder político se concentra fortemente numa cidade ou região, a competição, em matéria de desporto, é visivelmente mais aberta e inclusiva. Veja-se o caso da Inglaterra, onde Manchester ou Liverpool facilmente rivalizam com Londres, como, em França, Marselha, Lyon, Mónaco com o PSG, ou, na Itália, Milão ou Turim com a eterna Roma. Na Alemanha, o Bayern tem transformado Munique na capital do futebol, por pura e simples superioridade dentro do retângulo de jogo, é claro... A nosso lado, um outro paradigma centralista, menos extremado embora, é Madrid. Daí surge a natural empatia entre o FCP e o "Barça" (reforçada quando Vitor Baía, Fernando Couto e, depois, Deco brilhavam na Catalunha). 2 - A idade de ouro do FCP começa com o renascimento da democracia no país e deve-se à visão e à liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa. Ele fez a revolução igualitária no desporto, nos órgãos federativos, nas estruturas dirigentes. Fez, neste campo, a regionalização que tarda nas vertentes política e financeira, num país cujo desenvolvimento, mais de 40 anos depois, salvo no que respeita às ilhas atlânticas, permanece enredado nas malhas do centralismo, e, consequentemente, cada vez mais assimétrico, mais desigual, mais desertificado no interior. Agora, contudo, assistimos, também no futebol a um retrocesso, pondo em causa equilíbrios que se julgavam adquiridos para sempre, com o regresso dos velhos senhores, em clima de escândalo e suspeição.... 3 - O Porto, de algum modo, deixou que isso acontecesse, baixou a guarda, descurou as suas exemplares estruturas organizacionais, que permitiam a treinadores medíocres, como Adriaanse, ou medianos, como vários outros que me dispenso de nomear, saírem como triunfadores, e não por acaso, antes com reconhecido mérito (graças também, como é óbvio, a uma pléiade de jogadores fora de série, que as famosas estruturas facultavam ). O último verdadeiro treinador "à Porto" fora, na minha opinião, André Villas Boas. Ganhou o que havia para ganhar, na sua "cadeira de sonho", no fim de uma era... Bem mais árduo será o trabalho de Sérgio Conceição. Também ele é portista, também ele está na sua "cadeira de sonho". Todavia, o mesmo sonho exige, hoje, muito mais audácia, muito mais luta contra constrangimentos de toda a ordem, muito mais afrontamento de condições adversas. Este é um Porto, que como o antigo, tem de remar contra ventos e marés, contra tudo e contra todos. Não sei se Sérgio vai conseguir, de imediato, os títulos que nos fogem há tantos anos. Espero que sim! E foi já muito o que conseguiu: devolveu-nos a esperança em vitórias futuras, a certeza de uma equipa a jogar "à Porto", o orgulho na nossa identidade, que, como Homem e profissional, é, também, a sua - feita de imensa competência e generosidade, de energia inesgotável, de ímpeto e rebeldia, quando preciso for, e de coragem sem limites. Se a sorte, como acreditavam os romanos, favorece os audazes, o triunfo será deste Porto de Sérgio Conceição. (publicado na DEFESA DE ESPINHO a 17 de agosto)