quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Íntimo - O prefácio

A PARTIR DE UM SONETO " Deixei, num voo pleno de ansiedade, Vogar, na asa do sonho, o coração" (in "Íntimo") Em 1995, o Pai e eu estávamos a preparar uma edição dos seus versos de juventude - sonetos dedicados a minha Mãe, no início dos anos 40, quando se conheceram. Havia muitos mais, mas só restam os que ela guardou. À época, anos 30 e 40 do século passado, era comum os namorados expressarem sentimentos, de preferência, em palavras que rimavam e podiam guardar-se, em bom papel, como recordação, numa gaveta ou num cofre. Foi exatamente o que fez minha Mãe - guardou-os e, por isso, os "versos para você, Maria" são praticamente os únicos de sua autoria, que chegaram até hoje. O Pai era um repentista, escrevia, com facilidade, os seus poemas e, muitas vezes, igualmente, outros para os amigos, que queriam passar por poetas. Em regra, à mesa de um café - os salões dos café foram sempre a sua segunda casa, no Porto ou em Espinho... Quando começámos o projeto, rapidamente mandei dactilografar os manuscritos e o Pai escolheu, logo, o título : "Íntimo", que é o do soneto a que pertencem as estrofes acima citadas. Ao Pai cabia fazer a definitiva revisão do texto, acrescentar ou cortar vírgulas, e eu trataria do resto - tipografia, capa, imagens, edição. Mas o Pai foi adiando, adiando... Reuniu as folhas soltas, uma para cada soneto, numa pasta de cartolina, e, às vezes, até saía com a pasta debaixo do braço, levava-a para o Café Palácio. A boa intenção era dar-lhe uma vista de olhos, enquanto esperava os amigos, depois da leitura vagarosa do seu jornal (estava sempre atualizado, sobretudo em matéria política - bem mais do que eu, então sempre de partida para as reuniões do Conselho da Europa ou para visitas às nossas comunidades transoceânicas). Contudo, os amigos não tardavam. ou encontrava-os já sentados numa das mesas redondas do novo Palácio ou. mais raramente, no bar do Casino. O tempo esgotava-se nas conversas, nos passeios à beira-mar, nos encontros com a família de Gondomar, diante do ecrã de televisão (horas...) ou na leitura pela noite fora - ultimamente biografias, os policiais de Sara Paretsky, Umberto Eco, humorísticos, como Guareschi, Jerome K Jerome, ("so british", o seu predileto), sem esquecer a missa e meditação diárias, as novenas na capela de Nossa Senhora da Ajuda. Era evidente que a pontuação dos versos não tinha prioridade nesta preenchida agenda de reformado, em Espinho, terra de tertúlias, esplanadas, praias e mar, de que tanto gostava, desde a sua infância. Não havia pressa. Contudo, a morte veio subitamente. O seu coração parou. Parou mesmo, coisa absurda, enquanto conversava connosco, a meio de uma frase... Sereno, bem disposto, a jantar, fazia um comentário sobre esse dia animado domingo de Páscoa, em casa do Mário, em São Cosme, onde nunca falhávamos o "compasso". Antes tinha discorrido sobre a crónica semanal de Marcelo Rebelo de Sousa, já nem sei em que jornal, talvez "O Expresso". Era um incondicional admirador de Marcelo, decerto apreciaria agora o seu estilo na presidência. Dou por mim, muitas vezes, a pensar nos diálogos que teríamos sobre vagas de acontecimentos que se sucederam na sua ausência - vitórias do Porto, derrotas do Porto, a "troika", a "peste grisalha", no dicionário dos medíocres políticos da nova geração, os atentados, a ameaça da hegemonia alemã na UE, o "Brexit", o Papa Francisco... Não estávamos sempre de pleno acordo, mas conversávamos longamente, a dois, ou no seu grupo de amigos, a que me juntava, de vez em quando. Éramos uma família pluralista - o Pai, um democrata de sempre, republicano, anglófilo, conservador, votava PSD, a Mãe, muito à direita, monárquica e militante do PPM, fazia "voto útil" no CDS e eu, à esquerda, "social- democrata à sueca" (embora também eleitora do PSD) e, se a questão de regime ainda se pusesse, monárquica, mas igualmente à maneira sueca. Quanto à coletânea, publiquei-a prontamente, sem mais revisões, com a ajuda de um dos mais jovens participantes da tertúlia do Café Palácio, o Fernando, que tratou da parte gráfica, numa tipografia dos Carvalhos O Pai teria apreciado esta ligação aos Carvalhos, onde viveu 11 anos felizes no famoso colégio, que é um "ex-libris" da terra, ainda hoje. Além dos versos, apenas algumas fotografias (de pouca qualidade, por sinal), e umas breves palavras da mulher e da filha. Agora, esta edição, no ano do centenário do seu nascimento, é uma ocasião para falar dele, da sua vida, família e amigos. Íntimo, nos seus versos e na nossa prosa. A VIDA QUE VIVE NA NOSSA MEMÓRIA Para mim, foi um Pai presente numa infância alegre, acompanhou-me nas crises e esperanças da juventude, e, depois, ainda por muitos anos, numa relação progressivamente mais equilibrada, mais igualitária, como se a diferença de idades se fosse esbatendo. E, por isso, quando assim é, o Pai não pode desaparecer, fica connosco até ao fim de nós próprios. Especialmente, se era como gostávamos que fosse. Se cada vez o compreendíamos mais e o achámos melhor, de facto, em correspondência com a realidade, porque quando as qualidades existem, o tempo e a experiência servem sempre a sua afirmação. Com ele, assim aconteceu, sobretudo, no respeitante àquelas qualidades que exercitava no dia a dia e o faziam ser sagaz nos seus juízos sobre as pessoas e o mundo, muito simpático para com toda a gente e competente no seu trabalho ("reliable", para usar a sua língua estrangeira preferida - para ele tudo o que era britânico era bom, da democracia aos seus bonés de "irish tweed"). Havia, sem dúvida, outros talentos inatos, de que desistiu cedo, fosse por descrença nas vantagens de os cultivar, por lucidez sobre a relativa insignificância de atingir objetivos que outros prezavam demais , ou (quem sabe?) por não se achar fadado para os alcançar. Faltava-lhe ambição, agressividade competitiva, instinto empresarial (que ambos os seus avós tinham de sobra, e, por isso, ambos fizeram fortuna). mas não lhe faltavam preocupações, com coisas grandes e pequenas. Preocupava-se demais, era excessivamente dado à ponderação de prós e contras de uma decisão, abordava as questões por todos os ângulos possíveis, levava o seu tempo (muitos anos mais tarde, quando o Dr Silva Leal, que foi seu professor no ISCTE, e meu "chefe" num Centro de Estudos, referindo-se a um político ascendente no fim do velho regime, o classificou como "suficientemente ignorante das matérias, para tomar decisões rápidas e eficazes", lembrei-me logo do meu Pai, que estava nas antípodas). Isto no que respeita a sucesso material, não na vida que há para além da procura do lucro e da "glória", nem em matéria de aventuras sentimentais, inicialmente simples namoros de juventude, depois, dois casamentos românticos, aos 19 e 22 anos, o primeiro breve e trágico, com a morte da noiva, o outro longo - mais de meio século - até à sua morte. Duas mulheres belíssimas, de forte personalidade, sempre vestidas pelo último figurino, inteligentes e audaciosas, que trouxeram, certamente, "glamour" e intensidade à sua vida. Dizem os entendidos na matéria que os nativos de gémeos são eternamente jovens. Não sei se se comprova, se é coisa escrita nas estrelas, sei que, no caso do Pai. era certamente verdade. Talvez por isso, voltou à universidade depois dos quarenta e foi colecionando bacharelatos e licenciaturas. Começou com um recém-criado curso de Política Social no ISE e acabou, entre os primeiros licenciados em Sociologia pelo ISCTE. Tudo em Lisboa. Fez muitos amigos, sobretudo, entre os que eram, como ele, do Porto. Iam para aulas de fim de semana (gesto simpático dos professores) e para os exames em excursão de camionete. Em festa! Gostava de conviver com jovens. Era tolerante e divertido, embora discreto, nas tertúlias. Sentido de humor, graça e simpatia tornavam-no popular junto de todas as gerações. Seria um bom político, se tivesse vocação. Não tinha, mas gostava dos políticos em quem se revia, como Sá Carneiro e Freitas do Amaral, a quem até lhe dedicou um slogan com rima: "Não há esquerdas, nem direitas. Portugal é todo Freitas! Assim era este poeta repentista...
QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO Maria Manuela Aguiar 1 INTRODUÇÃO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo no domínio da emigração vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 as mulheres viram reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se neste quadro jurídico e fático, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade”, em 2007 às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução n.º 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I- AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO. Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas. Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente livre para todos a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres. No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio, permitido, só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo, Jurista, foi docente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e da Faculdade de Direito da 1 Universidade de Coimbra. Árdua defensora dos direitos das Mulheres e das Políticas da Emigração, atividades que desempenhou nos anos em que esteve à frente da Secretaria de Estado para a Emigração e Comunidades Portuguesas, na qualidade de deputada na Assembléia da República, e na presidência da Comissão Parlamentar das Mulheres. _____________________________ Page 1 of 15 seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do Sul. (Boxer, 1977, p. 34). No nosso caso, houve sim algumas exceções determinadas pela vontade de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com essa finalidade, saíram para a África e o Oriente as chamadas "Órfãs d’El-Rei”, jovens recolhidas em orfanatos que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos. Também o povoamento por casais foi promovido em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca de forma generalizada e sistemática. (Boxer, 1977, pp. 78-84). Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich, enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam consigo uma prole numerosa e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Félix, 1978, pp. 28-30). Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, as mulheres, em grande número, iam juntar-se a maridos e familiares por sua vontade, contrariando estratégias, leis e determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade, o que era causa de desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e responsáveis pela execução das políticas de emigração. 2 São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores como Afonso Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma "depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o emigrante essencialmente como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913, p. 182). Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a "desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917, p.132). Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios e a mulher que seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação 2 consentida ou encorajada nas colónias a fim de reter no Reino as mulheres. E terá sido à atitude de desafio destas “viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente a dever a matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente, mais permissiva no que respeita à saída de mulheres para o Brasil do que para África ou o Oriente. Essa diferença de tratamento denunciava a clara consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e pelo não retorno a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticas administrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro tipo de ganho que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades portuguesas pela cultura e pelo afeto, (indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas ou depreciadas como meros “guetos” transitórios onde se enclausurava, por escolha própria, a primeira geração de emigrantes. Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de exploração no trabalho. O que obviamente não havia ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros domínios, direitos absolutamente iguais. II- DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida) e vem a ser consagrada na Constituição de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da problemática feminina perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de positivo face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino todo e qualquer trajeto migratório, assim se tornando opaco e permanecendo desconhecido o que especificamente dizia respeito às mulheres migrantes. No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre os sexos para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para a Igualdade", cuja designação foi variando sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica aquela primeira categoria; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro e às eventuais singularidades da sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no art.º 9.º/h, a partir da revisão de 1997, e também no art.º 109.º, impor ao Estado a tarefa de promover a igualdade entre os sexos no que respeita à participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras, ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da emigração devido à crise económica que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado, se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, ainda que não normalmente no mesmo tipo de emprego. Em qualquer caso, a possibilidade de profissionalização, logo aproveitada maciçamente, converteu-se numa autêntica via de emancipação dessas mulheres dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995, p. 51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto .3 A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas formas, acaba sendo frequentemente superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a vida das emigrantes ao longo de décadas, como realidade complexa e dinâmica, e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008, p.1257). Em boa verdade, o sucesso no longo prazo da geração de 60 e 70, a do "salto" para a Europa, não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998, p. 22). E às próprias mulheres se fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país . 4 No aspeto legislativo, é de salientar que na década de 80, subsistia ainda contra a letra e o espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas, na maioria mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a nacionalidade portuguesa automaticamente às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei n.º 37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge, como transmiti-la em igualdade de condições à sua descendência, e recuperar o estatuto de cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se que a reaquisição desse estatuto Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense. É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no 4 âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional destinadas a mulheres, o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas. Facilitada e com eficácia retroativa só viria a ser assegurada pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro, ou seja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril . 5 - Olhámos a emigração do passado, mas tratando-se de um movimento que nunca cessou, e reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém igualmente considera-lo no presente. Embora isso não tenha ainda reconhecimento bastante, há de facto um recrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se dirigem em larga medida a um espaço europeu de liberdade de circulação. As mulheres estão envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e tal como os homens, são cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante escolarizadas e procuram melhores condições de vida" . É um êxodo, também no feminino, que 6 escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor e apoiar, como reivindica a Assembleia da República numa Resolução aprovada no primeiro trimestre deste ano que irei expor adiante. Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área por cientistas, a título individual, em projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos, encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos dicionários, mas que permite classificar expressivamente um instrumento que tem tido influência basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género” em Portugal, no nosso século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Cady Stanton fez história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls. Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no universo da emigração, o “congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente académica com a da partilha de experiências vivenciais visando a ação concreta e a mudança. Em Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, p. 41). Os A Lei n.º37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada pela via da regulamentação que admitia inclusive a 5 oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica n.º1/2004 de 15 de janeiro, no art. 30.º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final do n.º 2.º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento". Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, 6 em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de 2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". Os “Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de 2005 .7 Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de surtos migratórios e, muitas vezes, também perante casos graves de exploração dos expatriados, dos quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa. Por isso se regista como positiva a retoma de colaboração que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da Emigração” . 8 Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género, e tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um observatório das migrações femininas. III- AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS Como vemos, foi regra geral até data recente a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo, este, dirigido e representado, nunca é demais salientá-lo, quase em exclusivo por homens, no período que se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981. Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, de mulheres e jovens, só estes últimos têm estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos 7 seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) " Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal 8 participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande importância. Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa recomendação. Tendo sido em data posterior criado o “Observatório da Emigração” para evitar dispersão de esforços, o mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, a fim de desencadear a alteração de mentalidades e atitude, a par de outros, como o ensino da língua e cultura portuguesas, ações de intercâmbio, estágios de formação profissional, encontros, debates, do que designamos por "congressismo". Na reestruturação do CCP – através da Lei n.º 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o associativismo feminino. Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela "paridade" de género no CCP, nos termos que adiante explicitaremos, em alternativa a esta outra forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo, porém, válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto, provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe de ter a metade dos assentos do Conselho. Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada, e deveria sê-lo, nos critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais em que se estruturam as comunidades se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem funções simétricas no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade, neste permanecendo quase sempre uma discreta "dona da casa" dedicada às artes da culinária, da decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, que são certamente fatores insubstituíveis para assegurar a agregação e desenvolvimento das instituições. Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros, para já, mais em determinados países do que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa. Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem em absoluto o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que se trata, trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar pela aplicação de direitos fundamentais que nenhuma tradição ou costume que invoque pode subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro, apelando à vivência igualitária da cidadania, como de resto quer o próprio legislador constitucional. A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos no pós 25 de Abril de 1974 descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e políticas no espaço da emigração. A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". Era, de facto, um "retomar" a questão de género que havia tido apenas um momento breve de afirmação na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP, que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O Conselho, criado pelo Decreto-lei n.º 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulher-exceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas. A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o “1.º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes, dirigentes de coletividade. Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas comunidades, no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto. A seleção desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das mulheres, tal como à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira e também, da sociedade civil, se realizou, em junho de 1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial. 1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em 10 2009 pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder, ao menos de poder formal, nas instituições [...]" Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas de inação política, neste campo. A génese dos Encontros para a Igualdade vem sumariada num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso on line". "Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano (“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das quais catorze jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América, Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. Não se conhece em qualquer Diáspora fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos para audição geral dos seus expatriados. A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso, não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram, como António Braga haveria de fazer duas décadas depois, sinal da longa paragem do processo então encetado, " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa gerada pelo Encontro". Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, propunham a criação de uma associação internacional própria. Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projetos de mudança. Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a formar-se por falta de assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão da problemática feminina na agenda do CCP para convocatória de novas reuniões. Em 1987, perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica, mas na órbita do “Conselho”, por simples despacho do presidente do CCP que era, então, um membro do Governo, de várias "conferências" temáticas em áreas prioritárias, entre elas, uma "Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro” . 14 Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não 13 se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo. As mulheres portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo estrangeiro em que pudessem inspirar-se - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante. Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca convocadas, tal como os plenários do “Conselho". Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do "Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação". (Gomes, 2007, p. 99). A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum modo, ainda que sem uma base institucional no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa estratégia de cooperação "Estado-Sociedade Civil". Não será de todo excessivo ver, não na "Mulher Migrante" em si, mas na "plataforma de diálogo" que com o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter numa espécie de "Conselho" no feminino, pelo menos no período em que decorreram os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens". IV- OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009) Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração da efeméride, através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando de uma forma sistemática campanhas com esse escopo nas maiores comunidades da Diáspora, numa ação conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades que foram levadas a cabo nos referidos "Encontros" realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa, em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e nos EUA, Berkeley (2008). A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários departamentos governamentais, nomeadamente da Comissão para igualdade, e da SECP. O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade" em Toronto, fazer uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que “[…] as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas ao não excecionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo certamente buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro" com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas de igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia. Lacão foi ao cerne da questão ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades, ideia chave para a “paridade", como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projeto: na América do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia: no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009, p.11) A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo, onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009, p.132) A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das "Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio. Ou será antes pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género? Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro, assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária. V - MEDIDAS JURÍDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e autárquicas, à eleição do CCP (o n.º 4 do art.º 11.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º da Lei n.º 66-A/ 207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de Cooperação, (Programa 17 do XXVIII Governo, p. 127). - - - - por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas bem-sucedido, pois redundou no aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição que tem tido, como afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de representação dos emigrantes. Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a "problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução n.º 32/2010, de 19 de março - que visa os mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas, apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações. Na Resolução n.º 31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia chave do Programa do XVII Governo: preparar as medidas da sua política externa, em concertação com outros ministérios, “[…] no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”. Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “o desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro”, visando “Promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; combater situações de violência de género; desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer referência expressa ao caso das mulheres expatriadas. Não será, por isso, desapropriado concluir que a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora pelo que recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras territoriais, como manda o art.º 109.º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já empreendido sem que tenha ainda atingido a generalização e a eficácia plenas, a exigir esforço incessante, sem fim à vista, estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração com a componente de género. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aguiar, M. M. (2008). Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica. [Migrant Women and Civic Intervention]. In M. R. Simas (org). A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades. (pp. 1247-1258). [Women and Work in the Azores and in Communities]. MAR Açores. Aguiar, M. M. (2009). Os Encontros para a Cidadania. [The Meetings for Citizenship]. In M. M. Aguiar & M. T. Aguiar (coord.). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 33-43). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Boxer, C.R. (1977). 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terça-feira, 5 de setembro de 2023

O JORNAL O MUNDO

MUNDO PORTUGUÊS Em janeiro de 1980, iniciei, enquanto responsável pelo pelouro das migrações, o que seria um longo caminho de colaboração com "O Emigrante”, então a completar a primeira década de uma vida intensa, focada na grande vaga de emigração europeia, com o propósito de ser a voz daqueles portugueses - os mais marginalizados e esquecidos, tanto pelo Estado (que obrigava a maioria a sair dramaticamente, "a salto"...), como pela sociedade e, até, pelos "media" nacionais. Por isso, sempre o vi como o aliado em que se podia confiar para trazer ao País o testemunho de situações individuais e da evolução da vida coletiva, e para levar, a núcleos tão dispersos, notícias do País, de uma democracia em progresso, assim como informações sobre o conteúdo de novas leis, medidas e projetos que os afetavam diretamente - o que configurava, a meu ver, autêntico “serviço público”! . No rol infindo das minhas memórias de partilha de ações concretas com O Emigrante - Mundo Português, recordarei três, que são prova evidente da identidade, da vocação cívica e solidária de um periódico diferente dos outros: A CRIAÇÃO DO CCP O maior destaque vai para a sua participação, sobretudo através do Dr. Carlos Morais, no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde o momento matricial. O CCP foi, em 1980/81, o instrumento de uma política de aproximação e diálogo do Governo, que visava dois objetivos tão inovadores quanto ambiciosos. O primeiro era o de constituir uma plataforma de encontro e cooperação entre portugueses, a nível mundial, e o segundo, não menos relevante, o de garantir uma representação específica das comunidades face ao Poder, complementando um sistema constitucional que apenas concedia aos expatriados o voto para a eleição de quatro deputados. Este jornal não se limitou a fazer a história, mas, a seu modo, participou no nascimento do CCP como "instituição" pioneira, eleita pelo movimento associativo, e em que se integravam, numa secção autónoma, os "media" das Comunidades do estrangeiro. A transposição da lei para a realidade, da vontade do legislador para a vontade dos destinatários, foi uma aventura extraordinária, que começou pelo radical afrontamento entre emigração europeia, muito partidarizada, e a emigração transoceânica/Diáspora, e foi construindo, de debate em debate, democraticamente, uma comunidade de trabalho e destino, que soube incorporar as naturais divergências, que haveriam de persistir sempre. Comunidade de bom relacionamento humano, em que a qualidade jornalística de "O Emigrante" granjeou o aplauso unânime dos conselheiros, ao ponto de vir a ser por todos considerado um verdadeiro “porta-voz do CCP. E, de facto, no grande forum para a internacionalização ou globalização do associativismo português, o nosso primeiro "jornal global" era o que perfeitamente correspondia à sua dimensão e perspetivas POLÍTICAS PARA A IGUALDADE DE GÉNERO Ao longo de cinco séculos, em Portugal, até 1974, as leis sempre discriminaram as cidadãs, proibindo ou dificultando as migrações femininas e a primeira medida positiva terá sido a realização, em 1985, do "1º Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo" (por recomendação do CCP e para colmatar a quase total ausência de mulheres na composição desse órgão representativo e consultivo). "O Emigrante" esteve lá! E, quando foi criada, em 1993, a associação de estudo, cooperação e solidariedade para com a "Mulher Migrante", foi, um dos sócios fundadores, através do seu Diretor Carlos Morais. Na sede do jornal se fez o lançamento público da nova organização, que viria a converter-se, a partir de 2005, em parceiro constante de sucessivos governos na execução de políticas para a igualdade nas Comunidades Portuguesas. IGUALDADE DE DIREITOS POLÍTICOS Uma das principais recomendações do CCP era o alargamento dos direitos políticos dos emigrantes, e, sobretudo, o voto na eleição do Presidente da República. "O Mundo Português tomou a iniciativa de lançar uma campanha universal pela reivindicação desse direito. Com leitores em todos os continentes, quem o poderia fazer com a mesma abrangência? Quando o voto foi, finalmente alcançado, na revisão constitucional de 1997, pode, pois, reclamar vitória, em nome dos cidadãos das comunidades! Termino esta breve rememoração, enviando um abraço de parabéns ao "Mundo Português", por ser, há 48 anos, como o quiseram os seus fundadores, e empresário Valentim Morais e o Padre Melícias Lopes, um “jornal de grandes causas.
2022 - UM PAÍS INVARIAVELMENTE AO CENTRO 1 - Em quantas eleições votamos já em Portugal, desde aquela primeira vez em que sentimos o valor tangível da Liberdade, com o retângulo de voto na mão? A resposta é: não sei, perdi a conta. Só sei que não falhei um único ato eleitoral, apesar de muitas vezes ter tido uma morada oficial, que não coincidia com aquela aonde estava. Em 1975, era assistente da Faculdade de Direito, tinha residência obrigatória em Coimbra e encontrava-me em Lisboa. Fui e voltei no meu carro, por estrada quase deserta e, depois, esperei horas, por esse momento empolgante, numa fila interminável, de gente compenetrada e silente, como quem aguarda num templo o início de uma cerimónia religiosa. A taxa de abstenção foi insignificante, o povo estava em luta, usando a arma democrática, por excelência, que é o voto. Estava em causa a Assembleia Constituinte, onde se inaugurou a arquitetura partidária em que assentou, até 30 de janeiro passado, a casa democracia portuguesa, com os quatro partidos que elegeram a maioria dos deputados. Ao fim de 47 anos, o CDS desapareceu do Parlamento e o PCP está reduzido a seis deputados… Pelo contrário, o PS e o PSD resistem, repartem entre si a maioria de 2/3, essencial a revisão constitucional, à aprovação das Leis fundamentais do regime, às reformas estruturais de que o país precisa para ter futuro. Já houve maiorias absolutas do PSD (duas, com Cavaco Silva) e do PS (duas, com José Sócrates e, agora, com António Costa). Uma impressionante constância do voto popular, não obstante o leque de escolha partidária ser, nessa fase de construção da democracia, extremamente alargado, com um acentuado pendor esquerdista (para além dos que sobrevivem num completo anonimato, como o MRPP, os extintos MDP/CDE, UDP, UEDS, MES, PT, OCMLP, PUP, FSP, PRT, PCP-ML, PSR, e POUS entre outros). A autoproclamada direita, como o MIRN de Kaúlza de Arriaga, reduzia-se a pequenos grupos marginais. O CDS de Freitas do Amaral dizia-se "rigorosamente ao centro", (vocação de que, há muito, mais não resta do que o logótipo original) e assumia a tarefa patriótica de converter a direita ao seu programa cristão democrata - feito histórico que lhe é, sem dúvida, reconhecido. Seria, curiosamente, o primeiro partido a apoiar Mário Soares num governo de coligação PS/CDS, e, poucos anos depois, parceiro do PSD de Sá Carneiro na coligação AD, que conquistou a primeira maioria absoluta, em 1980. O PPD apresentara-se, em maio de 1974, ideologicamente na esquerda reformista, com um carismático Sá Carneiro, que já no início da década de setenta, em tempos de ditadura, ousava afirmar-se publicamente “social-democrata à sueca". Mas, quer a maioria dos militantes, quer a maioria dos dirigentes que se seguiram, embora invocando perpetuamente o seu nome, foram resvalando para o centro-direita, e apenas alguns históricos resistem ainda no centro-esquerda. Sá Carneiro tudo tentou para que o PPD fosse aceite na Internacional Socialista, o que só a oposição do PS, (já antes de 1974 membro dessa Internacional), inviabilizou. Para integrar outra família europeia, a Liberal, Sá Carneiro exigiu que adotasse, também, a designação “reformista”. O PSD já abandonou a Internacional “Liberal e Reformista”, mas esta, suponho, mantém o título, por inércia. E para onde foi, no dealbar do novo século, o PSD? Para o PPE, onde hoje convive, não só com o CDS, como com os duvidosos representantes húngaros do partido do Senhor Órban…). Talvez muitos já tenham esquecido o nome do presidente do PSD que protagonizou essa viragem à direita, a meu ver, errada. Aqui fica o nome: Marcelo Rebelo de Sousa! Note-se, porém, que, nesses tempos primordiais, nem o PS escapou à necessidade de proceder a correções de vulto do seu esquerdismo inicial, abandonando, pouco a pouco, o "slogan "Partido Socialista, Partido Marxista" e tornando-se, com Mário Soares, a grande barreira democrática à ofensiva do PCP de Cunhal e, da extrema.esquerda, e um grande paladino da nossa adesão à CEE. Só o PCP permaneceu imutável, marxista, leninista, eterno saudosista da URSS pré-Gorbatchev e simpatizante da distopia norte-coreana. Por muito simpáticos que nos sejam o Jerónimo de Sousa e os seus jovens heterónimos – e até são! – há que de admitir esta verdade. 2 - Quarenta e sete anos depois, as eleições legislativas não tiveram, nem podiam ter, a mesma força mobilizadora. Foram, contudo, em plena pandemia, com mais de um milhão e meio de portugueses confinados, uma enorme surpresa em termos de participação popular e, mais ainda, de resultados! O mais surpreendido terá sido, porventura, o Presidente da República, único e exclusivo responsável pela dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas, que o chumbo do OE não implicava. O Governo fez questão de não se demitir, mostrou-se pronto a apresentar um segundo orçamento e nessa atitude começou a sua vitória - na qual só foi acompanhado, à distância, pelos dois outros únicos beneficiados pela antecipação de eleições, a direita inteligente da Iniciativa Liberal e a abominável extrema-direita do Chega. Perdedores houve muitos - o PSD, o BE, a CDU, o PAN, e o CDS, desaparecido em combate. E, “last but not least”, o Presidente da República, que utilizou, pela derradeira vez, o seu trunfo maior, que é a prerrogativa de dissolver o Parlamento. No nosso sistema político, a autoridade presidencial avulta em situações de instabilidade ou de crise, e foi nesse quadro que até agora alardeou a sua influência, através de uma superabundância de atos e palavras. A partir de 30 de janeiro, o poder deslocou-se de Belém para São Bento. Veremos se, após a inversão de posições entre Marcelo e Costa, o seu relacionamento se mantém como dantes... E veremos se a vitória do PS, alavancada nos fundos da UE que estão para vir, se converte, como desejamos, na vitória do País, na recuperação do seu atraso económico. 3 - Aparentemente, estamos perante uma radical reconfiguração parlamentar, com a hecatombe de algumas formações partidárias e a emergência de outras. Não vejo as coisas assim, recuperando aquela frase célebre de Pinheiro de Azevedo, gritada em situação bem mais dramática: "o povo é sereno!". É mesmo!... António Costa não deverá continuar uma política de adiamento de reformas de fundo, que aconselham, sempre e, em muitos casos, exigem mais do que a maioria absoluta, a maioria de 2/3. Esta maioria foi, desde 1975, dada ao chamado "bloco central'' - PS e PSD. E permanece em 2022, já que ficou praticamente inalterada a expressão dos partidos que se opõem ao modelo de democracia ocidental perfilhado por Mário Soares e Sá Carneiro. Houve apenas uma dança de cadeiras no hemiciclo. Há 12 extremistas que se sentam na bancada da direita e apenas 11 na da esquerda. Ao todo, 23 em 230. Somos um País invariavelmente ao centro!

O Conselho das Comunidades - espaço de utopia e experimentação - (em revisão)

O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPAÇO DE UTOPIA E EXPERIMENTAÇÃO Ficha técnica Título: O 1º Conselho das Comunidades Portuguesas – espaço de utopia e experimentação Autora: Maria Manuela Aguiar Design e paginação: Editora: 1ª edição ISBN Depósito legal   Prefácio - Daniel Bastos Mensagem –José Cesário Nota Introdutória Origens e Evolução do 1º Conselho das Comunidades Portuguesas O Conselho e o Congresso das Comunidades Portuguesas por caminhos paralelos As minhas memórias do Conselho das Comunidades Posfácio - Carlos Gonçalves   PREFÁCIO Em Portugal, desde o início da década de 1980, as políticas da emigração estão acometidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que, hoje, através da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP) assegura a coordenação e execução da política de apoio a portugueses no estrangeiro e às comunidades portuguesas. Ainda nessa época, durante o VI Governo Constitucional, surgiu a Secretaria de Estado das Comunidades, que atuando em princípio por delegação de competências do Ministro dos Negócios Estrangeiros tem procurado ao longo dos anos um reforço dos laços entre as comunidades portuguesas e a pátria de origem. Este esforço e tomada de consciência sobre o papel dos emigrantes portugueses no desenvolvimento do país, impulsionou ainda no alvorecer dos anos 80, a formação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Um órgão consultivo do Governo para as políticas relativas às comunidades portuguesas no estrangeiro, a quem está acometido, em geral, a emissão de pareceres, a produção de informações, a formulação de propostas e recomendações sobre as matérias que respeitem aos portugueses residentes no estrangeiro e ao desenvolvimento da presença portuguesa no mundo. Nesse sentido, e enquanto estrutura que ao longo das quatro décadas de democracia, tem funcionado como um elo relevante de ligação entre o Governo e a Diáspora, em boa hora, que uma das grandes obreiras dos direitos dos emigrantes portugueses, Maria Manuela Aguiar, papel que desempenhou de modo dedicado tanto como Secretária do Estado das Comunidades Portuguesas, como deputada pela Emigração, decidiu dar à estampa esta obra sobre a fase primordial do Conselho das Comunidades Portuguesas. Até porque, como já ressaltava a autora num artigo da primeira década do séc. XXI, intitulado “O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes”, publicado na Revista Migrações, o CCP «tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto como acto de criação colectiva de uma instituição inteiramente nova, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo. Um percurso, aliás, acidentado por bloqueios e hiatos de funcionamento, afrontamentos com o Governo, ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais...Em boa verdade, não deverá falar-se de um único “Conselho”, mas de vários, ou de várias “vidas” de uma mesma instituição». É este percurso originário, com as suas vicissitudes e protagonistas, dos quais Maria Manuela Aguiar ocupa um lugar de destaque, que é revisitado nas páginas desta obra que constitui um exemplo de cidadania e de serviço público. Um livro reflexivo assente na noção do dever de memória, porquanto contribui amplamente para um conhecimento mais aprofundado sobre a génese, as etapas, os momentos e os contributos de um órgão que nas palavras abalizadas da autora tem como «vocação originária: ser uma "assembleia" verdadeiramente representativa e influente, o grande fórum da Diáspora e da emigração portuguesas». Um livro que é igualmente um testemunho de compromisso incondicional com os emigrantes portugueses, os mais genuínos embaixadores da pátria de Camões, e concomitantemente de respeito pelo passado, de crença no presente e de esperança no futuro das Comunidades Portuguesas, a mais autêntica e consistente manifestação lusa além-fonteiras. Neste ensejo, uma nota também de reconhecimento à Alma Letra, editora que empresta a sua chancela ao livro, e que ao longo dos anos mais recentes tem sido um espaço privilegiado para a publicação de obras de autores da Diáspora ou sobre temáticas ligadas às Comunidades Portuguesas. E que no caso concreto deste novo livro, tem no mesmo, seguramente, um dos mais importantes contributos literários no campo da linha editorial que tem dinamizado com audácia. Comungando do pensamento do escritor argentino Jorge Luís Borges, “o livro é a grande memória dos séculos... se os livros desaparecessem, desapareceria a história e, seguramente, o homem”, podemos assegurar que a memória e a história do Conselho das Comunidades Portuguesas ficam assim prodigamente enriquecidas e salvaguardas. Fafe, 10 de agosto de 2022 Daniel Bastos   MENSAGEM Conselho das Comunidades Portuguesas, um Órgão Essencial para o Poder Político Ao longo das minhas passagens pelo Governo da República e pelo próprio Parlamento, durante os últimos 22 anos, fui consolidando a ideia da imprescindibilidade do Conselho das Comunidades. Não tenho hoje qualquer dúvida acerca da sua importância para quem desempenha funções legislativas ou executivas ligadas à definição das políticas de ligação às nossas numerosas Comunidades. Independentemente de sermos governantes ou deputados, é fundamental dispormos de opiniões objetivas e diversificadas acerca do modo como são executadas as políticas dirigidas aos portugueses no estrangeiro, dos seus resultados e da própria definição prévia das mesmas. A informação que circula através da nossa rede diplomática, sendo indispensável e, normalmente de grande qualidade, está longe de ser suficiente, devendo ser complementada dor outras fontes, tanto quanto possível ligadas diretamente às comunidades, às suas organizações, ao movimento associativo, às escolas, ao universo político local, aos meios culturais, em suma, a toda a constelação em que os portugueses se movem. Claro que dispor de um órgão eleito, o CCP, constituído por dezenas de representantes diretos das mais diversas comunidades, é um privilégio que não podemos desperdiçar. Poder-se-á discutir a essência deste órgão, a sua composição, o seu caráter mais representativo ou meramente consultivo, mas é difícil prescindir do seu papel e da sua ajuda. Aliás, a propósito, não posso esquecer os contactos que tive, enquanto Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, com governantes de vários países, como a Alemanha, França, Cabo Verde, Canadá, entre outros, que sempre procuraram beber na experiência portuguesa os ensinamentos indispensáveis para porem de pé organismos mais ou menos idênticos. Ao fim de todas estas últimas décadas, acho que o CCP ganhou o seu espaço próprio, sendo muito difícil prescindir da sua existência sempre que se pretende desenvolver políticas sérias e com resultados. Claro que a sua organização poderá sempre ser repensada e melhorada, mas isso não deverá pôr em causa o próprio órgão. O nosso desafio futuro é melhorá-lo e, para isso, cumpre discutir o seu caráter consultivo ou representativo, a sua relação com o governo e o parlamento, o estatuto dos seus membros, a sua articulação com a rede diplomática e com os conselhos consultivos das áreas consulares, a sua ligação ao movimento associativo e às redes de cultura, educação, solidariedade social e empresariais. Será esse debate que se segue, num momento em que os níveis de participação política e cívica das nossas Comunidades aumentam de forma bem evidente. José Cesário 1 -Para olhar o nascimento do “Conselho” à distância de 40 anos, privilegiarei a data da sua primeira reunião mundial, realizada em Lisboa, de 6 a 10 de abril de 1981, e não a da promulgação do diploma jurídico pelo qual foi criado (DL 373/80 de 12 de setembro), porque, na minha perspetiva, a lei se pode considerar uma declaração de intenções, uma esperançosa expetativa com futuro incerto, entregue ao poder fático da reunião constituinte. Crucial é o momento de passagem da esfera normativa do Direito à realidade da vida das pessoas ou das instituições, e no caso do CCP, esse trânsito foi muito além da boa aplicação da lei. Singularidade constituiu o facto de ser, à partida, uma lei a rever, para melhor se ajustar à vontade dos destinatários, um convite a que eles próprios a reformulassem, nela vertendo, porventura, outros conteúdos. É nessa procura de reconfiguração, no ponto de equilíbrio de vontades e estratégias que se corporiza o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Este segundo tempo foi, assim, o que contou mais. O Governo, na sua primeira consulta, convidou-os Conselheiros a uma livre ponderação de alternativas às linhas do modelo institucional para que apontava originariamente. Não colocou obstáculos a deslocar o seu centro de gravidade da interlocução da Diáspora para a da emigração recente, dando espaço ao debate dos problemas prementes do quotidiano. E com isso entrou o Conselho num domínio que, continuando a ser do reencontro pelo diálogo, não mais escaparia à turbulência e à confrontação, ao menos verbalmente violenta, que marcou a segunda década de setenta e os primeiros anos de oitenta, em Portugal. Tempos ainda próximos da dinâmica e das contradições da revolução de 1974, que, já então, entrara numa via reformista, apoiada por larga maioria constitucional e popular, mas entre profundos conflitos sociais e choques político-partidários. Saindo da área da dominante cultural (com a sua facilidade de consensos naturais, já que a Cultura é sempre o máximo denominador comum), o CCP avançava em terreno aberto às arrebatadas pulsões, que agitavam a sociedade portuguesa, dentro e fora de fronteiras por igual - quando não mais ainda em algumas das comunidades do estrangeiro do que no País. Naqueles poucos dias da Reunião Mundial do Palácio Foz o Conselho mudaria de natureza, de vocação, de estilo, e consequentemente, de destino. 2 – O manifesto eleitoral da Aliança Democrática, em 1979, tratava com o mesmo relevo, mas em rubricas autónomas, a “Emigração”, com referência a políticas públicas de apoio social e jurídico aos emigrantes e seus descendentes, e as "Comunidades Portuguesas no Mundo", com a ênfase colocada na preservação dos laços históricos e culturais ao País e na criação de um” Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se farão representar, e conceder-lhe-á um apoio amplo e constante". No que concerne às políticas públicas para as migrações de saída e regresso apostava-se na continuação de esforços iniciados em 1974, visando, sobretudo, a melhoria de meios e a sua eficiência. No que respeita às "Comunidades" a principal promessa eleitoral era inovadora, encarava de frente uma das falhas mais extraordinárias que, bem vistas as coisas, a sociedades civil partilhava com o Estado: a inexistência de uma plataforma internacional de união entre os Portugueses do estrangeiro. No panorama europeu, note-se, esta constatação convertia-nos em caso raro entre países de emigração, mesmo entre aqueles cuja tradição migratória se não podia, quantitativa e qualitativamente, comparar com o peso e significado da nossa. Em todos esses países encontramos, desde fins do século XIX, ou inícios do século passado, movimentos federativos das associações atuantes nas diversas regiões do mundo da sua imigração, maioritariamente oriundos da iniciativa privada, nalguns casos apoiados ou enquadrados num organismo de cúpula governamental. A lacuna é tanto mais de estranhar, quanto se sabe que a propensão associativa dos emigrantes portugueses foi enorme, nas várias épocas e latitudes. Da parte do Estado, o descaso não poderá surpreender-nos, sabido que as primeiras medidas de apoio aos emigrantes datam de meados do século passado e se limitam ao acompanhamento da viagem de ida, em travessias transoceânicas realizadas em condições de grande risco, ficando, depois, os cidadãos entregues a si próprios. Face a essa total e multissecular "ausência do Estado" nas comunidades da emigração, nasceu e cresceu, enraizado em fortes laços de entreajuda e solidariedades, um impressionante associativismo, no domínio social e cultural, que tanto refletia a relação afetiva com a terra originária como ajudava a integração no país de acolhimento. Poucos foram, no passado, os governantes ou os académicos que se aperceberam da dimensão do fenómeno associativo, enquanto esteio de comunidades estruturadas e perenes. Os que podemos apontar como exceção (é o caso de Afonso Costa), atribuem-lhe um caráter fugaz ou transitório, identificando-o como forma de combater o sentimento de isolamento e a saudade por parte de uma emigração temporária. Porém, ao contrário do que previa (e queria) o Estado, grande número de indivíduos e famílias escolheram o não retorno, mantendo essa vontade de pertença coletivamente expressa, dentro do grupo nacional. Neste contexto, que apresenta traços comuns a outras migrações europeias, cumpre indagar quais os motivos, as circunstâncias, as eventuais especificidades que contiveram, então e ainda hoje, o nosso associativismo dentro dos limites de cada um dos países de destino, como que desconhecedores ou desinteressados da existência dos demais. Esperamos de futuras investigações o aprofundamento da compreensão das caraterísticas de um associativismo português fechado dentro de fronteiras, e das causas que porventura o condicionaram ou acantonaram. A larga predominância, ao longo de séculos, da emigração para o Brasil, (país imenso, um mundo em si, uma sociedade aberta e acolhedora, onde a língua e a cultura tornavam mais fácil as relações sociais e o enraizamento), surge como hipótese de trabalho. No Brasil se situam as mais grandiosas manifestações do espírito associativo português, em número e em dimensão sem paralelo em quaisquer outras comunidades - os "Gabinetes de Leitura", os Hospitais e os Lares das "Beneficências", os clubes sociais, as agremiações desportivas... Aí existe uma importante Federação das Associações Portuguesas e Luso-brasileiras, que representa as nossas maiores instituições no mundo, sem nunca ter pretendido transpor as fronteiras do Brasil. 3 – Ao longo dos últimos dois séculos, registamos somente um conseguido ensaio de agregação das comunidades de língua e cultura portuguesas, por iniciativa do Prof Adriano Moreira, à frente da Sociedade de Geografia, na década de sessenta do século passado. Foi o primeiro a compreender a importância dos laços que a História tecera, não apenas a História do Império, em declínio, mas a do êxodo sem fim dos portugueses que consigo levaram e expandiram a fala e a Cultura em todo o planeta, a mostrar capacidade de agir, reunindo em Congresso os representantes dessas comunidades de língua, cultura e afeto. O primeiro Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa teve Lisboa como palco, o segundo, Moçambique, o terceiro estava projetado para o Brasil. Seria, porém, adiado "sine die", porque o regime, que, de uma forma mais ou menos neutral, aceitara o avanço deste movimento da sociedade civil, se fechou, em definitivo, após a ascensão de Marcelo Caetano ao poder. As atas, do 1º e do 2º Congresso foram publicados pela Sociedade de Geografia, em seis volumes, e documentam o espantoso e pioneiro trabalho levado a cabo. Ao lê-las, mais de meio século depois, constatamos que não foram as últimas manifestações de saudosismo colonial, na sua 25ª hora, mas o prenúncio de uma CPLP ainda informe e distante - e não a que mornamente subsiste, no novo século, mas a que sonhou José Aparecido de Oliveira. Ao grande político brasileiro, como a Adriano Moreira, os meandros da Política e da História, não deram tempo de levar a obra por diante. E não houve, a meu ver, até hoje, quem a soubesse retomar com a mesma visão da lusofonia policêntrica e universalista. 4 - A revolução de 1974 tardou sete anos a convocar os expatriados ao diálogo e à cooperação global no Conselho da Comunidades Portuguesas. Desta feita, a iniciativa pertenceu ao Estado, e os representantes de organizações da “sociedade civil” foram chamados ao encontro com o Governo, num exercício de democracia, que revestiu a forma de proposta à coparticipação na definição das políticas para as comunidades do estrangeiro. O Conselho foi, desde o início, concebido como instância consultiva do Governo da República e dos Governos Regionais, e como órgão representativo dos seus eleitores, dotado, consequentemente, do direito de iniciativa. Comparando o movimento da Sociedade de Geografia e o CCP instituído pelo Governo da Aliança Democrática, poderemos concluir que coincidiam no objetivo fundamental de federalizar o movimento associativo das comunidades do estrangeiro, igualmente se aproximando no propósito de colocar o foco na área da Cultura e nos laços afetivos. Todavia, o momento político em que o diploma criador do Conselho foi trabalhado exigiu atenção a outros aspetos, que viriam a determinar o alargamento do Conselho à vertente sócio laboral das migrações. O facto de o Governo anterior, no último mês do seu mandato, ter posto em marcha a organização de um Congresso das Comunidades Portuguesas (ao abrigo do Decreto-Lei nº 462/79 de 30 de novembro), colocou o VI Governo Constitucional perante o dilema de cumprir o seu próprio programa ou de o compatibilizar com os objetivos de projeto alheio. Não foi surpreendente a decisão de propor à Assembleia da República a ratificação do diploma de 30 de novembro, com o propósito de deslocar o Congresso da esfera de influência presidencial para a do Executivo. O cancelamento dos preparativos no ano de 1980 provocou fortes reações nas comunidades em áreas onde a oposição partidária era mais forte. (sobretudo, em França, onde o movimento associativo estava muito politizado) e terá contribuído para o ambiente conturbado em que se gerou o CCP, e, em resposta, para uma tentativa de conciliar o "Conselho de Diáspora", previsto no Programa da AD, e a ideia de um "Conselho de Emigrantes". O articulado do Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro era suficientemente flexível para abarcar a problemática das migrações antigas e recentes, e, de facto, o CCP encontraria a sua identidade, servindo ambas as vertentes. O pedido de ratificação do Decreto-Lei nº 462/79 pelo Governo da AD e o atraso na publicação do diploma, que instituía o CCP, implicaram o adiamento de ambos os eventos, no ano de 1980. Seria, assim, o VII Governo Constitucional, que, no começo do ano seguinte, dinamizou o processo de constituição das "Comissões de País", por áreas consulares, e, através delas, da eleição dos seus representantes à 1ª Reunião Mundial do CCP. A reunião foi organizada por Secções, onde seriam debatidos, em profundidade, os pareceres ou recomendações ao Governo, e por Plenários, onde estes seriam submetidos a votação final. À lista de Secções resultantes de prévia consulta aos eleitos, o Governo acrescentou uma Secção destinada à análise do articulado do Decreto-Lei nº 373/80, um espaço de diálogo em que as suas disposições podiam ser repensadas e reajustadas, como foram, e não de uma só vez, mas por consensos alcançados nas sucessivas etapas, em que se foi moldando a instituição. 5 – Houve, à partida, a preocupação de delinear um diploma jurídico abrangente e flexível, que pudesse ser a plataforma jurídica onde os representantes das comunidades iriam protagonizar a aventura irrepetível de criar a instituição - um complexo e exigente o processo de procura e de consecução de consensos bastantes para a alicerçar, através de pontes lançadas entre posições políticas, geografias e tipos de emigrações muito diversas, que se desconheciam e, por se ignorarem, se antagonizavam - a Europa contra o resto do mundo, migrações recentes contra Diáspora... Mais os descontentes com o adiamento do 1º Congresso do Governo Pintasilgo e os simpatizantes do novo Governo Sá Carneiro. Por fim, na mútua aceitação de opostos se sedimentou uma instituição abrangente e original. O grupo de trabalho que preparou a legislação foi buscar inspiração a um modelo estrangeiro do único país onde funcionava, já com largos anos de existência, um órgão governamental de audição de emigrantes - a França, com o "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger" (CSFE). Comparemos o CSFE com o CCP: um e o outro estavam sediados no Ministério dos Negócios Estrangeiro e eram presididos pelo Ministro. Neles tinham assente membros natos, membros eleitos (por um colégio eleitoral associativo), e membros nomeados. No caso do CCP, estes últimos foram escolhidos numa lógica bastante mais restritiva dos poderes discricionários do Ministro, visto que os representantes sindicais e patronais eram indicados pelas respetivas centrais. Os peritos escolhidos pelo Governo constituíam um reduzido núcleo, e sempre desempenharam de forma extremamente discreta a sua missão de apoio técnico. O Decreto-Lei nº 373/80, era, pois, um documento sintético, assente em arquitetura minimalista. Não especificava, por exemplo, os diferentes papéis de cada uma das três categorias referidas. Todavia, a sua prática não deu margem a quaisquer dúvidas: os membros natos - Governo da República, Governos das Regiões Autónomas, Deputados – promoviam, simplesmente, a audição dos eleitos. Face a face, em diálogo, ficavam os detentores do poder público e os eleitos da “sociedade civil”, delegados das Associações e "Observadores" da Comunicação Social", (aceites como iguais, na sua veste representativa e consultiva). Mais difícil de definir, antes de tudo por ser menos óbvia, numa leitura literal do diploma, era a função dos "membros nomeados" - representantes dos sindicatos e do patronato e especialistas convidados pelo governo. A chamada de centrais sindicais e associações patronais, tanto podia significar a aposta numa instância tripartida de concertação, porventura inspirada na CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, criada no ano anterior), caso em que seriam um segundo patamar de auscultação, somando-se à vertente principal (a da Emigração e Diáspora). Ou, como veio a acontecer, remeter-se a uma função coadjuvante no debate (de suporte técnico e jurídico à formulação de Recomendações e Pareceres). Os "delegados" dos parceiros sociais, (que o eram, na realidade, apesar do despacho de nomeação caber ao MNE), fizeram-se ouvir mais a esse nível, nos bastidores e nos "media" que lhes eram afetos –sobretudo a CGTP/Intersindical, perante a mais discreta atuação da UGT e a invisibilidade quase total dos representantes das associações patronais. "Conselheiros" eram, pois, os dirigentes associativos que integravam as "Comissões de País", e os "Observadores" da Comunicação Social. A presença dos "membros natos", não só nas sessões solenes de abertura e de encerramento, como em muitas das reuniões de trabalho, foi garantia de acessibilidade a parceiros de diálogo. E, por isso, paradoxalmente, o primeiro Conselho, seria, mais do que o segundo (1996/2021) um espaço de interlocução direta entre os Conselheiros e os responsáveis políticos. E quer o CCP "associativo", quer o "CCP refundado em 1996 se ergueram sobre uma legitimidade democrática – no primeiro alicerçada no voto de um colégio eleitoral, formado por representantes do movimento associativo, no segundo em processo de sufrágio direto, secreto e universal dos portugueses pertencentes a um determinado universo, cuja dimensão foi variando - de princípio, coincidia com os cadernos de inscrição consular (mais de dois milhões de cidadãos nacionais), depois, viu-se circunscrito aos cadernos eleitorais dos círculos de emigração, então com pouco mais de 170.000 recenseados, e, em data mais recente, cresceu, de novo, enormemente, pela via do recenseamento automático dos expatriados detentores do cartão de cidadão (cerca de 1.500.000 eleitores). 6 - Do ponto de vista de funcionamento do Conselho, comparando os dois modelos que se sucederam - o que constituía um fórum presidido pelo Ministro dos Negócios e o que atualmente forma um coletivo com presidência eletiva - constatamos que nas sessões em que o Governo está presente, continua a assumir protocolarmente a sua direção. A diferença reside no facto de essa presença quase se limitar às solenidades de abertura e encerramento dos trabalhos. De facto, a presença do Governo no 1º CCP responsabilizava-o na dação de respostas e justificações, enquanto no Conselho atual se converteu em ritual de boas-vindas e de despedida, libertando os governantes da pressão exercida numa relação direta. E, como temos visto, em alguns casos, até da necessidade de abordar a problemática contida nas Recomendações, caídas em semiesquecimento. Para isso, também terá contribuído, no seu início, uma menor mediatização, face àquela de que gozou o Conselho associativo. Nos meios de comunicação social, eram menos as notícias sobre as reuniões, as propostas, a vida do CCP. Todavia, gradualmente, o Conselho tem vindo a afirmar-se, também neste campo, e com uma imagem pública muito mais positiva- Aquém do desejável, dirão alguns. Em qualquer caso, os progressos são inegáveis. Cero é que o CCP há muito deixou de ser um cenário privilegiado de confrontação, imagem de marca dos seus primeiros anos e causa mais provável do seu eclipse em 1990. (eclipse quase total, visto que, na sua segunda vida, que se prolongou até 1996, o “Conselho” modificado pela Lei nº 101/90 funcionou, essencialmente, a nível local). Em 1996, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas José Lello relançou o Conselho, dando continuidade ao que tinham sido as suas formas de cooperação tradicionais. Embora eleito por sufrágio direto e universal, o atual CCP acolhe uma plêiade de dirigentes associativos – e estranho seria que assim não fosse, pois é, em regra, através da atividade cívica e do voluntariado no interior das comunidades que os cidadãos ganham prestígio e notoriedade entre os seus pares. Esse é um dos fatores, que lhe tem permitido manter o seu perfil e espírito original. 7 - No balanço de 40 anos de vida desta instituição, tão sólida na vontade coletiva de existir e nas solidariedades que dela emergiram, avulta, no lado mais negativo, uma certa desvalorização do seu trabalho pela falta de resposta, assaz frequente, das Recomendações, assim como a frequente omissão da consulta do Órgão em matérias de relevo para os cidadãos emigrados e para o futuro da Diáspora. Matérias que transcendem. largamente, o âmbito de uma Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, hoje desprovida dos meios de que dispunha até à década de noventa do século passado, o Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas, (organismo dotado de autonomia administrativa e financeira, e o seu escol de técnicos, especialistas e dirigentes) e a Comissão Interministerial para a Emigração. à qual eram levadas as Recomendações dirigidas pelo Conselho a cada um dos departamentos da Administração Pública. Que futuro para o CCP? Autonomia face ao Executivo, e ligação preferencial ao Parlamento? Constitucionalização? O poder discricionário do Governo no relacionamento com a instituição dele dependente marcou várias fases do seu percurso, chegando praticamente a neutralizá-lo entre 1988 e 1996. Quase dez anos decorreram entre a última reunião do "Conselho associativo", em fins de 1987, e a primeira reunião do Conselho renascido em 1997. Este longo hiato de invisibilidade, a nível global, não correspondeu, é certo, a inexistência jurídica da instituição, mas a incumprimento da legislação em vigor, (caso da não convocação das reuniões anuais, entre 1988 e 1991), ou uma nova estrutura, que se revelou, em larga medida, inexequível, devido à fragmentação dos colégios eleitorais, consagrada na Lei nº !01/90 e à irregularidade de funcionamento dos Conselhos de País No 40º ano da acidentada vida do Conselho das Comunidades Portuguesas, é hora de repensar as condições jurídicas e fáticas para o pleno aproveitamento do seu imenso potencial e de o reconhecer como a instituição que levou a democracia, ressurgida em 1974, às comunidades portuguesas no estrangeiro. Nesta coletânea de alguns escritos sobre esta temática, quer sobre a origem e a história dos mecanismos de representação de emigrantes em espaços transnacionais, quer sobre o CCP, dou conta de ocorrências e de reflexões pessoais, ancoradas no acompanhamento da sua vivência. Uma visão subjetiva, (como Presidente do Conselho, na primeira fase, entre 1980 a 1987, e como Deputada da Emigração, de 1997 e 2005), à qual subjaz a crença nas suas virtualidades, a par de algum ceticismo, que o passado justifica, quanto à capacidade de as projetar inteiramente no atual quadro da dependência governamental. Foi esse moderado ceticismo que me levou a dar, na Assembleia da República um último contributo para a valorização do CCP, através da organização de um colóquio promovido pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, a que presidia, sobre possíveis modelos alternativos ao Conselho atual. Nessa audição foi ventada, por alguns dos mais prestigiados juristas portugueses, a consagração constitucional do CCP, a fim de garantir a sua autonomia, com ou sem uma eventual transição para a órbita da Assembleia da República. Um passo em frente no seu trajeto, para cumprir a vocação originária de ser uma assembleia verdadeiramente representativa e influente, o grande fórum da Diáspora e da emigração portuguesas. Maria Manuela Aguiar Abril de 2021 Os Conselhos de Emigrantes mais antigos da Europa foram criados na primeira metade do século XX, como instrumentos de representação dos cidadãos residentes no estrangeiro - o suíço (1916) e o francês (1948). Ambos continuam em plena atividade e são oriundos de grandes movimentos associativos intercontinentais, configurando, todavia, dois modelos distintos. A ́"Organização dos Suíços no Estrangeiro" (OSE) é constituída a partir de um movimento associativo mundial, e elege o "Conselho dos Suíços no Estrangeiro", órgão de cúpula formado por residentes em diversos países e, numa percentagem significativa, também, na Suíça (antigos emigrantes, políticos seniores, especialistas e dirigentes ligados a ONG' s da área das migrações). É frequente a presidência do Órgão ser confiada a uma personalidade que vive no país, um senador ou deputado, no ativo ou na reforma. O Conselho reúne duas vezes por ano e organiza, no verão, um Congresso, aberto a todos os expatriados, que, em férias ou por qualquer outra razão, estejam no país. Um evento sempre muito participado, que pode acolher mais de um milhar de pessoas! Na Suíça, a OSE dispõe de um Secretariado, com um núcleo permanente de funcionários. O diálogo com o Governo é fácil e constante, e o Conselho, na sua veste de porta-voz da emigração, é fortemente apoiado, sobretudo, nas suas iniciativas focadas nas novas gerações - o ensino das línguas suíças no estrangeiro, programas de intercâmbio de jovens, campos de férias em território nacional - e na informação, (através da publicação de uma revista em cinco idiomas. os quatro falados no país e o inglês, que é distribuída a todos os inscritos nos consulados). A informação jurídica e técnica é da responsabilidade do Governo, tudo o mais da livre conceção do Conselho. É, sem dúvida, um modelo de diálogo democrático entre uma organização da sociedade civil e o Estado, que funciona na perfeição, mas é praticamente impossível de transpor para outros sistemas. O Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro (CSFE) é um órgão de consulta governamental, surgido como resposta a reivindicações da "Union des Français de l' Étranger" (UFE). Desde a sua formação, em 1927, a UFE apelou ao reconhecimento pelo Governo da igualdade de direitos entre residentes e expatriados, e do direito de voto nas eleições nacionais. Mais de duas décadas depois, em 1948, na falta de qualquer forma de representação política dos expatriados, e, de algum modo, como um sucedâneo, o Governo francês instituiu o CSFE, como instância oficial de audição dos expatriados. O "Conseil", sediado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e presidido pelo Ministro (que, usualmente, delegava num Diretor-Geral,) era eleito no universo associativo. Nele tinham assento a UFE, as associações de antigos combatentes e de professores do estrangeiro e as câmaras de comércio. Só na década de oitenta surgiriam nos países de grande emigração do sul da Europa mecanismo semelhantes de representação específica dos seus concidadãos do estrangeiro e todos se basearam no modelo francês, então já com mais de trinta anos de provas dadas: Portugal em 1980, a Itália e a Espanha na segunda metade da década. a Grécia. em noventa. Em França, o envolvimento do movimento associativo na escolha ou eleição de representantes das comunidades do estrangeiro foi visto como solução ideal numa época em que eleições diretas suscitariam desconfianças dos governos locais, (a que, mais tarde, note-se, não escapariam, em diversos países, os Conselhos de eleição por sufrágio universal, nomeadamente o italiano e o espanhol). O associativismo oferecia-se aos poderes públicos como o interlocutor ideal, pela sua força representativa e pelo seu dinamismo no interior de verdadeiros espaços de vivência de costumes e de tradições, em suma, de presença nacional. Desde o início de novecentos, a enorme expansão dos movimentos associativos dos emigrantes europeus culminara na proliferação de extensas redes internacionais, encabeçadas por cúpulas federativas (M Böhm, 1993). Esse esforço generalizado de congregação e solidariedade coincidiu com o aumento de vagas migratórias da Europa, sobretudo para as Américas, favorecido pelo progresso tecnológico, (a máquina a vapor), e pela diminuição dos custos das viagens transoceânicas. É história que nós, portugueses, conhecemos bem. O êxodo para o Brasil atingiu, então, números jamais vistos. Contudo, não acompanhamos a tendência para a internacionalização do associativismo, sempre fortíssimo a nível local e avesso a ultrapassar as fronteiras de uma cidade, de uma região, ou, quando muito, de um país. (1)(2) O campo de atuação dessas coletividades centrava-se no início, sobretudo, no campo assistencial, na proteção em caso de doença e de desemprego, mas depressa se estendeu a outras preocupações, como a da integração na nova sociedade e a da preservação da língua e da cultura, face à quase completa ausência de apoio das autoridades nacionais. Até meados do século passado, não estava na sua agenda a reivindicação de um estatuto de direitos políticos, no seu próprio país. Teria sido considerada pura utopia! Por isso, o discurso da UFE nos surpreende pelo seu pioneirismo neste domínio, ao reclamar a igualdade de exercício de direitos da cidadania dos expatriados. A pertinência da pretensão parece-nos hoje uma evidência, reconhecidos os laços de pertença culturais, afetivos e até económicos, que guardavam, e guardam, com a Pátria, mas imperava então, universalmente acatado, o dogma territorialista, segundo o qual os direitos políticos só podiam ser exercidos dentro das fronteiras da soberania do Estado (3). A França, sendo um país de imigração, mais do que de emigração, não quis abrir precedentes que a obrigassem a dar reciprocidade a estrangeiros. A ideia cedo mereceu, no berço da revolução da "Liberdade, Igualdade, Fraternidade", bom acolhimento de personalidades mais progressistas, mas os Governos não se mostraram à altura da ousadia da proposta. O CSFE constituiu, assim, uma solução de compromisso, em si mesma tão avançada que, nas quatro décadas seguintes, não foi seguida por qualquer outro Governo europeu. Cumpre perguntar as razões e o condicionalismo que propiciado o avanço de que os franceses se podem orgulhar. A sua singularidade parece derivar, em larga medida, da história da República, com a sua tradição de representação das antigas colónias, pela via de "Conselhos Superiores". Contudo, não é de menosprezar a concorrência do fator individual - a visão e cultura política do fundador e principal dirigente da UFE, Gabriel Wernlé, que ousou sonhar a igualdade de direitos de cidadania dos emigrantes num tempo em que era vista como contranatura. Teve, por si, a influência da organização que liderava, numa longa confrontação com o conservadorismo da diplomacia e da administração pública francesas, e, ao fim de quase vinte anos de luta, soube moderar a reivindicação e aceitar o gradualismo, uma fórmula inovadora de representação dos expatriados no espaço público, num órgão de consulta governamental - um Conselho Superior. De notar, também, a influência da luta na guerra contra o invasor nazi neste processo. De facto, a consagração jurídica do “Conselho Superior” fora precedida pelo convite a um pequeno núcleo emigrantes franceses para participarem no "Conselho Consultivo da Resistência Francesa", que, sob a égide do General De Gaulle, funcionava como fórum da França livre. (4) Na 1ª reunião desse Conselho, em 1943, na Argélia, reuniram oitenta e três homens, e cinco representantes dos expatriados - quatro homens e uma mulher, Marthe Simard, membro da resistência no Canadá. (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 19). Essa primeira ligação entre exilados, envolvidos na guerra, e emigrantes, em sentido estrito, foi continuada no CSFE, onde os antigos combatentes, enquanto tal, tiveram, desde a primeira hora, assento entre os “membros de direito”, juntamente com representantes da UFE, das Câmaras do Comércio e dos professores, e a par dos quarenta e cinco “membros eleitos” pelas associações e de cinco “membros nomeados”, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. Entre as mais importantes prerrogativas do "Conseil" estava – como está atualmente na "Assemblée des Français de l’ Étranger" (AFE) - a de escolher os senadores dos franceses residentes fora do país, processo em que intervêm apenas os membros eleitos. O voto dos expatriados para a Assembleia Nacional tardou a ser reconhecido, pelo que o CSFE, constituindo um dos colégios eleitorais do Senado, foi uma primeira instância de presença em Órgãos de Soberania e influenciou todos os organismos públicos que, com o mesmo escopo, foram sendo criados em outros países europeus – Portugal, Itália e Espanha. (AGUIAR, 2003: 9). O CSFE reunia em plenário anualmente ao longo de uma semana de agenda preenchida, de segunda a sábado, e entre as sessões anuais, convocava, com regularidade, a Comissão Permanente, para aprovação de relatórios, resoluções, pareceres, e para fazer interpelações ao Governo, nomeadamente, direitos políticos, nacionalidade, ensino, pensões, assuntos económicos... (5) Em 1982, o governo francês introduziu uma modificação no seu modo de eleição, optando pelo sufrágio direto e universal, em listas de candidatos apoiadas por partidos políticos - passo que foi visto como um aprofundamento da sua legitimidade democrática, e veio a ser adotado pelos homólogos italiano e espanhol, cuja instituição é posterior a essa data, e, também, pelo CCP, aquando do seu ressurgimento, em 1996. Desse modelo se afastaria, todavia, o legislador grego, com o declarado propósito de evitar a partidarização do órgão, preferindo o perfil de representatividade interassociativa, como sendo mais consonante com o acento nas questões culturais (lembremos que, na Grécia, é no Ministério da Cultura que são integrados os serviços destinados à Diáspora helénica). Não se poderá ver nesta escolha particular inclinação ideológica, numa dialética esquerda/direita, já que o governo era chefiado pelo Partido Socialista grego. Em 2003, a França voltou a marcar um ritmo da evolução, ao dar dignidade constitucional à existência do "Conseil Superieur", no art.. 39 da Constituição da República. Espera-se que a decisão possa vir a influenciar os congéneres europeus, já tendo sido, ao menos em Portugal, objeto de reflexão e debate em audições parlamentares. Em 2004, novo passo em frente, com a revisão legislativa que alterou o título do CSFE para "Assemblée des Français de L' Étranger" Na década seguinte, a França reformou o sistema eleitoral dos "Conselhos Consulares" (Lei de 22 de julho de 2013), que passaram a ser eleitos por sufrágio direto e universal e, numa segunda fase, a eleger a AFE por sufrágio (universal) indireto. Após o reconhecimento aos cerca de dois milhões de cidadãos residentes no estrangeiro do direito de voto nas Legislativas, os respetivos deputados passaram a integrar a Assembleia dos Franceses do Estrangeiro, a par dos doze senadores, que continuam a ser eleitos de entre os membros que a constituem. Os vários Conselhos existentes na Europa adotaram o arquétipo francês, mas moldando-o, obviamente, à sua própria realidade, com diversas soluções e modos de atuação concretos. Do nosso, mais recente e mais próximo no tempo e nas caraterísticas das suas migrações, terão o italiano e o espanhol importado a orgânica” basista” dos "Conselhos de País", e a sua função de colégios eleitorais dos membros do Conselho mundial (6). São, pois, organizações que, em certa medida, se têm interinfluenciado, embora sem manterem contactos ou formas de colaboração. Não tem havido a preocupação de promover congressos ou conferências sobre esta temática, que permitiriam repensar, em conjunto, as diversas configurações experimentadas, sopesando êxitos, dificuldades e obstáculos concretos. Uma exceção terá sido uma Conferência da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, realizada em Paris, em 1997, em que não só foi abordada a problemática dos mecanismos de representação e consulta, numa perspetiva comparatista, como se aventou a hipótese da transposição do modelo a nível europeu. Um projeto que ainda aguarda a hora da concretização e que seria especialmente proveitosa para Portugal, sabido que o CCP foi, de todos os congéneres, o que teve vida mais acidentada (AGUIAR, 2008: 259). A visão comparativa ajudará a compreender as razões da sua maior instabilidade e a aprofundar o debate sobre as formas de o solidificar como instituição - por exemplo, integrando-o na arquitetura da Constituição, como aconteceu em França em 2003, e deslocando-o para fora da esfera de competência do Governo. Soluções já analisadas em duas audições parlamentares, promovidas pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas. A primeira, em 2003, sobre "Mecanismos específicos de representação de emigrantes", chamou ao debate representantes dos vários Conselhos existentes na Europa. A segunda, em 2004, contou com a participação de alguns dos melhores constitucionalistas portugueses, que se mostraram, em quase todas as intervenções, abertos à mudança (BARBOSA DE MELO, 2004: 33). Sendo estes meios de audição dos migrantes instrumentos de uma cultura de diálogo, de encontro de pessoas e coletividades geograficamente mais distantes dos centros de poder, e uma autêntica expressão da democracia participativa, não pode deixar de se colocar em relação a eles a questão da igualdade de género, que, entre nós, esteve quase sempre ausente da agenda, não obstante o persistente fenómeno da sub-representação feminina. Em França, a meta da paridade tem sido alcançada, nas últimas décadas, em números mais satisfatórios do que na Assembleia Nacional e no Senado. Em Portugal, apesar da aplicação obrigatória da Lei da Paridade, o CCP mantém ainda um perfil predominantemente masculino, longe do patamar atingido na Assembleia da República, quer do ponto de vista quantitativo, quer no acesso à presidência do órgão, de Comissões, ou a instâncias de coordenação. É matéria em que uma nova audição parlamentar seria útil e reveladora, em especial se promovida, conjuntamente, pelas Subcomissões da Igualdade e das Comunidades Portuguesas. O CCP: Conselho das Comunidades ou Conselho de Emigrantes? Em Portugal, a proposta de um Órgão desta natureza, como instrumento das políticas públicas para a emigração, data dos fins da década de setenta. Nas eleições intercalares de 1979, o programa eleitoral do governo da AD prometia a criação de um "Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo", onde estas se poderão fazer representar" (7). Ao contrário do que acontecera em França, a nova instância de representação não se destinava a colmatar a exclusão dos expatriados no processo eleitoral para a Assembleia da República, que, nos termos da Constituição de 1976, já possuíam capacidade eleitoral ativa e passiva, (votando em círculos próprios, o Círculo da Emigração da Europa e o Círculo da Emigração Fora da Europa, o que não teve paralelo, em Direito comparado, até à adoção pela Croácia de um sistema semelhante, nos anos noventa). Por outro lado, também não tinha qualquer âncora no passado colonial ou na situação de antigos combatentes, nem tampouco o suporte de um forte associativismo a nível internacional. Em França, a UFE fora a grande paladina do Conselho, parceira de primeira hora do Governo. Em Portugal, era o Governo que se propunha promover a agregação do movimento associativo, desprovido de uma rede transnacional - uma "casa comum" da lusofonia e da lusofilia, não apenas da emigração recente. A União das Comunidades de Cultura Portuguesa, contemporânea dos Congressos da Sociedade de Geografia, que poderia ter sido interlocutor privilegiado, já não existia. Teve vida breve, na década de sessenta (8). Havia, pois, que adaptar fato alheio ao próprio corpo e trabalhar contra o tempo, porque o horizonte do Governo, oriundo de eleições intercalares, era curto, terminava em outubro desse ano de 1980. Tudo era urgente, nomeadamente o Conselho... Nos primeiros dias de janeiro, foi criado, no gabinete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, um grupo de trabalho, coordenado pela Dr.ª Fernanda Agria, que, em poucas semanas, elaborou um anteprojeto, ouvidos Deputados da Emigração, diplomatas e especialistas e funcionários da SEECP. O diploma foi enviado a Conselho de Ministros em finais de fevereiro, e, após a tramitação pelos diversos gabinetes ministeriais, aprovado a 1 de abril. A falta de ampla audição das comunidades seria suprida, através da consulta posterior aos eleitos, a quem coube, na primeira reunião do CCP, repensar o seu funcionamento e apresentar sugestões de modificação. A Secretaria de Estado tomou a iniciativa de afetar à revisão do diploma uma das seis Secções que vieram a compor o organograma da "Reunião Mundial". E foi nessa Secção, que, no meio de acesos debates, se forjou, em compromissos e consensos, a vontade comum de existir, que verdadeiramente fez do CCP uma realidade institucional. Essa Secção não seria extinta, ao longo dos sete anos em que se prolongou a trajetória do 1º CCP. Foi sempre a que mais interesse despertou nos líderes de primeiro plano, os verdadeiros "ideólogos" da instituição - aquela cujas recomendações foram moldando o órgão à medida de novas dinâmicas e ambições. O "Conselho" posterior revelar-se-ia herdeiro dessa tradição democrática de repensar o próprio funcionamento, a partir de dentro, do parecer dos Conselheiros, no uso do seu direito de iniciativa, embora nem sempre os governos tenham seguido os seus pareceres. No CCP, tal como no "Conseil Supérieur" francês, coexistiam três categorias de participantes - membros eleitos (os representantes das comunidades do estrangeiro), membros natos (representantes dos governos, nacional e regionais e do parlamento) e membros nomeados (delegados dos parceiros sociais e peritos). Para além de pôr os conselheiros frente a frente, numa sala de reuniões fechada, a falarem entre si, pretendia-se assegurar o contacto com o Governo, os responsáveis da Administração Pública, os parceiros sociais, os "media", a “sociedade civil”. Essa foi a razão, ainda hoje largamente incompreendida, que determinou a heterogeneidade da composição do órgão consultivo e o facto de todos poderem estar presentes nas sessões de trabalhos. As assessorias dos diversos departamentos ministeriais deram, como se esperava, um contributo facilitador da elaboração das propostas e pareceres dos eleitos. Os membros do Governo da República, do Parlamento, das Autonomias estiveram sempre disponíveis para o diálogo. Os meios de comunicação social levaram à opinião pública a imagem do novo organismo. As recomendações das primeiras reuniões (1981-1985), que foram publicadas pelo Centro de Estudos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, assim como as atas das diversas reuniões, revelam a enorme predominância das intervenções dos Conselheiros eleitos, face aos demais. Estes raramente se pronunciaram, salvo para prestar esclarecimentos, mas, em qualquer caso, os Conselheiros manifestaram, fazendo manchetes na imprensa, o propósito de reduzir o CCP ao núcleo dos eleitos, para de entre eles escolher o presidente, como sinal da sua autonomia. Uma moção nesse sentido foi formalmente aprovada. Todavia, logo abriam, pela via de convites da (sua) presidência, as portas dos CCP a todas as categorias de participantes previstos no decreto-lei governamental - prova de reconhecimento das vantagens de interagirem com uma pluralidade de participantes, em fórum alargado. Questão igualmente suscitada, desde o início, na Secção competente, foi a do universo de votantes - manutenção de um colégio eleitoral associativo (Conselho de “comunidades”, no seu sentido orgânico, assentes em estruturas organizacionais) versus sufrágio direto e universal, que o converteria num Conselho de Emigrantes. Parece, à primeira vista, (olhando a designação escolhida), ser esta a vocação dos demais Conselhos de iniciativa governamental - o Conselho Superior dos "Franceses" do Estrangeiro, o Conselho Geral da "Emigração", espanhol, as Comissões de “Italianos", o Conselho dos "Gregos" no Estrangeiro, todos colocando o acento no indivíduo, ao contrário do que acontece com o nosso Conselho que, mesmo depois de adotado, em 1996, o sufrágio direto, continua a intitular-se das "comunidades", isto é, do coletivo. Uma possível explicação para o diferente enfoque radicará no facto de esses países não terem, à época, representação parlamentar dos emigrados, que encontravam nesta forma de representação dos cidadãos um sucedâneo, como vimos. O CCP associativo, pelo contrário, emanava de um universo maior do que o dos nacionais de passaporte, abrangendo a Diáspora, numa cadeia de gerações – que o mesmo é dizer as comunidades organizadas, espaços extraterritoriais de convívio onde a cultura, a língua, as tradições dão ao grupo nacional a sua identidade e a sua capacidade de sobrevivência. Aos representantes do 1º CCP não se exigia o cartão do cidadão, mas, essencialmente, laços de afeto e trabalho associativo concreto, por forma a abraçar os luso-descendentes, ou, mais latamente, os lusófonos e os lusófilos. (10). O Conselho atual restringe-se, como os congéneres europeus, estritamente, aos titulares da nacionalidade, à emigração recente. A exceção é o italiano, que tem presença obrigatória da sua Diáspora, através de um sistema misto, em que os eleitos, (possuidores da nacionalidade), cooptam um determinado número de dirigentes associativos, ítalo-descendentes. No caso português, a exclusão deste vasto segmento diaspórico significa a marginalização de muitos membros influentes do mundo associativo e de todas as antigas comunidades, como as do Havai, Caraíbas, Bermudas ou Malaca. Não obstante essa limitação, o nosso sistema pode, de algum modo, ainda hoje, ser considerado misto, na medida em que garante especiais facilidades a candidaturas de associações portuguesas do estrangeiro. Este aspeto não tem merecido grande realce, quando se aborda a questão do aprofundamento da democraticidade do Órgão, que, para a escola de pensamento predominante, representou a transição do sistema de eleição interassociativa para o sufrágio universal. Contudo, essa particularidade da nossa legislação será a que assegura a continuidade de uma dimensão comunitária ou diaspórica no Conselho - dimensão que o facto de serem dirigentes associativos muitos dos Conselheiros torna mais transparente. Uma das críticas persistentes de que foi alvo o CCP dos anos oitenta - o de abranger apenas o mundo das organizações comunitárias, que se estimava ser frequentado por 10 % a 15% do total de portugueses - perde parte da sua pertinência quando se constata níveis de abstenção superiores a 90%.nas eleições por sufrágio direto (em alguns casos a rondar os 98% a 99%). Números tremendos, que fazem manchetes na imprensa e, muitas vezes, são até a única notícia sobre todo o processo - lampejos mediáticos que, no silêncio de que cercam a instituição, alimentam a ideia de um irremediável desinteresse dos eleitores da sua existência. São analistas que olham de fora a emigração e não atentam nas diferenças de condicionalismos para a participação eleitoral: no país há uma mesa de voto na proximidade da casa de cada um, enquanto no estrangeiro cumprir o mesmo dever cívico implica dificuldades de toda a ordem, frequentemente deslocações de muitas dezenas ou centenas de quilómetros! A adoção do voto eletrónico pode vir a combater, eficazmente, esta gritante desigualdade, mas não resolverá outros aspetos, também mal compreendidos, de uma realidade múltipla e complexa, como é a dos laços de ligação, que, a partir do estrangeiro, os portugueses estabelecem com o seu país, em círculos de dimensão crescente - do círculo menor, que alguns chamam "a comunidade política nacional", onde o relacionamento é semelhante ao dos residentes no país, na vontade e exigência de intervenção política, ao círculo maior, o da "comunidade nacional", que se expande em outras formas de pertença, sobretudo, numa vivência cultural e profundamente afetiva. O mundo do associativismo, pode abranger ambas, em proporções diversas. É um espaço convivial que a todos reúne em datas simbólicas, em grandes eventos e manifestações populares, ainda que não atraia, na sua vida quotidiana, muito mais do que a estimada média dos cerca de 10%. Estatisticamente, parece pouco. Porém, é nesse grupo que estão os mais ativos, os que trabalham, lideram, mobilizam as comunidades como um todo. Entre eles, por certo, os que votam nos processos eleitorais para os órgãos de soberania, ou para o CCP. Da Lei ao Nascimento da Instituição Foram céleres, no quadro habitual dos nossos processos de legiferação, os trabalhos preparatórios do diploma, que foi aprovado em Conselho de Ministros a 1 de abril de 1980. O diploma foi, porém, retido pelo Presidente da República ao longo de meses e só promulgado, em meados de setembro, véspera de eleições parlamentares, o que inviabilizou a reunião mundial neste ano. Não seria menos rápido, em 1981, no VII Governo Constitucional, o complexo processo de organização das primeiras eleições, de acordo com as normas transitórias previstas no Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro, assim como a organização e realização da 1ª Reunião Mundial. A convocatória do ato eleitoral foi dirigida pelas embaixadas ou consulados às associações constituídas em cada uma das respetivas áreas, para a eleição dos seus representantes, em número proporcional à dimensão estimada das comunidades. Nos processos seguintes, as "Comissões de País" passaram, por direito próprio, a reunir para o efeito, como colégios eleitorais do Conselho. Essas "Comissões" gozavam de larga margem de autonomia para definirem o seu próprio modo de organização e funcionamento, a nível de cada país ou área consular, incluindo o número de efetivos, o regimento interno, o programa, as temáticas a tratar, a agenda de atividades. Os seus membros eram eleitos de entre as associações que se inscrevessem na Comissão de País. Com tão completa descentralização se pretendia responder à realidade extremamente diversificada do movimento associativo dos cinco continentes. Onde existisse uma federação - caso do Brasil - as Comissões poderiam funcionar quase só como colégio eleitoral. Onde isso ainda não acontecesse, esperava-se que pudessem contribuir para reforçar a cooperação interassociativa. Em qualquer caso, nem os consulados, nem o governo interferiam nas suas decisões. O VII Governo Constitucional tomou posse em janeiro de 1981 e a primeira reunião plenária realizou-se, decorridos precisamente três meses, de 6 a 10 de abril, no salão nobre do Palácio Foz. No quadro da burocracia portuguesa é um "record", que deixa a enorme distância os mais de dezoito meses que foram precisos para convocar, em 1997, o novo Conselho, previsto na Lei de 1996. Foi formal e breve a cerimónia de abertura. Duas mulheres tomaram a palavra numa reunião em que os eleitos eram todos do sexo masculino: a Secretária do CCP, Fernanda Agria, em curta alocução, começou por lembrar que "o próprio diploma criador do Conselho está, de certa maneira, a ser testado na realidade da prática". A Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, na qualidade de Presidente do Conselho, numa igualmente sintética comunicação, salientou o caráter histórico do momento: "Estamos a participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no conjunto das instituições nacionais" [...]: "Não temos, infelizmente, em Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições [...] o CCP, no seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a limitá-lo". (AGUIAR, 1986:91). Quando a Secretária do CCP se preparava para dar seguimento à ordem do dia do plenário, ouviram-se vozes de contestação, prenúncio da partidarização, que, ao longo de sete anos, contribuiu para dar uma imagem pública de conflitualidade, que, dentro do Conselho era vista como democrática, e nem sequer foi obstáculo a tomada de muitas decisões consensuais (11). No exterior, as sintonias traduzidas nos pareceres e recomendações eram desvalorizadas e os incidentes de percurso ampliados, de forma desmesurada. Outro aspeto em que os media revelavam superficialidade de análise era a forma como, tantas vezes, confundiam o Conselho das Comunidades Portuguesas, órgão de consulta governamental e o Congresso das Comunidades Portuguesas, uma reunião magna da Diáspora, inicialmente, tal como o CCP, prevista para 1980, e adiada para o 10 de junho de 1981. (12). O Congresso, note-se, converteu-se em pomo de discórdia entre órgãos de soberania (PR, Conselho da Revolução e Governo), e optou por ignorar, por completo, o CCP e por o manter à margem do seu funcionamento (ADEMAR, 2015:380), (FERNANDES, 2006:334). Todavia, feito o balanço, a atenção que a comunicação social dedicou ao CCP foi importante para a divulgação das atividades do Conselho e para o combate do um défice de informação que, sobre a emigração, existia no País. Finalmente, os cidadãos portugueses do estrangeiro, tomavam a palavra e falavam como sujeitos do seu destino. O Governo queria que fossem ouvidos! O lado negativo dessa opção foi o tal dar azo a aproveitamento de pequenas querelas, de “faits divers” pitorescos, por parte daquele jornalismo muito focado em aparências, que não curava das questões de fundo nem dava relevo aos pragmáticos acordos, gerados à volta delas. No período de relançamento do Conselho, em 1996/1997, e ao longo da sua segunda vida, o enfoque mediático começou por ser bastante menor, (talvez, justamente, porque se desvaneceu, numa democracia consolidada, a animosidade à flor da pele do período revolucionário. então ainda próximo, e com isso foi perdendo a espetacularidade dos conflitos, propícios a manchetes). É uma das razões, e porventura a principal, para a falta de notoriedade de que se queixava uma organização, que produzia tão abundante, dedicado e competente trabalho. Não era, todavia, caso único, a nível internacional, pois do mesmo se queixava, por essa altura, o “Conseil Superieur”, apesar do seu já longo percurso e de dispor de meios de atuação incomparavelmente superiores... O que o organismo francês teve de menos, em relação ao CCP, foi certamente, o grau de conflitualidade que é, inevitavelmente, chamariz mediático. Neste aspeto, em agressividade verbal e frequentes ameaças de rutura, o exemplo português superou os demais. O primeiro aviso foi dado logo no ato inaugural pelo contestatário que interrompeu a sessão, protagonizando de uma estratégia de afrontamento partidário, que faria o seu curso nas reuniões mundiais seguintes (salvo na última, realizada em novembro de 1987 quando se tornou evidente que seria a última e todos os Conselheiros se uniram, num impulso de defesa da instituição). Nem outra coisa seria de esperar na conjuntura política de oitenta, durante os primeiros governos maioritários pós-revolução, etiquetados como de centro-direita (PSD/CDS/PPM/Reformadores). Surpreendente terá sido, sim, o pragmático contributo que os setores da oposição deram àquele projeto institucional, aceitando-o como o Órgão com que a Revolução de Abril estendia às comunidades do estrangeiro a participação na vida democrática do país. Os rompimentos de cooperação, que houve, da parte dos mais próximos do PCP, foram sempre de curta duração, seguidos por um retorno aos trabalhos, sem porem em causa a sua valência simbólica e prática. À medida que se ia fazendo caminho, as barreiras ideológicas cada vez menos se interpunham no relacionamento humano cordial. Em Lisboa, naquele abril de 1981, ao agitado Plenário, seguiram-se as reuniões de Secção, em ambiente mais propício à colaboração e à obtenção de resultados positivos. As Secções converteram-se na parte escondida de um "iceberg", com o seu peso substancial e determinante a permanecer oculto, dando visibilidade aos Plenários e criando a ilusão de que o nosso CCP estava nas antípodas do seu homólogo francês, como fórum de moderação e diálogo construtivo (nem a reconfiguração de 1982, com a adoção do sufrágio universal, e a intervenção de partidos políticos nas listas concorrentes às eleições alterou o seu quadro de funcionamento). No CCP da década de oitenta, como no atual, a participação de partidos políticos foi sempre indesejada e nunca se verificou abertamente, mas através de militantes que ali se apresentavam como independentes… Até os deputados da Emigração, do PSD, CDS e PS, enquanto “membros natos”, evitaram sempre o discurso partidário… Os colégios eleitorais reuniam representantes de ONG’s, muitas sem qualquer ligação a formações partidárias, tudo dependendo do grau de penetração que estas tivessem (ou não...) no movimento associativo. Em democracia, é uma ligação perfeitamente legítima, mas raros foram os intervenientes que a manifestaram, mesmo quando as suas posições a revelavam claramente. O CCP do século XXI, apesar da opção pelo sufrágio universal, manteve o, pelo menos aparente, distanciamento da esfera partidária, que, a não existir, tende a ser negado. Com isso, querendo, obviamente, colocar o órgão acima de derivas partidárias, mas correndo o risco de introduzir opacidade no processo. A participação partidária direta no patrocínio de listas, adotada pelo organismo francês, foi, no nosso sistema, excluída nas várias reestruturações do CCP. Só às ONG 's, não os partidos, tal como acontecia no modelo associativo, era concedida essa prerrogativa. Está totalmente por fazer um estudo sobre a influência partidária na vida do Conselho, nomeadamente através das centrais sindicais. Com um saber meramente empírico, diria que no CCP não houve praticamente quezílias entre militantes de partidos do sistema (do então chamado "arco da governação'' – PSD, PS e CDS) e a intervenção da UGT, ao contrário da CGTP/Intersindical, foi sempre discreta e colaborante. E em matérias de fundamental importância na defesa dos direitos políticos e sociais dos emigrantes prevaleceu, regra geral, bom entendimento entre os Conselheiros, incluindo os ativistas políticos, que, muitas vezes, ousaram divergir dos seus partidos. Uma constatação que, devemos reconhecê-lo, joga a favor do regime vigente, na medida em que facilita a independência dos eleitos, hoje de facto largamente praticada, face aos aparelhos partidários. A 1ª Reunião Mundial do CCP (6 a 10 de abril de 1981) O programa delineado para a 1ª reunião mundial previa a alternância de Plenários e de debates temáticos em seis Secções, em que os Conselheiros se podiam livremente inscrever: Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção, Comunicação Social, Revisão do DL nº 373/80 e Secção Especial (temas livres). O Plenário do Conselho foi, como o hemiciclo das assembleias parlamentares, o cenário, por excelência, da confrontação aberta, e as Secções, à semelhança das comissões parlamentares, converteram-se no espaço de análise aprofundada de propostas e de obtenção de compromissos, quase sempre alcançados, como o provam as 102 recomendações aprovadas por unanimidade. Em tão vasto leque de pareceres consonantes sobre uma grande diversidade de temáticas se gerou a adesão à instituição nascente e se foi moldando a sua identidade, enquanto plataforma de cooperação de emigrantes. Um fenómeno vivido, do mesmo modo, nas diversas Secções, a começar naquela em que mais diretamente se pensava o futuro perfil do Conselho. As recomendações retrataram, assim, o momento genesíaco do CCP, testando as virtualidades de trabalhar em comum, que ficaram demonstradas no impressionante conjunto de propostas comuns. Um desfecho que, depois de um começo fraturante, parecia improvável. Algumas recomendações são programáticas, mera enunciação de matérias importantes a manter em agenda, para reflexão e estudo (por exemplo, "valorizar, dignificar e difundir a cultura e intensificar o ensino da língua", ou "programar o desenvolvimento regional numa perspetiva de regresso e reinserção de emigrantes") e outras estão imprecisamente expressas, o que não surpreendia numa reunião sem passado, a querer acertar contas de décadas com o Estado, para colmatar as suas omissões e ausências no relacionamento com os expatriados. Mas muitas outras houve que apontavam para soluções precisas e concretas, e vieram a inspirar políticas, de que são exemplo: a criação de Institutos ou Leitorados de Língua Portuguesa; a integração do português nos "curricula" escolares dos países de imigração; o recrutamento preferencial de professores oriundos das comunidades; a organização de cursos de férias e intercâmbios; cursos de formação para professores de português no estrangeiro; o alargamento do regime de inscrição voluntária de emigrantes na segurança social portuguesa, (que havia sido instituído pelo Decreto Regulamentar nº 7/80 de 3 de abril); o aumento das isenções alfandegárias e fiscais (medidas que começaram a ser equacionadas após a revolução de 1974, sobretudo, para incentivar os regressos); a realização de programas de apoio a rádios das comunidades; a distribuição generalizada dos noticiários da ANOP (que a SEECP passou a assegurar, para os terminais de telex dos próprios "media" ou, na sua falta, os dos consulados); o aproveitamento dos programas de televisão, produzidos, desde 1974/75, somente para os emigrantes de França e Alemanha, em benefício, também, de canais ou emissões de televisão das comunidades em outros continentes (o que seria dificilmente negociado com a RTP e só avançaria, quando o protocolo foi revisto com a RTP-Norte e por ela executado). São inúmeras as medidas inovadoras que os Conselheiros propuseram, designadamente: o porte pago; a realização do 1º Encontro Mundial dos Órgãos de Comunicação Social das Comunidades, (convocado no ano seguinte, 1982); a reivindicação da dupla cidadania (acolhida na ordem jurídica poucos meses depois); o voto na eleição presidencial (batalha árdua, ganha só em 1997); o reforço dos serviços da SEECP, com aumento de delegações no estrangeiro; a abertura de balcões de apoio aos emigrantes nos aeroportos, a melhoria do regime de “contas poupança emigrante”... A Recomendação 99 A "Secção para a Revisão do Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro", que todos viam como “alma mater” do Conselho, era chamada comumente "a secção política". Política no sentido mais nobre da palavra, levada a bom termo num círculo nuclear daquela assembleia mundial, pelos líderes mais influentes dos diversos quadrantes geográficos, muitos deles juristas. O seu conjunto de propostas de revisão, precedido de memoráveis debates e acoplado numa recomendação global, podia ser considerado o anteprojeto de uma nova Lei do CCP, da autoria dos Conselheiros. As alterações foram votadas por unanimidade, considerando-se “aprovadas todas as disposições constantes do DL 373/ 80, que não colidam com a recomendação infra”. No seu articulado, que recebeu o nº 99, as principais modificações eram as seguintes: - A composição do órgão apenas por membros eleitos; - A escolha do presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal; (proposta que não levantou objeção do Governo, mas viria a ser alterada na 2ª reunião mundial, com a aceitação da norma em vigor. ou seja, presidência pelo MNE, delegada no Secretário de Estado). - A nomeação do Secretário-Geral pelos conselheiros eleitos e apoiado pelos serviços da SEECP. - A eleição do CCP no círculo das associações, com a possibilidade de ser complementada pelo sufrágio direto de candidatos fora das associações. As traves mestras, as finalidades principais do Decreto-Lei fundador não foram postas em causa, por tal se entendendo as prioridades definidas no seu preâmbulo: a “salvaguarda da identidade da cultura lusíada no mundo” e a “promoção do movimento associativo, com respeito pela sua liberdade estatutária e identidade própria”. O CCP suspenso (1982/83) Avanços e retrocessos, controvérsias e ruturas assinalariam a trajetória do CCP, ao longo deste primeiro ciclo de cerca de sete anos, que culminaria na sua paralisação, a partir de 1988. No VIII Governo Constitucional (o 3º e último Governo da Aliança Democrática), o Secretário de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, em 1982, optou por não convocar a 2º Reunião Mundial antes da aprovação da revisão legislativas que o próprio Conselho recomendara no ano anterior. Seguidamente, apresentou a Conselho de Ministros um projeto de alteração do Decreto-Lei nº 373/80, (NENO: 1985, 46) com a seguinte argumentação: "Já que, à partida, foi intenção do governo propor ao Conselho das Comunidades Portuguesas a avaliação do diploma (intenção que é manifesta em face da constituição de uma secção específica para esse efeito, a qual, como se previa, foi a mais participada); já porque a experiência colhida da sua primeira reunião não foi de molde a satisfazer os seus intervenientes, desde logo surgiram algumas críticas à sua constituição e funcionamento". Segundo Pinho Neno: "Daí a pensar-se na mera alteração de alguns artigos do DL 373/80 ou até na sua substituição pura e simples, foi um passo que não tardou a ser ensaiado. Neste sentido, foi elaborado no gabinete do Secretário de Estado da Emigração e distribuído em Maio de 1982, para ser presente a Conselho de Ministros o projeto que a seguir se transcreve [...] ". Na Nota Justificativa afirma-se que a revisão "resulta de uma recomendação da primeira reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas", e salienta-se que os objetivos do Conselho "não eram atingidos com o atual normativo". Por isso, pretendia modificar critérios de representatividade e as regras do seu funcionamento. Apesar desta manifestação clara de uma vontade de ir ao encontro das propostas do CCP, o teor das alterações introduzidas não consagrava nenhuma das principais reivindicações da Recomendação 99. A Recomendação servira, pelo visto, não de inspiração, mas de justificativo para suspender o funcionamento do Conselho e avançar com o articulado pretendido pelo próprio Governante. A intenção de patentear a descontinuidade do Órgão é revelada, no art.º 1º, pela mudança de designação, que passava a ser "Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas". Nos artigos 2º e 3º era mantida a presidência no Ministro dos Negócios Estrangeiros e a composição do Conselho - membros natos, eleitos e nomeados, aos quais se acrescentavam representantes das associações de Comércio entre Portugal e os países de comunidades com assento no Conselho. Também contrária à recomendação 99, e particularmente desajustada face à lógica de representatividade do Conselho, era a determinação de um processo segregado de participação das missões religiosas, que, nos termos do art.º 7º, passavam a ter "representantes designados" pela "competente estrutura da Igreja". Na Presidência do Conselho de Ministros, o projeto foi "objeto de duras críticas". (NENO: 1985, 56). Não houve recetividade para a substituição de CCP por CMCP...O novo diploma foi criticado por ir pouco além da simples mudança de denominação, considerando-se que a revisão deveria limitar-se a alterações pontuais, indispensáveis "face à experiência colhida e às recomendações obtidas na sequência da primeira reunião do Conselho". Não era o que o Secretário de Estado e Presidente em exercício do CCP almejava com o seu texto, pelo que nem houve novo diploma, nem o que estava em vigor foi cumprido, não se tendo sido convocada a reunião plenária de 1982, nem a de 1983, durante o mandato desse Executivo. A reativação do Conselho, em finais desse ano, foi obra do IX Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, à frente de uma coligação PS/PSD, com o regresso da anterior Secretaria de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas. A Instituição entrou, a partir de então, num período de estabilidade e sedimentação, independentemente da alternância de Governos, o primeiro de coligação PS/PSD, o segundo minoritário e uni partidário do PSD (encabeçado por Cavaco Silva). Quatro anos de estabilidade (1983/1987) A 2ª Reunião Mundial foi convocada para o Porto, Feira, Aveiro, novembro de 1983 Em meados desse ano, quando o IX Governo Constitucional tomou posse, o mandato dos primeiros Conselheiros eleitos em 1981, sendo de dois anos, encontrava-se esgotado. O novo processo eleitoral iniciou-se, de imediato. Pela primeira vez, duas mulheres tiveram assento no CCP, ambas jornalistas, integrando a Secção de Comunicação Social: Maria Alice Ribeiro, de Toronto, e Custódia Domingues, de Paris. A sessão de abertura da Reunião Mundial realizou-se no Porto, no Palácio da Bolsa, sessões de trabalho em Santa Maria da Feira e encerramento em Aveiro – três concelhos de vultosa e tradicional emigração. Como Presidente do CCP abordei as dificuldades do passado recente, o "hiato demasiado longo" no pleno exercício das competências da instituição, para salientar a sua capacidade de, durante essa fase, "manter uma vida própria em grau não despiciendo, manifestando, para além de quaisquer dúvidas ou equívocos, que é isto mesmo: uma verdadeira instituição" (AGUIAR, 1986;177). E, olhando o futuro do CCP, manifestei a esperança de que pudesse prosseguir a sua insubstituível "função mobilizadora, sendo plenamente aquilo que é: órgão consultivo do Governo, com caráter representativo, porta-voz das associações dos portugueses do estrangeiro" (AGUIAR, 1986:180). Sobre a importância do mundo associativo, que dava ao CCP, neste perfil organizativo, um papel central de parceria no desenvolvimento de políticas públicas, reafirmava o seu reconhecimento como principal fator de agregação e dinamismo das comunidades, assim como o respeito pela sua autonomia. Neste recomeço do Plenário foram aprovadas, entre muitas outras, duas importantes recomendações: o enquadramento dos órgãos de Comunicação Social numa " Secção Permanente", autónoma, e a criação de quatro Conselhos Regionais (África, América do Norte, América do Sul e Europa) - recomendação que viria a ser consagrada no Decreto-lei nº 367 /84 de 25 de novembro e determinava que o Conselho, convocado a nível mundial, se realizasse ora no País, ora nas Comunidades do estrangeiro, no âmbito dos Conselhos Regionais, em anos alternados. No entendimento dos conselheiros, que o legislador fez seu, tornava-se equivalente a consulta anual, com análise e debate dos temas em Secções especializadas, envolvendo um número sempre restrito de intervenientes (dado que decorriam em simultâneo), e a audição parcelada por Regiões, que permitia a participação de todos, em sessões plenárias contínuas. As quatro Reuniões Regionais tornavam-se o equivalente da Reunião Mundial. Uma outra interpretação importante ali expressamente validada foi a que respeitava ao perfil institucional dos diversos interlocutores, dentro do Conselho. Os Conselheiros procedem, nesta sequência de deliberações, (NENO: 1985, 69), a uma clara distinção entre a legitimidade dos eleitos - os únicos com direito de voto - e da presidência ministerial, com a sua competência própria, sem interferência no processo de livre expressão de opiniões e bem assim de pareceres dados em resposta a consultas. Do mesmo passo, ratificaram o conceito de associação para efeito da lei, com a exigência de que não infringisse a legislação local, tivesse um número mínimo de membros, se encontrasse inscrita no consulado da sua área e registada na Comissão de País. Nenhuma discriminação positiva ou negativa era dirigida a missões religiosas ou paróquias. As organizações paroquiais continuaram a participar nos colégios eleitorais, na medida em que se dedicassem a atividades culturais, beneficentes ou recreativas (13) A 3ª Reunião Mundial e1ª “Reunião por Regiões”: realizou-se na América do Norte (Danbury, Connecticut), com Conselheiros dos EUA, Canadá e Austrália e no Brasil, (Fortaleza, Ceará), com representantes da América do Sul e da África, tendo a opção do Plenário conjunto sido tomada pelos eleitos das duas Regiões. O Conselho Regional da Europa, previsto para La Rochette, no início deste mês, fora adiado "sine die", por oposição dos conselheiros de França, em votação por maioria. (14) O novo modelo foi muito além do que dele se esperava – revolucionou o funcionamento do CCP, deu-lhe a autonomia que os seus membros eleitos visavam, com a reivindicação da presidência do Órgão, embora formalmente esta se tivesse mantido no MNE (por decisão maioritária dos eleitos na Reunião de 1983, numa reapreciação desse ponto da agenda). De facto, a partir da Reunião Regional de Danbury, a organização, a agenda e a presidência das sessões de trabalho passaram para as mãos dos Conselheiros. O formato revelou as suas virtualidades, também, noutros aspetos – na facilidade de obter consensos, (de algum modo já expectável em ambiente de muito maior homogeneidade dos tipos de migrações) e de permitir o contacto alargado não apenas à comunidade portuguesa local, (em convívios e sessões abertas a todos os concidadãos, com aproveitamento tempos livres e refeições), mas também com as autoridades locais. Outras duas muito importantes propostas, legado destas pioneiras Reuniões são: a constituição de uma Comissão Interministerial para a Emigração e de uma "Comissão Permanente de Peritos", para viabilizar o apoio técnico constante e maior operacionalidade aos trabalhos do Conselho. (15). A 4ª Reunião Mundial teve lugar em Porto Santo e Funchal, no mês de novembro de 1985) e ficou marcada, positivamente, pela transposição do esquema testado no ano anterior de entrega aos eleitos a condução dos trabalhos da Conselho, (mantendo a presidência protocolar do Governo nas sessões solenes de abertura e encerramento) e, negativamente, pela dissidência de uma parte dos representantes da Europa, que abandonaram Porto Santo, a meio do encontro. A contestação vinha de trás, da impugnação judicial do despacho de convocatória da primeira Reunião Regional da Europa (1984), que viria a ser julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 1986. A constituição de uma "Comissão Permanente" integrando dois representantes de cada uma das quatro regiões, (mais um da Austrália), representou um decisivo passo em frente na autonomia e funcionalidade do Conselho. Outra proposta importante foi a do estabelecimento de uma plataforma de diálogo institucional com a AR, em especial, com a Subcomissão das Comunidades Portuguesas. Os Conselheiros levavam à Subcomissão as suas posições, através dos deputados da emigração (em simultâneo, membros da Subcomissão e membros natos do CCP) e a ela viriam a confiar o seu anteprojeto de revisão global do Decreto-Lei nº 373/80, soma das recomendações, ano a ano, formuladas sobre a matéria. A 5ª Reunião Mundial (e 2ª por Regiões), repartiu-se entre África (Cape Town). Brasil (Maringá), Canadá (Toronto) e Alemanha (Estugarda), com organizações locais a todos os títulos excelentes. Em qualquer das Reuniões, os trabalhos foram iniciados com a apreciação do "Relatório de Atividades" e do "Programa Cultural" da SECP/IAECP que o Governo lhes submetia para parecer – uma forma de consulta abrangente com que era valorizada a função consultiva do Órgão. Os dias seguintes centraram-se no balanço das Recomendações e nos temas propostos pelos membros eleitos. A 6º Reunião Mundial, em novembro de 1987, na Albufeira, 1987 viria a última do Conselho associativo. Um desfecho que nada fazia prever e que foi determinado pela queda Governo de coligação PS/PSD, realização de eleições antecipadas e tomada de posse do XI Governo, o primeiro de maioria monopartidária, do PSD, em agosto desse ano. Fora até então um ano promissor para a o CCP, com a constituição uma "Comissão Interministerial para a Emigração e para as Comunidades Portuguesas", que tinha entre as suas principais competências fazer o ponto de situação sobre as recomendações do CCP - um sinal da sua crescente importância política. A Comissão Interministerial reuniu por duas vezes, no primeiro semestre do ano, ao nível de Diretores-Gerais, para uma primeira análise das recomendações em agenda, e para adoção de metodologias de trabalho. Fora igualmente convocada, nesse período, uma reunião preparatória do Conselho, com a presença da Comissão Permanente e dos Peritos, dos Deputados, e dos dirigentes do IAECP. Debruçou-se, entre outras matérias, sobre os Regulamentos das Conferências temáticas. O fim abrupto do chamado “Governo de Bloco Central” inverteu o que parecia ser a fase de definitiva consolidação do Conselho. A descontinuidade dos seus trabalhos viria a ser decidida, no final de 1987, pelo novo Governo, após a realização de um último Plenário. Note-se que a 6ª Reunião e última Mundial, efetuou-se nos termos da convocatória assinada pela anterior Secretária de Estado. Cerca de 300 recomendações, entre as que vinham do passado e as que ali foram aprovadas, constituíram o legado dessa derradeira reunião - recomendações viriam a ser globalmente consideradas a prova de uma declarada desvirtuação do CCP como órgão de consulta, e a sua desconformidade com os objetivos das políticas do novo Governo. No debate parlamentar sobre a extinção do CCP e a criação de novas estruturas, nos termos do Decreto-Lei nº 101/90 (cuja ratificação fora pedida pelo PS e PCP), o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas não hesitaria em explicitar esse julgamento, afirmando: "Infelizmente, o que prevaleceu na atuação do Conselho foi a pretensão de criticar e fiscalizar a ação dos governos, qual câmara política não prevista na Constituição.” No período que medeia entre a reunião da Albufeira e a aprovação da Lei nº 101/90 apenas se mantiveram em funcionamento as estruturas locais. A nova Lei criava o Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas, a Comissão Permanente, e, a nível local, Comissões de País eleitas (ou nomeadas, sempre que não fosse possível organizar eleições) pelos seis colégios eleitorais, abrangendo mundo associativo, dividido em várias categorias, assim como a generalidade dos emigrantes, agrupados em círculos distintos, separando, nomeadamente, "trabalhadores por conta de outrém”, “empresários” e “intelectuais”. O diploma deparou com oposição da direita à esquerda e foi aprovada apenas com os votos do partido maioritário (o PSD). O pessimismo das oposições, do CDS ao PCP, sobre a exequibilidade da sua aplicação concreta revelou-se profético. O XI e o XII Governos Constitucionais não convocaram o Congresso das Comunidades. As Comissões de País tiveram existência irregular, e mesmo onde se lhes conhece atividade, foram, em muitos casos, formadas por membros nomeados por escolha das Embaixadas, sancionada em despacho governamental e nem a Comissão Permanente deixou o seu rasto em reuniões públicas e propostas que se conheçam. (18). Em 1995, o XIII Governo Constitucional denunciou a governamentalização das Comissões de País e comprometeu-se a restituir às comunidades portuguesas um Conselho eleito democraticamente. Em 1996, após consulta pública das linhas gerais do diploma em preparação, a Proposta de Lei para a criação de um “Conselho Consultivo das Comunidades Portuguesas”, foi enviada à Assembleia da República, onde haviam já dado entrada os Projetos de Lei do PSD e do PCP. Esses dois Projetos e a Proposta de Lei foram objeto de aprovação na generalidade e baixaram à Comissão de Negócios Estrangeiros. O texto final, a que esta Comissão deu prioridade e, por isso, aprovação muito rápida, era, com poucas alterações, o do Proposta de Lei do Governo. A sua principal modificação respeitava ao processo eleitoral, que passava a ser realizado por sufrágio direto e universal. Da designação constante da proposta governamental suprimiu-se, por proposta do PSD, prontamente aceite, o termo "consultivo", com o argumento de que nele se poderia ver uma desvalorização da vertente representativa do Órgão. E, assim, o CCP retomou o percurso interrompido, com a designação original e, quarenta anos depois, mantém-se em plena atividade. III – Desigualdade de género – uma constante no CCP Ao olhar retrospetivamente o 1º CCP um aspeto sobressai, desde a primeira hora, como grave desajuste da sua representatividade: a discriminação de género, uma invariável do seu percurso, tanto em sede de composição, como na sua agenda de prioridades, traduzida na temática das recomendações. Outras formas de equilíbrios foram tentadas e, mais ou menos, conseguidas, nomeadamente: entre realidades de emigração díspares, de país para país ou de continente para continente, “máxime” entre a Europa e o mundo transoceânico, entre estatutos sociais, académicos e profissionais, (trabalhadores versus empresários), entre ideologias, entre gerações. A preocupação com as chamadas "segundas gerações" assoma em muitas das recomendações, em matérias de ensino, formação, intercâmbio, desporto. Já sobre mulheres e a sua sub-representação no associativismo e no CCP, o silêncio é a regra, com uma única exceção, que ficou a dever-se a uma das primeiras mulheres a ter assento do CCP, como adiante será referido. Em 1981, eram homens todos os Conselheiros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os Deputados, os representantes das Regiões Autónomas e os delegados dos parceiros sociais (nomeados por indicação das respetivas corporações). Todavia, o CCP foi, historicamente, o primeiro a ser presidido por uma mulher, a Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, que ocupava o cargo por inerência, ou seja, uma presidência feminina acidental... Por sua nomeação, algumas funcionárias públicas, participaram na reunião de 1981, como peritas - além da Secretária do CCP, Fernanda Agria, as moderadoras e relatoras Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural), Rita Gomes (Secção Regresso e Reinserção) e as que exerceram a assessoria das secções, Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial), Maria Helena Lúcio (Segurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e Educação). Em 1983, as primeiras mulheres Conselheiras, Maria Alice Ribeiro, do Canadá, e Custódia Domingues, de França, representavam, ambas, os meios de comunicação social. Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal português de Toronto (“O Correio Português"), foi a proponente da convocatória de um congresso mundial de mulheres migrantes. O "1º Encontro de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo" realizou-se em junho de 1985, e, tal como o próprio CCP, de onde dimanava, reuniu as componentes "associativismo " e "media", chamando a Viana do Castelo 35 mulheres com currículo nesses dois domínios (CENTRO DE ESTUDOS,1986). À semelhança dos plenários do CCP, o "Encontro" foi um espaço democrático de debate, de audição de representantes da sociedade civil, mulheres, pelo Governo, de procura de soluções em conjunto- a forma possível de dar à metade feminina das comunidades a voz que lhe faltava no órgão oficial de consulta. Significou, por isso, o primeiro passo nas políticas públicas para a emigração, com uma componente de igualdade de género. Nesse ano de 1985, entre os recém-eleitos para o Conselho não havia uma só Conselheira, embora a "Comissão Permanente de Peritos", constituída, por nomeação governamental, fosse rigorosamente paritária. A preocupação face à desigualdade em razão do sexo, foi visível na esfera de decisão do governo, em tudo o que não interferisse na genuinidade dos processos eleitorais - o que significava ficar circunscrita ao seu suporte técnico e administrativo. O Encontro Mundial de Mulheres Emigrantes veio oferecer uma forma de consulta paralela ao CCP, que, a partir de 1987, deveria ter tido sequência nas “Conferências para a Promoção da Participação da Mulheres”, de periodicidade anual. O desinteresse do XI Governo pela sua implementação fez perder a oportunidade concreta de lançar as bases das políticas públicas para a igualdade, nas comunidades, que, entre nós, tardariam quase duas décadas. Foi, aliás, problemática que não encontrou eco entre Conselheiros, como se comprova pela análise do conteúdo das recomendações: as especificidades das migrações de mulheres são praticamente ignoradas! Entre 1981 e 1985, apenas numa recomendação se lê a palavra “mulher” e, nota curiosa, para manifestar a preocupação pelo facto de, na Austrália, ela ter, em certos casos, melhores condições de trabalho do que os maridos, facto que poderia levar a conflitos familiares (Recomendação 35). Podem, é certo, considerar-se como dirigidas, sobretudo, às mulheres, (embora sempre designadas como “cônjuge”), algumas recomendações aprovadas em matéria de reagrupamento familiar. Foi, pois, através de uma solitária proposta da Conselheira Maria Alice Ribeiro, que o CCP se viu ligado ao primeiro passo das políticas de género, em Portugal. E, por acaso, através de um Encontro, tanto quanto se sabe, inédito no espaço da emigração, a nível mundial! Com as Conferências para a Promoção da Participação das Mulheres, a funcionar na órbita do Conselho, Portugal teria feito história em Direito comparado, antecipando, em cerca de 20 anos, às medidas para a paridade tomadas pelo seu homólogo francês. A Lei da Paridade viria a ser aplicada aos respetivos órgãos consultivos de emigrantes, nos dois países, em 2007. Com uma diferença: a iniciativa para a adoção das regras para a promoção da igualdade em França veio de dentro do próprio órgão, por proposta dos senadores dos franceses do estrangeiro (enquanto membros da AFE), e foi secundada por uma enorme maioria dos membros da Comissão das Leis e Regulamentos da AFE (GARRIAUD- MAYLAND, 2008: 51), enquanto em Portugal, mais uma vez, a decisão partiu do Governo. Acresce que a proporção de mulheres no CSFE já antes da aplicação da Lei da Paridade, era superior a 36%, enquanto no CCP ficámos muito aquém dessa meta, apesar da ligeira melhoria quantitativa registada nas eleições de 2007. Se o caso francês demonstra que um elevado nível de participação feminina se pode alcançar sem qualquer forma de ingerência legislativa, o caso português revela as dificuldades de atingir os objetivos de leis deste tipo, quando depara com resistências de facto. As causas desta realidade não estão estudadas. De entre as hipóteses que se podem aventar para a persistente desigualdade de que falámos nesta instituição, uma é o desinteresse das próprias mulheres na corrida às eleições (desinteresse por terem o seu enfoque principal em questões que consideram fora das prioridades do CCP?). Outra é, porventura, a da sua persistente marginalização atual num movimento associativo que conserva grande importância na organização de listas e no desenvolvimento de campanhas eleitorais. Na verdade, o grau de participação de mulheres e homens, é, ainda, apesar dos avanços constatados, (mais numas comunidades do que em outras), muito dispar. Por outro lado, podemos também perguntar se a obrigação do Estado de garantir as condições de igualdade de participação se esgota na aprovação da Lei da Paridade… É certo que, desde 2005, a SECP relançou as políticas de género, através dos "Encontros para a cidadania - a igualdade entre homens e mulheres", que tiveram sequência em novos Encontros Mundiais de mulheres e em múltiplas ações que se enquadram no movimento que poderemos designar por "congressismo". Contudo, o CCP poucas vezes esteve (se é que esteve…) no centro desses debates. Dar a esta instituição prioridade na luta pela igualdade de participação será, porventura, tão importante para as mulheres migrantes como para o CCP, enquanto instituição verdadeiramente representativa das comunidades portuguesas. (16) Notas (1) Para além da França, com a UFE e da Suíça com a "Organização dos Suíços no Estrangeiro" (da qual é oriundo o Conselho suíço), também, por exemplo, a Áustria (Associação Mundial dos Austríacos no Estrangeiro,) a Bélgica ("Flamengos no Mundo" e "Union Francophone des Belges à l' Étranger"), a Alemanha ("Associação para a Cultura Alemã no Estrangeiro", fundada em Berlim, em 1881, com o nome de "Associação Geral das Escolas Alemãs"), a Espanha ("Fundação dos Espanhóis no mundo"), a Inglaterra ("Associação para os Direitos dos Ingleses no Estrangeiro"), a Itália ("Sociedade Dante Alighieri, a "União dos Italianos do Estrangeiro" e organizações regionais, como "A família Veneziana" e "A Família Milanesa"), a Polónia (com "Comunidade Polaca", criada em 1990), a Suécia (com duas associações internacionais "A Suécia no Mundo" e a "Associação Educativa das Mulheres Suecas") - organizações sobre as quais incidiu o relatório de M Böhm, aprovado na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O relatório não menciona a "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", talvez pelo seu caráter efémero, apesar de se enquadrar nesta forma de associativismo. A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa" foi instituída durante o 1º Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, organizado pela Sociedade de Geografia, presidida por Adriano Moreira. O 2º Congresso decorreu em Moçambique, em 1967. O 3º Congresso, que iria realizar-se no Brasil, deparou com obstáculos levantados pelo governo de Marcelo Caetano. Foi adiado "sine die" e a "União", ainda em fase embrionária, e, por isso, sem verdadeiro enraizamento na Diáspora, foi desativada. Não era um órgão governamental, do tipo do Conselho Superior francês, e não precisava de apoio oficial para existir. Contudo, num regime antidemocrático, não gozou de liberdade para continuar, porque tinha a sua sede numa instituição de Lisboa e não nas comunidades do estrangeiro, que escapavam ao controle da ditadura. (2) Uma das explicações para a não existência de um movimento internacional da Diáspora portuguesa poderá ser o facto de uma grande proporção dos fluxos migratórios se dirigir a um só destino, o Brasil. A Federação das Associações Portuguesas e Luso Brasileiras abrangia todo um país de dimensões continentais, mas nunca quis ultrapassar as fronteiras deste país. (3) O Prof Emygdio da Silva, no início do século, rejeitava a ideia do voto nacional dos emigrantes, e apontava já para um sucedâneo, que seria a representação dos emigrantes num órgão próprio. Um verdadeiro percursor dos Conselhos, no plano puramente teórico. (4) O papel desempenhado pela UFE na criação do Conselho explica a preponderância do associativismo na sua composição. Os candidatos às eleições deviam ser, obrigatoriamente, membros de uma associação do estrangeiro e ter, cumulativamente, a nacionalidade francesa. (5) Jöelle Garriaud - Mayland, Conselheira e Senadora pelos franceses do estrangeiro, ao historiar o percurso do CSFE, destaca o seu papel no domínio do ensino, da proteção social e pensões, na aceitação da dupla nacionalidade e do lado menos positivo, refere a pouca notoriedade de que goza, apesar da sua importância, quer dentro de França, quer também entre os expatriados (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 44). Este é certamente um problema com o qual se confronta, igualmente, o CCP. (6) Os Comités de Italianos no Estrangeiro foram criados, em 1985, sob a égide dos consulados, com eleições por sufrágio direto, exceto nos países onde proíbam o processo eleitoral, caso em que são nomeados. Em 1989, foi instituído o Conselho Geral dos Italianos no Estrangeiro, presidido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com 65 membros eleitos e 29 nomeados pelo governo. Os "Conselhos de residente espanhóis", que tal como os "Comitati" italianos funcionam junto dos consulados e o "Conselho Geral da Emigração" foram instituídos em 1987. O Conselho Geral era composto por um presidente nomeado pelo Ministro do Trabalho e por 60 membros eleitos (inicialmente, 36) e nomeados (oriundos de entidades regionais, profissionais, sindicais ou da administração pública). (AGUIAR e GUIRADO, 1999: 18) (7) O Programa Eleitoral da AD, no capítulo da Política Externa distinguia políticas para a "Emigração" (medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes, acento no ensino, na cidadania, nos direitos de participação política, na facilitação do regresso), e para as "Comunidades Portuguesas no Mundo", como realidade que exigia meios próprios, gestos de aproximação das comunidades da Diáspora, antes de mais a criação de um conselho representativo : "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes, existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico se impõe reconhecer e preservar. [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente." (8) Contemporânea da "União", também nascida dos Congressos de 60, é a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa", mas de “criação governamental" (MOREIRA, 1988: 7). Os Congressos de 60 assumiram já, a meu ver, pela sua natureza civilista e fraterna, uma feição pós-colonial, acentuada pela prioridade dada ao relacionamento das diásporas lusófonas, à língua, à expansão da "fronteira cultural" e, latamente, à lusofilia. Poderão mesmo ser considerados precursores da CPLP, como os via o maior impulsionador desta comunidade, Embaixador José Aparecido de Oliveira, sobretudo se, como ele queria, valorizasse futuramente, a componente das culturas, da união dos povos e não só dos Estados. (9) Não era exigido aos conselheiros o vínculo da nacionalidade, nem sequer o de ascendência portuguesa, apenas o sentimento de pertença, comprovado pela participação ativa e relevante no universo do associativismo lusófilo. Tão grande abertura era uma singularidade portuguesa, da qual se aproximava apenas o sistema dual da legislação italiana, ao prever a participação de ítalo-descendentes, pelos eleitos cooptados no meio associativo italiano. O 2º CCP perdeu esta valência, visto que a capacidade eleitoral ativa e passiva só é reconhecida a portugueses de nacionalidade. (10) Foi possível ultimar o diploma num período tão curto graças, ao apoio do MNE e Vice-primeiro Ministro Freitas do Amaral e ao trabalho "pro bono" de juristas com muita experiência na "arte de legislar":, como Fernanda Agria e Eduardo Costa, e Luís Fontoura. (11) Segundo "O Diário ", cuja informação factual é rigorosa: " Mal a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou: Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural? Fernanda Agria comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às 11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos departamentos". Com o subtítulo "Protesto", o Diário continua a reportagem: "O representante da CCP de França disse estar ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos funcionários".( De facto, a Secretária de Estado ausentou-se numa parte do programa em que estavam previstas apenas informações técnicas dos funcionários). Na parte final do artigo, há breves citações de conselheiros da emigração transoceânica, dissonantes das posições do orador de França. Só um vê escrito o seu nome: Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os emigrantes e disse que considerava o decreto-lei que institui o Conselho como uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado". Não obstante o seu cariz partidário, a narrativa é elucidativa do ambiente em que decorreram os debates no "dia um" do CCP: (12) O Congresso das Comunidades Portugueses, criado por Decreto-Lei do V Governo Constitucional, chefiado por de Maria Lurdes Pintasilgo - um governo de gestão, em fim de mandato, a 30 de novembro de 1979 – deveria abrir as Comemorações Camonianas, e, no decurso dos seus trabalhos, propor a instituição de um mecanismo de consulta do tipo do CCP. Foi, de imediato, formada uma Comissão Organizadora presidida por Vítor Alves. Porém, desde o verão desse ano, era conhecido o Programa Eleitoral da AD, que prometia a criação do Conselho das Comunidades. O conflito era inevitável… A AD pediu a ratificação daquele Decreto-Lei, levou a realização do Congresso para a sua esfera de influência, nomeou para presidir à organização o Reitor Rosado Fernandes e adiou o evento para 1981. Nesse ano, esperar-se-ia uma perfeita articulação entre Congresso e CCP, realizações dependentes do mesmo Ministro (o dos Negócios Estrangeiros). Porém, o MNE preferiu impor a completa separação das águas entre Congresso e Conselho. Por razões que se ignoram. (13) Em 1981, foram várias as organizações ligadas à Igreja que participaram no processo eleitoral, ativamente se envolveram nas atividades das "Comissões de País" e tiveram um papel importante na 1ª Reunião, e através não só de leigos, mas dos próprios sacerdotes - caso do Canadá (Kingston, Ontário), EUA (Danbury, Connecticut), Venezuela (Caracas), França (Paris), Reino Unido (Londres) e Austrália (Sydney). (14) O atraso no processo legislativo - a Lei nº 367/84 seria publicada só em 25 de novembro - obrigou a que as Reuniões Regionais fossem convocadas, ao abrigo da lei vigente, interpretada no sentido de permitir que a consulta a nível mundial "por regiões", em vez de o ser "por secções". Sendo a lei omissa quanto ao modo de funcionamento do órgão consultivo, entendeu o Governo que a consulta aos Conselheiros era mais abrangente na modalidade regional, visto decorrer sempre em plenário, do que na modalidade do plenário, complementado por secções, já que estas ocorriam simultaneamente. Todos os Conselheiros da emigração transoceânica e alguns da Europa perfilham o mesmo entendimento. A exceção foi o grupo de Paris, que recusou comparecer na Reunião Regional e recorreu judicialmente da decisão governamental – recurso que perdeu no Supremo Tribunal Administrativo. O STA deu total vencimento à argumentação governamental. As reuniões foram agendadas numa altura em que o projeto de lei de alteração pontual ao Decreto-Lei nº 373/80 corria os seus trâmites. Aguardar o momento da sua promulgação e publicação, equivaleria a paralisar os trabalhos de convocação do Conselho. Só a última Reunião Regional, no Brasil, se realizou já depois da publicação da aguardada emenda. (15) A Comissão foi constituída por despacho da Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas e Secretária de Estado da Emigração, de 2 de agosto de 1984, e era integrada por Eduardo Costa (que coordenava), Fernanda Agria, Maria Rita Gomes, Maria Beatriz Rocha -Trindade, Veiga de Macedo e Carlos Faria (NENO,1985: 82). (16) A cooperação dos Conselheiros com o Governo da República e Governos Regionais é uma marca identitária do CCP, enquanto instituição. As Regiões Autónomas tinham já então as suas instâncias próprias de representação ou de reunião das suas comunidades (Rocha- Trindade, 2014: 19), mas, no 1º Conselho foram chamadas e aceitaram partilhar, plenamente, a interlocução governamental com as comunidades. No Conselho refundado em 1996, apesar de gozarem do mesmo estatuto jurídico, não mais desempenharam o mesmo papel BIBLIOGRAFIA Ademar Carlos, “Vítor Alves – o Homem, o Militar, o Político”, Lisboa, 2015, Edições Parsifal Aguiar Manuela e Guirado Ana, "Links of between Europeans living abroad and their countries of origin", Estrasburgo, 1999, PACE Aguiar Manuela, "Política de Emigração e Comunidades Portuguesas", Lisboa, 1996, SECP, Coleção Migrações Aguiar Manuela, "O Conselho das Comunidades e a representação de Emigrantes", em Beatriz Padilha e Maria Xavier (org) Revista Migrações, Outubro 2009, ACIDI "Antecedentes, Criação e Percurso do Conselho das Comunidades Portuguesas", Lisboa, 1985. SECP, Centro de Estudos, Böhm, "Les Européens à l'Étranger"., Estrasburgo, 1993, PACE "Conselho das Comunidades Portuguesas, Recomendações de 1981 a 1985 e sua Implementação", Lisboa, SECP, Centro de Estudos Fernandes Raul Miguel Rosado “Memórias de um Rústico Erudito – viagem à volta de lentes, terras e políticos”, Lisboa, 2006, Edições Cotovia Lda Garriaud-Mayland Jöelle, "Qu'est-ce que L'Assemblée des Français de l'Étranger?", Paris, 2008, L' Archipeord ed)l Helena Alves (coord), "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", Edição Assembleia da República Lisboa, 2005 Isolete Ramalho (coord), "Mecanismos de Representação de Emigrantes", Edição Assembleia da República, Lisboa, 2005 Moreira Adriano em "Academia Internacional da Cultura Portuguesa", Lisboa, Boletim nº 9 - 1973/1974/1975 Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo, 1º Encontro, Porto, 1986, Edição Centro de Estudos, SECP Rocha-Trindade, Maria Beatriz, Le "Conselho das Comunidades Portuguesas comme Pièce Centrale de la Politique Migratoire de l'Après-25 Avril" em "La Révolution des oeillets et l'immigration portugaise", 2014, Migrances 43, Éditions Mémoire-Génériques     1 - O 1º Congresso e o 1º Conselho das Comunidades Portuguesas, apesar da sua quase coincidência temporal, em 1981, fizeram percursos rigorosamente separados. O Congresso fora criado no final do Governo de Maria de Lurdes Pintasilgo, pelo Decreto-Lei nº 462/79 de 30 de novembro, sob a égide do Presidente da República, a fim de abrir as comemorações do V centenário da morte de Camões, a 10 de junho de 1980. O seu objetivo principal era dar voz à emigração, pondo de pé estruturas de consulta permanente dos emigrantes (ou seja, um duplicado do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), que constava dos projetos do Governo da Aliança Democrática, anunciados na campanha eleitoral de 1979). A essa nova instância caberia o acompanhamento das conclusões dos congressistas. A conflitualidade que opunha Presidente da República e Governo provocou o adiamento de ambos os eventos para o ano seguinte. O CCP seria o primeiro a reunir, de 6 a 10 de abril de 1981. O Congresso decorreu exatamente dois meses depois. A sua preparação começara, porém, logo após a publicação do Decreto-Lei referido, nos primeiros dias de dezembro de 1979, com a constituição da Comissão Organizadora, presidida pelo Conselheiro da Revolução Vítor Alves, e das Subcomissões locais, centradas nas áreas consulares. (1). Durante esse último mês do ano, enquanto Sá Carneiro e os parceiros da AD completavam o elenco governativo, que tomou posse nos primeiros dias de janeiro de 1980, Vítor Alves procurava, com não menor afã, estender aos cinco continentes a rede organizativa do grandioso e solene evento. Talvez não tivesse sopesado as possibilidades de o VI Governo, usando a sua maioria parlamentar, se apressar a pedir a ratificação do diploma na AR e a postergar a viabilização do Congresso no imediato, mas foi precisamente o que aconteceu Olhando o grande impasse retrospetivamente, à distância de quarenta anos, temos de o ver, antes de mais, como “disputa de territórios”, entre o poder militar, legitimado pela Revolução, que, a título transitório, ainda tutelava a evolução das instituições numa democracia nascente, e aquele primeiro governo maioritário, legitimado pelo voto popular. É prova evidente desse desencontro de poderes, que se estendia a diferentes setores da governação, o facto de, não obstante a rotulagem ideológica esquerda/ direita, de um e outro dos legisladores (ou de um e outro desses “poderes”, o militar e o civil), não haver, nos preâmbulos dos dois diplomas, o do CCP e o do Congresso, diferenças relevantes nem nos grandes objetivos, nem mesmo na linguagem. Ambos visavam, mais ou menos, o mesmo: o V Governo Constitucional, de nomeação presidencial, queria "a institucionalização de formas de representação de emigrantes junto do País" e "o eventual aparecimento de mecanismos que hão-de conduzir a um maior estreitamento das relações entre as comunidades e o reforço dos laços que as unem". Um "Conselho da Emigração", completado por um "Conselho da Diáspora”. O VI Governo optou por incumbir o Conselho das Comunidades Portuguesas de ambas as valências. Dois Conselhos, um Conselho com duas câmaras, ou um fórum único, abrangente? Eu própria, em nome do PSD, haveria, anos depois, em 1996, de apresentar em São Bento um projeto de lei que consagrava o modelo bicameral. Teria sido o ideal, mas a política é “a arte do possível”, e, com verbas limitadas, o possível foi o fórum único, o CCP. Nesta conjuntura devemos analisar e compreender o posicionamento dos diferentes protagonistas políticos, com visões diversas sobre o tempo de concretização de cada uma das etapas no avanço para a democracia plena. A biografia de Vítor Alves, da autoria de Carlos Ademar, o Congresso das Comunidades é amplamente referido (2). Um texto imprescindível para ilustrar a posição dos militares, tal como o são os escritos políticos de Sá Carneiro. O primeiro Governo da AD, por ele chefiado, não hesitou em revogar o decreto aprovado pelo Governo anterior, retirando ao Presidente da República a tutela da organização, que passou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Vítor Alves demitiu-se, de imediato, cedendo lugar a Rosado Fernandes. O Conselheiro da Revolução criticou frontalmente o Governo por ter levado a discussão do Congresso para a Assembleia da República e por dela ter feito um dos pomos da discórdia entre a maioria parlamentar e a Presidência da República. (op cit pag. 379). Factualmente, nada a opor, com uma pequena “nuance” – a discórdia vinha de trás, o pedido de ratificação inseriu-se num contexto preciso (3). De mais difícil compreensão é o facto de o segundo Governo da AD, depois de ter obtido vencimento na luta pelo controlo do mega-acontecimento, não pretender articular os trabalhos do Conselho de abril e do Congresso de junho, dirigidos ao mesmo universo de interlocução (as comunidades portuguesas), sobre temáticas comuns (o que, com Sá Carneiro, num Executivo bem coordenado, jamais teria ocorrido). Era obviamente obrigatório estabelecer uma estreita cooperação entre ambas as organizações, sobretudo porque não iria ser criado o mecanismo do mesmo tipo previsto na estratégia inicial do Congresso para receber e dar sequência às suas propostas. Essa cooperação, para além de garantir o acompanhamento das conclusões do Congresso, teria permitido aproveitar a experiência de diálogo do CCP, chamando a consensos aqueles que, tendo tido um papel determinante no desfecho positivo do Conselho, foram, dois meses depois, os "dissidentes" no agitado final de Congresso… A tão imprescindível articulação obstou, quaisquer que fossem as suas motivações, o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Não é, assim, descabido pensar que teria sido menor o descaso do Congresso face ao Conselho, e a salvaguarda e impacto futuro das suas conclusões, se Vítor Alves houvesse permanecido à frente da Comissão Organizadora… E não tem isso a ver com falta de perfil de Rosado Fernandes, mas com várias condicionantes que não lhe podem ser imputadas, a começar pelo referido desinteresse das cúpulas governamentais pela sorte do Congresso. Tudo agravado no ambiente de confusão e instabilidade política vivido no rasto do trágico desaparecimento de Sá Carneiro e de Amaro da Costa num acidente oficialmente jamais esclarecido, com todas as marcas de um atentado. A Rosado Fernandes só pode assacar-se a escolha do Secretário Geral, a quem ele, na sua autobiografia, publicada 25 anos depois, alude nestes termos: “Foi nesse ambiente de descrença que se iniciaram os trabalhos para o Congresso das Comunidades Portuguesas, tendo eu escolhido para seu Secretário-Geral António Cabecinha, sindicalista, meu colega na Comissão Política de Soares Carneiro. (4) 2 -A leitura das atas dos chamados Encontros Preparatórios e do Congresso Mundial realizado em Lisboa revela a que ponto o nível do debate foi mantido na sua pulsação mínima… atrofiado pelo ritualismo processual, pela escassez do tempo de palavra, pela ausência de exortação à concórdia, devido, em linha reta à falta de capacidade de diálogo do Secretário-Geral As atas são a este respeito, como a todos os outros, muito esclarecedores, muito completas. Ao contrário do CCP, que nos deixou meras súmulas das intervenções e das recomendações dos Conselheiros, o Congresso foi gravado na íntegra, e as gravações integrais dadas à estampa em dois volumes, que totalizam 1930 páginas. O primeiro sobre os Encontros Preparatórios, o segundo sobre Congresso propriamente dito. Teve, para tanto, meios materiais de que o CCP não dispunha, mas nem por isso é menos de destacar a decisão, que se ficou a dever ao académico Rosado Fernandes, com o declarado propósito de preservar um legado para a posteridade. Missão cumprida, nesse aspeto! Preservou o bom, e o menos bom, as vozes que se ouviram, tal como as oportunidades que se perderam de as ouvir mais e melhor, em debates aprofundados. Está tudo lá, para futuros investigadores destas matérias – historiadores, sociólogos, políticos ou simples leitores curiosos. Reler essas quase duas mil páginas transportou-me ao passado, confirmou impressões, avivou memórias. Permitiu corroborar a evidência de que foram muito mais profícuos e interessantes os Encontros nas diversas comunidades do que o Encontro magno de Lisboa, que desgastou energias numa infinidade de pronunciamentos de pouco mais de um minuto ou na votação de um sem número de moções e incidentes processuais (5). No caso do CCP, as sessões foram integralmente filmadas, mas é improvável que essas cassetes de vídeo tenham sido guardadas até hoje. As sintéticas atas são, pois, tudo quanto está, atualmente, acessível a consulta e estudo...). O Congresso começou mal. Carlos Ademar apresenta um relato do sucedido, em palavras que poderia fazer minhas: "A sessão de abertura do congresso decorreu no Hotel Penta, em Lisboa, e foi bem mais breve e violenta do que alguém poderia inicialmente imaginar. Os delegados apresentaram-se radicalizadas em dois blocos, em consequência da componente político-partidária introduzida na mais recente preparação do congresso." (op cit, pag 381) O Presidente da República, que era esperado para presidir ao ato inaugural, fez-se representar pelo Chefe da Casa Civil, Embaixador Fernando Reino, e alguns dos congressistas reagiram à ausência com insultos dirigidos às personalidades ligadas à Presidência, chegando, no caso de Vítor Alves, à agressão ou tentativa de agressão – tudo transmitido em direto pela RTP. No relato de Rosado Fernandes (op cit, pag 257): “O General Eanes não esteve presente: em seu lugar enviou o Major Vítor Alves, que sempre tinha estado ligado, desde a revolução, às comunidades portuguesas. Mas Eanes, entretanto, fizera sair um comunicado da Presidência em que afirmava não se prestar a ser “papel de embrulho” para o que se estava a passar. Encantou-me aquela metáfora! A ausência do presidente só agradou à facção mais extremista das associações europeia que, desde o início, queria, a todo o custo, impedir a realização do Congresso” Era o eco longo dos tempos primordiais do ziguezaguear da organização do Congresso entre a chefia de Vítor Alves e Rosado Fernandes. (6) Não ajudaram, de seguida, ao apaziguamento as escaramuças oratórias, a votação de moções, trazidas dos Encontros preparatórios, os incidentes processuais, que desviavam o Congresso do seu escopo principal de mobilização das Comunidades e de afirmação dos laços que as unem entre si e ao país. Tempo houve até para algumas cenas insólitas, devidas ao feitio explosivo do Secretário-Geral. (8). Para além do pendor polemista, faltava-lhe a experiência do mundo da emigração. Chegou a ponto de inverter a cronologia das leis, atribuindo a criação do CCP ao Governo Pintasilgo, e a do Congresso das Comunidades à AD… (op cit, pag 1248). Uma confusão… fora de um estreito círculo de especialistas poucos sabiam fazer a destrinça entre uma realidade e a outra, e assim foi até que o Congresso, caiu no esquecimento e o Conselho ficou sozinho em cena. 3 - Porquê, então, lembrar agora o Congresso? O que me move a escrever sobre ele é o facto de haver nos seus registos depoimentos significativos sobre o Conselho, objeto de várias declarações formais dos congressistas, que eram, em simultâneo, membros do CCP – nomeadamente os que, na abertura, a 6 de abril, estavam entre os mais céticos, e, no ato de encerramento, eram os mais confiantes nas suas potencialidades democráticas. Haviam feito dentro do Palácio Foz, em quatro dias de debates, a sua "estrada de Damasco"… Volte-face semelhante não se vislumbrou no Congresso de Lisboa. Ninguém mudou de campo ou de posição. Quais as razões determinantes de tão diversas reações e resultados, obtidos em idêntico enquadramento sociopolítico, com muitos protagonistas comuns e debruçados sobre idênticas matérias? Terá jogado contra o Congresso, como salientei, a opção metodológica de realizar os trabalhos em contínuo numa assembleia de mais de três centenas de participantes, que não facilitava a ponderação e a informalidade de relacionamento e, para além disso, também, a condução rígida, quando não parcial da Mesa – concretamente, do Secretário-Geral, em quem o Presidente do Congresso delegara amplos poderes. Apreciava a faceta combativa do adjunto que escolhera. Nas suas próprias palavras: “Uma coisa é certa: Cabecinha desempenhava de forma desembaraçada e corajosa o seu papel, com a diplomacia necessária para não melindrar fosse quem fosse”. (op cit pag 255). A meu ver, sobejava, de facto, desembaraço e coragem. O resto, nem tanto… No Conselho, optando por mais diplomacia e, porventura, menos desembaraço, mas não menos coragem, foi possível promover entendimentos entre os membros, em pequenos comités, (as Secções), trazendo as propostas à ratificação pacífica, (quase automática), dos Plenários. Nos turbulentos plenários do Penta foram tratadas, à cadência de uma por dia, as quatro grandes temáticas incluídas no programa do Congresso: Instituições; Questões económicas; Questões sociais; Cultura. A lista de oradores excedeu sempre, como era previsível, a centena. Ninguém queria regressar a casa sem dar conta, ao menos, de uma intervenção! Feito o rateio, foi concedida a palavra por um ou dois minutos. Só os representantes de cada Encontro Preparatório tiveram direito de se expressar mais longamente, para apresentação das respetivas conclusões. E, assim, num excesso de divisão aritmética e num certo défice de senso comum se desgastou a oportunidade de permitir a análise aprofundada das matérias. O Secretário-Geral cedeu à tentação de usar a força das maiorias, nessa facilidade se perdendo a dimensão universal do Congresso. Igualmente desastrosa foi a já referida decisão de não fazer a entrega do repositório de reivindicações do Congresso ao CCP, o que o deixou, para sempre, esquecido nas gavetas dos gabinetes ministeriais. Permanecem enigmáticas as motivações do Ministro Gonçalves Pereira para manter a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas à margem do Congresso, designadamente, da participação nos Encontros Preparatórios, com um argumento, no mínimo, controverso: a Secretária de Estado, tendo protocolarmente precedência sobre o Presidente do Congresso, não podia estar em reuniões por ele encabeçadas. Cabe questionar: a que título estava, então, “ex lege” na Comissão Organizadora do Congresso, presidida pela mesma personalidade? A “subversão da ordem protocolar” começava na própria Lei… E o certo é que, findos os Encontros Preparatórios, durante as jornadas do Congresso em Lisboa, em contexto ainda mais “formal”, já o Ministro, em flagrante contradição, não via impedimento a que os membros do Governo se sentassem, mais do que subalternizados, nas extremidades da Mesa da Presidência A meu ver, teria sido sumamente importante a presença não só de um, mas de vários membros do Governo nesses "Encontros", onde houve ocasião e tempo suficiente para o esclarecimento das questões suscitadas pelos congressistas. Da parte do Presidente Rosado Fernandes era manifesto interesse na minha participação e eu estava perfeitamente disponível, e em posição de fazer pontes entre participantes, de carrear as reivindicações do Congresso para a agenda do CCP. Em Lisboa, era tarde demais para desempenhar esse papel - o destino fora traçado nas moções dos Encontros. Tal como os meus colegas de Governo, entrei e saí do Hotel Penta, sem dizer uma só palavra na magna assembleia. 4 - Vejamos, então, a imagem que do CCP foi dada por vários congressistas. O porta voz do Encontro Preparatório da Europa, que viria a ser um dos cerca de 80 "dissidentes", referiu o exemplo do CCP e "a sua caminhada democrática". Fez detalhadamente a história da origem e trajetória paralela do Congresso e do Conselho, ainda que com uma interpretação de motivações políticas subjacentes nem sempre coincidente com a minha, (como é natural em democracia), para concluir que, no espaço do CCP, "a luta já começou a dar os seus frutos, as recomendações finais da primeira reunião do Conselho das Comunidades, realizada recentemente em Lisboa, em 6 e 10 de Abril, e, fundamentalmente, no ponto de revisão do decreto-lei que criou o Conselho das Comunidades abre perspetivas para que o Conselho das Comunidades se transforme num órgão democrático [...]" (op cit, pag 172). Na sua análise comparativa do Conselho e do Congresso, em termos de atuação do Governo, pressentia diferendos entre duas fações do PSD: "isto que eu acabei de explicar destas lutas de tendências a nível do atual governo, por exemplo, com o Presidente da República, a nível de um dos próprios partidos da AD, o PSD, que apoiam de um lado, portanto, o Conselho das Comunidades, enquanto uma outra tendência quer fazer do Conselho das Comunidades o seu foco de ação, isto é a tentativa de partidarização de um Congresso, que devia ter na sua Comissão Organizadora e na sua preparação, do princípio até ao fim, os representantes eleitos e os Delegados pelas Comunidades Portuguesas. (op cit pag 173) Carlos Ademar, na sua análise detalhada do controverso evento, vai no mesmo sentido: A própria Secretária de Estado, Manuela Aguiar, também se terá distanciado do Congresso, que segundo o Diário de Lisboa de 24 de abril de 1981, estava a ser controlado por uma fação mais radical da AD (7) (8) Diversos outros congressistas – e não apenas da Europa - se pronunciaram pela estreita cooperação com o Conselho e, atendendo a que o tempo de que dispunham era mínimo, isso significava dar-lhe absoluta prioridade. Foi o caso de Manuel do Nascimento (Dusseldorf, RFA), que usou o seu minuto para dizer: "Bom dia, Senhores Congressistas. Considerando que um Congresso deste tipo não pode resolver os nossos problemas, porque é antidemocrático, porque não nos dá oportunidade, de facto, de discutir e esclarecermos quais os problemas que temos, proponho que, para um próximo Congresso, seja essa organização da competência do Conselho das Comunidades e que os Encontros Regionais sejam da competência das comissões regionais das comunidades dos respetivos países [...]". (op cit pag 212). O Dr. Ribeirinho (França), constata que só o CCP teve "capacidade de chegar a conclusões". Da África do Sul, veio a concordância do Dr Luís Leal: "Pudesse o Congresso terminar como o Conselho!". Uma das moções apresentadas (op cit pag 296) propunha que questões merecedoras de debate aprofundado, como as leis eleitorais e a lei da Nacionalidade, fossem endossadas ao CCP, onde, ao contrário do Congresso, era possível um "debate sério". A moção foi liminarmente rejeitada pelo Secretário-Geral. Igualmente recusadas, foram as moções contra a partidarização do Congresso, e uma outra apresentada pelos congressistas Batel (Suécia) e Manuel Beja (RFA). para que o Presidente do Congresso fosse escolhido por 2/3 dos conselheiros do CCP. (op cit pag 299) Na segunda intervenção do Porta Voz" do Encontro de Paris, o exemplo do CCP é, de novo, destacado: [...] "Mas demonstrámos bem nas reuniões do Conselho das Comunidades que, quando não há prepotência caciquista, antidemocrática e retrógrada, em parte do Senhor Secretário -Geral, sabemos contribuir com soluções muito positivas, e isto fiquem a saber, neste Conselho, minhas Senhoras e meus Senhores, demos uma contribuição que os representantes de todas as outras comunidades reconheceram em termos elogiosos". Por isso tornamos a mencionar a proposta que fizemos de que sejam as propostas apresentadas no Conselho a servir de base para o futuro trabalho sério, e repudiamos, mais uma vez, certas posições golpistas dentro do PSD, que pretendem usar o Congresso para atacar o Conselho e atacar as pessoas, que, pelo menos, tiveram o bom-senso de compreender que era impossível negar a democracia a milhões de trabalhadores emigrados, até porque à Europa cabem 80% das divisas enviadas por emigrantes para Portugal" (op cit 322) Em termos semelhantes se pronunciava António Garcia (Tours, França), enumerando as diferenças de procedimentos no Congresso e Conselho e especificidades da vivência da emigração na Europa, em particular no caso dos regressos: "Nesse sentido apelo para o direito à diferença, apelo às outras Delegações para compreenderem que as particularidades da emigração europeia não são as mesmas que existem noutras Comunidades. Esta compreensão existiu no Conselho das Comunidades Portuguesas, tanto com a Delegação do Brasil como, sobretudo, com a Delegação da África do Sul, que nos fez conhecer problemas que desconhecíamos e dificuldades que são urgentes a resolver. [...] (op cit pag 389) Do Uruguai, veio a palavra conciliadora do Congressista Aurélio Martins, a afirmar que existindo o CCP, a ele devem ser dirigidas as recomendações. Também não foi ouvido... (op cit pag 477). O Dr. Ribeirinho, ao intervir em nova temática, sugere que se ignorem as votações do Congresso e se tenha em atenção as Conclusões e Recomendações do Conselho. (op cit pag 482). No último tema debatido (Cultura), o 4º Porta Voz do Encontro de Paris, o Delegado de Frankfurt Jorge de Jesus, denunciou, ume vez mais, a impossibilidade de desenvolver ali um verdadeiro debate: "não é num congresso organizado e dirigido da maneira que este tem sido, que nós podemos discutir verdadeiramente estes problemas". E, mais uma vez, fala de "partidarização" e de condução antidemocrática dos trabalhos... (op cit pag 551). 5 -” Partidarização” foi palavra ouvida constantemente, o que, de facto, não se verificou, pelo menos no sentido de colocar o enfoque o debate em temas da política partidária. O que houve foi uma condução dos trabalhos autoritária e particularmente agressiva para com os “opositores” … Muitos dos congressistas, com os do Brasil à frente, tentaram o apaziguamento, mas o Secretário Geral não pactuou, certo de que tinha uma base de apoio mais do que suficiente. O maior afrontamento entre congressistas verificou-se entre os europeus, primeiro durante o Encontro preparatório em França e, depois, em Lisboa. Os moderados estavam politicamente sintonizados com os congressistas moderados dos outros continentes – próximos da AD – porém, ao contrário deles, pouco empenhados em consensos, quando não em pé de guerra com os “esquerdistas”. E com estes conotavam, sem grande conhecimento da instituição, o CCP. É o que transparece na moção, em que se demarcam da forma como o Conselho, segundo eles, estava a ser sobrevalorizado: "assim compreendemos que se queira, em cada frase e em cada proposta, aproveitar o Conselho contra o Congresso, ou desvalorizar este e pôr nos píncaros da lua o outro". Nos três “considerandos” seguintes, o alvo passa a ser o Presidente da República, na mesma lógica de combate partidário sem tréguas: "Considerando que isto reflete-se agora também na apropriação oportunista que se tenta fazer da posição assumida pelo Presidente da República quanto ao Congresso, e tentar colocá-lo ao serviço de uma certa estratégia manipuladora e de disputa do poder. Sentem-se, assim, legitimados a interpelar o Chefe de Estado: "Considerando que esperamos que o PR, que se recusou a vir ao Congresso para não o caucionar, se demarque também da estratégia daqueles que o querem utilizar e pôr ao seu serviço a posição por ele assumida perante o Congresso" (op cit pag 626). Esta moção destoava numa vasta agenda de propostas mais centradas na vida das comunidades. De facto, a conflitualidade institucional entre titulares de órgãos de soberania tivera o seu momento mediático nas sessões solenes de abertura e de fecho, não nos Plenários. Afortunadamente, na sessão de encerramento, a animosidade ficou-se pelas palavras dos oradores e pelo abandono da sala de cerca de um terço dos congressistas (120 assinaram uma declaração, distanciando-se da organização do evento e das conclusões finais, e 80 retiraram-se antes da última sessão do Congresso, onde, aliás, .o único discurso de apelo à união das comunidades foi o do Dr. António Gomes da Costa (Brasil), escolhido como porta-voz dos Congressistas. Soube ser breve, brilhante e agregador, não quis deixar ninguém de fora, e terminou, simplesmente, com um "Viva Portugal". O Primeiro Ministro traçou o balanço das ações do seu governo, salientando as dificuldades postas pelo quadro em que assumiu funções, e marcando bem o seu posicionamento ideológico contra o excesso de Estado e pela "libertação da sociedade civil”. Sobre emigração disse o trivial, e prometeu, solenemente, dar atenção às propostas dos congressistas: "As vossas conclusões, como disse há pouco, não ficarão na gaveta, Senhor Presidente, não serão comidas pela traça da burocracia, não serão distorcidas por qualquer tipo de miopia. Mas deem-nos tempo. Deem-nos tempo para as realizar. Temos quatro anos". Quis o destino que tivesse, pela frente, pouco mais de dois anos, com um novo Secretário de Estado da sua inteira confiança – tempo mais do que suficiente para dar cumprimento a, pelo menos, algumas das propostas dos congressistas. Foi coisa de que nunca mais se falou. O Presidente do Congresso Prof Doutor Rosado Fernandes foi o único a lembrar Sá Carneiro, destacando a honra de ter sido convidado por ele para a presidência do evento (10). Num discurso, em que não escondia uma certa amargura, pôs em evidência as dificuldades com que deparara na sua ciclópica missão: "Porque quer queiram, quer não, de todo o mundo se encontram aqui portugueses, filhos de portugueses, netos de portugueses, e outros em quem há séculos e já longe da Pátria nas veias corre o mesmo sangue [...] Na mesma tónica, insiste: "Não quer, no entanto, o destino que em Portugal qualquer boa iniciativa tenha repercussões sem que a ela estejam ligados acontecimentos trágicos, escândalos ou contradições. Teve este nosso Encontro grande repercussão por alguns desses motivos e ela não deixou de abundantemente jorrar na imprensa diária e em todos os órgãos de comunicação. […]"Começou a organização deste Congresso no meio de calúnias, de indiferença, do pavor que todos tinham de que redundasse em fracasso, ou do interesse de outros, em que isso acontecesse". Reunir trezentos representantes das Comunidades portuguesas repartidas pelos cinco continentes tem um efeito multiplicativo que assusta quem não gosta de perguntar às bases o que elas querem, ou quem só deseja utilizar estas para depois lhes tirar a liberdade. No meio da apatia geral, na qual amiúde se enxergavam boas vontades lá fomos conseguindo instalações, telefones, faxes, carrinhas para transportar material, gente com entusiasmo e dedicação, que a todo este impossível trabalho se entregou de corpo e alma" O pessimismo do Prof Rosado Fernandes estende-se ao património de conclusões do Congresso, pois teme que "venha a perder-se numa gaveta”. Esquecida que foi a solução para que apontava a própria Lei (a sua entrega a um órgão de consulta permanente da emigração), cumpriu-se o seu prognóstico…. À comunicação social não perdoou o que entendia ser hostilidade, focando, em particular, o jornal do Primeiro-Ministro Pinto Balsemão. “Ainda assim, nas páginas do Expresso, a notícia sobre o Congresso era perfidamente intitulada “Os Pupilos do Senhor Reitor (que eu era, bem entendido). (op cit pag 258). E não deixou de se regozijar com as presenças oficiais que lhe tinham negado ao longo de meses: "Na sessão de encerramento estiveram finalmente o primeiro Ministro Dr. Pinto Balsemão, o MNE Prof Gonçalves Pereira e a Dr.ª Manuela Aguiar, Secretária de Estado das Comunidades". (op loc cit) Neste balanço, convém, contudo, não deixar na sombra a sua faceta mais luminosa, a que foi visível fora, não dentro do País: O que de melhor aconteceu, aconteceu longe, nas comunidades, nos Encontros Preparatórios. Não tiveram visibilidade nos media nacionais e na opinião pública, não foram valorizados no turbilhão dos Plenários. Estão, todavia, afortunadamente, transcritos nas Atas, que são o que resta do Congresso – um espólio com o interesse histórico, político, sociológico, que o Prof, Rosado Fernandes lhes atribuía… Assim surjam futuramente os interessados, os leitores e estudiosos. Com eles, através deles, em qualquer tempo, ressurgirá do esquecimento. NOTAS (1). Quem teve a ideia, quem a mimetizou? A cronologia das iniciativas legislativas favorece o Governo mais antigo, o de Pintasilgo. Todavia, a ideia da criação de um Conselho das Comunidades é anterior, em vários meses a qualquer dos diplomas – era conhecida já no verão de 1979, no Programa Eleitoral da AD. Os membros do V Governo Constitucional terão lido o Programa eleitoral do futuro VI Governo, e empreendido uma jogada de antecipação? Ou havia já, em mente, embora ainda no segredo dos gabinetes, um projeto de Vítor Alves, na sua qualidade de Presidente da Comissão Organizadora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades? Não sabemos. Facto indesmentível é o ter sido um Governo de gestão, em fim de mandato, (quando o novo Governo eleito por maioria, se preparava para tomar posse), que assumiu poderes legislativos para convocar o I Congresso das Comunidades Portuguesas, nos termos do Decreto-Lei nº 462/79 de 30 de novembro. (2) “Vítor Alves – o Homem, o Militar, o Político”, Edições Parsifal, 2015. Uma excelente biografia, que retrata não só um homem, mas uma época. (3). Acompanho, sem dificuldade, o Autor da citada biografia quando escreve: Na altura as tensões entre a AD, que passou a governar desde o início de 1980, por um lado, e o Presidente da República e o Conselho da Revolução, por outro, estavam em crescendo e não tardou que também nesse evento a tensão se fizesse sentir (op cit, pag 178) Posso, realmente, confirmar que, logo na primeira reunião que tive com o MNE, em janeiro desse ano, a realização do Congresso foi tema abordado, e bem assim a importância do seu adiamento, por diversas razões, uma das quais era, sem dúvida, a proximidade das eleições presidenciais, o clima pré-eleitoral que já se insinuava nos bastidores da política. (4) “Memórias de um Rústico Erudito – viagem à volta de lentes, terras e políticos”, Raúl Miguel Rosado Fernandes e Edições Cotovia, Lisboa 2006 (4). Quanto às dificuldades com que deparou, no relacionamento com o MNE, não poupa palavras: Em Lisboa, não foi fácil montar a sede nem arranjar transportes. Foi preciso eu dizer, numa entrevista a um jornal diário que me parecia impossível que fosse tão demorado encontrarem um carro de Estado para os serviços necessários de comunicação e distribuição de documentos, quando, a altas horas da noite, era facílimo encontrar carros de luxo do mesmo Estado à porta de bares da noite lisboeta, com motoristas ensonados a cobrarem horas extraordinárias. O efeito foi imediato. Passado um dia já tínhamos uma carrinha modesta, uma 4L Renault […] in “Memórias de um Rústico Erudito – viagem à volta de lentes, terras e políticos”, Raúl Miguel Rosado Fernandes e Edições Cotovia, Lisboa 2006. Gonçalves Pereira cedera, mas não terá gostado de perder um primeiro “braço de ferro” e a imposição do meu afastamento dos Encontros Preparatórios do Congresso pode ter sido a sua resposta… Certo é, nessa altura, que acabei por quase não ter contacto com o Reitor Rosado Fernandes. Anos mais tarde, quando fomos colegas no Parlamento, mantivemos excelentes relações pessoais, mas em trabalhos que não se cruzavam, - ele nas questões agrárias, eu nas da Diáspora. Um homem culto e divertido, com quem foi agradável conviver! Que pena não ter podido constatá-lo em 1981, em proveito de missão comum... O Congresso não voltou a ser tema de conversação entre nós…. Política e políticos, sim, jovialmente - eu apreciava, em particular, sua invariável mordacidade! (5) Rosado Fernandes apontou o dedo à Intersindical, que, na verdade, também no CCP fora ativíssima… “Logo nas primeiras reuniões, Álvaro Rana, da Intersindical, tentara por todas as vias imagináveis, desacreditar a iniciativa, tentativas essas que continuaram até à sessão de encerramento, num esforço contínuo para ridicularizar tudo e todos”. Il y a du vrai…Não explica, contudo, as razões de ter sido tão diversa a forma de lidar com a Intersindical no Conselho, sem Cabecinha, e no Congresso, como sindicalista Cabecinha (UGT)… (6). Em 1981, estava no horizonte próximo a revisão constitucional gerada no acordo entre a AD e o PS que, efetivamente, no ano seguinte, poria fim ao Conselho da Revolução, instaurando em Portugal a democracia plena. Sá Carneiro manifestou, sempre, ao longo deste período de transição, a sua crença na capacidade do povo português para viver, de imediato, os valores e as regras da democracia, sem tutela militar. E, consequentemente, como Primeiro-Ministro procurou trazer para a órbita do seu Governo domínios onde, até então, o Conselho da Revolução interferia, sem resistências de maior. A política externa, as políticas para a emigração e para as comunidades portuguesas foram um dos principais terreiros de luta. E aí se situavam, como é evidente, quer o Conselho, quer o Congresso. Estive perfeitamente sintonizada com o Dr. Sá Carneiro, porque, como ele, acreditava que a realização de eleições livres devia ter o seu imediato e pleno significado democrático. Mas nem por isso tinha menos apreço pelos militares, e, em especial, por aqueles que criaram as condições reais para a instauração da democracia, segundo os cânones do mundo ocidental – caso paradigmático de Ramalho Eanes. E, uma vez recuperado um determinado setor para a esfera do Governo, julgava deslocado e contraproducente qualquer conflito lateral aos fins institucionais. No CCP, tratamos de problemas de emigração, de promoção do movimento associativo, de adequação do próprio órgão ao desenvolvimento dos seus trabalhos, sem suscitarmos ataques à Presidência da República ou ao Presidente da Comissão Organizadora do 10 de junho, Vítor Alves. No Congresso fizeram a opção oposta e foi o que se viu… Não tendo guardado recortes de imprensa sobre o Congresso, foi na referida biografia de Vítor Alves que encontrei o destaque de alguns dos principais títulos dos jornais no dia seguinte à abertura do Congresso: Incidentes na abertura do Congresso (O Diário); Ausência de Eanes causa polémica, Vítor Alves ia sendo agredido (Diário do Minho); Congresso das Comunidades abre, marcado por graves incidentes (Portugal Hoje); Ausência de Ramalho Eanes provocou sessão turbulenta, Vítor Alves saiu a custo do Penta (Comércio do Porto). (op cit, pag 381) Sobre esta ausência dá Carlos Ademar conta dos motivos que dissuadiram o Presidente de comparecer na sessão turbulenta: Terá corrido a informação que um setor dos congressistas se preparava para ter um comportamento que em nada dignificaria as instituições democráticas, nomeadamente o órgão de soberania que é o PR. (7) O Congresso não só foi cenário de recorrente agressividade verbal como, pelo menos por duas vezes, atingiu as raias da violência física. Ainda antes de entrar na sala de reuniões para a solene sessão inaugural já o Conselheiro da Revolução Victor Alves, representante do Presidente da República, sofria uma tentativa de agressão por um Delegado, que graças à intervenção de vários outros congressistas, se saldou num encontrão e numa algazarra. A segunda, já em período de trabalhos, consta das atas, a pags 202 e 203 - num curiosíssimo diálogo entre um delegado não identificado e o Secretário. Geral. O Delegado, em tom apaziguador, procura dar explicações: "Eu declarei que o Sr. Cabecinha me tinha dado dois socos nas costas, mas que tenho a certeza que não foi intencional. Pouco apaziguado, Cabecinha responde: "Senhor Delegado eu gostaria de saber com que olho o Senhor Delegado viu o murro nas costas". Não seria caso único - Cabecinha converteu-se em fonte constante de momentos inesperadamente lúdicos, embora, por certo, não fosse essa a sua intenção. A maioria dos congressistas, no seu escasso minuto, exprimiu, serena e polidamente, o descontentamento. Foi o caso de Manuel Rebelo (Uruguai), que tomou a palavra logo de seguida, em tom mais sereno: "Em virtude da limitação de tempo para poder falar, não podemos expor na totalidade a posição dos delegados do Uruguai, nos limitamos a uma saudação a todas as Delegações, sem nenhuma exclusão, fazendo um apelo a que este Congresso, culmine, pelo menos, como uma manifestação de cordialidade entre todos os portugueses aqui presentes. Lamentamos não poder expor a nossa opinião. Obrigado" (op cit pag 213). Outro dignificante exemplo foi dado pelo Dr. Carlos Lemos, o notável Cônsul Honorário de Melbourne, ao propor que usassem o tempo disponível para fazer uma apresentação, breve embora, das suas comunidades de origem. Foi, felizmente, seguido por diversos congressistas, amenizando e enriquecendo, tanto quanto era possível, o registo que as atas guardam para a posteridade. (8). O Porta voz da Europa (não identificado) disse, com meridiana clareza: "isto que eu acabei de explicar destas lutas de tendências a nível do atual governo, por exemplo, com o Presidente da República, a nível de um dos próprios partidos da AD, o PSD, que apoiam de um lado, portanto, o Conselho das Comunidades, enquanto uma outra tendência, portanto, quer fazer do Conselho das Comunidades o seu foco de ação, isto é a tentativa de partidarização de um Congresso, que devia ter na sua Comissão Organizadora e na sua preparação, do princípio até ao fim, os representantes eleitos e os Delegados pelas Comunidades Portuguesas. (op cit pag 173). Recém-chegada à vida partidária, olhava as divergências como determinadas mais pelo perfil das lideranças do que por causas mais obscuras, sem atentar na existência das fações que se digladiavam no PSD, com diretos reflexos na preparação do Congresso e na do Conselho… Eu era, ao menos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que restava do Governo de Sá Carneiro. Ainda me julgava um júnior membro daquele Executivo, mas, de facto, já estava de saída… e sairia dois meses depois, numa remodelação governamental. Cheguei a ser convidada pelo Prof Gonçalves Pereira para continuar, mas, na véspera da tomada de posse, teve, segundo me disse, por indicação de última hora do Primeiro Ministros, de “dar o dito por não dito”. O semanário “O Tempo” publicou a notícia com o título “O desconvite”. (9) Segundo ele, fora convidado por Sá Carneiro, porque, não pertencendo a nenhum partido, possuía o perfil de isenção desejável.: “Em breve marcou a tragédia da sua morte a longa e dolorosa peregrinação organizativa desta fraternal reunião de Portugueses. À sua memória presto rendida homenagem, por ter sabido ser adversário do seu adversário sem ser inimigo canalha, por ter sabido encarnar o Homem de Estado que se coloca acima das querelas baixas do partidarismo, por ter tido a noção justa de que Portugal necessitava de recobrar algum ânimo depois de coisas que só muito a custo se podem esquecer".     A história do CCP começou, para mim, no primeiro despacho com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Diogo Freitas do Amaral – foi matéria que esteve no centro de uma conversa longa, no seu luminoso gabinete decorado de azulejos conventuais, do qual, nesse ano, guardo tão gratas recordações. (1) A grande prioridade do Governo, no meu setor era dar cumprimento a uma promessa do Programa Eleitoral da Aliança Democrática (AD):, a criação de um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo. Havia muita pressa! A coligação ganhara as eleições em outubro de 1979, fora empossada três meses depois, em janeiro de 1980, e iria submeter-se a sufrágio, nos termos constitucionais, em outubro desse ano. Era, desde a Revolução de 1974, o primeiro governo constitucional de maioria, mas com um curto horizonte de vida. Por isso, tudo era urgente, e o “Conselho” ainda mais. No entanto, poucas orientações concretas me seriam dadas. A origem da proposta e a sua autoria eram desconhecidas… Na reflexão sobre a forma de corporizar um organismo sem tradição política entre nós, desafiava a imaginação dos juristas, partíamos, somente, de alguns curtos e incisivos parágrafos do Programa Eleitoral, que, no capítulo da Política Externa, distinguia as políticas para a “Emigração” (prevendo medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes, com acento na cidadania, nos direitos de participação política, no ensino, na facilitação do regresso), e para as “Comunidades Portuguesas no Mundo", (com um apelo à aproximação entre as instituições de se tece a Diáspora). Cito: "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes, existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico se impõe reconhecer e preservar. Essas comunidades não devem constituir objeto de manipulação partidária, nem mesmo de submissão ao enquadramento ou ao controle do Estado [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente [...]" Este novo fórum de representação das comunidades de cultura portuguesa teria a sede no Ministério dos Negócios Estrangeiros e o suporte dos seus serviços, com respeito pela sua autonomia. O Prof. Freitas do Amaral sugeriu que consultasse a legislação do "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger", órgão consultivo do governo francês, que funcionava sob a presidência do Ministro dos Negócios Estrangeiros e era o paradigma que o Direito comparado nos oferecia. Saí da reunião mandatada para livremente verter as grandes linhas da arquitetura do Conselho num anteprojeto de lei, não sem que antes me fosse recomendada uma outra tarefa, a exigir igual celeridade: a suspensão das atividades de preparação do Congresso das Comunidades Portuguesas, que deveria ser adiado para 1981. O Congresso era a ambígua herança da 25ª hora do Governo de gestão, chefiado pela Engª Pintasilgo, cujo mandato se prolongara até janeiro desse ano, cerca de três meses depois da vitória eleitoral da coligação liderada por Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles. O Decreto-Lei 462/79, que o instituíra, com a data de 30 de novembro de 1979, e tinha por objetivo definir as formas concretas de representação da emigração portuguesa. A sua organização fora iniciada de imediato, não obstante o melindre de se sobrepor à instituição do Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo anunciado no programa da AD. O Governo estava decidido a resolver o diferendo com um pedido de ratificação na Assembleia da República, a fim de trazer o Congresso da órbita presidencial para a esfera governativa. O Congresso e não só, mas também as áreas do foro governamental em que, até então, o poder militar intervinha, com suporte na Constituição de 1976 - intervenção facilitada pela fragmentação partidária e fragilidade de sucessivos Executivos de curta duração. O Presidente da República era, igualmente, o Presidente do Conselho da Revolução. Desde 1974, o cargo fora ocupado por militares, o Marechal Spínola, o Marechal Costa Gomes e o General Ramalho Eanes, (o primeiro que fora eleito democraticamente). Em 1982, uma revisão Constitucional, aprovada por acordo entre a AD e o PS de Mário Soares, extinguiria o Conselho da Revolução e introduziria limitações aos poderes presidenciais, reforçando a vertente parlamentar e o carater semipresidencialista do regime. Entre as áreas que o Governo maioritário da AD queria recuperar (e, em larga medida, recuperou), estava a política externa e as políticas para as comunidades do estrangeiro. Essa assunção plena do poder executivo não se fez sem conflitualidade institucional com o Conselho da Revolução, respaldado na legitimidade revolucionária. Foi nesta conjuntura, que o CCP e o Congresso seguiram caminhos que não se cruzaram. Se Freitas do Amaral tivesse continuado no 2º Governo da AD, tão insólita descoordenação certamente não teria acontecido. Voltando a 1980, àquela primeira reunião com o Ministro: dela sai, cheia de entusiasmo, para outra longa conversa com o Dr. Luís Garcez Palha, meu Chefe de Gabinete, a fim de programarmos os trabalhos futuros. (2). No que respeita ao CCP, os meses de janeiro e fevereiro foram de intensa atividade no interior do gabinete, a pensar e a redigir o anteprojeto, em sucessivas versões. A outra face do "acantonamento" de uma Secretaria de Estado nova na orgânica de um Ministério com 250 anos, era a autonomia de que iria gozar nos processos de decisão, independentemente da maior ou menor afinidade com os sucessivos Ministros (3). Se abstrair da crónica falta de meios materiais, sempre imputável, em primeira linha, ao Ministério das Finanças, posso dizer que as responsabilidades pela condução das reformas, e, em particular, da construção do CCP, me couberam, com reduzida interferência ministerial. E creio que o mesmo se pode dizer da generalidade dos Secretários de Estado da Emigração, o que explica que a sorte do CCP tenha estado, afinal, muito mais nas suas mãos do que nas dos Ministros. Uma exceção foi o Congresso das Comunidades, em que, apesar de ser, enquanto Secretária de Estado, nos termos da lei, membro da respetiva Comissão Organizadora, não tive qualquer margem de intervenção efetiva, por imposição do novo MNE (4) No Conselho, sim, assumi a responsabilidade direta, procurei garantir as condições do seu funcionamento democrático, de uma audição sem tutelas, enfrentei as críticas de cariz partidário, dos quadrantes do PCP e de outras formações à sua esquerda, que, naturalmente, não acreditavam nas boas intenções da Secretária de Estado e a tomaram como alvo principal - encarnação do Governo como um todo! (5). Ao falar tão assertivamente das minhas responsabilidades à frente da Secretaria de Estado, devo abrir um parêntesis, para salientar que as áreas de intervenção direta da SEECP eram limitadas, porque muitas das políticas mais relevantes para os portugueses expatriados mantinham-se na esfera de competência exclusiva de outros ministérios: o Ensino, incluindo o ensino no estrangeiro, (subsídios, nomeação e estatuto de professores, metodologias), as Finanças (tudo o que tinha a ver, por exemplo, com fiscalidade, regime de importação de carros, juros e bonificações de contas de poupança emigrante), a Segurança Social, os Transportes... até os Consulados, na altura, dependiam hierarquicamente da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Perguntar-me-ão: o que restava? Restava, por exemplo, a negociação de acordos internacionais de emigração, a informação sobre as condições de vida e trabalho no estrangeiro, sobre o regresso ao país, a organização de processos de saída e a emissão de passaportes de emigrantes, o apoio cultural às associações e aos "media" (visto que os departamentos da Cultura e da Comunicação Social, incluindo a televisão pública e as agências noticiosas, não curavam do "gueto" emigração, ou só o faziam mediante assunção dos custos pela SEECP), e, evidentemente, o acompanhamento da vida dos expatriados e suas comunidades. Ou seja: a Secretaria de Estado via alargados os seus domínios na medida em que outros Ministérios ou Secretarias de Estado centrassem atenção dentro de fronteiras, deixando um vazio nas comunidades do estrangeiro. (6) O orçamento para a ação nessas áreas, que, de outro modo, se quedariam sem cobertura, ficava sempre aquém do necessário. Contudo, em 1980, havia uma efetiva vontade de mudança no relacionamento com a emigração, e tanto a europeia, que tinha beneficiado do exclusivo da atenção dos governos anteriores, como as comunidades transoceânicas e à Diáspora, até então bastante esquecidas ou negligenciadas. (7). Éramos o primeiro Executivo a ter e a demonstrar por palavras e atos a consciência de que o êxodo migratório da segunda metade do século XX se não havia circunscrito ao nosso continente. Não fizemos escola… ainda hoje é comum, no discurso político como em estudos académicos, ver no grande êxodo da segunda metade do século XX um fenómeno fundamentalmente europeu, ignorando os significativos fluxos migratórios para novos países transoceânicos - Canadá, Venezuela, Austrália - ou para antigos destinos, como os EUA, a RAS, e mais latamente o sul da África, antes e depois de 1974. Éramos, também, o primeiro Governo de Portugal a não concentrar as medidas de apoio exclusivamente nos indivíduos ou a enaltecer apenas o mérito dos seus percursos de vida, mas a reconhecer, por igual, o percurso coletivo, a espantosa obra do movimento associativo, a sua realidade institucional, que o mesmo é dizer as comunidades portuguesas, no sentido sociológico, e a oferecer-lhes um estatuto de parceria social. Em suma, um olhar global, traduzido em novas estratégias e políticas públicas. O "ciclo das Comunidades" e a criação de um Conselho associativo O Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro disse com meridiana clareza: “Para nós o problema dos emigrantes, ou melhor, como sempre dizemos, dos Portugueses residentes no estrangeiro só tem verdadeira solução quando concebermos a Nação Portuguesa como ela é, e quando organizarmos correspondentemente o Estado” Abranger a Nação assim compreendida na organização do Estado e na ação governativa, implicava garantir não só a igualdade política dos cidadãos perante a Lei, o direito de voto nos diferentes processos eleitorais, a aceitação da binacionalidade, e a igualdade de direitos sociais e culturais, em domínios que ultrapassavam o âmbito de uma Secretaria de Estado ou de um Ministério (e, por isso, historicamente, as primeiras estruturas que se ocuparam de questões migratórias foram o que hoje chamamos “comissões interministeriais”, com outras designações – o Comissariado da Emigração, em 1919, e a Junta de Emigração, nos anos quarenta). Enquanto me mantive no Governo, entre 1981 e 1987) creio ter conseguido prosseguir as linhas mestras das políticas de Sá Carneiro… sem Sá Carneiro! E o PSD também, ao menos em matéria de estatuto de direitos políticos dos expatriados, se excetuarmos a desvalorização do CCP nos oito anos de maioria absoluta. Com o passar do tempo, a democratização do país, a melhor perceção da realidade da participação política dos expatriados, a oposição foi cedendo, fazendo a sua estrada de Damasco, devagar, muito devagar… E muito do que fora utópico, deixou de ser. Sá Carneiro, numa meteórica governação de apenas onze meses, só por uma vez teve oportunidade de participar num grande congresso de emigrantes, organizado pela sociedade civil, não pelo Executivo, na Pateira de Fermentelos Foi numa tarde de agosto, de sol e de calor verdadeiramente estival. No largo fronteiro à famosa Pousada, esperava-o uma multidão compacta de milhares de emigrantes de diversos países, maioritariamente da Venezuela, que é o destino predominante da emigração naquela região. Os temas do Congresso, promovido pela “Associação Pró Emigrante”, que tinha à frente da Direção o dinâmico Comissário Belarmino, juntava as temáticas das migrações e do turismo e tinha como convidados, o Primeiro-Ministro e os Secretários de Estado das Comunidades Portuguesas, da Família, do Ambiente e do Turismo. Três mulheres e um homem, o que ali davam uma ilusória aparência de paridade, porque governantes masculinos havia muitos mais e a componente feminina estava toda presente. O helicóptero em que o Primeiro-Ministro chegava de Lisboa, com uma pequena comitiva, teve uma inesperada dificuldade em pousar no solo… Naquele tempo, tudo era mais espontâneo e informal – às vezes, excessivamente. Ali, não havia forças policiais em número suficiente, nem para dar proteção ao Primeiro Ministro (que, tal como Mário Soares era muito despreocupado nesse capítulo), nem sequer para delimitar o perímetro de segurança para as manobras do helicóptero. E, por isso, ninguém se apercebeu do problema operacional. Acompanhávamos, atentamente, as voltas que o aparelho desenhava no ar – um espetáculo cheio de ruído e movimento - e deixávamos livre um círculo demasiadamente pequeno para a aterragem. O piloto viu-se obrigado a simular um voo picado sobre a multidão (autoridades incluídas, naturalmente), que provocou uma debandada em todas as direções, num atropelo retrospetivamente cómico – uma cena de comédia cinematográfica… Quando a “nave”, por fim, estacionou, a imensa mole humana voltou a apertar o cerco e os quatro membros do Governo presentes retomaram, a custo, posições na primeira linha de cumprimentos - sorridentes, despenteados e cobertos, da cabeça aos pés, da fina poeira que a aterragem soltara num chão de terra seca. Depois, foi em lenta progressão, entre gritos de entusiasmo, braços e abraços intermináveis, que Sá Carneiro, chegou à sala do Congresso, onde proferiu o memorável discurso, que eu havia de citar vezes sem conta. Era um formidável orador, e o único político que falava sempre no tom de voz normal - nem em comícios erguia a voz na gritaria ritual de campanha, que exalta as audiências. O seu carisma prescindia desse excesso… Ali, sereno e empolgante, no seu estilo inconfundível, definiu Portugal como “nação populacional espalhada pelos quatro cantos do mundo” e reconheceu que “só poderemos sobreviver, acreditar em Portugal e no seu futuro se nos concebermos como Nação que abrange os residentes e os não residentes, todos tratados em pé de igualdade”. E questionou, veementemente, o “status quo”: “[…] mas se a Nação é isto, então como pode o Estado e a Constituição, que é a Constituição da Nação, espartilhar os direitos dos emigrantes? Ser concebida apenas para os residentes?” Infelizmente, Sá Carneiro estava prestes a deixar-nos e, sem ele, quatro décadas e várias revisões constitucionais depois, a tarefa fundamental de reestruturar o Estado à verdadeira medida da Nação está por cumprir. Obstáculos levantados por deputados da metade esquerda do Parlamento - e não só, também, anos mais tarde, pelo Presidente da República e pelo Tribunal Constitucional - estão na origem das insuficiências, que ainda limitam o estatuto de direitos dos expatriados. Não poderemos, todavia, negar avanços graduais no sentido do público reconhecimento desta dimensão nacional num país de Diáspora, na Constituição, nas leis e nas medidas tomadas por sucessivos Governos, do PSD, como do PS, num domínio que se foi tornando menos confrontacional. Entre as inovações de maior alcance, no último quartel do século XX, para além da consagração de um estatuto jurídico de cidadania, eu destacaria duas: na década de oitenta, o Conselho das Comunidades , enquanto Órgão representativo e instância de aconselhamento dos Governos; e, na década de noventa, a RTP- Internacional, instrumento insubstituível de defesa da língua, da cultura, de informação, em suma de aproximação ao País -o maior investimento jamais feito para a prossecução destes objetivos, (muito embora nos fique a dúvida sobre teria avançado sem a sua outra vertente – a de cooperação com a África lusófona). O significado e importância da RTP-I, não obstante as críticas que desde sempre foram feitas ao seu subaproveitamento, é por demais evidente. O de CCP não o será tanto, e, imerecidamente, porque, o temos de situar no centro da democratização no espaço extraterritorial das Comunidades Portuguesas. Na verdade, a Revolução do 25 de abril chegou à emigração com o CCP, a “assembleia” que lhes deu voz. As políticas que enformam o que chamei o “ciclo das Comunidades” constituíram um verdadeiro aprofundamento da democracia, ao porem fim ao autoritarismo paternalista dos Governos, nomeadamente, com medidas de apoio à livre opção entre o regresso e a integração nas comunidades do estrangeiro, com o reconhecimento da dupla ou múltipla cidadania, com o diálogo constante, que era a razão de ser do Conselho das Comunidades, e com a vontade de unir às europeias as comunidades transoceânicas - que sempre haviam vivido de costas voltadas umas para as outras. Nesta sua visão das Comunidades Portuguesas, terá o VI Governo Constitucional sido, em absoluto, o grande precursor? Questão a que responderei sim e não. Sim, face a todos os anteriores Executivos, ao apelar à livre colaboração das organizações da sociedade civil, em comunidades mais independentes do Estado do que dentro de fronteiras. Não, porém, no que respeita à conceção teórica de um Portugal existente para além das fronteiras e construído pela rede de centros culturais e associações de solidariedade e de convívio, através dos quais se conservam a língua, as tradições, as formas de estar em sociedade, de geração em geração. Adriano Moreira, com a realização dos Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, na década de sessenta, é quem poderá reclamar esse pioneirismo, do lado da sociedade civil - não era Governo, nem teve Governo que o compreendesse e o deixasse prosseguir… No período pós-Revolução as primeiras iniciativas que vão já neste sentido não são da iniciativa dos Executivos, mas do Presidente Eanes, através da Comemoração do Dia de Camões e das Comunidades, e, a partir de 1978, da celebração, a 10 de junho, do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. É um gesto de enorme simbolismo e de real reconhecimento da dimensão extraterritorial da Nação. Onde está um Português está Portugal, declarava Vítor Alves, o estratega e o operacional dessas políticas, na qualidade de Presidente da Comissão Organizadora das celebrações do 10 de junho, ao longo de muitos anos. É já a “Nação Populacional”, tal como Sá Carneiro a definirá em 1980. Não será, contudo, a’ “Nação de Comunidades” de que ele também fala, e à qual se dirigem as chamadas “políticas de reencontro”, (promovidas, nomeadamente, através do Conselho das Comunidades: Comunidades), apelando à sua participação, sem cair na tentação de as querer tutelar. O projeto da AD é civilista, como fora o de Adriano Moreira. Mais intervencionista na sua proclamada intenção de “organizar” o mundo disperso das comunidades se nos afigura o projeto presidencial, mas nem por isso menos de enaltecer na medida e que veio suprir lacuna no trabalho da Secretaria de Estado da Emigração, muito mais focado em problemas sociais do quotidiano, do que na aproximação às comunidades da Diáspora. Foi, assim, o Presidente Eanes, quem, na segunda metade de setenta, redescobriu um Portugal espalhado no mundo e Vítor Alves quem assumiu o papel de mensageiro da Revolução democrática, que procurava associar as Comunidades ao seu projeto nacional. (8). Na qualidade de Presidente da Comissão do Dia de Portugal diria numa entrevista que “tinha uma estratégia que passava por romper, culturalmente, as fronteiras de Portugal”. E, numa entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, explicitava: “A filosofia passou a ser: Portugal não era as colónias, mas os locais onde houvesse Portugueses”; “A Nação não era o território, mas as pessoas”. (op ci, pag 371)Por seu lado, Ramalho Eanes em entrevista concedida a Carlos Ademar, referia a necessidade de organizar as Comunidades “para que ganhassem estatuto junto dos países onde se encontravam e passassem a ter um espaço próprio” (9) Quereria Sá Carneiro mais ou menos o mesmo, ao definir, no Congresso de Fermentelos, Portugal como “Nação Populacional” ao ver as comunidades no lugar exterior a um pequeno retângulo europeu, onde, ao longo de séculos, haviam estado as colónias? Julgo que sim, mas numa diversa abordagem ao papel que lhe reconhecia no centro das políticas públicas. Era o primeiro governante a querer integrá-la na vivência nacional, com os seus projetos próprios, e a considerar como interlocutores do Governo não só indivíduos, mas também as Comunidades, a sociedade civil organizada, dando ao movimento associativo o estatuto de parceria no CCP. O projeto do Conselho da Revolução visava “doutrinar” essas comunidades, convertendo-as a princípios democráticos, de que as julgavam desprovidas – não obstante, na sua maioria, estarem inseridas em países de tradição democrática sólida. O lugar do CCP no “Ciclo das Comunidades O CCP, enquanto Órgão de representação das Comunidades era o instrumento em que assentava uma nova forma de fazer política, abrindo o “ciclo das comunidades”. Historicamente, as políticas de emigração visavam, sobretudo, o controlo dos movimentos migratórios, quase sempre no sentido de os proibir ou limitar. A partir dos anos quarenta do século XX, o peso das notícias sobre as mortes e doenças dos que partiam, durante a travessia dos oceanos, levou o Estado a intervir, acompanhando a viagem, com um corpo de médicos e inspetores da emigração – as “políticas de trajeto de ida”, na expressão de Maria Beatriz Rocha Trindade. Só a partir de 1972 o Governo, através do Secretariado Nacional de Emigração (SNE), começou a preocupar-se com a assistência social, e a conceder apoios ao associativismo e ao ensino da língua, medidas prosseguidas, após a Revolução, pela Secretaria de Estado da Emigração (SEE), que enquadrou os serviços preexistentes e procurou continuar a sua ação. O Governo da AD foi o primeiro a desenvolver políticas públicas de apoio cultural e social às comunidades portuguesas em verdadeira interação com elas, nos termos referidos. A ideia da “libertação da sociedade civil” fazia igual sentido no território e na Diáspora. O Governo não queria “moldar” as ONG’s da emigração, mas antes convidá-las a moldar as políticas públicas, na plataforma a que deu o nome de CCP. Aí, no contacto pessoal, se aprofundou o conhecimento de realidades complexas, se desfizeram estereótipos, se corrigiu, por exemplo, a perceção simplista da fragilidade económica geral da emigração europeia, em confronto com as comunidades de empresários prósperos do além-mar, ou da dicotomia “emigração de regresso”, a europeia / “emigração sem retorno”, a não europeia. Na verdade, há emigrantes que vivem modestamente nas Américas como na Europa. E se a proporção de empreendedores pode ser ainda superior, nas Américas ou na África, também é certo que há abundantes exemplos de mobilidade social e profissional ascendente entre as segundas e terceiras gerações de França e outros países vizinhos. Assistimos a inesperadas convergências na situação nos vários continentes. De convergência se pode falar, também, nos movimentos de retorno por regiões do mundo. Sendo embora mais comuns na Europa, não atingiram aí as proporções esperadas, assistiu-se a um alongamento dos tempos de permanência no estrangeiro e à integração de uma forte proporção das segundas e terceiras gerações. A emigração da Europa também já começava a ser composta por luso descendentes. O Conselho das Comunidades, pensado pelo Programa Eleitoral da AD para o mundo cultural e afetivo das comunidades antigas, como a cimeira das suas organizações, alargou o campo de atuação à emigração mais recente, sem com isso prejudicar o modelo civilista, a liberdade de crítica e a ausência de controle das autoridades públicas ou dos partidos no poder, como postulava o seu “Programa Eleitoral”. Aplicar esta doutrina ao CCP exigia o privilegiar da vontade dos membros eleitos (representantes da “sociedade civil”), na construção ou reconfiguração do próprio Órgão, tal como na apreciação das políticas da emigração, vertidas nas suas recomendações. Este foi o aspeto em que a coisa criada melhor se ajustou à ideia do criador - a instituição foi, ela própria, ao longo dos sete anos iniciais, na busca da sua identidade e dos meios para a traduzir. Dois paradigmas para o CCP: "União das Comunidades de Cultura Portuguesa" e "Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro Em janeiro de 1980, tentei, como disse, falar com os autores da proposta de instituição do CCP, e acabei por me conformar com o facto da sua definitiva intangibilidade. Teriam eles tido em mente o exemplo dos Congressos da Sociedade de Geografia? Em qualquer caso, impunha-se uma conversa com o Prof Adriano Moreira, o artífice desses Congressos. Foi fácil reunir com ele, através de um amigo comum, o Deputado da Emigração José Gama, do CDS. Foi amabilíssimo! Enfim, encontrava alguém que estava disponível para longas conversas e tinha lições de mestre a dar! Em 1966, à frente daquela prestigiada instituição, organizara o primeiro Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, em Lisboa e, em 1967, o segundo na Ilha de Moçambique. O 3º Congresso, que devia realizar-se no Brasil, estava em preparação quando o advento do Marcelismo veio por termo, abruptamente, a um movimento em plena expansão. (10) Sobreviveu, somente, o "Instituto Internacional da Língua Portuguesa", criado a par da "União", porque, tinha caráter público e funcionava no muito mais restrito meio académico. Uma singularidade destes grandes e pioneiros Congressos, foi terem sido verdadeiras cimeiras de Diásporas lusófonas, “cimeiras de iguais” – Portugal, Moçambique, Brasil e outros espaços geográficos de participação de norte a sul, de Oriente a Oeste. – que os tornaram precursores da CPLP, na finalidade de aproximação de povos, de valorização da língua comum e das culturas interpenetradas num todo policêntrico. O Embaixador José Aparecido de Oliveira (para mim, tal como o Prof. Adriano Moreira, não só fonte constante inspiração, mas um Amigo) pensava assim. E, tivesse ele permanecido à frente dos destinos daquela “Comunidade” por mais tempo, a vertente cultural não se veria subalternizada por interesses de outra ordem. Um segundo modelo, que tivemos em mente, era estrangeiro e, também ele, assentava em realidades associativas ou institucionais. No nosso caso, perante a inexistência de uma união ou federação internacional de emigrantes, o governo mais "civilista" da democracia portuguesa apelou à cooperação das ONG's das Comunidades, vistas como forças geradoras dos espaços da lusofonia, de “Diásporas”. A valorização do associativismo permitiu que o Conselho evoluísse de acordo com as suas próprias propostas de reestruturação, em fórmulas cada vez mais eficazes (e nem outra coisa seria de esperar, considerando a experiência dos dirigentes que o compunham). No entanto, de fora, terão sido, muitas vezes, mal avaliadas e criticadas pelos que, a partir de 1988, na prática, imobilizaram o Conselho, por se intrometer, segundo palavras do então Secretário de Estado, “na esfera da soberania do Estado"… Convenhamos que, para a mentalidade de época, não era de fácil compreensão a dupla veste consultiva e representativa do CCP, traduzida no convívio entre os eleitos das comunidades e os governantes da República, em exercícios de reflexão e definição de políticas públicas. O modelo, foi "importado" de França já com adaptações a uma realidade "sui generis", e os Conselheiros trataram de o individualizar ainda mais. O CSFE, ao contrário do CCP, viera dar satisfação a reivindicações de natureza cívica e política da "Union des Français de l'Étranger" (UFE). A falta de dimensão transnacional do nosso movimento associativo levou a que o Conselho fosse visto como o espaço ideal para impulsionar a sua agregação. Neste quadro se compreende a ênfase que lhe é dada no preâmbulo do Decreto-Lei fundador, ao enunciar o propósito de: "criar uma plataforma de encontro de dirigentes associativos do mundo inteiro, promovendo a sua cooperação mútua, o encontro recorrente entre eles, e deles com o governo do país. O Conselho era concebido como uma "casa comum de convívio", mais informal, mais solto na sua faceta de intervenção cívica e de instrumento da democracia participativa. Uma das suas particularidades era a não exigência aos participantes do vínculo da nacionalidade ou da ascendência portuguesa, bastando o sentimento de pertença, comprovado pela participação ativa no associativismo. Alguns estrangeiros foram membros de pleno direito do CCP, eleitos, sobretudo, no Brasil. Tal como os Congressos da Sociedade de Geografia, o CCP pretendia situar-se no amplo círculo da lusofonia e da lusofilia, para além do restrito círculo dos portugueses de passaporte. E, por isso, a forma de cálculo para efeito de representação quantitativa nas comunidades antigas, partindo embora, tal como nas mais recentes, das estimativas consulares, contava a dobrar. O que não foi previsto, e deveria ter sido, a representação de comunidades mais do que seculares, com pouco peso quantitativo, mas enorme significado cultural e afetivo – caso de Malaca, Goa, Damão, Diu, Antilhas Holandesas, Havai e Bermudas, entre outras. É mais em aspetos funcionais, que a influência francesa sobressai. Por exemplo: na heterogeneidade da composição do novo órgão, com membros eleitos, (os Conselheiros), membros natos, (o Governo da República, os Governos Regionais, Deputados – os autores da consulta) e os membros nomeados, (entidades da sociedade civil, convidadas a dar uma útil contribuição ao diálogo); na presidência pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros (em França, delegada no Secretário Geral do Ministério, em Portugal, num membro do Governo, o Secretário de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas); no funcionamento por comissões ou secções temáticas, onde as matérias são trazidas a debate e vertidas em pareceres e recomendações. Fazer a Lei – a autoria material Na primeira semana de janeiro, foi constituído no meu gabinete um grupo de trabalho, cuja tarefa era elaborar rapidamente um anteprojeto de Lei. O ideal teria sido reunir com dirigentes de associações no estrangeiro, para além dos interlocutores que foi possível ouvir, durante cerca de cinco ou seis semanas -deputados, diplomatas, peritos de emigração. Se a urgência fosse menor, o texto teria sido enviado a Conselho de Ministros, para aprovação, e, seguidamente, submetido a debate na Assembleia da República. Um tal procedimento poderia arrastar-se por muitos meses... A alternativa célere foi apostar nas audições possíveis, e na competência e sensibilidade de juristas com larga experiência de legiferação, como Luís Fontoura, Fernanda Agria, Eduardo Costa e Garcez Palha. Os três últimos iriam ficar ligados à história da instituição nascente desde 1981. Nessa data, já Luís Fontoura era Secretário de Estado da Comunicação Social, e, nessa qualidade, nos abria as portas do Palácio Foz à realização da sessão inaugural do Conselho. Eduardo Costa permaneceu até aos últimos dias do 1º CCP, de início, como moderador da Secção de Revisão do Decreto-Lei nº 373/80, e, a partir de 1984, como coordenador da "Comissão de Peritos", onde teve sempre um papel discreto, mas importantíssimo. Exemplo de puro voluntariado, homem afável, comunicativo, e um hábil jurista, interlocutor inteligente e moderado, fez, com naturalidade, amigos em todos os quadrantes ideológicos em que se subdividia o Conselho. Fernanda Agria foi a primeira Secretária do Conselho. Respeitada especialista de Direito laboral, democrata com veia de sindicalista, arrostou com uma agressividade verbal a que não estava habituada, resistiu durante a 1ª Reunião Mundial, mas não quis repetir a experiência. Voltou à assessoria no Gabinete, acompanhando o destino da nova instituição, com a qualidade dos seus pareceres jurídicos. Garcez Palha seria o sucessor de Fernanda Agria como Secretário do Conselho, onde, como adiante direi, assumiu um perfil de grande autonomia. Tal como Eduardo Costa (um ex-emigrante na Amazónia), era um perfeito diplomata, firme e imperturbável nos momentos tensos – qualidades vitais para aquela função, naquela época… Três brilhantes juristas, que passaram do tempo de feitura da Lei ao tempo da sua aplicação concreta. Foram contextos muito diversos, o da vivência da instituição e, antes, o da legiferação, assente em consultas e audições, e na tradução de ideias em fórmulas e expressões, que se iam depurando, num ambiente quase laboratorial. Sentados à volta de uma távola redonda, debatemos, horas a fio, soluções alternativas, redigimos versões sucessivas do articulado, e, finalmente, o preâmbulo do diploma. Falo no plural, porque quando a agenda o permitia, me juntava ao "comité de redação". (são já recordações um pouco vagas, não sei exatamente o teor das contribuições de cada um, incluindo das minhas - lembro-me, sobretudo, de ter trabalhado no preâmbulo, que queria conciso, e portador de uma mensagem clara). Devo salientar, ainda, a colaboração do Deputado José Gama, que fora, antes de 25 de abril, um dos reputados especialistas de Direito do Trabalho da Praça de Londres, e vivera, depois, alguns anos nos EUA, como jornalista. O seu conhecimento do terreno e a sua constante disponibilidade fizeram dele verdadeiro coautor material da lei fundadora do Conselho. Têm, também, a sua parte no esforço comum os responsáveis pelos serviços de emigração Regionais, Virgílio Teixeira e Duarte Mendes, assim como alguns diplomatas, que se empenharam na auscultação das suas comunidades - caso do Embaixador Meneses Rosa, que do Brasil veio ao Palácio das Necessidades dar conta das especificidades do associativismo luso-brasileiro. Insistiu na necessidade de reconhecer a legitimidade da representação da Federação de Associações Portuguesas e Luso-brasileiras, não criando um colégio eleitoral paralelo, que poderia levar o maior universo associativo do mundo português a afastar-se do Conselho. Acolhida a argumentação, a medida foi genericamente adotada, onde quer que o movimento associativo possuísse uma organização federativa, a nível de um país ou de uma região. Solução que se ajustava ao escopo do legislador de favorecer a federalização do associativismo, não fazendo, por isso, sentido que a lei a ignorasse onde já se verificava. O Brasil converter-se-ia, ao longo da vida do 1º CCP, em polo de diálogo construtivo. E através da sua Federação, assegurou uma mais equitativa forma de representação regional no território de um país imenso. Na verdade, a distribuição de delegados pelo critério da proporcionalidade, adotado no Decreto-Lei, onde o movimento federalista não avançara, acabou por favorecer as áreas de maior concentração de portugueses – por exemplo em Paris. A aplicação do mesmo critério no Brasil teria atribuído a quase totalidade dos representantes ao Rio de Janeiro e a São Paulo. A regra da proporcionalidade prejudicou, de igual modo, comunidades quantitativamente diminutas, e, qualitativamente, muito significativas, que se viram fora do âmbito do CCP. A falha foi detetada, mas não suprida até hoje. Prevaleceu a força e o interesse das comunidades maiores, que, em boa verdade, se inspirou na nossa Constituição, onde está consagrado o princípio da proporcionalidade. O impasse – o “veto de bolso” O anteprojeto foi concluído e entregue no gabinete do Ministro, em meados de fevereiro. O Prof. Freitas do Amaral, que fora acompanhando o ritmo do seu andamento, enviou-o, de imediato, para Conselho de Ministros. Aí deu entrada num circuito que não foi excessivamente moroso - poucas foram as objeções que suscitou e nenhuma descaraterizava a arquitetura do Órgão em formação. Pinho Neno, na sua obra sobre Antecedentes, Criação e Percurso do Conselho das Comunidades Portuguesas, não indica o momento em que foi feito aquele envio. A esta distância, eu tenho a noção do decurso das etapas, mas não de datas precisas. A única data que aquele autor refere é a de uma modificação sugerida pelo Ministério do Trabalho, recebida no MNE a 17 de março e nesse dia encaminhada para o meu gabinete. A resposta ao despacho do Ministro, foi entregue no dia seguinte. Pinho Neno terá destacado esse despacho para exemplificar o ritmo a que o Governo trabalhava. A aprovação no Conselho de Ministros tem a data de 1 de abril. Missão cumprida, pensávamos nós, preparando-nos para a segunda fase - a de organizar o grande evento. Encurtando prazos, com eficiência, "à portuguesa", era possível realizar as eleições e trazer os eleitos a Portugal antes de agosto, mês em que o país entrava em férias, em clima de campanha de rua para as legislativas de outubro, tornando impraticável a preparação de eleições simultâneas para o CCP. Não se esperava que o diploma ficasse retido na Presidência durante cinco longos meses. Chamava-se, comummente, a essa prerrogativa presidencial de adiar a promulgação de legislação do Governo o "veto de bolso". Em tempos de conflito institucional, o veto era uma arma, entre outras. Assim se esfumou a esperança de reunir o Conselho durante o mandato do VI Governo Constitucional, porque às eleições legislativas de 5 de outubro se seguiram as presidenciais a 7 de dezembro, e a tomada de posse do novo Governo foi postergada, para janeiro de 1981. O CCP ficou em espera. Veio a realizar-se, em 1981, à margem da conflitualidade institucional, visto que o CCP se concentrou na problemática da emigração e das comunidades do estrangeiro, não em querelas de política interna, entre órgãos de soberania. 1980 - Nem Conselho nem Congresso das Comunidades Portuguesas Olhando a situação quatro décadas depois, não se poderá dizer que devêssemos ter ficado surpreendidos pelo fatal "veto de bolso". O Governo adiara para junho de 1981 o Congresso das Comunidades, que decorria sob a égide presidencial, usando o direito de pedir a ratificação do DL nº 462/79 na Assembleia da República. O Presidente respondera, forçando o Governo a adiar, também por um ano, o CCP. De qualquer modo, dos dois lados era reconhecida a urgência de dar voz aos emigrantes, e com a propositura de soluções aparentemente semelhantes, nomeadamente a criação de instâncias de representação de emigrantes.... Será, assim, pertinente perguntar: quem teve a ideia original, quem deu o primeiro passo? Eis uma cronologia de acontecimentos: - Setembro de 1979 - Apresentação do programa eleitoral de governo da coligação "Aliança Democrática", que prevê a criação de um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo - Novembro de 1979 - Publicação pelo V Governo Constitucional do diploma que cria o I Congresso das Comunidades Portuguesas. (a 30 de novembro, quase dois meses depois da vitória eleitoral da AD). - Dezembro de 1979 - Início dos trabalhos da Comissão Organizadora do Congresso e da preparação de encontros no terreno, através da constituição de Subcomissões no estrangeiro - Janeiro de 1980 - Decisão do VI Governo Constitucional de adiar o I Congresso, preparando a ratificação do respetivo Decreto-lei. Instruções dadas aos diplomatas para suspenderem o apoio aos trabalhos das Subcomissões previstas na orgânica da organização do Congresso, no que deles dependesse. - Abril de 1980 - Aprovação em Conselho de Ministros do diploma que cria o Conselho das Comunidades Portuguesas. - Setembro de 1980 - Publicação do DL nº 373/80 que institui o CCP. - Janeiro de 1981 - tomada de posse do VII Governo Constitucional, que, de imediato, começa a preparação da 1ª Reunião Plenária do CCP, com a constituição das "Comissões de País", seguida da realização de eleições dos representantes à Reunião Mundial do Conselho - Abril de 1981 - 1ª Reunião Mundial do CCP, em Lisboa, Palácio Foz, de 6 a 10 de abril - Junho de 1981 - I Congresso das Comunidades Portuguesas, Lisboa, Hotel Penta, 5 a 9 de junho Um entrelaçamento de divergências… o total divórcio de iniciativas votadas às mesmas finalidades, no circunstancialismo de um tempo político irrepetível, com consequências diretas na missão complexa de que estava incumbida. Um desafio tornado maior. A aventura de construir uma Instituição O Decreto-lei nº 373/80 de 12 de setembro procurava o ajustamento a situações de facto heterogéneas, de forma a assegurar a operacionalidade do Órgão na sua geografia variável e, além disso, a funcionar em duas vestes, a consultiva e a representativa. Havia que dar margem a uma gradual construção, através da interatividade dos seus protagonistas. Para tanto, foi delineado um normativo regido pelo princípio da descentralização, tão pouco impositivo quanto possível. A estrutura do Conselho assentava nas "Comissões de País", com alargadas competências, nomeadamente, quanto ao número dos seus próprios membros, matérias a tratar, regimento interno e processo eleitoral. As “Comissões” não dependiam dos consulados, tinham vida própria, formavam os colégios eleitorais que escolhiam os seus representantes à reunião mundial do CCP, no número previsto na lei - esse, sim, taxativo e conforme à dimensão estimada de cada comunidade, (a exceção, prevista numa disposição transitória, era a convocação pelos consulados das primeiras eleições). Esta organização em pirâmide de base alargada distanciava-se do figurino francês, e anos depois, viria a ser adotada na legislação italiana e espanhola, ainda que sem o mesmo grau de autonomia das instâncias locais, face à superintendência consular ou governamental. Singular, tanto quanto sei, em termos de Direito comparado, foi a ideia de convidar os eleitos a proporem, na 1ª Reunião, alterações à lei fundadora, a moldarem o organismo à sua própria visão, como se integrassem uma assembleia constituinte - consultiva é certo, mas respeitada, como a natureza representativa do Órgão reclamava. Para o desenvolvimento desta dinâmica, o Governo destinava uma das seis Secções do Conselho à revisão do Decreto-lei nº 373/80. Secção que seria vista como a mais importante, atraindo as lideranças das diversas delegações e tornando-se palco de grandes discussões, que, afortunadamente, nesse ano primeiro, acabaram em votação unânime. Essa Secção foi o lugar da experimentação da lei, ponte de passagem à fundação da nova entidade. A reconfiguração do CCP, a sua forma de estar e de agir baseou-se nas recomendações aprovadas entre 6 a 10 de abril de 1981 - mais de 100! Onde muitos comentadores viam uma maré negra de críticas aos poderes públicos, eu, com perspetiva sobre o seu significado, saudava o consenso de onde emanavam, como verdadeira fonte de vida da uma instituição nascente. Nesse abril em que a Revolução se aproximava do sétimo aniversário, estávamos acostumados a caminhar, encarando o inesperado, com constantes alterações do estado de coisas, a uma cadência, que se ia tornando menos vertiginosa, mas era ainda percorrida em chão movediço, em convívio com o improviso. Estávamos longe da facilidade com que hoje se confraterniza em campos ideologicamente opostos. E, apesar disso, a conciliação entre os extremos nunca foi no CCP, como se temia, uma meta impossível. A aprovação pacífica de um tão grande acervo de conclusões, e, muito em especial, das que respeitavam ao perfil do Conselho, foi a demonstração de que valera a pena ter esperança no resultado final, sem procurar o apoio fácil de uma larga maioria contra a minoria ruidosa e incómoda. Porém, nas reuniões seguintes, não faltaram polémicas de raiz partidária, em linguagem agressiva e gestos de rutura, que acabaram por deformar a imagem pública do 1º CCP, injustamente embora, porque nunca esse afastamento atingiu o cerne da instituição, nem teve carácter de rutura definitiva. O Conselho renascido em 1996, numa democracia já estabilizada, tem, afortunadamente, uma imagem pública mais ajustada à sua realidade interior. A partidarização do 1º Conselho por parte daquela minoria foi uma inevitabilidade, um sinal dos tempos. A maioria, ou se mantinha alheada da política interna portuguesa ou se reconhecia nos quadrantes em que, nesse período, se formavam as maiorias constitucionais, o arco da governação. Na 1ª Reunião Mundial a imprensa de tendência socialista ainda viu no CCP uma oportunidade para fazer oposição ao governo da AD, mas daí em diante dar-lhe-ia um apoio construtivo, na oposição, e perfeita continuidade no poder. O Conselho manter-se-ia inalterável na transição do Executivo da Aliança Democrática para o do Bloco Central, deste para o governo minoritário do PSD, e, depois de 1996, com o PS ou o PSD no governo, alternadamente. A contestação não veio de políticos desses partidos, foi limitada a elementos do PCP e à Intersindical, ou a formações à sua esquerda, e focou-se em aspetos que não implicavam a descaracterização do CCP, nem a retirada do pacto que esteve na sua origem institucional. Por isso estão, com toda a legitimidade, entre os seus fundadores. As Eleições O processo eleitoral decorreu nos primeiros meses de 1981, ao abrigo das disposições transitórias do Decreto-Lei nº 372/80 de 12 de setembro, sob a superintendência dos responsáveis consulares. Não me recordo de ter recebido, nesta fase, quaisquer reclamações. Só mais tarde nos apercebemos de que a Embaixada em Bona havia barrado da participação as organizações ligadas à Igreja Católica, nomeadamente a “Cáritas”. O Governo, para evitar dúvidas futuras, aproveitaria uma revisão pontual da lei, para impor, através de interpretação autêntica, a igualdade de tratamento. De qualquer modo, aquela prestigiada organização optaria por não tomar parte nos trabalhos das Comissões de País. (10), ao contrário de algumas paróquias portuguesas. As eleições, realizadas em 1981, 1983 e 1985, foram excetuando a discriminação praticada na RFA, processos pacíficos. E em paz terminaria a 1ª Reunião Mundial, o que não impediu que, nas Reuniões Mundiais seguintes, o ruído dos confrontos voltasse a subir, com frequência, merecendo sempre mais destaque do que os consensos gerados à volta do essencial. Informação objetiva e detalhada, deram-na, sobretudo, jornais especializados, como "O Emigrante", (hoje "Mundo Português"). A presença dos órgãos de comunicação nacionais, era, em qualquer caso, considerada fator decisivo para o reconhecimento da instituição e a tomada de consciência da problemática das migrações pela opinião pública do país. A máxima jurídica "quod non est in actis, non est in mundo" pode ser transposta, nos dias de hoje, para o mundo dos "media"- o que omitem na vida de uma sociedade é como se não existisse... Era, pois, importante dar visibilidade pública ao CCP, para além de colocar os eleitos, frente a frente a falarem entre si, e com o Governo, e de os pôr em contacto com a "sociedade civil" - justificação, ainda agora largamente incompreendida, para a heterogeneidade da composição do órgão consultivo, com o seu núcleo central, os conselheiros eleitos no universo associativo, os observadores da comunicação social e outros interlocutores de relevo, parlamentares, especialistas das matérias a debater, parceiros sociais... Como era de esperar, a audição governamental esteve sempre inteiramente focada nos conselheiros, não nos sindicalistas, nos deputados ou nos peritos que assessoraram as Secções Revelam-no as atas de todas as reuniões. Exemplifico com a Secção para a revisão do Decreto-lei nº 373/80: nas seis sessões em que se prolongaram os seus trabalhos, os registos informam-nos de que todas as intervenções foram feitas pelos Conselheiros eleitos, com quatro exceções: eu própria, na 1ª sessão, a única em que estive presente enquanto Presidente do CCP, para prestar esclarecimentos pontuais; o representante da CGTP/Intersindical, Orlando Laranjeira, na 2ª , 4ª e 5ª sessões; o Deputado Nandim de Carvalho, por uma vez, na 3ª sessão, para fazer uma sugestão; e o representante do Governo da Região Autónoma da Madeira, Virgílio Teixeira, na 4ª sessão, para enumerar as competências específicas do Governo Regional na área da emigração. As recomendações foram, como não podia deixar de ser, formuladas pelos eleitos, (vd a publicação do Centro de Estudos da SECP, de 1986, que contém a compilação das Recomendações aprovadas nos Conselhos mundiais, entre 1981 a 1986). É certo que a legislação, tal como estava redigida, poderia ter permitido outras interpretações, mas, face aos objetivos do legislador, enunciados na parte preambular, teria de prevalecer a que foi adotada. Interessante seria compará-la com a “praxis” francesa, no relacionamento em concreto estabelecido entre as várias categorias de membros do "Conseil (os 45 primeiros eleitos, que, em 1950, coexistiam com cinco nomeados pelo MNE e com os "membros de direito", dirigentes da União dos Franceses do Estrangeiro e das Câmaras de Comércio, representantes de professores e de antigos combatentes), e bem assim com o Conselho suíço, que evidencia uma tendência para o alargamento do espaço de diálogo. Nos seus congressos anuais, não prescinde de convidar uma pluralidade de interlocutores - Governo, ONG' s, personalidades de vários setores. Até estrangeiros, como eu (numa altura em que presidia à Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa) receberam convite para participar. (11) Na Recomendação 99, os membros da Secção para a revisão do Decreto-lei nº 373/80 manifestavam, em primeira linha, a vontade de circunscrever o Conselho ao núcleo dos eleitos, permitindo que estes fossem ou não membros de associações, ou seja, admitindo candidaturas individuais. E abriam, pela via de convites seus, as portas dos CCP a todas as categorias de participantes previstos na legislação em análise, assim mostrando, por um lado, o reconhecimento dos benefícios de dialogarem com uma pluralidade de setores, e, por outro, a ambição de autonomia total, face ao Governo. Na cultura de experimentalismo, que presidiu à génese e desenvolvimento do CCP, nenhuma proposta, fosse ela exequível ou utópica, era proibida! Justo é, porém, reconhecer que o bom senso e a competência quase sempre prevaleceram, a ponto de podemos dizer que todas as grandes reconfigurações do CCP se ficaram a dever a pragmáticas Recomendações dos eleitos. No que respeitava à presidência do Órgão pelos Conselheiros, não tive hesitação em a aceitar, o que levaria o Ministro Gonçalves Pereira - depois ler notícia do compromisso através de um comentário de jornal, antes de eu ter tido tempo de lhe dar conta da decisão - a interpelar-me: "Com que então retirou-me a presidência do Conselho?". Tinha razão, pelo que reconheci simplesmente o facto: "É verdade, pareceu-me aceitável e julguei que não se importasse. Importa-se?”. "Não" - confirmou ele, em tom mais desprendido. "Assim sendo, está tudo bem!" - disse eu. Diálogo típico de um relacionamento frontal e descontraído. Por acaso, a alteração da titularidade da presidência não se consumaria, porque, na reunião mundial seguinte, em 1983, a maioria formada em novas eleições decidiu o contrário. Todavia, bem vistas as coisas, esse desiderato foi-se consumando, gradualmente, sem oposição governamental. Primeiramente, nas Reuniões Mundiais parceladas por Regiões. Em todas elas, desde 1984, a presidência dos Plenários, a agenda, e a própria logística foram entregues aos membros eleitos, que sempre evidenciaram a capacidade de autogestão. A partir de da Reunião Mundial de Porto Santo, em1985, a presidência de todas as reuniões de trabalho (das Secções aos Plenários) passou a ser, também, protagonizada pelos Conselheiros A Secretaria de Estado encarava essas mudanças como muito positivas, abstendo-se de interferir nas decisões do Conselho, e assegurando-lhe um Secretariado e uma assessoria de qualidade. Os Secretários do Conselho foram os melhores aliados dos Conselheiros. A função seria sempre desempenhada por funcionários no topo da carreira, ex-diretores –gerais, como Luís Garcez Palha e Gil Pereira, o Embaixador Mendes da Luz, peritos de emigração como Rita Gomes (ao tempo Diretora do chamado “Centro de Estudos”) ou José Guerreiro. Todos satisfaziam um requisito essencial – a capacidade de gerir conflitos, mantendo a imparcialidade, a neutralidade partidária. A 1ª Reunião Mundial do CCP (6 a 10 de abril de 1981) Não foram precisos mais de três meses para a preparação do 1º Conselho - eleições, preparação da agenda, convocatória e Reunião Mundial no Palácio Foz. Terá sido mais um “record” num país de pesada burocracia. O meu gabinete não teve interferência direta no processo eleitoral, acionado e acompanhado por Embaixadas e Consulados. Mais de perto acompanhei a preparação da reunião plenária, desde a escolha de locais à constituição das Secções temáticas, e à documentação a distribuir e a guardar para memória futura. Cuidamos mais de conteúdos do que de forma - barato foi o papel usado, papel de fotocópias, simples e despretensioso, ou o "design", da autoria de um funcionário do IAECP. Teremos, talvez, exageramos na poupança, mas, enfim, o essencial está lá… Cuidadosamente escolhida foi a sede que iria ficar associada à génese da nova instituição. Luís Fontoura, o novo Secretário de Estado da Comunicação Social, homem da Diáspora, e, por sinal, um dos autores materiais do Decreto-Lei nº 373/80, facilitou-nos a cedência dos salões do Palácio Foz, na Praça dos Restauradores. Os Conselheiros terão ficado alojados nas instalações bem menos palacianas de um INATEL (parece-me que terá sido o de Oeiras, à beira-mar). Para mim, fazia sentido recorrer ao património do Estado, que é do Povo e para o Povo. O Palácio Foz foi lugar ideal para assinarmos, em conjunto, a "declaração de nascimento" do Conselho. (12) A Sessão de Abertura – numa manhã de abril Na manhã de 6 de abril, o salão nobre do Palácio, com os seus espelhos longos, entre a talha lacada a branco e ouro, refletia e multiplicava os rostos expectantes dos participantes, alinhados em filas de pequenas cadeiras elegantes (e não muito confortáveis...). Ao fundo, na mesa comprida da presidência, sem distanciamento da 1ª fila, onde se sentavam Conselheiros, coube-me presidir à sessão inaugural, entre Luís Fontoura, ali na qualidade de anfitrião do Palácio, Teresa Costa Macedo, Secretária de Estado da Família e mais colegas de Governo, representantes das Regiões Autónomas, Deputados e a Secretária do CCP, Fernanda Agria. Momentos especiais, vividos com a consciência de que escrevíamos uma página na história das migrações portuguesas. Uma página previsivelmente colorida por alguma agitação! Estávamos preparados para tudo, o melhor ou o pior. Na véspera, intensificaram-se os rumores de possíveis tentativas de desacatos vários. O clima entre os Conselheiros era de grande nervosismo. O "grupo de Paris" não se misturava com os demais e as reuniões separadas que realizavam, pela noite dentro, punham todos os outros em sobressalto… Como para ir em frente bastava ao CCP a larguíssima maioria dos que, desde a primeira hora, espontaneamente, se manifestavam a seu favor, não era a sua existência que estava em causa, mas nem por isso nos empenhámos menos na construção de um coletivo em que não houvesse vencidos, e todos se sentissem irmanados no "rito de passagem" da letra da lei fundadora à existência do Conselho. Afirmamos posições sem equívocos. A Secretária do Conselho, Fernanda Agria, tomou a palavra na sessão inaugural para confirmar a nossa intenção de anuir à reformulação do articulado jurídico por vontade dos eleitos, dizendo: O próprio diploma criador do Conselho está, de certa maneira, a ser testado na realidade da prática. A mesma esperança animava as palavras iniciais da minha brevíssima alocução de boas-vindas:. Estamos a participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no conjunto das instituições nacionais. Mais adiante, caracterizava o CCP como "instituição mediadora entre a sociedade civil e o Estado": acrescentando: Não temos, infelizmente, em Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições. O CCP, no seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a limitá-lo. Não era simples retórica: fora feito, numa Secção própria, convite à revisão da lei fundadora do Conselho e ao debate de soluções alternativas, sem peias nem tabus. A legitimidade da representação pela via do associativismo, opção estratégica da nova instituição (que não seria posta em causa, embora alguns a quisessem, já então, complementar com eleições fora desse círculo), era justificada pelo facto de as associações serem "a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro". E exprimia genuíno reconhecimento do seu papel insubstituível, em palavras incisivas: Permitam-me que recorde aqui muito em especial essas associações a que o Estado e a sociedade portuguesa tanto devem e que, sobretudo do Estado, tão pouco têm recebido. Finda a cerimónia inaugural, o programa previa uma breve apresentação dos diversos departamentos da Administração Pública, suas funções e disponibilidade de apoio às seis Secções do CCP, que iriam reunir de seguida. Os membros do Governo, retiraram-se, substituídos na Mesa por funcionários públicos, sob a presidência da Secretária Fernanda Agria. Quando esta se preparava para dar sequência à ordem do dia, ouviu-se o primeiro protesto. "O Diário" de 7 de abril relata o incidente para a posteridade nestes termos: Mal a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou: "Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural?" Fernanda Agria comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às 11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos departamentos. Com o subtítulo "Protesto", o Diário continua a reportagem, escrevendo: O representante da CCP de França disse estar ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos funcionários. Segue-se uma entrevista a este delegado, completada com a informação sobre a intervenção do delegado da CGTP-IN. Nesta narrativa dá-se a entender que saí expressamente para evitar ouvir os "Delegados", embora, de facto, me tenha ausentado porque estavam previstas informações técnicas dos funcionários… Na parte final do artigo, há breves citações de outros Conselheiros da emigração transoceânica, dissonantes das posições do orador de França. Só um vê citado o seu nome: Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os emigrantes e disse que considerava o decreto-lei que instituía o Conselho como uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado". Ficamos sem saber quem foi o delegado do Ontário, Canadá, que a mesma fonte jornalística comentava, em termos fortemente críticos, por se afastar das teses dos representantes dos emigrantes europeus e da CGTP-IN. Indignação assim manifestada: Esta intervenção, mais própria de um representante governamental, causou a estranheza e os protestos dos visados”. São transcrições muito elucidativas do ambiente em que decorreram os debates no "dia 1" do CCP e também da ideologia subjacente às intervenções do núcleo de contestatários e da “Intersindical” (a “luta de classes”, os “traidores de classe”) - nessa convicção, a parte muito politizada das delegações da Europa afrontava comunidades transoceânicas, mais preocupadas em resolver questões do interesse da emigração do que em marcar posições partidárias, aliás divergentes daqueles colegas e, naturalmente, mais próximas do Governo reformista da AD . Os títulos da imprensa, a 7 de abril são, naturalmente, tudo menos consonantes entre si, e alguns refletem o seu (legítimo) alinhamento partidário: O Diário (comunista): "Tudo preparado para sermos figurantes" Portugal Hoje (socialista): "Trabalhos abrem com polémica" Diário de Lisboa (tendência socialista/comunista): "Emigrantes exigem um papel ativo e recusam o lugar de "figurantes" Nos "media" menos hostis à AD, o tom é de neutralidade, a indiciar que o Governo não tratara de fazer campanha de esclarecimento junto deles. Na verdade, não me recordo de que tenha havido uma conferência de imprensa, a destacar a enorme importância democrática da iniciativa. JN: "Houve pouca abertura de alguns setores" - lamenta Manuela Aguiar. (crítica que não se refere à vida interna do Conselho, mas sim à falta de consenso parlamentar para o aumento da representação política dos emigrantes). A Tribuna: "Conselho das Comunidades teve ontem início" Correio da Manhã: "Conselho das Comunidades reuniu pela primeira vez" Comércio do Porto; "Conselho reunido até 6ª feira, Congresso das Comunidades já em fase de preparação" A Tarde: "Conselho das Comunidades reuniu esta manhã" (6 de abril) As seis Secções – um espaço comum de diálogo A lei era omissa quanto ao modo de funcionamento do Conselho na sua Reunião Mundial, e a organização adotou o modelo francês: reuniões por Secções (seis - Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção, Comunicação Social, Revisão do DL 373/80 e Secção Especial, com temas livres), alternando com os Plenários. À semelhança do que acontece na Assembleia da República, o Plenário foi palco do confronto de posições contrastantes, ao menos no início, e as Secções, que decorriam à porta fechada, como é de regra nas Comissões Parlamentares, converteram-se no espaço privilegiado de colaboração e de entendimento, nem sempre fácil, mas sempre alcançado. A prová-lo ficaram 102 recomendações votadas consensualmente! O mérito deve ser, em primeira linha, atribuído aos eleitos do CCP, que, com total autonomia, entre trocaram ideias, formularam propostas e firmaram acordos. Mas é justo reconhecer - e os Conselheiros foram os primeiros a fazê-lo - que os moderadores das Secções e a assessoria - funcionários oriundos dos diversos departamentos da Administração Pública - lhes deram excelente colaboração. Eles e elas. Na verdade, alguns nomes femininos figuram na crónica do 1º CCP, apesar da total ausência de mulheres entre os membros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os parlamentares, os representantes das Regiões Autónomas e os delegados dos parceiros sociais, (nomeados por indicação das respetivas corporações). A presidência do CCP coube a uma mulher, por inerência, na sua qualidade de membro do Governo. (o que, note-se, nunca acontecera no “Conseil” francês). E, para além dessa, a presença feminina no CCP limitou-se a funcionárias nomeadas pelo Governo: a Secretária do CCP, Fernanda Agria, e as especialistas que exercerem funções de moderação e assessoria nas Secções. Foram moderadoras: Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural) e Rita Gomes (Secção Regresso e Reinserção). E assessoras: Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial): Maria Helena Lúcio (Segurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e Educação). Para além dessa tentativa de compensar, ainda que “a latere”, a gritante discriminação de género, podemos perguntar qual foi a parte do Governo na algo inesperada harmonização de posições alcançada na 1ª Reunião Mundial do Conselho. A meu ver - e eu sei que este é um "juízo em causa própria", por maior que seja a preocupação de olhar com objetividade o distante passado - terei agido, em nome do Governo, com discreta prudência. Coloquei-me de lado, deixando os conselheiros no centro do palco, a debater na procura dos acordos possíveis, e aceitei todas as propostas livremente votadas, mesmo as mais "subversivas" da lógica de um organismo consultivo do Governo - caso da presidência do Órgão por um Conselheiro eleito entre os seus pares. E, assim, o CCP se converteu em laboratório criativo de novas soluções, em reestruturações internas forjadas por largos consensos. Numa democracia que procurava enraizar-se, no quotidiano, contra uma longa tradição de autoritarismo, esta metodologia escandalizou não poucos políticos... Mas quem acompanhou de perto este processo, qualquer que fosse o seu quadrante político, não pode deixar de reconhecer as virtudes, que tornaram possível, por um lado, a convivência de contrários, em migrações de natureza tão diversa, entre homens com formação e fortuna tão díspares e, por outro, a aventura de combinar pura utopia com o mais acabado pragmatismo. O trabalho de grupo nas Secções, e muito em especial, na Secção onde se discutiu a revisão do diploma foi moldando a identidade do Conselho, não tanto pela via de reformas jurídicas, como pela inteligente interpretação e aproveitamento do normativo vigente, pela “praxis”. Tudo começou na “Recomendação 99”, autêntica declaração “constituinte” do CCP, elaborada nessa Secção especializada, que foi a única em que participei, formalmente, uma vez, apenas para dar resposta (positiva) às principais reivindicações aí formuladas. Nas demais, limitei-me a seguir os debates, agradavelmente surpreendida com o bom ambiente que testemunhava. Não guardo lembranças precisas dos debates, da argumentação de cada um, da atmosfera, sim, fervilhante de ideias e de discussões, com uma constante movimentação das pessoas, que se inscreviam em secções a decorrer em simultâneo. Entravam e saíam pelas portas abertas, apressada e impacientemente. Pareciam querer recuperar o tempo perdido, tempo do silêncio, com uma torrente de propostas. Havia os que chegavam, pediam a palavra, ditavam para a ata uma recomendação e partiam para a sala do lado, onde usariam o mesmo método de “intervenção rápida”. Algumas das Recomendações eram de caráter tão genérico – “melhorar a qualidade do ensino”, “implementar um regime de pensões para emigrantes” … - que, assim, sem explicitação de medidas, iam diretamente para o capítulo das recomendações meramente programáticas. Não era o caso dos que podemos considerar "residentes" de cada Secção, que estavam ali a tempo inteiro e traziam o caderno de reivindicações bem preparado. Assisti a um episódio que, a meu ver, assinalou o princípio da transformação do clima em que decorria o Conselho. Foi uma simples troca de palavras entre portugueses de França e um da Venezuela. Os de França reclamavam a exclusividade do estatuto de "emigrante", para eles, sinónimo da condição de operários, que só existiria no continente europeu. No resto do mundo, todos eram considerados patrões e ricos, não tinham lugar num Conselho de Emigrantes. Da Venezuela, respondeu-lhes um empresário "de sucesso", (como se diria, anos depois, durante o “Cavaquismo”), com a sua própria história de luta contra pobreza. Angelino Apolinário era o seu nome. Contava-se entre os afortunados, mas falou longamente dos que, dentro da sua comunidade, não haviam tido a mesma sorte, em país onde não havia serviços públicos de saúde, reformas para os mais velhos, Estado social. Uma emocionada narrativa, que teve o condão de abalar estereótipos, de mostrar a realidade plural da emigração portuguesa, de país para país, ou até dentro de uma mesma geografia. Pouco a pouco, o Conselho tornava-se um mais ecuménico, com a aceitação da infinita pluralidade de situações. Estava ali, presente e atuante, um autêntico escol de dirigentes, com enorme experiência e determinação, a redesenhar as linhas de um projeto mobilizador. Os padres católicos António Pires, do Canadá, José Alves Cachadinha, dos EUA, José Manuel Ribeiro da Venezuela, José Salgueiro da Inglaterra, Francisco Sardo da Austrália tiveram um papel crucial em momentos chave. Também do lado dos mais contestatários havia um padre, não menos influente, Filipe Rios, de Paris. Lamentavelmente, já não consigo reproduzir os pormenores das suas intervenções, que, na altura, relatei ao Ministro Gonçalves Pereira, ao fazer o balanço da Reunião, mas a sua relevância adivinha-se pelo comentário ministerial: "Já percebi... Quem salvou o Conselho foram as hostes do Cardeal Medeiros!". (referência ao nosso mítico Cardeal de Boston…). As hostes cristãs não foram, contudo, a única força pacificadora. De facto, o coletivo (inteiramente laico) do Brasil, usou sempre no sentido da concórdia o trunfo de ser a maior delegação, acompanhados por muitos outros Conselheiros de todos os continentes. Por fim, votado o lote das recomendações, incluindo a 99, foi encerrado, em paz, o último Plenário, e seguiu-se um festivo jantar de despedida. Nas fotos que conservo, vejo-me numa mesa rodeada pelo Dr. Ribeirinho, de França, e pelo Dr. Gomes da Costa, do Brasil, os líderes das duas maiores delegações. Na mesma mesa estavam os representantes dos Açores e da Madeira, Duarte Mendes e Virgílio Teixeira, presenças constantes dos trabalhos. Todos nos sentíamos em boa companhia e trocávamos aquele tipo de conversa leve e alegre que não faz história, mas faz amigos. O simples facto de estar entre um Conselheiro do Brasil e outro de França, numa descontraída troca de impressões, me pareceu uma utopia tornada real. O Dr. Francisco Ribeirinho, que fora o mais duro dos opositores, era um jovem simpático e comunicativo. E o Dr. Gomes da Costa possuía, noutro campo ideológico, as mesmas qualidades. Muitos mais mereceriam igual destaque, mas só mencionarei um pela especificidade da sua participação - Luís Panasco Caetano, do Uruguai. Este país não tinha, de início, representação formal no Conselho - não atingia o número mínimo de concidadãos exigidos, apesar da sua comunidade bem organizada em torno de instituições centenárias (que mais tarde se haviam de unir num único e dinâmico centro cultural, a “Casa de Portugal”). Luís Caetano, um dedicado voluntário da nossa Comunidade, ofereceu-se para estar presente, como observador, custeando as despesas. Terá sido, desde então, o “construtor” do Conselho que mais anos trabalhou dentro da instituição, nas suas diversas fases, sempre de uma forma inteligentemente conciliadora. Olhar o futuro A sessão de encerramento foi, portanto, o oposto da inaugural: amistosa e cordata, não obstante o “palco” ser o mesmo, um cenário dourado e luminoso. Respirava-se a certeza de que o Conselho, no seu início de vida, com uns dias apenas, já era um coletivo, animado pela vontade comum de existir. Da Mesa em que estavam presentes o Provedor de Justiça, vários membros do Governo e os Deputados da Emigração, usaram livremente da palavra os representantes de cada grande Região, depois dos moderadores das Secções terem apresentado uma síntese do conjunto de Recomendações aprovadas. Por fim, foi a minha vez de agradecer e dirigir aos participantes uma curta saudação – lida para ser mais sintética e precisa: "Direi apenas algumas palavras muito breves, porque penso que é a voz do próprio Conselho das Comunidades, tal como se exprime, livre e autêntica, nas suas Conclusões e recomendações que deve destacar-se neste encerramento da primeira reunião de trabalho. Não posso, todavia, deixar de exprimir, aqui e agora, o regozijo de que, estou certa, todos compartilhamos. Regozijo-me pelo modo entusiástico, mas prático e realista, como decorreram as sessões: regozijo ainda pelo entendimento manifestado entre todos os participantes, vindos de tão diversas regiões do mundo e de sociedades tão diferentes nos seus valores e estilos de vida: regozijo, sobretudo, pela capacidade de diálogo demonstrado a que não faltou até a achega extremamente crítica dos que veem sempre, em tudo o que seja proposta ou iniciativa dos Governos, um intuito prejudicial para os governados. É uma posição muito portuguesa e, aliás, não deixa de ser salutar uma certa desconfiança da sociedade civil para com o Estado, mesmo quando é injustificada". Esta opinião pessoal, frontalmente expressa, sobre o ceticismo comum com que são encarados os políticos, causou algum mal-estar entre os que se terão sentido diretamente visados. Nada que pudesse reabrir hostilidades… Tudo o mais - as referências à razão da estrutura tripartida do CCP, sem prejuízo da natureza representativa exclusiva dos eleitos, à centralidade do movimento associativo, ao papel do CCP no universo da emigração - foram declarações aplaudidas. E, para que não restassem dúvidas sobre compromissos assumidos em sede de Secção de Revisão da Lei, disse, alto e bom som: "Permitam-me lembrar que eu própria exprimira já a ideia de que o CCP fosse constituído exclusivamente por membros eleitos, apoiados por um secretariado permanente. Encontro-me, pois, inteiramente à vontade para vos assegurar que, da parte do Governo, não haverá obstáculo a uma reestruturação do Conselho tendente a assegurar-lhe, como haveis indicado nas vossas conclusões, maior independência, autenticidade e representatividade, bem como maior operacionalidade e participação e intervenção no estudo e acompanhamento dos problemas que mais diretamente lhe tocam". Compromisso publicamente reassumido após obtida a adesão do Ministro - ou, pelo menos, a sua não oposição a uma tese que, à partida, não perfilhava. Em jeito de despedida, terminei formulando o desejo de que a Reunião finda, apesar da sua importância, não fosse mais do que o marco inicial de uma longa vida. 40 anos depois, está esse desejo satisfeito! Recapitulando… as Reuniões de Secção Secção para a Revisão do Decreto-Lei nº 373/80 Na manhã de 7 de abril de 1981 participaram na 1ª sessão a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas e os Conselheiros: Luís Viriato Caetano Panasco (Uruguai): José Sousa Correia (Venezuela): Dr. Francisco Ribeirinho (França); Dr. A Gomes da Costa (Brasil); Luís Peres Ferreira (Bélgica); Padre José Salgueiro (Inglaterra); António Mota Ribeiro (França); Álvaro Nascimento Chaves (Zaire): Dr. José C Sousa Correia; (Venezuela); Germano Augusto Tomé (Brasil); Padre António Pires (Canadá); Padre José Alves Cachadinha (EUA); Arlindo Vieira (Canadá); Padre Filipe Rios (França); Manuel Romão dos Santos (Brasil); Dr. Luís Leal (África do Sul); Armando Antunes (Argentina). Foi moderador o Dr. Eduardo Costa, assessorado pelo Dr. José Guerreiro Na chamada Secção "política", estavam os "ideólogos", quase todos juristas - caso dos Padres Doutores José Alves Cachadinha e António Pires, e dos advogados Francisco Ribeirinho e António Gomes da Costa. Entre os mais participativos, destacam-se o Dr. Ribeirinho, com 16 intervenções, o Dr. Gomes da Costa, com 10, o Dr. Luís Leal, um professor universitário na África do Sul, com 9, e o Padre Dr. Alves Cachadinha, com 7. Para além dos Conselheiros, apenas se registam várias intervenções de Orlando Laranjeiro (CGTP/Intersindical), na 1ª, 2ª, 4ª e 5ª sessões, uma intervenção do Deputado Nandim de Carvalho (mais um ilustre advogado) na 3ª sessão, e um esclarecimento prestado por Virgílio Teixeira (Diretor do Centro das Comunidades Madeirenses). A 6ª e última sessão foi realizada na noite de 9 de abril, entre as 22.30 e as 23.45 para aprovação das conclusões. Foi lido pelo moderador o projeto de recomendações, que resultava dos debates, e procedeu-se à sua votação. As 14 recomendações, que vinham propostas, foram aprovadas por unanimidade e englobadas num só texto - a Recomendação 99. No final dos trabalhos, o mais interveniente dos Conselheiros, Francisco Ribeirinho (França) pediu a palavra para felicitar o moderador Eduardo Costa, e os assessores José Guerreiro e Gouveia Homem, pelo seu trabalho. O elogio ficou lavrado em ata. Secção de Comunicação Social Os meios de Comunicação Social estavam presentes no Conselho com um estatuto especial de "observadores". Não eram eleitos pelas Comissões de País, mas traziam, tal como os demais Conselheiros, a debate as preocupações sentidas no seu domínio. Não sendo os “media”, na maior parte das comunidades, muito numerosos, tinham assento no Conselho, em princípio, pela via de um esquema rotativo - rádios, jornais, programas televisivos. Se houvesse apenas imprensa escrita, a rotação envolvia os jornais. O mesmo se diga de programas de rádio, ou de televisão. Esperava-se um processo complicado de gerir, por falta de entendimento entre concorrentes, mas, na verdade, até onde a minha memória chega, não tive eco de particulares disputas entre eles. Esta foi uma das áreas em que a letra da lei não deixava adivinhar a interpretação que viria a impor-se. Na prática, eram Conselheiros, como os outros, embora dispusessem, nas Reuniões Mundiais, da sua própria Secção, que, a partir de certa altura, passou a ser formalmente uma Comissão Permanente. Na 1ª reunião, 13 membros estiveram presentes: Duarte Barbosa (África do Sul); Fernando Cruz Gomes (Canadá); Ângelo Viegas (Brasil); Paulino Lopes (Argentina); José Coutinho da Silva (França); António Andrade e Moura (Brasil); Dr. Joaquim Matos Pinheiro (Brasil); João Pereira da Silva (Brasil); José Castanho (Venezuela); Dr. Fernando Silva (EUA); Jaime Margarido (África do Sul); Engª Lourenço Aguiar (EUA); Joaquim Pinheiro (EUA). Foi moderador dos trabalhos um diplomata, o Dr. Gonçalves Pedro, e assessor um jornalista, o Dr. Oliveira e Castro. Uma das principais recomendações aprovadas foi a organização de um Encontro Mundial dos Meios de Comunicação Social, que veio a ser realizado pelo Governo seguinte. O Secretário de Estado José Vitorino, que suspenderia todas as atividades internacionais do CCP, abriu uma exceção para o pioneiro Encontro de jornalistas, efetuado nos Açores, em 1982, nos precisos termos em que fora recomendado. Secção de Educação e Ensino Na 1ª sessão, a 7 de abril, a moderadora, Profª Maria Beatriz Rocha Trindade, para melhor programação dos trabalhos futuros, promoveu uma primeira audição dos Delegados de cada uma das comunidades ali representadas (França, África do Sul, Luxemburgo, Venezuela, Canadá, Argentina, Brasil, Espanha e Austrália), para fazerem um levantamento dos seus principais problemas concretos. A 2ª sessão, a 8 de abril, foi moderada pelo Prof. Adriano Vasco Rodrigues, com assessoria da Drª Maria Manuela Machado da Silva e a participação dos seguintes Conselheiros: Manuel Dias (França); Luís Leal (África do Sul); Carlos Bernardino (Espanha); Mário Bento (Venezuela); Rui Santos (Brasil); Fernando Rodrigues (Espanha); Padre Artur Sardo (Austrália); Padre António Pires (Canadá); Carlos Carvalho (Brasil);Paulino Lopes (Argentina); Padre José Cachadinha (EUA); Belmiro Ramos (França); Luís Caetano Panasco (Uruguai). Na 3ª sessão, a 9 de abril, a moderação coube ao Dr. José Blanco. Uma das conclusões, que uniu os Conselheiros, foi a constatação da necessidade de "uma remodelação das estruturas que, em Portugal, têm por função ocupar-se dos problemas gerais da emigração. Dada a multiplicação de organismo existentes neste domínio, haveria que criar "mecanismos indispensáveis à coordenação das ações a empreender, deste setor.". Os Conselheiros puseram, assim, a nu um dos maiores problemas da burocracia nacional, que é a sua desarticulação, a reclamar urgência numa profunda reforma administrativa (“desígnio nacional” que se vai anunciando, ciclicamente, mas que ainda não aconteceu…). Secção de Segurança Social O moderador, António Neves Pernão, Diretor do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, propôs, com a concordância geral, a ordem de trabalhos, convidando os participantes a procederem à sua apresentação, após o que ele e o especialistas que o ladeavam forneceram informações sobre as estruturas e funcionamento da Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes (CCTM), conteúdo de acordos e convenções internacionais em vigor, e articulação com os serviços da SEECP nestes domínios. Nos pontos seguintes, passaram à apresentação de comunicações, sua análise e discussão e, finalmente, à redação das recomendações e sua votação. As propostas aprovadas refletem a diversidade das situações e das prioridades nos diferentes países. A falta de informação sobre direitos a prestações, (que se perdem, aos milhares, para os beneficiários) e a necessidade de a divulgar através dos consulados foram questões particularmente destacadas. Assessoraram os trabalhos a Dr.ª Helena Lúcio (CCTM), o Dr. Alberto Quirino (idem) e o Dr. Carlos Correia (IAECP). Estiveram presentes na qualidade de observadores, o Diretor Regional da Segurança Rui Adriano de Freitas e Dr.ª Natércia Grade, da Consultadoria de Emigrantes Ministério do Trabalho, em Aveiro. Regresso e Reinserção O Dr. Cassola Ribeiro, antigo Diretor-Geral da Emigração e a Dr.ª Rita Gomes, Diretora de Serviço do IAECP, moderaram as três sessões sobre estas temáticas, assessorados pelo Dr. Bento Coelho. Dos Serviços de Emprego da Direção Regional do Norte esteve presente o Dr. José de Brito Participantes: Afonso Ferreira (S Tomé e Príncipe); António Garcia (França); Carlos Bernardino (Luxemburgo); Gaspar Silva Cardoso (África do Sul): Joaquim Marques dos Reis (Brasil): José Bernardino (França); Padre Filipe Rios (França); Carlos Vicente (RFA); Manuel Dias (França); Sebastião Tavares da Silva (EUA) Nesta Secção a maioria dos conselheiros representava países europeus, como seria de esperar, visto que daí que provinha o mais importante caudal migrações de regresso, então no apogeu. Foi dada a maior ênfase à necessidade da informação sobre as condições reais de reinserção nas terras de origem. Essa era uma das prioridades do Governo, que queria apoiar, com medidas adequadas, a opção individual ou familiar, fosse ela a de retorno ou a de inserção definitiva nas comunidades do estrangeiro. Alojamento, lei do inquilinato, questões de fiscalidade, serviços de saúde, problemas específicos das segundas gerações foram, nesta perspetiva, trazidos ao debate. A discussão estendeu-se, ainda, a particularidades de algumas das comunidades, num ambiente marcado por uma sintonia de posições assinalável. A Secção Especial Esta Secção tratou os mais diversos temas – desde os custos e deficiências transportes aéreos e ferroviários, que foram objeto de várias recomendações de caráter urgente, a questões como a integração europeia, o funcionamento dos consulados, o aprofundamento do estatuto de direitos políticos de emigrantes, a alteração da Lei da Nacionalidade, os apoios ao associativismo, a reunificação familiar. Participantes: Padre António Pires (Canadá), Álvaro Chaves (Zaire); Arlindo Vieira (Canadá), Carlos Duarte (França); Francisco Ribeirinho (França); Jaime Margarido (África do Sul): Germano Tomé (Brasil); José Bernardino (França); Luís Caetano Panasco (Uruguai); Mário Bento (Venezuela); Santos Gomes (África do Sul) Duas professoras universitárias introduziram temas a debate: Isabel Jalles, jurista, especialista em Direito Europeu, (Adesão de Portugal à CEE) e Maria Beatriz Rocha Trindade, pioneira da Sociologia das Migrações (Identidade cultural das segundas gerações). As três sessões realizaram-se a 8 de abril (14.30-17.00) e a 9 de abril (9.30. 12.30 e 14.30-17.00). O acompanhamento das Recomendações 102 Recomendações foram aprovadas consensualmente no último Plenário. Estão publicadas apenas as sínteses, que foram, de imediato, enviadas aos departamentos a que se dirigiam e objeto de reuniões para calendarizar os passos do cumprimento de todas as que fossem consideradas viáveis. Participei em algumas reuniões bilaterais com colegas de Governos, mas a maioria das que se foram realizando decorreu a nível de Diretores-Gerais, conduzidas pelo Secretário do Conselho, que, após a saída, a seu pedido, de Fernanda Agria, era Garcez Palha. Findas estas diligências, ele elaborou um relatório, contendo os compromissos assumidos pela Administração Pública, com indicação de datas limites de resolução, sempre que foi possível estabelecê-las. O Relatório foi objeto de divulgação junto dos conselheiros e publicado – constituindo, naturalmente, um eficaz instrumento de pressão sobre quem assumira os compromissos. Garcez Palha, enquanto Secretário do CCP, usou o estatuto de independência mais do que qualquer outro dos seus sucessores. Era, é certo, um estatuto que assentava na aquiescência do membro do Governo que presidia ao Órgão. O mesmo se pode dizer, em boa verdade, da autonomia do CCP – a história mostra como esteve dependente da visão das coisas do ocupante da SEECP… Logo em 1981, o meu sucessor discordou do “excesso de transparência” da metodologia, vista como intrusiva do sigilo indispensável ao processo de decisão da Administração Pública, e proibiu a divulgação pública do Relatório. E não só…. Suspendeu, também, as Reuniões Mundiais até ao fim do seu mandato. O Conselho manteve apenas o funcionamento a nível local - vantagens de ser um órgão interassociativo… A Recomendação 99 A “Secção para a Revisão do DL 373/80” cumpriu exemplarmente a sua complexa e decisiva tarefa de reconfigurar o Conselho à medida das aspirações dos eleitos, introduzindo alterações significativas no Decreto-Lei. No fim, optaram, como vimos, por acoplar as inovações introduzidas no articulado, numa espécie de Anteprojeto de Lei, em que foram plasmadas as disposições constantes do Decreto-Lei nº 373/80 não contrárias à Recomendação. Entre as principais modificações contam-se as seguintes: Composição do órgão apenas por membros eleitos; Escolha do presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal (18) Nomeação do Secretário-Geral pelos conselheiros eleitos, continuando a ser apoiado pelos serviços da SEECP. Eleição do CCP no círculo das associações, com a possibilidade de ser complementada pelo sufrágio direto de candidatos fora das associações. As traves mestras do DL 373/80, submetidas ao exame crítico dos conselheiros, não foram postas em causa, nomeadamente as duas finalidades principais: “a salvaguarda da identidade da cultura lusíada no mundo” e “a promoção do movimento associativo, com respeito pela sua liberdade estatutária e identidade própria”. As atas As atas das Secções são muito sintéticas, dando-nos, apenas, a listagem dos intervenientes e o sentido geral das suas tomadas de posição. Não se antecipou, então, a possibilidade de toda a documentação, contendo a integralidade dos textos das comunicações apresentadas por escrito e das recomendações, vir a ser perdida. Receio que isso possa ter acontecido. Para isso terão contribuído várias mudanças de instalações, ao longo de quatro décadas e, também o descaso, quando não o antagonismo, de que o Conselho foi alvo entre 1988 e 1995. As sínteses das Recomendações dos primeiros seis anos do Conselho estão salvaguardadas numa publicação da SECP de 1986. E vários jornais deram grande cobertura às Reuniões Mundiais, desenvolvendo mais e melhor do que as atas, as matérias nelas tratadas. É o caso de “O Emigrante” (hoje “Mundo Português”). Num quadro de mal disfarçado desinteresse na preservação e tratamento da documentação do CCP, por parte de Governos (que retiraram aos serviços meios e funcionalidades, com o abandono do Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas e do Centro de Estudos, em fins da década de oitenta, seguida, no início da década de noventa, pela extinção do Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas), é de salientar e louvar o facto de haver, atualmente, um grande interesse de recuperação de todos os dados que constituem a "memória" do Conselho, pelos seus atuais membros. Aos Conselheiros se deve, igualmente, a iniciativa de promover as comemorações do 40º aniversário do diploma que instituiu o CCP, e da sua primeira Reunião Mundial. Esta é uma grata constatação, para quem, como eu, sempre teve a preferência por um “Conselho civilista", na expressão do Prof Adriano Moreira. Os representantes eleitos pelas Comunidades na 1ª Reunião Mundial do CCP AFRICA Afonso Henriques Ferreira (S TOMÉ E PRÍNCIPE), Álvaro do Nascimento Chaves (ZAIRE), Comendador Álvaro, de Campo Amorim, C D Barbosa, Comendador José Bernardo, Gaspar da Silva Cardoso, Comendador Santos Gomes, Dr. Luís Leal, Jaime Margarido, Filipe Marques, Jorge de Sousa (RAS) António Cláudio, José Mendes (RFA) Armando Antunes, Paulino Lopes (ARGENTINA) Padre Artur Sardo (AUSTRÁLIA) Luís Peres Ferreira (BÉLGICA) Dr. Amadeu Pinto da Rocha, Ângelo Viegas, António de Andrade e Moura, Dr. António Gomes da Costa, Carlos Carvalho, Germano Augusto Tomé, Comendador Henrique Dias Ferreira, Dr. Joaquim de Matos Pinheiro. Joaquim Marques dos Reis, João Pereira da Silva, Júlio Portugal Nave Bizarro, Dr. Manuel António Mónica, Manuel Romão dos Santos, Paulino Romeira de Sá Ferreira, Rui Lopes dos Santos (BRASIL) Alexandre da Silva, Padre António Pires, Arlindo Frazão Vieira, Fernando Cruz Gomes (CANADÁ) Fernando Veloso Rodrigues (ESPANHA) Dr. Fernando da Silva, Padre José Alves Cachadinha, Eng.º Lourenço Aguiar, Sebastião Tavares da Silva, Eng.º Victor Cardoso (EUA) António Manuel Garcia, António Mota Ribeiro, Belmiro Ramos, Carlos Duarte de Morais, Dr. Francisco Ribeirinho, João Paulo da Fonseca, José Bernardino, José Coutinho da Silva, Padre Luís Filipe Rios, Manuel da Silva Fernandes, Manuel Vaz Dias (FRANÇA) Padre José Salgueiro da Costa (INGLATERRA) Carlos Moura Bernardino (LUXEMBURGO) J Carlos de Sousa Correia, Dr. Mário Gonçalves Bento, José Costa Castanho (VENEZUELA) Luís Viriato Caetano Panasco, observador (URUGUAI) 1982 - O impasse Os avanços, retrocessos, controvérsias que assinalaram a trajetória do CCP, ao longo deste primeiro ciclo de cerca de sete anos, culminaram na sua paralisação, a partir de 1988. Havia já antecedentes; durante o VIII Governo Constitucional (o 3º do Governo da AD, cujo mandato terminou, com o fim da coligação, em meados de 1983), o Secretário de Estado não convocara a Reunião Mundial. Pinho Neno, na sua publicação sobre o percurso do CCP, dá conta da argumentação invocada: "Já que, à partida, foi intenção do governo propor ao Conselho das Comunidades Portuguesas a avaliação do diploma (intenção que é manifesta em face da constituição de uma secção específica para esse efeito, a qual, como se previa, foi a mais participada); já porque a experiência colhida da sua primeira reunião não foi de molde a satisfazer os seus intervenientes, desde logo surgiram algumas críticas à sua constituição e funcionamento". Sobre a decisão reformista do Secretário de Estado escreve: "Foi elaborado no gabinete do Secretário de Estado da Emigração e distribuído em Maio de 1982, para ser presente a Conselho de Ministros o projeto que a seguir se transcreve"[…]. Na Nota Justificativa afirmava-se que a revisão "resulta de uma recomendação da primeira reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas”, e salienta-se que “os objetivos do Conselho não eram atingidos com o atual normativo". Contudo, o teor do diploma apresentado não consagrava nenhuma das principais reivindicações da Recomendação 99. Visaria, sobretudo, criar a aparência de descontinuidade do Órgão, alterando a sua designação para "Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas" (art.º 1). Nos artigos 2º e 3º mantinha a presidência no Ministro dos Negócios Estrangeiros e a composição do Conselho. Particularmente desajustada à lógica de representatividade do Conselho era a definição de uma via paralela de acesso das missões religiosas, que, nos termos do art.º 7, passavam a ter representantes designados pela "competente estrutura da Igreja". O projeto foi, na Presidência do Conselho de Ministros, "objeto de duras críticas" (op. cit. pag. 56). A iniciativa foi criticada por ir pouco além da mudança de denominação, considerando-se que a revisão deveria limitar-se a alterações pontuais, indispensáveis face à experiência colhida e às recomendações obtidas na sequência da primeira reunião do Conselho. Consequência: não houve revisão da Lei, nem a Lei em vigor foi cumprida… O Dr. Garcez Palha foi substituído no cargo de Secretário do Conselho, o que levantou protestos imediatos, a começar pelo Conselho da Comunidade Portuguesa de França, que enviou a Lisboa um membro do seu Secretariado, José Bernardino, para contactos com o Governo e a Assembleia da República. Em declarações à Anop, disse ainda que tinha sido recebido, em Paris, pelo Secretário de Estado da Imigração, François Autain, que “reconheceu o Conselho como interlocutor válido do Governo francês para as questões respeitantes aos imigrantes portugueses” As estruturas locais puderam, como se vê por este exemplo, prosseguir livremente a sua atividade e relacionamento com autoridades nacionais e estrangeiras. Em alguns países, avançaram mesmo para patamares de inovação, nos seus aspetos organizativos – caso dos EUA, onde foi reforçada a articulação interassociativa e eleito para a presidência da nova estrutura o Dr. Alves Cachadinha. O relançamento do Conselho, no seu todo, foi obra do IX Governo Constitucional, um Executivo de coligação PS/PSD, chefiado por Mário Soares e tendo Mota Pinto como Primeiro Ministro. Fui convidada pelo Prof Mota Pinto a voltar à pasta das Comunidades Portuguesas, que mudara de nome (“Secretaria de Estado da Emigração”), mas não de políticas, e o CCP entrou num período de sedimentação, ao longo de quatro anos, repartido por dois Governos. A minha primeira prioridade era, obviamente a normalização do seu funcionamento, a nível global. (13) Estava a findar o mandato de dois anos dos Conselheiros eleitos em 1981, pelo que começámos por promover eleições. Pela primeira vez, duas mulheres tiveram assento na Reunião Mundial, ambas jornalistas, Maria Alice Ribeiro, de Toronto e Custódia Domingues, de Paris. A Reunião Mundial realizou-se na segunda quinzena de novembro, ultrapassando obstáculos, que foram, sobretudo, de natureza orçamental. Contei com o pleno apoio do Ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama, então e durante os dois anos de duração do Governo, em que não me recordo qualquer divergência de fundo com ele, nessa ou em outras matérias. Era um homem aberto a questões culturais e conhecedor das realidades da Diáspora. A 2º Reunião Mundial do CCP (Porto, Santa Maria da Feira, Aveiro, 21 a 25 de novembro de 1983) A sessão inaugural da 2ª Reunião teve lugar no Porto, no Palácio da Bolsa, com a presença do Ministro da Cultura, Coimbra Martins, dos representantes dos governos dos Açores e da Madeira, da Assembleia da República e da Provedoria de Justiça e da Câmara do Porto, o Eng.º Carlos Brito (mais tarde, Governador Civil e Ministro da Defesa). O enorme “salão árabe” estava completamente cheio – a sessão foi pública e decorreu em ambiente solene, mas cordial, sem confrontos, nem incidentes. Os Conselheiros escolheram um porta-voz para a Europa, o Conselheiro Couceiro da RFA e outro para as Comunidades transoceânicas, o Dr. António Araújo, eleito por Salvador da Bahia. O primeiro orador foi o Dr. Garcez Palha, Secretário do CCP, que divulgou o seu Relatório, cobrindo o período de dois anos, em que a instituição parecera ameaçada. De facto, ele servira de ponte entre todas as Comissões de País, como relatou na sua intervenção: “Julgo poder afirmar-se que o Conselho comporta duas facetas que, sem serem distintas, porque integradas, espelham diferentes realidades: uma a estrutura organizativa de cada Comunidade, através das suas associações e outras manifestações de caráter coletivo, nascidas espontaneamente para servirem os interesses dos portugueses emigrados. Aqui, porque o espírito que enformou a sua própria criação foi o reconhecimento e o estrito respeito da sua autonomia e das suas formas de expressão, o Conselho foi entendido e vivido de maneiras diversas, assumindo as Comissões de Comunidade uma atuação mais ou menos congregadora, e mais ou menos dinamizadora, consoante o grau de vitalidade e pujança do movimento associativo que lhe está na base. […]: Outra, as suas reuniões plenárias anuais, como concretização maior do País e do seu Governo com as Comunidades nelas representados, através de membros por elas escolhidos, por meio das suas associações. Entre estas duas realidades, situa-se o Secretariado, que é o elo de ligação destinado a estabelecer a articulação permanente, não só entre a Administração Pública portuguesa e as diferentes Comunidades representadas no Conselho, como também entre elas próprias” Dos outros oradores, o que recordo? Uma certa surpresa pelo inconformismo construtivo e pela eloquência do representante da Bahia, e. não menos, pela moderação do representante da Europa, Luiz Ventura Couceiro, que, num discurso bem estruturado, teceu críticas ao incumprimento da lei, pela não convocação do plenário mundial no ano anterior, e falta de resposta a muitas das recomendações de 1981, mas manifestou a vontade de cooperação e a satisfação pela retoma da marcha interrompida, que ali se iniciava. Segundo ele: “A realização da 2ª Reunião do Conselho é um acontecimento que consideramos de extrema importância. Só por si ela representa uma importante vitória dos emigrantes em geral e do seu órgão representativo, o CCP. Este órgão e os membros que o compõem tem demonstrado o seu empenho em torna-lo um órgão efetivamente representativo e porta voz das preocupações dos emigrantes na procura de uma justa política de emigração. Porém, somos obrigados a concluir que o poder central não tem correspondido ao esforço dos conselheiros nem ao entusiasmo inicial com que a ideia foi recebida. São factos que falam por si, não se ter avançado na aplicação das Recomendações, designadamente na alteração do Decreto-Lei que criou o Conselho, e até de não ter sido convocada a reunião do ano passado.” Podia fazer minhas estas palavras. Na verdade, como Deputada da Emigração verberara o Executivo anterior, que era responsável pelo referido incumprimento… No entretanto, já estava em funções novo Governo, que se apressara a convocar a Reunião e a fazer o ponto de situação das Recomendações – o que, ao longo dos trabalhos seria sistematicamente “esquecido” pelo grupo de Paris, para quem só relevava “o Governo”, em abstrato, e por definição, o inimigo… Terminou, contudo, numa nota positiva: “Pensamos ir ao encontro da opinião de muitos de vós ao afirmarmos solenemente o nosso propósito de trabalhar durantes estes dias, de não poupar esforços para fazer sair desta 2ª reunião do Conselho um conjunto de recomendações que visem a resolução dos múltiplos problemas que afetam as comunidades no mundo […] Já vai sendo tempo de nos levarem a sério, e os nossos propósitos são sérios. Os emigrantes não querem apenas ser vistos como fontes de divisas ou de votos, mas como cidadãos responsáveis que encarecem os seus problemas e as dificuldades do país de frente, com o desejo de ajudar a resolvê-los. O Dr. António Araújo, numa alocução mais concisa, brilhante e panglossiana, manifestou o interesse dos portugueses do Brasil nas políticas de valorização dos emigrantes. Manifestou ainda a sua grande satisfação por verificar que em Portugal o “Homo Politicus”, que estava adormecido havia despertado no sentido positivo afirmando: estamos aprendendo convosco e confiamos inteiramente nos resultados deste encontro entre emigrantes portugueses”. (in “O Emigrante”, 25 de novembro de 1983). Costa Neves, Secretário Regional dos Açores deu-nos, em linguagem simples e direta, uma perspetiva diacrónica das migrações açorianas, para o Brasil, os EUA, o Havai, as Bermudas, o Canadá: “um movimento quase constante e sempre para ocidente”. Falou da centralidade da emigração nas políticas da Região Autónoma, da sua importância identitária: “É, pois, facilmente explicável que quando em 1976 se dá o aparecimento dos órgãos de governo próprio da região, o que representa um passo decisivo para a afirmação de uma identidade, se tenha dado relevo àquele elemento que tão fortemente caraterizou e carateriza os Açores – a sua emigração. E nas ações programadas e levadas a efeito se tenham considerado as caraterísticas muito específicas desse fenómeno – normalmente de fixação definitiva e de reagrupamento familiar.[…]No essencial há uma forma de ser, de estar, daqueles que partem que é de preservar no país de destino e isso só acontecerá na medida em que conseguirmos dar a conhecer aquilo que pela comunidade de origem se passa, o que no nosso dia a dia para nós tem importância, e, simultaneamente, tivermos a preocupação de melhor conhecer o quotidianos daquele que emigra. Acima de tudo, estamos convencidos que a nossa identidade se mantém na medida em que soubermos preservar os nossos valores, a nossa cultura. Claro que temos tido dificuldades, que nem sempre somos totalmente sucedidos, mas ir-nos-emos aperfeiçoando e numa articulação que desejamos cada vez mais profícua com a Secretaria de Estado da Emigração, de cuja ação a nossa é subsidiária, estou certa de que seremos bem-sucedidos. […]. Estão asseguradas as condições para o amplo diálogo. […]. Mas, afinal, porque vos falo tanto dos Açores? Claro – por ser a realidade que melhor conheço. Mas, essencialmente, porque penso que a experiência que vos transmiti, as preocupações que manifestei, salvas algumas especificidades, têm, estou certo, muito de comum com as de todos vós – de todos nós, afinal. É a problemática do emigrante”. Coimbra Martins, que se seguiu no uso da palavra, era caso raro como Ministro da Cultura: desejava desenvolver as suas políticas, sem as limitar às fronteiras do país, valorizando a realidade cultural das comunidades do estrangeiro. Tinha vivido em Paris, e sido eleito Deputado pelo círculo da Europa, gostava das temáticas da emigração, embora, naturalmente, influenciado pela sua própria experiência restrita à França, ou, pelo menos, à Europa. Aceitou o meu convite e veio ao Porto saudar o Conselho, com um esplêndido improviso, do qual, infelizmente, não tenho apontamentos. Na minha breve intervenção, como Presidente do CCP, não deixei esquecidas as dificuldades do passado recente, o "hiato demasiado longo" no pleno exercício das competências da instituição, para salientar a sua capacidade de, durante essa fase, "manter uma vida própria em grau não despiciendo, manifestando, para além de quaisquer dúvidas ou equívocos. que é isto mesmo: uma verdadeira instituição". Olhando o futuro do CCP, reafirmei a esperança de que pudesse prosseguir a sua insubstituível "função mobilizadora, sendo plenamente aquilo que é: órgão consultivo do Governo, com caráter representativo, porta-voz das associações dos portugueses do estrangeiro”. Sobre a importância do mundo associativo, que era, através dos seus representantes no interior do CCP, parceiro na elaboração e execução de políticas públicas, reafirmei o seu reconhecimento como principal fator de agregação e dinamismo das comunidades, e o respeito pela sua autonomia. Curei de não fulanizar as culpas pela situação herdada, de não fazer considerações de índole partidária. Ali era a hora de destacar, preferentemente, os feitos do Conselho. Foram momentos inesquecíveis, as que passámos no ambiente feérico do salão árabe, onde, no Porto, gostámos de receber os convidados especiais. Por isso, anos mais tarde, aí se realizou a III Conferência de Ministros do Conselho da Europa responsáveis pelas Migrações, a que presidi, tendo tido, naturalmente, o privilégio de escolher a cidade anfitriã. (14) Finda a sessão, esperavam-nos os autocarros em que rumamos a Santa Maria da Feira, onde iríamos, durante essa semana, ocupar as instalações do INATEL. Aí ficaram alojados os participantes e decorreram as reuniões Plenárias e as de Secções. (era inverno, aproveitávamos os preços da estação baixa - o que em ano de penúria orçamental não era de somenos). A ligação aos trabalhos da 1ª Reunião foi facilitada pela apresentação do Relatório do Secretário do Conselho. As reivindicações ainda não satisfeitas seriam, quase todas, reiteradas na Feira, e muitas outras aprovadas, com destaque para a Recomendação que veio reestruturar a orgânica do CCP, com a criação de quatro Conselhos Regionais - África, América do Norte, América do Sul e Europa) -, a convocar em momentos sucessivos, nos diferentes espaços geográficos, de forma a constituir uma Reunião Mundial parcelada. A proposta de "regionalização" do CCP viria a ser consagrada no Decreto-Lei nº 367 /84 de 25 de novembro, que modificou o Decreto-Lei nº 373/80, determinado que a Reunião Mundial se realizasse no País, por Secções, e nas Comunidades do estrangeiro, por Regiões, em anos alternados. Na proposta dos membros eleitos, que o legislador fez seu, tornava-se equivalente a consulta anual, com análise e debate dos temas em Plenários e Secções especializadas, envolvendo um número sempre restrito de intervenientes (dado que ocorriam em simultâneo), e a audição por Regiões, que permitia a presença de todos, em plenário contínuo. A soma das quatro Reuniões Regionais perfazia, pois, a Reunião Mundial. As Reuniões Regionais foram o laboratório de ensaio para o modelo de Conselho livremente organizado e presidido pelos Conselheiros. No novo formato, eram eles os responsáveis pela preparação, pela logística, por boa parte do programa (comum a todas as Reuniões era somente a matéria trazida a consulta pelo Governo), elegiam entre si os componentes da Mesa e a sua presidência. Não houve um só dos fóruns regionais que não se tivesse desenrolado de forma ordeira, eficiente, verdadeiramente exemplar. Esta forma de regionalização foi aprovada consensualmente, mas muitas das demais propostas foram, e passaram a ser, frequentemente, votadas por maioria. Na 1ª Reunião Mundial manifestava-se a vontade comum dos Conselheiros de fazerem sua a instituição, superando ou sacrificando a esse objetivo as diferenças que os separavam. A 2º Reunião foi a da plena “normalização” do Conselho e as divergências, não em tudo (e, afortunadamente, não no fundamental, não no que respeita ao modelo e às funções do CCP), mas em questões de política interna, na visão de problemas e de soluções, vieram à superfície e manifestaram-se nas votações. De um lado ficava, em regra, o pequeno grupo de Paris (meia França, quando muito, meia Europa…) e, do outro, os restantes. Assim, em certas matérias, decorreram as votações na Secção de Revisão do Decreto-Lei, onde se decidiu: . Considerar ratificadas muitas das Recomendações dimanadas da 1ª Reunião anual do CCP . Reiterar o princípio de que o CCP deve ser exclusivamente constituído por representantes eleitos. "Em consequência, não deverão ser integrados no Conselho, designadamente, representantes dos órgãos de comunicação social, das missões religiosas e das comissões de pais". Manter a presidência do Conselho pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou, por sua delegação, pelo Secretário de Estado da Emigração, com as suas competências próprias definidas na lei (decisão que contrariava a que fora tomada no Palácio Foz) Propor a criação de um órgão de gestão do Conselho, "com a designação de Comissão Permanente, "Comissão Executiva, ou outra que se entenda mais adequada" Constituir uma Comissão Permanente da Comunicação Social Pinho Neno, na publicação sobre as Recomendações do CCP, informa que os Conselheiros quiseram fazer, nesta sequência de deliberações, a clara distinção entre a legitimidade dos eleitos - os únicos com direito de voto - e a presidência ministerial, com competências próprias, que, naturalmente, excluíam a interferência no processo de livre expressão de opiniões e pareceres e de resposta a consultas (op. cit, pág 69). Do mesmo passo, ratificavam o conceito de associação para efeito da lei - com a exigência de que não infringisse a legislação local, tivesse um número mínimo de membros, se encontrasse inscrita no Consulado da sua área e registada na “Comissão de País”. Nenhuma discriminação positiva ou negativa era admissível para missões religiosas, ao invés do que pretendera o anterior SECP. As organizações paroquiais continuaram a ser aceites em pé de igualdade nos colégios eleitorais, quando se dedicassem a atividades culturais, beneficentes, ou recreativas, semelhantes às prosseguidas por outras agremiações da comunidade. Nesta segunda Reunião o principal objetivo já não era evitar a cisão de uma minoria partidária, ideológica, mas viver com ela. Na Feira, algumas decisões tomadas por consenso, em 1981, foram revertidas – caso da manutenção da presidência do CCP pelo MNE, que, porém, não impediu, bem pelo contrário, a crescente afirmação da autonomia dos eleitos, a intervenção dos Conselheiros não só nas reconfigurações da instituição, mas também, na assunção da presidência em todas as sessões de trabalho e na determinação da agenda de matérias a tratar. Um processo que se iniciou nos Plenários por Regiões, em 1984, e. logo depois, se generalizou e consolidou. A boa cooperação que os quatros deputados eleitos pelos círculos de emigração, a nível do CCP foi uma constante nesta e em todas as Reuniões Mundiais. A contestação vinha do PCP, que nunca conseguiu eleger um deputado por este círculos, o que poderá explicar, a sua opção pela crítica ruidosa no único fórum onde tinha voz… Apesar disso, assistia-se a uma certa distensão nas relações pessoais, quer durante os trabalhos, quer nos tempos livres, já enquadrados num programa social – jantares, música, folclore, oferecidos pela tradicional hospitalidade de Santa Maria da Feira, onde não faltou o famoso grupo folclórico da Joaninha “Como elas cantam e dançam em Paços de Brandão”. No entanto, no final, a Europa apresentaria o seu próprio comunicado, forçando os Delegados dos outros continentes a elaborarem, por seu lado, um segundo manifesto. O Representante da Inglaterra, José Carlos Freitas, erroneamente indicado como subscritor do da Europa, avançou com o seu próprio comunicado, a acentuar o bom ambiente que imperara durante os trabalhos - um ato de coragem, destinado a fazer escola. Na 3ª Reunião Mundial já não seria o único Conselheiro da Europa a distanciar-se publicamente do grupo parisiense – cerca de metade dos delegados “europeus” ficariam na sua companhia. Na realidade, em Santa Maria da Feira, apesar de algumas escaramuças, e de muitas decisões em que maioria e minoria se colocavam em campos opostos, pode falar-se de bom ambiente geral, e o jantar de despedida foi uma autêntica festa de família. (15). A sessão solene de encerramento teve lugar na Universidade de Aveiro, em presença do Ministro da Educação, Professor José Augusto Seabra, do Reitor da Universidade e do Governador Civil de Aveiro, Dr. Gilberto Madaíl. O Ministro, um intelectual, que conhecera o exílio e um formidável orador, ofereceu-nos uma autêntica “oração de sapiência”, da qual, infelizmente, não há registo escrito. O mesmo se diga das minhas breves palavras. Terei, certamente, destacado as recomendações estruturantes do Conselho como órgão representativo, pois nessas ocasiões a minha preocupação era sempre a mesma: refletir sobre as principais conclusões e olhar, com realismo, o horizonte do Conselho. (16) Poder-se-á estranhar o facto de eu convidar sempre para as sessões solenes diversos outros membros do Governo, entregando, eventualmente a um Ministro, pelo tempo da cerimónia, a presidência da Mesa. A razão é, sobretudo, esta: chamar a sua atenção para as realidades da emigração, obter mais apoios em domínios decisivos. No caso da 2ª Reunião, tivemos connosco os responsáveis máximos pela Cultura e pela Educação. A 3ª Reunião Mundial e 1ª por Regiões França, La Rochette (Adiada sine die) O modelo de regionalização das Reuniões Mundiais aprovado em Santa Maria da Feira, em 1983, foi implementado logo no ano seguinte, apesar do inesperado atraso no processo de revisão pontual da lei, que tardara a ser aprovada em Conselho de Ministros e publicada em Diário da República. Houve que esperar até 25 de novembro. (os circuitos burocráticos, em que circulavam estes diplomas tinham o seu “quê” de misterioso…). De qualquer modo, entendemos que nada obstava a convocar a Reunião por Regiões, numa interpretação da lei vigente, à luz dos interesses em causa – essencialmente, a valoração do ato de consulta, que não perdia qualidade, se fosse quadripartido em Reuniões Regionais, já que permitia funcionar em plenário contínuo. Nesse sentido, foram previamente consultados os Conselheiros, que deram o seu aval ao processo, com a exceção de alguns dos eleitos na Europa (sempre formalistas e complicativos, atitude que era, porventura, vista como mais uma forma de luta política). O Secretário do CCP, Dr. Gil Pereira, antigo Presidente do “Instituto da Emigração”, fez questão de reunir com eles, nas embaixadas de Bona e Paris. Trouxe de volta não certezas, bem pelo contrário, uma mescla de posições, o “sim” de alguns, a hesitação de outros. Apesar disso, estava otimismo e não foram interrompidos os preparativos para a Reunião Regional em La Rochette, local escolhido pela “Comissão” de França. Nas vésperas da Reunião, ainda sem Decreto-Lei em mãos, veio, de Paris, uma decisão que pretendia ser de compromisso – estariam, todos, presentes em La Rochette, desde que fosse dado às sessões de trabalho um caráter “informal”! Ora o que a Lei, a meu ver, não permitia era encaminhar verbas do Conselho para um mero encontro de emigrantes, desprovidos de representatividade. O que valeriam as suas Recomendações? Questão melindrosa que levei, de imediato, a conhecimento do MNE Jaime Gama. Não demorou um minuto a manifestar concordância com a minha posição, e eu não demorei mais do que isso a assinar o despacho de adiamento “sine die” da 1ª Reunião Regional da Europa. (17) A Reunião Regional da América do Norte e da Austrália (Danbury, EUA, e Fortaleza, Brasil, 1984) Os Conselhos da América do Norte e da América do Sul e África realizaram-se com um êxito que excedeu todas as previsões, estes dois últimos em Reunião conjunta, a solicitação unânime dos Conselheiros que os integravam. O Conselho da América do Norte efetuou-se nos EUA, em Danbury, Connecticut, de 12 a 14 de outubro, os da África e América do Sul em Fortaleza, Brasil, de 28 a 30 de novembro. A primeira histórica experiência do novo modelo regional teve como anfitrião o Presidente da Comissão de País nos EUA, o Padre José Alves Cachadinha, na Paróquia Portuguesa do Imaculado Coração de Maria de Danbury. O encontro foi organizado até mais pequenos detalhes, com a eficácia e a hospitalidade que eram a imagem de uma paróquia onde se desenvolvia uma intensa atividade comunitária, no domínio cultural e social. Muitos foram os voluntários que colaboraram no acolhimento dos participantes, na preparação de almoços e jantares, mobilizando outros portugueses da comunidade que se lhes se juntavam, em serões de convívio, com muita música e danças de grupos folclóricos. Ninguém duvidava que por trás de tão dinâmico coletivo estava o Doutor Alves Cachadinha. A descolonização exilara-o de Angola, da sua terra e do seu povo de eleição, e trouxera-o, acidentalmente, para a América, onde com o mesmo genuíno espírito de missão, se dedicava aos emigrantes portugueses. Cultíssimo, um intelectual, era, também, homem de ação, com experiência de vida em três continentes (a Angola voltaria, na idade da reforma, dando, por alguns anos, o seu contributo à nascente Universidade Católica – nessa altura já “Monsenhor”). Essa sua vivência o terá levado a compreender o significado do Conselho das Comunidades, e a aderir, desde a primeira hora, ao projeto da sua construção. Na reunião de 1981 esteve nos debates e consensos decisivos e em 1984 tornou-se um protagonista principal, embora sempre discreto, do novo modelo de funcionamento do CCP ancorado na plena autonomia das instâncias locais, fazendo prova das virtualidades da reforma em curso. Foi aqui que o carater civilista do CCP se impôs definitivamente, em moldes que vieram a ser adotados, com muito sucesso, não só nos Conselhos Regionais seguintes, como nas Reuniões Mundiais em Portugal. E, pela primeira vez, vivemos a proximidade com uma grande comunidade, e vimos acontecer o estreitamento dos laços entre as delegações de três países. Recordo que, nas salas da residência paroquial, cada Delegação tinha o seu próprio gabinete, assim como o Governo, os Deputados, os Peritos. O salão reservado ao Plenário estava decorado com bandeiras dos países e regiões de origem dos Conselheiros (não faltando, naturalmente, a dos Açores). Foram reunidas todas as condições para o andamento ideal dos trabalhos. A semelhança das condições de vida e de inserção nas sociedades dos países do continente norte-americano (e, igualmente, na Austrália, cujo representante podia optar por se integrar em qualquer das reuniões regionais e sempre escolheu a norte-americana) facilitou o debate sereno, e a consecução de consensos. A direção dos trabalhos do Plenário foi entregue à Mesa eleita pelos Conselheiros, formada por Bruno Cunha Viana (Canadá), presidente, José Raposo (EUA) e Henrique Godinho (Austrália), vogais. Uma das principais conclusões da Reunião foi a da necessidade de criar uma "Comissão Interministerial para a Emigração", articulada com o Conselho, a fim de operacionalizar a apreciação e a resposta a uma multiplicidade de pareceres e reivindicações, que extravasavam o “território” da SEE e do MNE. A respetiva legislação não pode ser levada a cabo no mandato deste governo de coligação, apesar de não levantar particulares objeções, e seria concretizada em início de 1987. Outra proposta destinada a fazer história foi a que instou o Governo a realizar um primeiro Encontro Mundial de Mulheres Emigrantes Portuguesas. Não postulando a precedência de um processo legislativo, (como disse, por vezes, inesperadamente moroso), a sua preparação começou nesse ano, de imediato, e o Encontro realizou-se em Viana do Castelo, em 1985, por altura do Dia nacional (mais exatamente na semana seguinte). Contou com o alto patrocínio da UNESCO, e converteu o nosso país em inesperado pioneiro no domínio das políticas de género na emigração, não havendo notícia de precedente, nem na Europa, nem no mundo. A proponente foi a Conselheira Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal de língua portuguesa em Toronto, mas a ideia surgira num dos jantares de convívio em que, a seu lado, ficou Natália Dutra, mulher do representante da Califórnia do Sul, Prof. Ramiro Dutra. Natália, fundadora e presidente de uma Sociedade Fraternal Feminina, compreendia a importância de uma dinâmica que abrisse as portas à igualdade de participação num associativismo marcadamente masculino, de que o CCP era fiel reflexo. Uma Conferência de mulheres de todas as comunidades portuguesas do mundo podia contribuir para mudar este estado de coisas e vinha, obviamente, ao encontro das preocupações governamentais, suscitadas pela completa marginalização do sexo feminino no CCP, consequência da ausência quase total de mulheres na direção da maioria das instituições. Havia, é certo, já um significativo associativismo feminino - as Sociedades Fraternais femininas dos EUA, a Sociedade das Damas Portuguesas de Caracas, a Liga da Mulher Portuguesa da África do Sul, mas, ou não quiseram ou não conseguiram ser eleitas para as “Comissões de País”. Nunca me ocorrera chamá-las a um Encontro paralelo ao Conselho, mas consideramos a proposta excelente e foi-lhe dada, através do IAECP, pronta sequência.(18) No Plenário, a proposta de Maria Alice Ribeiro não levantou nem objeções, nem particular entusiasmo, a ponto de não ser mencionada nas atas. Valeu o facto de tanto as dirigentes do IAECP, como eu, termos tomado boa nota da Recomendação…. Havia assuntos que mais preocupavam os Conselheiros. No centro dos debates esteve o ensino de português, com a denúncia da desigualdade de apoios governamentais entre Europa e os outros continentes, e com a enumeração de problemas vividos nas escolas - a falta de manuais adequados à aprendizagem do português como segunda língua, o estatuto dos professores, a limitação do até então livre ingresso de jovens emigrados nas Universidades Portuguesas pela Portaria nº 582-B/84 do Ministério da Educação, que surpreendera e chocara todos os presentes, incluindo os deputados e eu própria. A SEE, pela primeira vez, submeteu, ali, ao Plenário, para apreciação e parecer, o “Programa Cultural” do IAECP para 1985, em especial, de uma proposta para a criação do Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, concebido como o primeiro passo para o lançamento de um futuro Museu da Emigração. Uma consulta tão abrangente dava ao CCP, efetivamente, o estatuto de parceria, previsto no preâmbulo do Decreto-Lei nº 373/80, chamando-o à coparticipação nas políticas públicas para as comunidades. Com esse desiderato, aos Conselheiros foi entregue o documento que continha as principais iniciativas e medidas a executar no ano seguinte para parecer - sem dúvida um salto qualitativo na audição do Conselho, sem prejuízo de lhe serem submetidas questões pontuais. A fórmula era nova, tinha o seu caminho a fazer. Os Conselheiros estavam mais habituados a tratarem da sua própria agenda, usando do poder de iniciativa, ou seja, atuando mais na faceta representativa do que na estritamente consultiva. Outro aspeto gratificante foi a recetividade que a instituição encontrou num país estrangeiro, por parte das autoridades: A cidade recebeu o Conselho festivamente, celebrando o dia do seu encerramento como “Dia da Comunidade Portuguesa, na cidade, numa “Proclamação”, assinada pelo Mayor Dyer. (19) O Governador do Estado William O’ Neill associou-se, igualmente, à realização da 3^Reunião Mundial do CCP, com uma mensagem enviada ao Dr. José Alves Cachadinha. (20) O último ato da Reunião em Connecticut decorreu na sala de sessões do Município, onde fomos acolhidos pelo Mayor. Na Mesa estiveram a Dr.ª Leonor Beleza, Secretária de Estado da Segurança Social, o Embaixador Leonardo Mathias, os Deputados da Emigração e o Cônsul Honorário Dr. Adriano Seabra da Veiga (um grande médico-cirurgião, tão respeitado e interventivo na comunidade portuguesa, como na sociedade americana) e um Conselheiro de cada País, para apresentação das conclusões. A histórica Reunião de Danbury revolucionou o funcionamento do Órgão. “Revolução” é a palavra certa, porque foi a partir de então, que o CCP foi conduzido pelos eleitos, sem precisar de mudar uma virgula da lei… Processo pacífico, porque os Governos, nos anos esperançosos de 1983 e 1987, não foram opositores, mas aliados. A Reunião Regional da América do Sul e África Fortaleza, 28 a 30 de novembro As Reuniões da África e da América do Sul realizaram-se entre 28 e 30 de novembro – por sinal, já depois de publicado, três dias antes, o aguardado Decreto-Lei, que expressamente consagrava a “regionalização” - facto que nem sequer mereceu comentários, por ser irrelevante para a legitimação da convocatória da Reunião. Servia, sim, para colocar o ponto final na polémica suscitada lá longe, na geografia europeia. Foi responsável pela esplêndida organização o Conselho da Comunidade Portuguesa do Ceará, presidido pelo Conselheiro Armando da Silva Martins. As potencialidades do “modelo regional” ficaram, de novo, amplamente evidenciadas, tanto na condução dos trabalhos, como nas oportunidades de convívio e de diálogo, com as comunidades daquela cidade nordestina. E, também, com as autoridades do país. O Governador do Estado fez questão de nos receber, e pudemos dar-lhe conta do papel de uma instituição que não tinha paralelo no Brasil e despertava interesse e simpatia. Certamente por Isso, foi muito boa a cobertura mediática – com presença nos noticiários de âmbito nacional da TV Globo. Nota curricular do 1º Conselho, que muito especialmente enaltece os seus representantes, é a forma como foi recebido e elogiado pelos políticos dos países e cidades onde reunia. Revelava, sem dúvida, o prestígio que aí tinham alcançado os imigrantes, individualmente, e as suas associações, e, com eles o CCP, como instituição, que não viam como entidade “estrangeira”. Na verdade, era formada por dirigentes de associações de Direito interno de cada um dos países. Tendo, na sua vertente representativa, por finalidade a defesa dos interesses dos emigrantes/imigrantes, podia converter-se, se e quando o quisesse, em interlocutor dos governos do país de origem e de destino, e servir de ponte entre eles. O contrário aconteceria, nos anos seguintes, com os Conselhos de outros países europeus eleitos por sufrágio universal – por vezes, os respetivos processos eleitorais, nomeadamente no caso do italiano, chegaram a ser proibidos, tanto no Brasil como, por exemplo, no Canadá. Em Fortaleza, note-se, a Federação das Associações Portuguesas e Luso-brasileiras tinha reunido imediatamente antes do CCP Regional, na mesma cidade, no mesmo hotel, aproveitando a sua logística e contando com vários participantes comuns. Era, pois, natural que fosse olhado pelas autoridades com o mesmo apreço que lhes merecia a própria Federação. Nas Reuniões de 1984, a presidência das reuniões de trabalho ficou, definitivamente nas mãos dos Conselheiros. No novo figurino, passei a presidir unicamente às sessões solenes de abertura e encerramento – o que, bem vistas as coisas, é o que ainda hoje acontece quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou o seu representante estão presentes no CCP. A Mesa que dirigiu os trabalhos em Fortaleza, foi composta pelo Dr. António Gomes da Costa (Rio de Janeiro), presidente, pelo jornalista Carlos Leonel Ferreira (Joanesburgo) e pelo Dr. António de Almeida e Silva (São Paulo), vogais. O facto de, por solicitação da “Comissão de País” da RAS, os representantes de África se terem integrado na organização da América do Sul, permitiu testar uma fórmula diferente, um "encontro de continentes" com caraterísticas de emigração diversas, que, contudo, não prejudicou a boa discussão de matérias e a formulação de pareceres e propostas. O ensino, tal como na Reunião da América do Norte, esteve em foco, assim como outras temáticas culturais, que a SEE suscitara com a apresentação do "Programa Cultural", ali já mais detalhadamente analisado do que o fora na Reunião anterior. Em Fortaleza, muitas questões foram levantadas nos domínios da nacionalidade (as dificuldades levantadas pela burocracia à recuperação da nacionalidade portuguesa, ao abrigo da nova Lei, aprovada em 1981), da comunicação social, da economia e fiscalidade, do intercâmbio de jovens, do desporto. Assomaram, ainda, matérias que afetavam, em particular, uma determinada comunidade, caso do risco de repatriamento forçado de milhares de compatriotas, sem visto de residência definitivo, (na RAS), e de um novo regime fiscal de importação de automóveis (em Macau). Os Conselhos Regionais da América do Sul e da África aprovaram o Relatório de Atividades da Secretaria de Estado e do IAECP e o seu "Programa Cultural" para o ano seguinte, unanimemente, e manifestaram especial entusiasmo pela proposta de constituição do Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, expectável em comunidades antigas, com muitas histórias a contar e muitas memórias a preservar. Uma Recomendação importante para os trabalhos futuros do CCP foi a constituição de uma "Comissão Permanente de Peritos", com o objetivo de assegurar um apoio técnico constante. A Comissão foi nomeada logo de seguida, com uma composição paritária, três mulheres e três homens - Fernanda Agria, Beatriz Rocha-Trindade, Rita Gomes, Eduardo Costa – que coordenava – Veiga de Macedo e Carlos Faria. (nova tentativa governamental de introduzir equilíbrio de género, meta jamais alcançada no 1º CCP e ainda distante no atual). 1985 - Um ano marcante Os trabalhos preparatórios da Reunião Mundial Duas reuniões se realizaram em Lisboa, em fevereiro e junho deste ano, com a presença de Conselheiros, chamados a tomar decisões sobre a organização do próximo Plenário no novo figurino de funcionamento gerado nas reuniões Regionais, que se queria transpor, tanto quanto possível, na grande assembleia transnacional. Estiveram presentes a SEE, os Representantes das Regiões Autónomas, os Deputados, os dirigentes do IAECP, os membros do Comité de Peritos e outros assessores. Na segunda das reuniões foi consensualmente aprovada a agenda de trabalho da Plenário, que chegava ao pormenor de determinar os intervenientes das sessões solenes de abertura e encerramento. No caso do CCP, de facto, um “pormaior”, visto que a abertura era sempre o momento mais apetecível para desencadear incidentes impactantes… O Delegado da Europa, Padre Filipe Rios, deu o seu acordo ao protocolo do ato inaugural, em Porto Santo, que teria apenas três intervenções: as do Presidente do Governo Regional, da Secretária de Estado da Emigração e do Secretário do Conselho, (Dr. Carlos Lélis, recém-nomeado em substituição do Embaixador Mendes da Luz, que, cumprido o mandato, havia pedido a exoneração). Na sessão de encerramento, para além das entidades oficiais, falariam os representantes de cada Conselho Regional. Como veremos, no início da Reunião de Porto Santo, o núcleo de Delegados parisienses, com o Padre Rios à cabeça, daria o dito por não dito. 1985 estava destinado, por razões várias, a ser um ano agitado, no rasto do conflito à volta do caso de La Rochette. É deste período o badalado “encontro/desencontro” do pequeno grupo de contestatários europeus com o Primeiro-Ministro Mário Soares. Na verdade, sem uma retumbante mediatização, não teria tido a menor importância, pois se resumiu a uns minutos de exaltada troca de palavras, seguidos do abandono da reunião por parte visitantes e de mais uma panfletária conferência de imprensa. Fui testemunha presencial, sem tempo de intervir, tão breves foram as conversações. Tudo correu mal de princípio a fim. A audiência terminou com a abrupta partida dos Conselheiros, em passo apressado, tão apressado que um deles escorregou e caiu no corredor, ao som dos brados do Dr. Mário Soares. Objetivamente, apenas um episódio hilariante. Previsível, com os provocadores do costume. Já tinham reunido ´comigo e chegado a entendimento (para o que, diga-se, era sempre preciso, da parte do interlocutor, ou interlocutora, muito tempo e muita calma), mas isso sabia-lhes a pouco. Resolveram subir de escalão, até ao alto da pirâmide hierárquica e pedir audiências ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Dos três, só o Primeiro-Ministro lhes abriu a porta do gabinete. Ninguém lograra convencê-lo de que não era uma boa ideia. Creio que o Dr. Soares ouvira falar tanto deles, que terá querido conhece-los de perto… (21) Contudo,1985 foi uma data marcante também pela positiva, com a gestão dos trabalhos do CCP pelos Conselheiros a ser testada em Porto Santo, e com o histórico 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, realizado em Viana do Castelo, na 2ª quinzena de junho. O Encontro, que, de alguma forma, pode ser visto como um sucedâneo do Conselho no feminino, em nada foi afetado pela envolvente política nacional, onde já se respirava o ambiente quente das campanhas eleitorais. Nas Legislativas de outubro, o PSD venceu, sem maioria absoluta, e eu fui eleita deputada da emigração, no círculo da Europa. O novo Executivo foi formado em novembro e eu continuei na Secretaria de Estado, que recuperou a antiga designação de “Comunidades Portuguesas”. Estava em funções há três dias, quando tomei o avião para participar na 4ª Reunião Mundial do CCP. Obviamente, as surtidas para uma breve campanha eleitoral não tinham abrandado o ritmo dos trabalhos quotidianos e da preparação do CCP (22). Convém não esquecer que, no Tribunal Administrativo, permanecia pendente o processo judicial intentado pelo núcleo de Conselheiros de França contra a convocatória das Reuniões Regionais de 1984 (que, suponho, já não tinha, veleidades de ganhar…). Neste trepidante ambiente nos reunimos em Porto Santo. A IV Reunião Mundial do CCP Porto Santo/Funchal, novembro de 1985 A “candidatura” à organização desta IV Reunião de Porto Santo foi, pelo seu simbolismo, irrecusável. Houve que pagar os “custos da insularidade” - viagens aéreas, hotéis caros… Em compensação, contámos com a hospitalidade das autoridades regionais, o apoio do serviço dirigido por Virgílio Teixeira, companheiro de primeira hora no Conselho, e, o que não foi despiciendo, uma ampla cobertura dos media regionais, a acrescer aos do continente. A Madeira recebeu o CCP esplendidamente! Estiveram presentes o Presidente da Assembleia, Dr. Nélio Mendonça, o Presidente do Governo Regional, Dr. Alberto João Jardim, os Secretários Regionais de vários pelouros e os autarcas. Alberto João Jardim, convidado de honra, presidiu à sessão inaugural, em Porto Santo e Nélio Mendonça à do encerramento, no Funchal. Na abertura, o Presidente do Governo ressaltou a importância de reunir o CCP em Porto Santo: “Esta Ilha é um marco histórico dos Descobrimentos portugueses e, por isso, a primeira comunidade lusa a ser constituída fora do território continental. Trata-se de uma certa forma de regresso às origens portuguesas tão esquecidas e maltratadas nestes últimos anos”. Foi um discurso político, longo e bem construído, em que focou a evolução do processo autonómico da Madeira: “Não temos hesitações em firmar que agradecemos à Democracia o facto de termos conquistado a Autonomia”. Palavras que, ali, me pareceram particularmente significativas, porque do CCP se podia dizer o mesmo – também devia à vivência democrática a sua existência. Sobre matérias de emigração definiu os organismos regionais vocacionados para o apoio às Comunidades – motivo de justo orgulho - assim como para os seus próprios mecanismos de representação e audição de emigrantes - o Congresso e o “Conselho Permanente das Comunidades Madeirenses”. Um discurso voltado para o futuro: “O futuro passa pela Constituição e pela existência de leis capazes de porem o país a funcionar, até porque a transformação de Portugal não pode ser feita nos gabinetes, antes com o povo inteiro”. A sua crítica ao tradicional descaso dos Governos nacionais, no domínio das migrações fez título grande de 1ª página no “Jornal da Madeira”: “Há quem não compreenda a importância das Comunidades Portuguesas” e subtítulo, nas páginas interiores: “Os políticos portugueses nem sempre se lembram, sobretudo quando o devem fazer, das Comunidades do estrangeiro”. Já o Notícias da Madeira preferiu focar a vertente regional na sua manchete da 1ª página “Autonomia permitiu experiências específicas no campo da emigração madeirense” - afirmou o Presidente do Governo Regional. Mal terminou o improviso, uma provocação sem grande importância, mas indiciadora de uma onda de contestação em crescimento, foi prontamente debelada pelo Dr. Jardim. Um participante de França, aproximou da Mesa da presidência e pediu a palavra, com o evidente propósito de repetir a célebre tirada “não viemos aqui para sermos meros figurantes”, registada na “petite histoire” do CCP. Acabou por se converter num episódio de comicidade comparável àquele que, em contexto mais privado, ocorrera no gabinete do Dr. Mário Soares. Notei a sintonia de estilo e linguagem: um e outro falavam claro e bem alto! A cada nova admoestação do Dr. Alberto João, o interpelante recuava um passo, e, ao fim de duas ou três curtas frases, já estava no fundo da sala: “Cale-se! (um passo atrás). Estamos em democracia! (mais um passo atrás). Aqui quem está a presidir sou eu! (outro…). Só fala, quando eu lhe der a palavra! (sem mais espaço para recuar...)” A sessão solene prosseguiu, tranquilamente. O Presidente, o Secretário do CCP e eu fomos ouvidos sem apartes indevidos e, no final, aplaudidos, como é de praxe. Tal como o Presidente do Governo Regional, falei de improviso. As citações que faço são retiradas de recortes de imprensa. O título escolhido na 1ª página do Jornal de Notícias da Madeira para sintetizar as minhas curtas declarações foi: Conselho das Comunidades Portuguesas reflete um encontro de vontades de um povo” - afirmou Manuela Aguiar Comecei por fazer o elogio merecido à excelência dos serviços regionais da emigração e por salientar as condições muito especiais em que fora organizada a 4ª Reunião, no final de um Governo e no início de outro: “Talvez por isso. significa alento, esperança, e o futuro da democracia” acrescentou no seu discurso improvisado, e de certa forma sentido pelos conselheiros e representantes presentes pela mensagem que emanava”. Mais uma citação que a memória já não guardava: “[…] Sobre os motivos básicos deste encontro, referiu que servirá para “fazer o balanço do passado e das suas experiências. Aqui, o que está em causa, acentuou, não são (só) os objetivos, mas os moldes em que este nosso Conselho terá de ser baseado […]. Frisava ainda a originalidade desta instituição: “O Conselho das Comunidades Portuguesas não é um texto de lei. É baseado no trabalho e nele estão visíveis os contributos que as pessoas lhe têm dado” A sessão de boas vindas terminou em paz, mas com a “guerrilha” no horizonte. Os desalinhados preferiram não defrontar o temível adversário que era AJJ e transferiram a turbulência para depois. Enquanto permaneceram em Porto Santo não deram tréguas: contestavam a agenda, exigiam introduzir novos temas constantes de um seu comunicado e discutir, à cabeça, as Recomendações anteriormente aprovadas, assim como alterar o funcionamento dos Conselhos de País. Levantavam ainda, questões de natureza orçamental, com exigência de mais subsídios. Queriam, em suma, uma nova ordem do dia. Ora a agenda não era da responsabilidade nem do Governo, nem do Secretariado, mas dos próprios Conselheiros, fora unanimemente aprovada numa Reunião Preparatória, em Lisboa, na qual o Conselheiro Filipe Rios participara e votara, mandatado pelos seus pares europeus. Quanto ao estado das Recomendações dirigidas ao anterior Governo (o novo tomara posse três dias antes), o Secretário preparara um Relatório exaustivo, que era para analisar ali, no momento aprazado Não só a imprensa madeirense deu grande atenção ao episódio, mas também a de Lisboa e Porto. O Primeiro de Janeiro, de 12 de novembro de 1985 destacou, em título, outra contundente asserção: “PC tentou controlar o Conselho das Comunidades”. Desta vez, a minoria não monopolizou a atenção dos “media”, pois foram ouvidos, também, outros Conselheiros, com outro discurso. Os jornais madeirenses mostraram estar, quase sempre, mais “por dentro” da problemática da emigração do que os continentais, embora, entre estes se destaquem crónicas muito bem escritas, como as de Manuel Dias (JN), aqui e ali repassadas de ironia. Contudo terá escapado até a excelentes jornalistas o facto novo da presidência dos trabalhos pelos Conselheiros. De facto, tudo se passava entre eles, dentro das salas e nos corredores, primeiro, em espalhafatosos confrontos, a partir da rutura de metade da Europa, em sereno ambiente de companheirismo. Os dissidentes, não conseguindo influenciar a agenda e as deliberações tomadas por uma larguíssima maioria, apostaram numa reunião paralela - uma espécie de Reunião Regional da Europa segregada da Reunião Mundial. Quando me comunicaram essa decisão, esclareci, de imediato, que o orçamento da SECP só cobria o Plenário e as Secções do CCP, pelo que se abandonassem os trabalhos, deveriam pagar a sua conta do hotel. Cientes disso, fizeram as malas e partiram para Lisboa, em campanha de contestação do Conselho… Ainda com a presença de todos foi votada uma recomendação extremamente importante: a constituição de uma "Comissão Permanente" integrando dois Conselheiros de cada uma das quatro regiões, mais o representante da Austrália, mas as eleições dos seus membros aconteceram já depois da cisão. Uma instância que veio a mostrar-se indispensável, nas sucessivas metamorfoses do CCP. Outra proposta que fez caminho, consensualmente, foi a de institucionalizar o relacionamento com a AR, em especial com a Subcomissão das Comunidades Portuguesas. Os Conselheiros criaram canais de comunicação para levar regularmente à Subcomissão as suas reivindicações, e, no ocaso do 1º CCP, confiaram-lhe o anteprojeto de revisão global do Decreto-Lei nº 373/80, soma de recomendações formuladas, ao longo de vários anos, sobre a matéria. (23). Findas as jornadas de trabalho em Porto Santo, rumámos ao Funchal, para as solenidades do encerramento, não sem antes afrontarmos, depois da a tempestade provocada pelos protestos de meia Europa, uma segunda tempestade. No momento de embarcar para o Funchal, ventos ciclónicos varriam as ilhas! Porém, no dia seguinte, o sol reaparecera e a bonomia reinava entre os Conselheiros - ali, que não em Lisboa, onde meia dúzia de homens irados, tentava, com as suas acusações e diatribes, neutralizar a imagem de eficácia e harmonia de um Plenário sem eles… Com a ajuda de alguma imprensa, alcançaram, até certo ponto, os objetivos, como se vê, por exemplo, pelo relato do semanário “Expresso”, de 16 de novembro, encimado por manchete sensacionalista: “Conselho das Comunidades esgota-se na polémica de Porto Santo”. O artigo começa por anunciar que o abandono de nove (segundo outras notícias, oito, dez - ficamos sem saber quantos…) “poderá ver a apressar a decisão de acabar com o atual modelo de funcionamento do CCP, como órgão consultivo do Governo para as questões da emigração”. Mais de dois terços da peça jornalística, são dedicados à escandaleira, mas eis que, nos últimos quatro parágrafos, nos surpreende ao olhar noutra direção, debruçando-se, por fim, sobre os trabalhos do Conselho para dizer: “Entretanto, durante a quarta reunião mundial do CCP, os grandes temas concitaram o consenso dos delegados presentes.” Os autores da peça jornalística clarificam que a minoria contestava, sobretudo, a Portaria sobre o registo prévio no Consulado das associações participantes no CCP. (um requisito que, a meu ver, se impunha com um tal caráter de evidência, que nem consigo perceber a oposição, pois essa exigência, a nível das associações, equivalia ao recenseamento nos cadernos eleitorais, a nível individual, e em nada afetando a autonomia do Conselho, num processo que, na prática, se revelou pacífico). O Expresso, nessa notícia, limitou o contraditório à audição da SECP e do Deputado Caio Roque, do PS que (cito): “classificou a decisão dos delegados de abandonar a reunião como autêntico desrespeito por aqueles emigrantes que democraticamente os elegeram, denunciando, ao mesmo tempo a existência de um quartel-general em Lisboa para coordenação da ação”. A sessão de encerramento realizou-se, em ambiente festivo, com o ritual da apresentação das Recomendações e as intervenções de balanço das atividades da 4ª Reunião Mundial e das perspetivas futuras do Conselho. Na longa Mesa da presidência tiveram assento as Autoridades Regionais, o Bispo Dom Teodoro, e os Conselheiros eleitos pelos seus pares, em representação de cada um dos continentes. Socorro-me da pormenorizada notícia do JM (que dedica várias páginas ao evento), para avivar memórias… O primeiro orador foi Estevão Rosa (RAS), que destacou os resultados da 4ª Reunião, e o grande envolvimento humano que os permitiu. Pela América do Norte. o Padre Alves Cachadinha, numa intervenção qualificada como “brilhante”, salientou que o sonho de alguns meses se tornara realidade na Madeira e colocou o acento tónico na língua, na cultura, na presença em todos os cantos do mundo e no reconhecimento do papel de mediação do Conselho. Leal Rodrigues, outro orador magnífico, criticou a Constituição da República por negar o voto dos emigrados (somos portugueses e não admitimos sê-lo pela metade), historiou o incomparável percurso do movimento associativo no Brasil, as suas grandiosas instituições, e recitou um poema de Pessoa sobre o Infante Dom Henrique e terminou, dizendo: Senhor, falta cumprir-se Portugal, que é o que agora estamos a tentar fazer, portugueses espalhados pelo mundo. Carlos Freitas (Inglaterra), tal como Estevão Rosa um madeirense, foi ali a voz da Europa: “Portugal precisa de nós, mas também precisamos de Portugal, porque é a nossa Pátria, o nosso lar, os nossos sonhos de futuro “ Não hesitou em falar da Europa como um continente dividido, mas não neutralizado: Os Conselheiros do Luxemburgo, da Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Inglaterra uniram-se num laço de amizade e todos nos empenhamos em trabalhar em todos os campos [...] Não queiramos dividir a comunidade em Europa e Resto do Mundo, porque nós queremos que todos os portugueses espalhados por todos os cantos do mundo deem as mãos e se unam, desde a Austrália ao Canadá, desde a África do Sul às Américas, englobando os países da Europa, para assim construirmos na emigração um Portugal amigo, unido e feliz. […] nas comunidades onde vivemos vamos implantar mais e mais o espírito do português amante da sua terra para termos a certeza de que Portugal vive na emigração. Das deliberações finais são especialmente sublinhadas as seguintes: - A atribuição das presidências das mesas dos plenários e das sessões a representantes de cada uma das grandes regiões. Sendo os restantes lugares distribuídos por rotação; - A inclusão no Relatório do Secretários do orçamento do CCP e afetação das respetivas verbas; - A não assunção por políticos portuguesas de posições críticas face à política interna de países de acolhimento (caso da RAS…); - A criação do Ministério das Comunidades, assegurando, entretanto, presença do SECP em Conselho de Ministros; - A aprovação do voto dos emigrantes na eleição presidencial; - O aumento do número de deputados da emigração; - A promoção de negociações bilaterais com países de acolhimento, para complementar o regime legal de Fundos de Pensões; - A afirmação do primado da livre iniciativa individual, como fator de desenvolvimento económico; A promoção de “joint ventures” entre entidades dos países de destino e de Portugal, a criação de novas câmaras do Comércio. A criação de uma Secção Permanente para os Assuntos Económicos; - A canalização de poupanças de emigrantes para as suas regiões de origem, e a revisão do regime de depósitos de emigrantes; - A execução do Programa Cultural, com uma adequada distribuição por países e comunidades. A imprensa madeirense, como a do Porto, foi bastante mais atraída pela agenda do CCP e pelo resultado dos debates construtivos do que pelos acidentes de percurso, e deu palco a outras vozes, subvalorizadas na capital. O JM, por exemplo, entrevistou o Presidente da Comissão das Comunidades dos EUA, destacando a sua proposta de criação de um Ministério das Comunidades. O Dr. José Alves Cachadinha teve ocasião de pôr em evidência o que, do ponto de vista da trajetória do Conselho, da sua autoconstrução pelos eleitos, era o avanço conseguido em Porto Santo. Cito: “pela primeira vez os trabalhos do encontro mundial foram preparados previamente por uma comissão de delegados, com o apoio da Secretaria de Estado da Emigração […] as Mesas dos plenários são constituídas totalmente por delegados”. E, no que respeita às temáticas, colocou o ensino e a cultura em primeiro lugar, reconhecendo a importância do “programa cultural, ontem debatido e aprovado por unanimidade” e o contributo dado pelos delegados para o melhorar. Uma longa entrevista que traduzia o sentir da maioria largamente silenciada no retângulo continental - com algumas exceções, uma das quais, já referida, o JN, pela pena de Manuel Dias. Aqui deixo algumas transcrições dos seus artigos, nomeadamente as relativas aos tumultos: “Enquanto tudo isto acontecia, prosseguiam as Secções subordinadas aos temas Portugal/CEE e Regresso e Reinserção. Trata-se de problemas da maior atualidade e que, por isso, estão integrados no dia a dia dos portugueses. Na verdade, naquelas salas foram passadas em revista algumas das importantes questões que têm a ver com o futuro próximo do homem português. São temas a suscitar uma profunda reflexão, a qual não se compadece com o ambiente que foi criado nesta reunião. Com a sua habitual ironia, descreve a beleza do lugar, o mar tranquilo tão propício a um “retiro espiritual”, em “cenário quase monástico”, mas que esteve às portas de “virar inferno”. Outra exceção foi “O Diabo”, o semanário que mais espaço reservou à Reunião, na sua edição de 19 de novembro. A síntese feita da semana de trabalhos é uma das mais aprofundadas e incisivas: “Encerrou no Funchal, no passado sábado, a 4ª Reunião Mundial do CCP, com a leitura das Recomendações finais. Contestado na sua metodologia por alguns representantes da Europa, nomeadamente por parte de delegados da França e da RFA, que acabariam por abandonar os trabalhos, em Porto Santo, a 4ª Reunião decorreu a partir daí num franco clima de diálogo e de mútua compreensão, sem os radicalismos que, desde a primeira hora, os representantes de uma parte da Europa resolveram imprimir. É muito cedo para se estabelecer um balanço, não só porque a Secretaria de Estado, agora denominada das Comunidades, não dispõe dos mecanismos próprios para a concretização da maioria das recomendações, mas porque algumas delas se mostram, à partida, inviáveis de concretização por condicionalismos vários, a que não é alheia a situação real do que somos. Ficou a intenção – e naturalmente as recomendações – de um melhor posicionamento no todo nacional. O que, em termos de migração, é um bom sintoma. (24) Palavras sensatas O CCP fazia diagnósticos, traçava planos, propunha medidas, era democracia vivida, mas Portugal continuava, do ponto de vista de desenvolvimento económico, na cauda da Europa. O seu atraso não só provocava novos movimentos migratórios, como prejudicava o alcance das políticas públicas que as migrações antigas e recentes reclamavam. Políticas que, como este articulista salientava, implicavam o Governo inteiro, e não um só Ministério ou Secretaria de Estado. Era impossível melhorar tudo, de repente, mas, compreendendo isso, a atitude não podia ser de resignação. Em suma, balanço muito positivo e grande final para as jornadas madeirenses, das quais emergiu um Conselho mais independente e mais forte. Na viagem de regresso a Lisboa, juntamente connosco, veio Virgílio Teixeira. A par de Duarte Mendes seria homenageado no Palácio das Necessidades com a Medalha de Mérito da Secretaria de Estado da Emigração. Um justo reconhecimento da atenção constante que davam, não só às solicitações do CCP, como aos pedidos de colaboração do Governo da República. As Regiões Autónomas já então, desenvolviam políticas públicas muito eficazes, e, como regionalista convicta, registei sempre com satisfação os seus avanços, lançando, com total respeito pela sua margem de autonomia, pontes de diálogo e de trabalho com os seus governos. Na mesma ocasião, foi atribuída a Medalha de Mérito, a dois dos principais “arquitetos” das reestruturações do Conselho – o Dr. Alves Cachadinha, presidente do Conselho do EUA, e o Dr. António de Almeida e Silva, um dos mais jovens membros do CCP e um dos mais brilhantes defensores das suas causas. Na década seguinte seria eleito e reeleito para o CCP, em vários mandatos, sem nunca abrandar a sua colaboração, enquanto membro ativo e enquanto estudioso e divulgador da sua evolução. 5ª Reunião Mundial, 2ª por Regiões, 1986 (Toronto, Maringá, Estugarda, Cidade do Cabo) África(26 a 28 de setembro) Os representantes dos portugueses de África, um continente em que a emigração se radicou, sobretudo, na metade sul, a partir do Zaire, reuniram-se na ponta mais meridional, na cidade do Cabo, com o Embaixador Luís Villas Boas, os Deputados pela Emigração, Fernando Figueiredo, Luís Geraldes e Caio Roque, os dirigentes do IAECP e comigo. A presidência das sessões de trabalho coube, uma vez mais, aos Conselheiros, que optaram por uma regra de rotatividade entre os países e áreas consulares de origem das diversas Delegações nacionais. As expetativas geradas por mais uma Reunião no formato regional eram elevadas e foram plenamente atingidas. O Conselho de País da RAS esmerou-se e elaborou um ambicioso programa, que incluiu a inauguração de um painel de azulejos oferecido à cidade. (25) A dois anos das Comemorações dos 500 anos da chegada de Bartolomeu Dias ao Cabo estávamos já a antecipar, ali, essa efeméride. O Embaixador português falou de “abertura informal das Comemorações de 88”. Nessa tarde, o grande painel de azulejos, obra do artista Gilberto Leal, foi entregue à cidade, na pessoa do Mayor Leon Markovitz, em ambiente de festa, com discursos e danças. Tal como nas outras Reuniões Regionais desse ano de 1986, o primeiro dia de trabalhos foi dedicado à apreciação do "Relatório de Atividades" e do "Programa Cultural" da SECP/IAECP (aprovado consensualmente) e na avaliação da execução das Recomendações. No segundo dia, o debate centrou-se nos temas propostos pelos membros eleitos, nomeadamente no regime de “contas poupança emigrante” (em alguns pontos, muito criticado), em outras medidas de facilitação do regresso, e na reestruturação dos serviços de ensino na RAS. Entre as muitas Recomendações aprovadas contam-se: a expansão do circuito de vídeo para as associações e dos serviços a agência noticiosa, à semelhança do esquema adotado na América do Norte; a melhoria das condições de escuta da RDP - onda curta; o restabelecimento da rede consular na Suazilândia; o protesto contra os custos excessivos da transcrição de divórcios, as dificuldades de transferência de pensões, as restrições introduzidas no regime de contas poupança emigrante; a nomeação de um Delegado da Emigração na cidade do Cabo e de um Conselheiro Cultural em Pretória. E, ainda, um protesto contra os cortes orçamentais sofridos pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas – cortes que efetivamente muito prejudicavam a execução do nosso programa de atividades. Na RAS o único “dossier” que realmente opunha os Conselheiros às autoridades portuguesas era o respeitante ao regime do “apartheid”: pretendiam que Deputados e Governantes se abstivessem de criticar a política interna dos Países de grandes comunidades. Embora formulada em termos genéricos, o seu alcance era evidente. O máximo que os sucessivos Governos procuraram, sem abrandar a condenação do regime, foi manter o acompanhamento dos emigrantes e da sua situação. Por isso, o único membro do Governo, que, sempre que necessário, se deslocava ao território da RAS era o Secretário de Estado das Comunidades – qualidade em que lá fui, pela primeira vez em setembro de 1980, e em que lá voltei muitas vezes, antes e depois da libertação de Mandela e do exemplar processo de democratização e reconciliação que ele liderou. (26). No balanço final, a Reunião do Cabo pode considerar-se um dos pontos altos na vida do CCP e, por exemplo, o “Século de Joanesburgo” deu o devido destaque ao facto de o diálogo estabelecido na cidade do Cabo entre o Governo e os Conselheiros ter sido “franco, aberto e com conteúdo”. No texto, são citados os Conselheiros que “registaram com extrema satisfação o contributo altamente positivo, patenteado pelas intervenções da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas para valorizar, solucionar e esclarecer diversos aspetos das temáticas abordadas”. Igualmente é referido o insuspeito testemunho de um deputado da oposição (caio Roque do PS), ao afirmar que aquela tinha sido “a melhor reunião do CCP a que assisti”. E, por fim, a opinião do Embaixador Luís Villas Boas, para quem a forma de funcionamento do Conselho fora uma verdadeira revelação”. O seu depoimento terminou com uma declaração lapidar, classificando aquela Reunião como “a mais completa manifestação de real democracia a que me foi dado assistir” Ler estas palavras, tantos anos depois, num recorte de imprensa foi gratificante. É exatamente assim que eu avalio e experiência singular daquela instituição, nos seus anos formativos, em que os protagonistas principais foram sempre os oriundos da sociedade civil, face ao que poderemos designar por “Estado”. Eu estava demasiadamente envolvida para me considerar uma testemunha objetiva. O nosso Embaixador, pelo contrário, participava pela primeira vez no Conselho, falava com espontaneidade e era o mais qualificado dos observadores. Sobriamente, O Século de Joanesburgo, resumia, em título: O Conselho das Comunidades ganhou credibilidade na Reunião do Cabo. (27) América do Norte (Toronto, 11 a 13 de outubro) A Reunião Regional da América do Norte, congregou, tal como em 1984, os representantes dos EUA, do Canadá e da Austrália. Na sessão de abertura, foram convidados o Embaixador Luís Navega e o Presidente do Governo Regional, João Bosco Mota Amaral, e participaram os Deputados da Emigração, Fernando Figueiredo, Luís Geraldes e Caio Roque, a Presidente do IAECP, Maria Luísa Pinto, o Secretário do Conselho, José Guerreiro e eu, como habitualmente presente, de princípio a fim. O Relatório de Atividades da Secretaria e o chamado "Plano Cultural" foram, como já se tornara habitual, aprovados unanimemente, este por corresponder "na generalidade, às aspirações expressas pelas Comunidades, com as adaptações convenientes nos diversos núcleos comunitários". As Recomendações apontavam para: a intensificação dos programas de vídeo, acessível às associações e programas de televisão comunitários; a continuação de edição dos "Guias das Associações; a aprovação da revisão do Decreto-Lei nº 373/80, com o aumento dos mandatos de dois para quatro anos; a criação de um departamento de superintendência das matérias de ensino na SECP; a elevação da Secretaria de Estado a Ministério das Comunidades; o aumento dos meios de apoio ao ensino de português e de história, com material didático ajustado à aprendizagem da língua, como segunda língua; o pagamento pelo Estado dos professores na Austrália, a par do reconhecimento oficial do seu estatuto, a organização cursos de reciclagem e da nomeação de um coordenador de ensino; a melhoria da situação salarial dos professores nos EUA, condição para obterem visto de residência naquele país; a divulgação da informação sobre os emigrantes nos “media” nacionais; a organização de programas de intercâmbio de jovens entre comunidades do estrangeiro; a diminuição do custo das viagens para o Canadá, em especial para os Açores; a criação de um serviço móvel consular para áreas da Austrália, desprovidas de rede consular. No que respeita às relações bilaterais luso-canadianas o encontro de Toronto foi, também um reconhecido êxito, numa conjuntura particularmente difícil. De facto, nada de semelhante havia ensombrado a boa inserção dos nossos emigrantes num país aberto aos valores do multiculturalismo e a binacionalidade: um caso de tráfico de imigrantes, já conhecido a nível de outros grupos étnicos, o pretexto de perseguição por razões religiosas (como Testemunhas de Jeová). No que respeita aos milhares de portugueses que haviam pedido o estatuto de refugiados, a invocação de intolerância religiosa não tinha a menor credibilidade (somos, por sinal, um dos Estados europeus onde as Testemunhas de Jeová têm vida menos conturbada). O Governo Federal não só ameaçava com expulsão os falsos candidatos a asilo, como impunha, preventivamente, o visto de entrada a todos os portugueses. Imagina-se o transtorno causado pela medida… Por seu lado, o Governo português apontava o dedo às máfias de traficantes, não, como é óbvio, aos nossos compatriotas, que demandavam aquele país. por razões de ordem económica. No Conselho exigia-se a imediata supressão dos vistos. O nosso melhor aliado era o Ministro do Multiculturalismo do Ontário, Tony Ruprecht. Tinha visitado Portugal no mês anterior - por oportuna sugestão do Cônsul-Geral, António Tânger, um diplomata que não seguia a política do “wait and see” – e já nessa altura tomara posições públicas muito claras em nosso favor, pressionando o Governo de Otava. Durante essa visita, fiz-lhe a entrega da Medalha de Mérito da Secretaria de Estado, distinção que raramente contemplou autoridades estrangeiras. O Ministro Tony Ruprecht retribuiu a hospitalidade, em grande estilo. Reiterou a sua posição em matéria de vistos, e ofereceu aos Conselheiros, a todos os participantes na reunião do CCP e a muitas dezenas de dirigentes associativos, um banquete de homenagem à Comunidade Portuguesa e ao CCP. Um gesto que contrastava com os obstáculos levantados à eleição e ao funcionamento de Órgãos representativos de outras imigrações – consequência, suponho, de serem vistos como prolongamento de um governo estrangeiro, enquanto o nosso, com a sua natureza “desgovernamentalizada”, era aceite como fórum de organizações das próprias comunidades de imigrantes. De muito diversa ordem era a controvérsia em que o CCP se poderia ter visto envolvido em Toronto: uma espécie de nova “guerra das bandeiras” que alguns quadrantes antirregionalistas de Lisboa alimentavam. Mota Amaral encontrava-se de visita não oficial ao Ontário, para a celebração do 10º aniversário da Autonomia, e a inauguração de uma Exposição comemorativa organizada pelas comunidades açorianas. Aproveitamos a coincidência da sua presença em Toronto para lhe solicitar que nos desse a honra de intervir no ato de abertura da Reunião do Conselho, ao que ele acedeu, prestigiando (como se diz no Brasil), a instituição. Estava, então, como disse, sob fogo cerrado da imprensa continental, com um, a meu ver, ridículo pretexto: o hotel onde se hospedava hasteara, em sua homenagem, a bandeira dos Açores, desacompanhada da bandeira nacional! Eu nem conseguia perceber onde residia o problema, uma vez que ali permanecia na qualidade de Presidente da Região e não de representante da República. Pelo menos no Canadá, a forma como foi recebido, em sessão solene, por um membro do Governo da República, Deputados, Diplomatas e Conselheiros, mostrou a distância e o desagrado com que todos olhávamos a polémica. Foi mais uma ótima Reunião Regional, que fez caminho e história, sem excessos, nem títulos mediáticos sensacionalistas. América do Sul (Maringá, 6 a 8 de novembro) No Brasil, foi decidido, novamente, articular a realização da Reunião Regional do Conselho e o Encontro anual do movimento associativo luso-brasileiro, ambos organizados pelo Conselho Estadual do Paraná numa moderníssima cidade do sul do Brasil: Maringá! Era a solução ideal, poupava longas deslocações aos Conselheiros e preciosas verbas ao orçamento do Conselho. O Encontro Nacional das Comunidades Luso-Brasileiras, que antecedeu a Reunião do CCP, teve lugar no Hotel Deville, de 4 a 6 de novembro, e foi presidido pelo Dr. António Gomes da Costa. As conclusões deram origem a um importante documento que ficou conhecido como a “Carta de Maringá”. Estive presente no encerramento e no jantar de confraternização no Centro Português, um dos melhores do país – o que é dizer muito no país onde existem as mais grandiosas coletividades culturais, beneficentes e recreativas da nossa Diáspora. Eu chegara num voo de São Paulo ao início da tarde, acompanhada pelos Deputados da Emigração e pela assessoria e secretariado do Conselho. Para minha surpresa, fora recebida com honras militares, como refere “O Jornal de Maringá” de 6 de novembro. O “comité de receção” incluía amigos, como o Prefeito Dr Said Felício Ferreira e sua mulher Irma Ferreira, e o Conselheiro Ângelo Viegas. Fomos cercados por um batalhão de fotógrafos e de jornalistas, a quem dei entrevistas, em moldes de conferência de imprensa. Ângelo Viegas era um respeitadíssimo dirigente associativo, natural de Goa e imigrante no Paraná há muitos anos – um prosélito da lusofonia, um lusófilo das suas várias nações, com excelente relacionamento nos meios portugueses e brasileiros, por igual. Muito do sucesso destas jornadas de Maringá se lhe ficou a dever, para além do aparato da receção, que incluiu o acompanhamento por batedores até ao Hotel Deville. Na manhã seguinte, realizou-se a sessão inaugural do Reunião Regional da América do Sul no Instituto Brasileiro do Café, com as boas-vindas dadas pelo Prefeito de Maringá. Fizemos, ele e eu, intervenções de improviso, que as atas do CCP, sempre mais focadas nos temas das sessões de trabalho, não registaram. O Dr. Ferreira era um médico prestigiado e um autarca popular e eficiente, que tinha visitado, poucos meses antes, o nosso país, para a assinatura do protocolo de geminação de Maringá e Leiria. Viu na reunião do CCP uma oportunidade de retribuir a simpatia com que fora recebido. Era alguém que compreendia o fenómeno migratório e o papel do associativismo, e admirava muito Portugal. Leiria tinha sido, para ele, (conforme afirmara publicamente), uma revelação, pela forma como aliava as suas tradições centenárias com a moderna gestão da “res publica” municipal. Nas sessões de trabalho, a presidência foi assumida, como já era da praxe, pelos Conselheiros, que adotaram a “agenda- tipo” destas Reuniões. Primeiramente, procederam à análise do Relatório de Atividades do IAECP e do Programa Cultural, aprovados por unanimidade, com diversas sugestões para a sua aplicação em cada país e em cada uma das áreas consulares. No segundo dia, muitas foram as recomendações reiteradas ou formuladas, nomeadamente: apoio ao reforço da programação cultural das associações; fusão das associações, quando a situação atual das comunidades o aconselhasse, o que acontecia, sobretudo, naquelas onde mais pesava o envelhecimento da emigração, (caso do Uruguai e da Argentina); mobilização da juventude para a participação em atividades da comunidade; organização de encontros no âmbito do associativismo solidário (Beneficências, Hospitais...); idem, no setor das Câmaras de Comércio; aprofundamento do Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros. (em que os deputados brasileiros se antecipariam, na Revisão Constitucional de 1988/89, que alargou o estatuto de Direitos dos Portugueses, equiparando-o a uma verdadeira naturalização); preparação das comemorações do 3º centenário do Padre António Vieira e dos 500 anos da Descoberta do Brasil; reflexão sobre o Acordo Ortográfico (que recolhia largo apoio): a adesão de Portugal à CEE e o seu possível impacto nas relações com o Brasil e os demais países da América do Sul. As jornadas de trabalho alternaram com um intenso programa de confraternização e convívio, em receções oferecidas pela Prefeitura, pelo Clube Português de Maringá, pelo Cônsul Honorário e pelo Conselho da Comunidades de São Paulo. Na sessão de encerramento, foi a vez de estarem na Mesa, os representantes do Conselho das Comunidades de São Paulo, o Presidente, Comendador Valentim dos Santos Diniz, (um dos maiores filantropos da sua geração!), e o Dr. António de Almeida e Silva, nome em ascensão no Conselho, tanto pela competência, como pela graça e simpatia com que fazia amigos. No grande salão do Hotel Deville se realizou, depois, um banquete que reuniu cerca de um milhar de convivas na festa das “Personalidades Lusíadas” – com a atribuição de prémios que, nesse ano, distinguiram o Comendador Valentim dos Santos Diniz, o Dr. José Blanco (da Fundação Gulbenkian) e o Diretor da TAP no Brasil, Dr. Eduardo Barbeiro. Uma festa portuguesa, com menos discursos do que música e dança. Num ambiente feérico, atuaram vários ranchos folclóricos, os artistas Paula Ribas e Luís N’Gambi, atuaram, em ambiente feérico, cabendo o encerramento ao grupo de fados de António Bernardino – o mítico cantor de Coimbra. Com os seus colegas, entre eles o não menos famoso Durval Moreirinhas, fechou, com brilho, uma noite mágica, cantando “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”. Para os acompanhar na apoteose final chamaram ao palco os antigos estudantes de Coimbra presentes na sala. Em 1985, tinham estado, em “missão cultural” semelhante, em Cabo Verde, onde, quando faziam idêntica chamada, os palcos se enchiam com várias gerações de estudantes da “velha Academia” – entre eles, ministros, políticos, diretores- gerais… Ali, num salão com cerca de mil pessoas, só a Dr.ª Elvira Brandão e eu assumimos essa qualidade, e, quando o Dr. Bernardino insistiu, dizendo: “Não é preciso terem terminado o curso, basta a frequência de aulas”, houve um solitário cidadão que se juntou a nós. Quarenta anos depois, é surpreendente constatar o elevado número de bolseiros do Brasil que voltaram a estudar na Universidade portuguesa onde se formaram os seus notáveis no tempo do Reino Unido e do Império. (28) Europa (Estugarda, 28 a 30 de novembro de 1986) A Reunião da Europa, depois de cerca de metade dos seus representantes ter abandonado os trabalhos do Conselho, no ano anterior, em Porto Santo, era a única incógnita no panorama dos Encontros Regionais. Tudo podia acontecer… Dariam razão aos “profetas da desgraça”, que, na Madeira, tinham vaticinado a desagregação do Órgão? Ou, pelo contrário, aos que como eu, viam o CCP como uma instituição fortalecida em Porto Santo, depois de comprovada a irrelevância da ausência de alguns, por muito que tivesse sido preferível ter contado com todos? De facto, como vimos, o CCP, sem qualquer contributo da parte deles, dera um passo decisivo no que respeita ao “empoderamento” dos Conselheiros no interior da instituição. Para além disso, no início de 1986, o “grupo de Paris” havia averbado pesada derrota no “braço de ferro” mantido com o Governo nos tribunais, a propósito da inviabilizada Reunião de la Rochette, em 1984. O primeiro sinal de que estavam de volta fora dado nas reuniões preparatórios dos Plenários Regionais… E, em Estugarda, pela primeira vez, sendo eles próprios os responsáveis, ou corresponsáveis, pela magna Reunião, trataram de mostrar eficácia como organizadores… Portugueses de todos os países da Europa com assento no CCP estiveram na RFA, cumprindo um programa semelhante ao das três anteriores Reuniões Regionais. Os trabalhos decorreram com normalidade e as reivindicações, na substância e na forma, acompanharam, no essencial, as formuladas por Conselheiros de outros continentes, designadamente no que respeita à crítica ao regime de contas de poupança emigrante, considerado ainda demasiado restritivo, à necessidade de reforçar os meios do ensino de português, como língua de cultura, de melhorar o estatuto dos professores, (procedendo a recrutamento local e reconhecendo os títulos aí alcançados), de conceber o direito ao ensino da língua de origem, como parte dos Direitos Humanos fundamentais, de criar Institutos de Língua. E, insatisfeitos com o que consideravam uma presença insuficiente dos “media” naquela Reunião, reclamavam a cobertura pela agência noticiosa NP das atividades do Conselho. Problemas especificamente europeus refletiam-se noutro conjunto de Recomendações sobre a aplicação do novo estatuto de cidadãos comunitários, nomeadamente no que respeitante ao reagrupamento familiar, residência e condições de trabalho. Portugal aderira à CEE no ano anterior e estávamos a testar, no concreto, o conteúdo teórico de direitos reconhecidos nos Tratados. Os serviços do IAECP deram prioridade a campanhas de informação sobre aquele estatuto, direcionadas a cada um dos Estados membros. Fomos, desde o alargamento do núcleo fundador da CEE, os primeiros recém-chegados que o fizemos em estreita articulação com as autoridades do país de acolhimento, em edições bilingues, que eram, se necessário, oponíveis à burocracia local. (29) No que concerne à vida interna do CCP, foi proposto o aumento da representação para a Holanda e Países Nórdicos no CCP, e a audição da Confederação de Associações da Bélgica no processo de reconhecimento das associações participantes. Á Assembleia da República requeriam a realização de um debate aprofundado sobre políticas de emigração e a aprovação de legislação sobre o CCP, em consonância com o texto aprovado pelos Conselheiros – um anteprojeto que sistematizava levas sucessivas de Recomendações - documento que ficaria esquecido entre 1987 e novembro de 1995, data em que eu própria decidi apresenta-lo, em nome do meu grupo parlamentar, para que ficasse a constar dos Diários da Assembleia, embora com poucas hipóteses de plena aprovação (foi o Projeto de lei nº 21/VII, votado favoravelmente na generalidade, juntamente com o do PCP e com a Proposta de Lei governamental, e incorporado no diploma que deu origem ao atual CCP). Alguma coisa ficou, assim, do esforço dos Conselheiros e dos laboriosos consensos a que sobre ele chegaram. Consensos verdadeiramente notáveis, que nenhuma manchete de imprensa jamais relevou. Uma outra importante medida ali aprovada foi a proposta de alargamento do âmbito de contactos do CCP, a nível das comunidades, sob a égide do Conselho, pela via de Conferências temáticas – “Ensino”, “Assuntos dos Jovens”, e “Investimentos e Assuntos Económicos e Financeiro”. A essas três seria, por iniciativa do Governo, acrescentada a "Conferência para a Promoção da Participação da Mulher" . O objetivo das "Conferências" era valorizar a participação horizontal, apelando à sociedade civil, promovendo a audição de grupos sub-representados no Conselho, caso das mulheres e os mais jovens. (30) Em Estugarda não houve “escândalos” a agitar os trabalhos. E, por fim, o jantar de despedida foi, como nos outros continentes, uma festa para recordar com saudades. Mais restrita, mais íntima, sem o caráter de grande evento comunitário, mas num ambiente muito caloroso. Uma noite de fados, sem necessidade de recorrer a “profissionais”. Dois dos deputados da emigração, José Gama e Caio Roque, tinham vozes esplêndidas e deram espetáculo, recebido com imensas palmas e intermináveis chamadas ao palco improvisado. Nenhum de nós pressentia que aquela seria a última reunião do 1º CCP a findar com palmas e abraços. Na seguinte, na Albufeira, não teriam razões para festejar. Estavam unidos na defesa da sobrevivência do Conselho, mas não na alegria dos bons presságios de futuro. O ano de 1987 No que veio a ser o último ano de pleno funcionamento do 1º CCP foi, finalmente, publicado em Diário da República o Decreto-Lei nº 14/87 de 9 de janeiro, que criou a "Comissão Interministerial para a Emigração a as Comunidades Portuguesas". Fora aprovada em Conselho de Ministros, a 18 de dezembro de 1986. A Comissão Interministerial era um órgão consultivo do Governo, (que estava amplamente representado na sua composição) e tinha sede no MNE. De acordo com o nº 5 do art.º 4º, os Governos Regionais dos Açores e da Madeira, “far-se-ão representar pela forma que considerarem adequada”. No nº 2 do art.º 1º ficava inequivocamente estabelecida a ligação umbilical entre a Comissão e o CCP, nestes termos: “A Comissão é um órgão de consulta do Governo para as questões conexas com a emigração e as comunidades portuguesas e estabelece a articulação entre as entidades públicas ou privadas que venha a ser julgada conveniente, como meio privilegiado de implementar as recomendações do Conselho das Comunidades Portuguesas Que uma Comissão Interministerial, órgão com tradições no nosso Direito Público (relembro tiveram esta natureza os primeiros organismos instituídos para a prossecução de políticas no domínio das migrações, nomeadamente, a “Junta de Emigração”, desde o final dos anos quarenta), dá a noção da centralidade que era reconhecida ao Conselho, cujo Secretário, nos termos do nº5 do art.º 4º , “era membro, por inerência da Comissão, podendo fazer-se acompanhar por representantes desse Conselho, quando a sua intervenção for julgada útil, na qualidade de peritos.” A Comissão Interministerial podia funcionar em plenário ou por secções especializadas, e os Ministérios deveriam fazer-se representar, em princípio, por quadros dirigentes – o que, efetivamente, aconteceu, a nível de Diretores-Gerais, nas duas reuniões realizadas no 1º semestre de 1987, a primeira para pensar métodos de trabalho e prioridades, a segunda para uma primeira apreciação do conjunto das recomendações do CCP e sua distribuição pelos departamentos competentes para lhes darem andamento. Nesse mesmo período, foram constituídas, por despacho, as Conferências temáticas - “Ensino”, “Assuntos dos Jovens”, “Investimentos e Assuntos Económicos e Financeiro”, e "Promoção da Participação da Mulher", tendo os seus regulamentos sido levados à 2ª Reunião Preparatória do Plenário Mundial. O objetivo das "Conferências" era, como referi, valorizar o papel do CCP, no seu entrosamento comunitário, alargando o debate em determinadas áreas prioritárias a especialistas e a intervenientes no terreno, dentro e fora do círculo associativo. Nesta 2ª Reunião se decidiu a data da realização da Reunião Mundial (outubro ou novembro), e o local (uma das cidades onde fosse possível utilizar as instalações do Inatel). A queda do X Governo, no verão de 1987, inviabilizaria a realização das Conferências, mas não o último Plenário, que se efetuou de acordo com a convocatória que deixei assinada, em novembro, na Albufeira. Com estes avanços, pensados e propostos no seu interior, o Conselho se consolidava - tudo parecia correr-lhe de feição, apesar de o eterno grupo de descontentes europeus não desistir de agitar águas tranquilas, a qualquer pretexto. Por vezes, fundamentadamente, como acontecia ao denunciar limitações impostas pelo Governo (Finanças…) ao regime especial de empréstimos a emigrantes, outras vezes, a meu ver, sem razão, caso do protesto a propósito da composição da Comissão Permanente. Em Porto Santo, depois daquela célula ter prematuramente abandonado a Reunião Mundial, em 1985, haviam sido eleitos Francisco Mateus e Senra da Costa, (Europa), Pinto Fernandes e Estevão Rosa (África), Agostinho Bairos e Ruben Cabral (América do Norte) e António de Almeida e Silva e José Manuel Fernandes (América do Sul). Uma eleição democrática, que não podia ser posta em causa. Se, porém, a queriam impugnar, porque não tê-lo feito na Reunião de Estugarda, em 1986, exigindo, aí, nova votação? Talvez porque soubessem que não conseguiriam ganhá-la… Todavia, nada disso terá pesado tanto no futuro imediato do CCP como o malfadado encontro com o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, na Embaixada de Portugal, em Paris, no início de 1987. É da praxe, em visitas oficiais, um breve convívio com a comunidade. Talvez tivesse sido preferível algo de informal, uma pequena receção. Em vez disso, optaram por uma intervenção do ilustre governante, seguida de uma espécie de “sessão de esclarecimento”, que se saldou, como era de prever, em desastre. Ainda tentei acalmar ânimos, em poucas e objetivas palavras, mas sem grande resultado – os Conselheiros estavam afincadamente ao ataque, e o Primeiro-Ministro irritadíssimo, como o Dr. Soares, dois anos antes, embora reagisse de forma contida. (31). Apesar destes “faits divers” nada fazia adivinhar o fim eminente do CCP… Mas eis que Governo minoritário é derrubado pela oposição concertada entre PS e o PRD, desejosos de formar um governo de coligação, com maioria parlamentar. O Presidente Soares, muito avesso ao PRD, rejeitou a solução e convocou eleições. O eleitorado deu-lhe razão, ao reeleger Cavaco Silva com a primeira maioria absoluta de um só partido. Pode ter sido um desenlace auspicioso para o País, não o foi, todavia, para o Conselho, que se veria neutralizado ao longo dos oito anos de maioria PSD (1987 a 1995). A partir de agosto de 1987, todas as reformas que estavam em curso foram descontinuadas pelo novo titular do pelouro das Comunidades Portuguesas, embora, por atraso na apresentação da nova lei anunciada, o Órgão consultivo mantivesse, durante dois anos, até 1990, a sua atividade a nível das áreas consulares. Nessa fase terminal, houve os que foram decaindo, gradualmente, por desmobilização, a par de outros que resistiram até à sua extinção no organigrama das novas estruturas previstas na Lei nº 101/90, e mesmo posteriormente – mantiveram-se por exemplo,, em França, o CCPF, e na Argentina o CCPA, passando a funcionar como associações legalmente constituídas face ao direito local. Na última Reunião Mundial, ficava demonstrada a dependência do CCP da vontade dos titulares da pasta da emigração - uma óbvia fragilidade institucional, que, pouco mais de uma década depois da Revolução, podia ser vista como consequência da falta de tradição da democracia participativa… A 6º Reunião Mundial Albufeira, 16 de novembro 1987 A 6ª Reunião Mundial viria a realizar-se, respeitando a data e local previstos na convocatória que deixei formalizada, a 16 de novembro, na Albufeira. A Comissão Permanente participou numa Reunião Preparatório, como era habitual. Contudo, nada mais seria como dantes… Manuel Dias (JN), um dos dois únicos jornalistas da imprensa nacional que constam da lista de participantes (o outro era do Comércio do Porto) faz manchete com o título “É geral a estranheza pela ausência de Correia de Jesus”, numa crónica que começa com estas palavras: Uma vaga de descontentamento está a assolar a 6ª Reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas, a decorrer, com o areal à vista, nas instalações do INATEL, na praia da Albufeira, E as ondas de descontentamento resultam, fundamentalmente, do facto de os conselheiros da emigração se sentirem mais objeto do que sujeito de um encontro de que deveriam seros principais intérpretes mas ao qual, ao fim e ao cabo, como ouvíamos dizer, parece serem encarados como meros assistente”. O relato de Manuel Dias coincide com os que me chegaram, na altura, de várias outras fontes. É, em qualquer caso, vindo de tão excelente profissional, um relato insuspeito, e dele me socorro para dar alguns informes sobre o infeliz evento. As propostas aprovadas na Reunião Preparatória não foram aceites, o Secretário de Estado impôs o programa, à base de conferências sobre diversos temas, em que intervinham técnicos de diferentes departamentos da Administração Pública. E dividiu os conselheiros em dois grupos, o da Europa e os outros, o que desagradou a todos, revelando uma frente unida dos diversos quadrantes, que reclamaram um Plenário com representantes dos cinco continentes. Unanimidade, também, no protesto contra a ausência do Secretário de Estado, que apenas estivera na sessão de abertura e anunciara a presença na de encerramento. E, claro, não aceitaram o retrocesso de se verem afastados da mesa da presidência das reuniões, ocupada por técnicos… No domínio do ensino e da cultura, verificava-se não só uma separação física, em duas salas diferentes, mas também de temáticas – ensino para os da Europa, cultura para a emigração transoceânica, uma inédita divisão de trabalho, a soar a discriminação e preconceito. Tudo isto acontecera no primeiro dia. O novo Secretário de Estado abrira a sessão, com um longo discurso, que posteriormente publicaria com o título de “Portugal Pátria de Comunidades”. Na capa, nada indica que se trata do discurso proferido perante o CCP - essa indicação é dada no interior: “Discurso proferido na Sessão de Abertura da VI Reunião Mundial do Conselho das Comunidades Portuguesas realizada em Albufeira a 16 de Novembro de 1987”. Nas cerca de 30 páginas da publicação, são relativamente poucas as dedicadas à instituição. Poucas, muito embora, na aparência, promissoras: “Conto com a vossa crítica responsável e construtiva para melhor levarmos a cabo o programa do XI Governo, em matéria de Comunidades Portuguesas. Sei que há problemas por resolver e anseios à espera de resposta; que há sugestões e propostas que parecem perdidas nos meandros da burocracia ou nos vazios de poder. E logo acrescenta: “as condições de estabilidade política de que dispomos, pela primeira vez, na história democrática, são um forte motivo de esperança”. […]. “Assim, na minha dupla qualidade de Presidente do Conselho e de Secretario de Estado, estou aqui para vos incitar à ponderação e reflexão e estarei atento às conclusões dos trabalhos, que espero construtivas, realistas e uteis”. Sobre o futuro do CCP disse: “Finalmente, está a ser preparada a revisão da legislação atinente ao Conselho das Comunidades, nomeadamente nos aspetos respeitantes à sua composição, ao modo de designação dos seus membros, atribuições periodicidade e âmbito das suas reuniões. […] O que vos disse sobre meios e estruturas é instrumental em relação à política do Governo para as comunidades Portuguesas. Atentemos agora na sua substância. E à “substância” dedica as 21 páginas seguintes da publicação. Começava pela política de Educação, e pela Comunicação Social, e prosseguia com as iniciativas para o Programa Editorial, a “Memória da Emigração e Comunidades Portuguesas” (outra forma de designar o Fundo Documental e Iconográfico), passando pelas diversas atividades do IAECP. O maior destaque era dado ao seu projeto de fomentar a criação de Centros de Cultura, apoiados pelo Governo junto das Comunidades. (32) A intervenção, em si, não era de molde a desencorajar os ânimos, mas os trabalhos prosseguiram sob o signo da incerteza - muitas eram as reformas anunciadas, sem sobre elas solicitar parecer ao órgão consultivo. Os receios confirmar-se-iam. O legado dessa reunião final -cerca de 300 recomendações - não seria tido em consideração, e, bem pelo contrário, serviriam para alegar o seu caráter irrealista e a sua geral desconformidade com uma nova conceção de consulta governamental. E, todavia, uma simples leitura da publicação da SECP sobre as Recomendações formuladas desde 1981 a 1985 mostra a que ponto a crítica de irrealismo é falaciosa. A maioria das Recomendações traduziam o sentir das pessoas e das coletividades, e não eram prejudicadas por outras, meramente programáticas ou mesmo utópicas. Impunha-se, sim, separar o trigo do joio. E atribuir aos Conselheiros todas as reformas que contribuíram para a maior operacionalidade ao CCP: a alternância de Reuniões Mundiais, por Regiões e no País, a criação do Conselho Permanente, da Comissão de Peritos, das Conferências temáticas, e, igualmente, o 1ª Encontro Mundial de Jornalistas, o 1ª Encontro Mundial de Mulheres Migrantes, a Comissão Interministerial para a Emigração e as Comunidades Portuguesas. Foi obra! Mais do que as Recomendações do CCP terá sido a agressividade dos ataques políticos de meia dúzia de membros que criou anticorpos à instituição. Considero que foi um erro fatal não reconhecer o trabalho da maioria, que fizera do CCP um largo espaço de cooperação e solidariedade, onde, no fundamental nem faltara o consenso de todas as partes. Não estava, felizmente, isolada ao pensar assim. O CCP havia de ressurgir, em 1996, numa votação parlamentar unânime, com a mesma missão, a sua tradicional autonomia, e o seu “espírito de corpo”. É diverso o contexto político, hoje bem mais favorável à sua permanência e estabilidade institucional, mas imutável esse espírito, ou traço identitário. 1990-1995 - As novas estruturas de consulta Conselho Permanente, os Conselhos de País, o Congresso das Comunidades Portuguesas Com a sentença de morte decretada, o Conselho teve de esperar o seu termo, durante dois anos. Só em 21 de março de 1090, o Decreto-Lei nº 101/90 veio revogar o Decreto-Lei nº373/80 de 12 de setembro e criar as seguintes instâncias: - Os Conselhos de País, destinados a “apoiar e a aconselhar as missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro” (art.º 2º); o Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, “órgão consultivo do Governo, integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros” (art.º 6º), presidido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, que poderá delegar a sua competência no membro do Governo responsável pelas comunidades portuguesas; o Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas. “uma estrutura representativa de todas as comunidades portuguesas no Mundo” (art.º 13º) O preâmbulo do diploma não deixava dúvidas quanto à intenção da reestruturação em curso, ainda que as designações o não deixassem inteiramente adivinhar: os “Conselhos das Comunidades” de cada país passavam a intitular-se “Conselhos de País”, mas tornavam-se meros mecanismo de consulta das missões diplomáticas; o antigo CCP ficava limitado ao “Conselho Permanente”, composto pelo Presidente (o MNE), pelo SECP (se não tivesse delegação de competência para assumir a presidência) e pelos “representantes eleitos pelos Conselhos de País”. E desapareciam do novo fórum os Governos Regionais, os Deputados, e, do lado da sociedade civil, os parceiros sociais, enquanto interlocutores dos Conselheiros. Os Conselheiros passaram a “coadjuvantes” das embaixadas e consulados. No debate parlamentar, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas condenou, acerbamente, o antigo CCP: "Infelizmente, o que prevaleceu na atuação do Conselho foi a pretensão de criticar e fiscalizar a ação dos governos, qual câmara política não prevista na Constituição. Os senhores Conselheiros desenvolveram uma delirante atividade reclamativa, consubstanciada em centenas de recomendações, muitas delas irrealistas e absurdas, que outra coisa não visavam senão entravar a ação dos governos [...] ". Atendendo a que, até 1997, a SECP, por sua iniciativa, apresentava à apreciação dos Conselheiros o Relatório de Atividades do ano findo, para conhecimento, e o Programa de Atividades do ano seguinte, para parecer, o reparo mais do que o Órgão atinge os Governos anteriores, na sua forma de conceber a natureza e o papel do Conselho, de o convidar à livre crítica. O Decreto-Lei 101/90, criticava, na parte preambular, o CCP cessante pela sua falta de representatividade, por assentar no mundo associativo e, para ultrapassar as suas fronteiras, criava seis colégios eleitorais. Nos termos do nº1 do art.º 4º: “Os conselhos de país serão compostos por portugueses e seus descendentes dos diferentes meios sociais, culturais e económicos existentes no seio de cada comunidade, devendo representar: a). Associações de jovens, recreativas, culturais e desportivas: b). Instituições ligadas às igrejas e de solidariedade social c). Intelectuais, artistas e docentes universitários d). Empresários ou respetivas organizações e). Trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, incluindo profissões liberais f). Órgãos de comunicação social” Uma mescla de representantes de coletividades e de cidadãos, num caso e no outro divididos em diversas categorias, algumas das quais inevitavelmente levantavam o problema da viabilidade de organização dos próprios cadernos eleitorais. Consciente dessa realidade, o legislador estipulava, na alínea c) do nº 3 do art.º 4º, que, na eventualidade de algumas das referidas categorias não indicar os seus representantes, o MNE designava esses representantes “de entre os nomes indicados numa lista elaborada para o efeito pelo embaixador de Portugal no respetivo país”. A experiência mostrou que nem através de nomeações governamentais foi, em muitos casos, possível conseguir o preenchimento dos seis colégios, que assegurariam a representação das categorias socioprofissionais, para além do círculo associativo - tese discutível, porque em coletividades tão numerosas e diversificadas, todas essas categorias estariam, provavelmente, representadas no seu conjunto – empresários, professores, intelectuais, trabalhadores, etc. etc. Para além disso, como se comprova em Direito comparado, a alternativa democrática a um Conselho de raiz associativa é um Conselho eleito por sufrágio direto e universal, modelo que foi adotado em Portugal, depois de 1996. E se o Governo não quisesse ir por aí, poderia ter ultrapassado o espaço do associativismo, através das “Conferências” temáticas criadas por Recomendação do próprio CCP - com inclusão direta e segmentada do mundo laboral, empresarial e académico, ou outro. Na realidade, o "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas" só existiu na letra da lei e os “Conselhos de País” (regra geral, nomeados, não eleitos) funcionaram de uma forma muito irregular, na geografia e no tempo. Postos perante esta situação, deveremos considerar o Conselho Permanente, ancorado nos Conselhos de País, como o 2º CCP? Talvez não, se se olhar, sobretudo, a omissão de labor consultivo generalizado. Talvez sim, na medida em que teve presença em algumas das Comunidades. E é justo acrescentar que os nomeados, por proposta das Embaixadas, foram individualidades de elevado estatuto e prestígio - entre elas se contando algumas mulheres. A questão, dir-se-á, é académica. Deixo a resposta aos estudiosos destas matérias. A mim, parece-me indagação semelhante à de determinar se o “Estado Novo” foi, ou não, a 2ª República… O Conselho das Comunidades em debate parlamentar (Plenário da Assembleia da República, 29 de junho de 1990) O debate parlamentar fez, de algum modo, em simultâneo, a, a leitura e a análise dos dois diplomas respeitantes à audição dos representantes das Comunidades Portuguesas – o de 1980 e o de 1990. Um que ali terminava o seu curso e o outro que que despontava, com um solitário voto do PSD. Assim se cumpria, finalmente, (embora em indesejado fim de ciclo), o debate parlamentar que a Reunião Regional da Europa, em 1986, reclamara como urgente, e que todos os Conselheiros desejavam. Os deputados da oposição, da direita à esquerda, fizeram justiça ao 1º Conselho e ao seu legado (perante o incómodo silêncio e, e a significativa ausência dos mais conhecidos deputados da emigração. Todos deixaram transpareceu a imagem da sua essência democrática e das suas virtualidades de representação e diálogo. Coube ao Deputado Caio Roque (PS) a primeira intervenção sobre o Conselho: […] Anunciou o Governo a sua reestruturação e reformulação no início do seu mandato, mas quase três anos foram necessários para tal. É evidente que o SECP criou então grandes expectativas no seio das Comunidades Portuguesas, principalmente no movimento associativo, mas…sabemos que o objetivo não era o de melhorar a legislação existente, era, sim, o de, a qualquer momento, silenciar os trabalhadores portugueses residentes no estrangeiro. Senão vejamos: O DL 373/80 deixou de ser respeitado com o pretexto atrás referido e o Conselho das Comunidades não mais reuniu. A sua última convocação foi feita pela então Secretária de Estado, Dr.ª Manuela Aguiar, a que, além das divergências políticas que nos separam, rendo a minha homenagem pela coragem que sempre teve, mesmo em situações difíceis, de consultar este órgão, que, em parte, ajudou a não cometer os erros que o seu sucessor tem vindo, desde a tomada de posse, a cometer. Sobre o novo diploma diz, nomeadamente:“[…] entendemos que o mesmo indicia divisionismo e prejudica os interesses dos portugueses emigrados, denotando claramente sintomas de tentativa de manipulação […] criando categorias de representação, cuja definição dificilmente poderá ser regulamentada por qualquer texto legal, nomeadamente no tocante a artistas, trabalhadores e intelectuais” […] É necessário relembrar que as comunidades portuguesas da África do Sul, da Europa, da América, do Brasil, do Uruguai, da Austrália, da Venezuela e de outros países já se manifestaram energicamente contra este decreto-lei […]. Pasmem, Senhores Deputados! Até os deputados eleitos pelos círculos de emigração são marginalizados, deixando de fazer parte deste órgão como membros natos […] Por que cria tal monstruosidade? Por que não respeita o Governo as suas próprias promessas feitas em campanha eleitoral?”. Pelo PCP falou o Deputado António Mota: O meu grupo parlamentar pediu a ratificação deste diploma porque ele se afasta do espírito associativo e dos objetivos para que foi criado o CCP. Como alguém já o caraterizou, este diploma é desfasado da realidade, sem qualquer ligação com a problemática da emigração, feito por burocratas que, enterrando as cabeças nas secretárias, não ouvem ninguém […] evitando o diálogo e esquecendo a modéstia, que sempre fica bem a quem governa, de ouvir e aprender. Se assim fosse certamente que o Sr. SECP não teria elaborado esta aberração […]. Esta legislação, que cria o novo Conselho das Comunidades Portuguesas, tem uma filosofia de manipulação e de governamentalização dos órgãos representativos da emigração. Com este diploma, o Governo conseguiu um original êxito: ficar isolado e ser objeto de contestação de todos os Conselhos das Comunidades em todas as partes do mundo! O Deputado Adriano Moreira, em nome do CDS, manifestou sintonia com os peticionários da ratificação: […]. Quando no presente diploma, o art.º 20 anuncia para 1991 a realização do I Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas, suscita a lembrança I Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, realizado em Lisboa em 1966, e o II Congresso, realizado em Moçambique em 1967. […] Ainda não tivemos conhecimento de perspetivas, levantamento de problemas e soluções alternativas que não tenham raiz nas atas desses Congressos, certamente nunca citados porque são dados por geralmente desconhecidos. E, todavia, é a mesma questão do estatismo e a sua definição equilibrada para o caso, que continua presente, para lidar com comunidades que se reconduzem pelo menos a três tipos e não podem ter soluções geométricas: comunidades portuguesas, comunidades de descendentes de portugueses e comunidades filiadas na cultura portuguesa […] O agora extinto Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), criado pelo Decreto- Lei 373/80 de 12 de setembro é muito mais inspirado na tradição civilista e em textos de inspiração anterior e referida, do que a estrutura agora definida pelo Decreto-Lei nº 101/90. Não parece que se obtenha, como se pretende, definir “estruturas representativas das comunidades portuguesas”. Cria-se um serviço público, no qual se introduz uma instância consultiva, o que tudo poderá corresponder a necessidades de intervenção eficaz da Administração […] Suprimindo o CCP aponta a este o defeito de assentar “unicamente no meio associativo”. O meio associativo é, todavia, em toda a parte, a expressão mais fiável da legitimidade representativa das comunidades portuguesas e, sobretudo, dos descendentes dos portugueses ou das simplesmente filiadas na cultura portuguesa.” Para o Deputado Adriano Moreira, com a revogação do Decreto Lei 373/80: “também parece que se perdeu uma barreira contra a estatização de uma área que é, por muitas razões de política interna e externa, pela natureza das coisas, da sociedade civil. […]: O Governo faria bem em aceitar que o diploma fosse revisto pela Câmara, sobretudo tratando-se de uma área intrinsecamente ligada aos interesses externos portugueses, onde as soluções despartidarizadas são frequentes”. O Secretário de Estado não quis afrontar o Prof. Adriano Moreira e apressou-se a assumir o compromisso de acatar os seus conselhos: […] o Governo não deixará de ter em conta estes contributos aquando da regulamentação deste Decreto-Lei”. Porém, pouco antes, tinha afirmado: “As antigas estruturas assentavam no pressuposto errado de que a realidade “comunidades portuguesas” se esgota nas associações”. E nesse registo prosseguiu, tão distante de Adriano Moreira, como de António Mota ou de Caio Roque: “Um conselho de base exclusivamente associativa levou à criação indiscriminada de associações apenas para a obtenção de lugares no conselho”. O desmentido de tal afirmação está nos “Guias das Associações, editados em 1986, pelo Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, os quais incluem as associações constantes dos registos do CCP, com a sua data de constituição, objetivos e atividades. (33) O fio condutor do discurso dos SECP, como ficou patente no debate, foi a negação da relevância do associativismo, que o Deputado Carlos Luiz (PS) denunciaria numa breve e incisiva intervenção: “Isso di-lo V Ex. cia, mas não o dizem os verdadeiros representantes dos emigrantes que são as associações e as forças vivas das comunidades de emigrantes […] V Ex. cia também criticou o Conselho Consultivo na medida em que era um órgão que criticava o governo. Ora nós já estamos habituados a que o governo não goste de ser criticado, e que procure por todos os meios ao seu alcance, arredar as críticas que a si e ao Poder são dirigidas [...] V Ex. cia referiu também que o movimento associativo nunca envolveu mais de 10% a 15% dos portugueses emigrantes – cerca de 13 milhões espalhados pelo mundo. Neste sentido pergunto a V Ex. cia quantos é que elegem os quatro Deputados pela emigração? Não será uma parcela muito mais reduzida?” Nascimento Rodrigues, pelo PSD, defendeu, como lhe competia por dever de ofício, a reforma engendrada pelo Governo, considerando-a um enorme avanço para: […] dar voz a todas as comunidades na integralidade da sua expressão representativa {…] ao invés (de pretender) coartar a dimensão integral da afirmação de cada comunidade, para proporcionar apenas a intervenção a setores reduzidos de mero apoio partidário que nelas eventualmente existam.” José Lello e a refundação do CCP No quinquénio 1991-1995, as “provas de vida” das novas estruturas foram mais do que discretas, tanto durante o que restava do mandato de Correia de Jesus como no de Luís de Sousa Macedo, que terá sido influenciado pelas inabaláveis convicções e pelo proselitismo do seu antecessor (33) As eleições de 1995 deram a vitória ao PS e Jaime Gama voltou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Era alguém que, como titular desse cargo entre 1983 e 1985, conhecera o CCP original e reconhecia o seu papel insubstituível. Não foi, por isso, surpreendente que logo viesse defender o seu relançamento. José Lello, o novo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, preparou um esboço de diploma, que recuperava as traves mestras do Decreto-Lei nº 373/80. Esse primeiro anteprojeto mantinha um colégio eleitoral 100% associativo. Trocando impressões com ele, na qualidade de Deputada pela Emigração (voltara a ser cabeça de lista pelo Círculo de Fora da Europa, com Fernando Nogueira à frente do PSD), tentei “convertê-lo” à ideia de um CCP bicameral, combinando a eleição num colégio associativo com a eleição por sufrágio universal (solução inspirada no paradigma italiano). José Lello estava focado na experiência do Conselho associativo, mas decidiu abrir um período de consultas às comunidades – não sobre um anteprojeto de lei, mas sobre as grandes linhas da reforma em preparação. As respostas recolhidas iam, maioritariamente, no sentido do sufrágio direto e universal – um sinal dos tempos? – e o Secretário de Estado decidiu, sem mais, segui-las à letra. Numa entrevista concedida ao JN, a 4 de abril de 1996, a grande manchete é: “Criação do Conselho Consultivo reativa diálogo entre Emigrantes – a esperança do Secretário de Estado José Lello”. O entrevistado revelava que o diploma do CCP deveria subir, nos dias seguintes, a Conselho de Ministros e que seria um órgão consultivo do Governos da República e dos Governos Regionais, representativo e desgovernamentalizado. (34). Dava conta de ter sujeito o diploma a consulta pública e de ter recebido opiniões que levaram à sua reformulação: “Tinha previsto que o Conselho abrangesse só as organizações não governamentais no estrangeiro, mas muitos dos contributos são no sentido de que muita gente não se sente também representada nessas organizações. Assim, o diploma passou a prever listas de independentes”. Quanto à data do arranque efetivo, não assumia compromissos, porque iria depender da tramitação na Assembleia da República. Sabia que se a Proposta de Lei chegasse ao Parlamento nas vésperas de férias de verão (de meados de julho a meados de setembro), tinha escassas hipóteses de ser aprovada nesse ano, pois à acumulação de “dossiers” do reinício dos trabalhos se somava, em novembro, a discussão e votação do orçamento de Estado e, em dezembro, os feriados e as férias de Natal. Porém, o inesperado aconteceu e a proposta foi aprovada em julho, pouco depois de o diploma baixar à Comissão de Negócios Estrangeiros, que era presidida por José Manuel Durão Barroso. Carlos Luíz, deputado do PS pelo círculo da emigração da Europa e eu tomámos a iniciativa de pedir ao Dr Durão Barroso prioridade para a discussão da Proposta de Lei, com a constituição de um pequeno Grupo de Trabalho. O Presidente da Comissão deu-nos apoio total, assim como todos os outros partidos, do PCP ao CDS. Esse grupo de trabalho interpartidário reuniu, naquela última semana antes de férias, de manhã, à tarde e à noite, dando provas de grande pragmatismo e empenhamento. O PSD e o PCP tinham pendentes os seus projetos de lei sobre a matéria, mas aceitaram tomar por base o diploma de José Lello, a quem solicitamos o destacamento de um membro do seu gabinete para ajudar a acertar pormenores. Ele acedeu, prontamente, com a indicação de uma jurista excecional e profunda conhecedora do terreno da emigração, a Dr.ª Maria do Céu Cunha Rego. Em três dias, tínhamos concluído o projeto - o que é, possivelmente, um recorde parlamentar, no pós 25 de abril. Sacrificamos à celeridade a discussão de alternativas ao articulado governamental (35). Entre as poucas modificações introduzidas está a eliminação da referência a um Conselho “Consultivo” das Comunidades Portuguesas. Eu própria fiz questão de propor a retirada dessa menção, a fim de não desvalorizar a vertente “representativa” daquelas estruturas. A proposta foi aceite e o Órgão retomaria, apoós as eleições realizadas no ano seguinte, não só as tradições de diálogo geradas na década de oitenta, como até a sua denominação histórica. O novo modelo eleitoral não rompia, note-se, com a ligação ao mundo associativo, visto que dava às coletividades a faculdade de concorrerem ao sufrágio direto e universal, em listas próprias. O CCP iniciou, em 1997, uma segunda vida, em que, ao longo de mais de um quarto de século, tem cumprido esperanças, e feito história, fiel às suas origens, num percurso singular, coerente e ascensional. A ideia de representação das comunidades portuguesas de todo o mundo num fórum democrático está convertida numa sólida e reconhecida instituição. NOTAS (1) O meu gabinete situava-se no mesmo andar, em ambiente não menos conventual, mas infinitamente mais modesto: uma sucessão de quatro pequenas celas monacais, todas com as mesmas dimensões e portas de comunicação entre si - as das extremidades ocupadas por mim e pelo chefe de gabinete. as do meio pelos assessores, do meu lado, e pelo secretariado, paredes meias com a divisão do Chefe de Gabinete. Porém, no Palácio das Necessidades apenas fora acolhido o gabinete do Secretário de Estado, ficando espalhados em vários quadrantes geográficos da capital os demais serviços, incluindo, a partir do ano seguinte, o secretariado de apoio ao CCP (2).O Presidente da Comissão Organizadora, Conselheiro da Revolução Coronel Victor Alves, insurgiu-se contra a decisão, acusando o Governo de desperdiçar verbas públicas já comprometidas. Na verdade, era o contrário – em 1980 todos os dispêndios e diligências com reuniões preparatórios seriam perdidos. (3) O Prof Diogo Freitas do Amaral foi o meu “Ministro ideal”. O perfeito entendimento entre ele e o Dr. Sá Carneiro, repercutiu-se na minha relação com ambos. 1980, foi até 4 de dezembro, o melhor ano da minha vida. Em 1981/83, trabalhei com o seu sucessor, o Prof Gonçalves Pereira, no contexto completamente diferente da 2º Governo da AD. A relação com ele, um jurista inteligente, com grande sentido de humor, foi tão estimulante, a nível pessoal, quanto difícil no plano político. Em 1983/85, no Governo do” Bloco Central”, com um Ministro socialista, o Dr. Jaime Gama, foi bem maior a sintonia política. A última experiência, no Governo minoritário do PSD, em1985/87, com o Ministro Pires de Miranda, foi, de longe a pior. No meu caso, tudo funcionou esplendidamente nos Executivos de coligação, com Ministros do outro partido! (4). Na altura, não me apercebi de que o afastamento da SEECP do centro de decisão do Congresso podia ser um reflexo da luta interna dentro do PSD. No Ministério dos Negócios Estrangeiros eu era a sobrevivente única do Governo de Sá Carneiro, e, em junho de 1981, já estava de saída do Executivo, embora ainda não o pressentisse (decisão do Chefe do Governo e do partido, não do MNE, que me convidou a continuar e, depois, teve de dar o dito por não dito. (5) O PCP deixou muito claro o seu posicionamento numa publicação intitulada "Contributo para a história dos Órgãos representativos das Comunidades Portuguesas no estrangeiro". Não é um trabalho académico, tem a chancela partidária, há que a ver como tal, sem desmerecer a sua utilidade, pela informação que contém sobre o historial de luta do CCP. Que eu saiba nenhum outro partido se lembrou de celebrar, assim, a vida da instituição! Li-o, com interesse e proveito, conformada com a incompreensão (política) daquilo que procurei alcançar. Devo acrescentar que, no Parlamento, não tenho dos comunistas qualquer razão de queixa. Foram sempre boas as relações pessoais e, ao menos com um dos deputados, Miguel Urbano Rodrigues, colega das delegações internacionais, de verdadeira amizade - ideologias à parte. De alguns Conselheiros dessa área não posso dizer tanto, de outros, sim - caso do Dr. Francisco Ribeirinho, com quem se podia dialogar (era próximo do PCP, mas não sei se militante) e do José Machado (então mais à esquerda, suponho), homem capaz de grandes afrontamentos, sempre bem-intencionados. No 2º CCP, (do qual foi um dos primeiros presidentes), imperou o mais cordial entendimento. Comigo – não tanto com o Secretário de Estado... (6). Uma parte muito substancial do pequeno orçamento da Secretaria de Estado era gasto em apoios a iniciativas culturais e ao funcionamento da imprensa, rádio e televisões das comunidades, em pagamentos à RTP e à agência noticiosa. O CCP estava, naturalmente, em território próprio da SEECP, porém, a maioria das suas reivindicações, não! Eu dizia, às vezes, por graça, que declinava o estatuto de "primeira-ministra da emigração", mas, em qualquer caso, tinha de responder pelo governo inteiro… (7). Em estatísticas que não muito rigorosas (sobretudo porque a proporção de clandestinos foi sempre difícil de contabilizar), estima-se que mais de um milhão de portugueses saíram para a Europa nos anos cinquenta e sessenta. As movimentações para outros continentes não provocaram igual interesse e acompanhamento, ficando por explicar a dimensão hoje reconhecida ao Canadá (quase meio milhão), à Venezuela (com números não muito inferiores) ou à RAS, que chegou a reclamar 600.000 portugueses e luso-descendentes. Os EUA não andam muito longe disso (sem contar as vagas anteriores de emigração açoriana). Foi uma emigração “esquecida” – a maior atenção dada aos portugueses que se dirigiam à Europa começava nas políticas públicas e continuava nas linhas de investigação… O que se explicará pela proximidade geográfica, pelo caráter dramático da "saída a salto", e pelas expetativas geradas pela probabilidade dos regressos em massa (que se verificaram, a partir de fins da década de setenta, embora não na proporção esperada). O VI Governo pretendeu alterar o desequilíbrio deste enfoque, e repartir entre todas as comunidades os meios ao seu dispor. Em alguns casos, isso foi conseguido sem aumento de custos. Um exemplo: mais de metade do orçamento da SEE, nos anos anteriores a 1980 haviam sido afetos à realização de programas de televisão protocolados com a RTP e destinados a canais multiétnicos de França e da RFA. Em 1980, esses programas passaram a ser disponibilizados a canais em língua portuguesa, onde quer que existissem - Canadá, EUA, Brasil, RAS… (8) A biografia de Carlos Ademar sobre “Vítor Alves –o Homem, o Militar, o Político” inclui um capítulo inteiro dedicado ao seu trabalho na área das migrações. Segundo Teresa Alves, a viúva de Vítor Alves, o trabalho mais interessante do marido depois do 25 de Abril “foi o que fez junto das comunidades espalhadas no mundo” Vítor Alves foi convidado pelo General Eanes a presidir à Comissão Nacional para as Comemorações do Dia de Camões e das Comunidades, e a partir de 1978, a organizar o Dia de Portugal, (que deixara de ser festejado desde a Revolução), passou, nessa veste, a percorrer as comunidades, mais ou menos distantes, procurando aproximá-las de Portugal (op cit, pags 369 e 370). Como exercia funções enquanto Conselheiro da Revolução, com equivalência a um cargo ministerial, foi, bem vistas as coisas, o único Ministro das Comunidades Portuguesas que houve no País! Quando um Governo (finalmente!) voltado para a Diáspora entrou em funções foi inevitável a conflitualidade entre a SEECP da AD e o Conselheiro da Revolução Vítor Alves - conflito apenas institucional. Só o conhecia da televisão. Vi-o, de longe, no tempestuoso ato de inauguração do Congresso, em junho de 1981, mas só falámos, anos depois, num almoço em Oeiras, a convite de uma amiga comum: a mítica D Benvinda Maria, diretora do Jornal “O mundo Português” e, depois, do “Portugal em Foco”. Achei-o muito simpático. Teria um contacto pessoal, em 1980/81, feito alguma diferença? Talvez (em regra, faz!), mesmo que não alterasse o posicionamento político. (9). Enquanto responsável pela organização do Conselho, tentei não acrescentar polémicas às já existentes na sua vida interna. O Presidente da República nunca foi objeto de crítica nas sessões do Conselho! Nos primeiros dias de janeiro de 1981 tinha encontrado, pela primeira vez, o General Ramalho Eanes, na abertura do ano académico do Instituto de Defesa Nacional, e políticas aparte, passei a ver, de outra forma, a sua personalidade e o seu papel, numa conjuntura muito difícil. Todavia, se bem me lembro, o CCP nunca foi tema de conversa com o Presidente. (10). Em 1982, durante o VIII Governo, o SEECP José Vitorino apresentara uma proposta de emenda, que previa a participação diferenciada das organizações ligadas à Igreja, e que fora - a meu ver, bem - rejeitada em Conselho de Ministros. Em 1984, uma primeira alteração ao DL 373/80 veio clarificar a questão, confirmando a participação igualitária das organizações comunitárias, independentemente da sua ligação a paróquias ou igrejas. (11). Foi a ocasião para descobrir um mundo diferente, marcado pela estreita a colaboração do Governo com o Conselho, nomeadamente no que respeita às políticas para a juventude – ensino das línguas oficiais, campos de férias… O Conselho organizava, e o Estado subsidiava. (12). Nas reuniões seguintes, a organização do CCP fora da capital, em regiões onde não havia palácios estatais à disposição, não permitiria solução semelhante… (13). Durante esse período, como Deputada eleita pelo Círculo de Fora da Europa, tomei a iniciativa de apresentar na Comissão de Negócios Estrangeiros um protesto pela não convocação do Plenário do CCP. Tão óbvia ilegalidade determinou aprovação por unanimidade… Momento singular! Singular, também, esta constatação: as tentativas de neutralização do CCP, as interrupções do seu funcionamento não aconteceram numa lógica de oposição partidária. Foi um Executivo do PSD - ou melhor, da AD que englobava PSD, CDS, PPM, Reformadores - que tomou a iniciativa de criar o Órgão e foram posteriores Executivos desse partido que o bloquearam ou extinguiram. O CCP, criado no tempo de Sá Carneiro, foi suspenso durante o 2º Governo de Balsemão, veio a ser relançado pelo Executivo de Mário Soares, continuado pelo Governo minoritário de Cavaco Silva, extinto, ou, pelo menos, descaraterizado, no tempo das maiorias absolutas de Cavaco Silva, e retomado pelo XIII Governo de António Guterres. Depois, não mais foi descontinuado. Conclusão: ao menos no 1ª CCP parece ter sido sempre mais determinante a figura do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas do que a do Primeiro-Ministro. (14). Depois do Palácio Foz, a minha opção foi o Palácio da Bolsa. A meu ver, o CCP merecia o melhor que lhes pudesse proporcionar. (15). Em algumas questões, fui mais recetiva às posições dos Conselheiros de Paris do que os seus pares dos outros continentes e, por diversas vezes, mediadora entre eles, num papel que, com mais constância e aplauso geral, desempenhou Eduardo Costa, o superlativo pacificador. Mas quando a minoria europeia atacou o Governo por não ter realizado o Plenário de 1982, irritei-me seriamente, porque o Governo relapso era o anterior, não o que se apressara a convocar a Reunião Plenária! Por causa desses equívocos, recordo um despique com o Padre Filipe Rios, o padre operário, (tão “radical” quanto simpático). À saída do restaurante, na hora do adeus, muito bem-disposto, lançou-me o remoque: “Pois, é, há pessoas que querem estar de bem com Deus e com o Diabo”. Ao que respondi, não menos amistosamente: “É verdade – sobretudo alguns padres!” (16) A sessão de encerramento, como todas as reuniões de trabalho, foi filmada na íntegra, um núcleo de cineasta formado no IAECP, o que aconteceria, também, pelo menos, na América do Norte e na Europa. Nos EUA, no Consulado de Connecticut, um outro serviço fora criado, graças à versatilidade de um funcionário – o Senhor Fabiano Santos –para dar cobertura a eventos das comunidades locais, e para distribuir os programas enviados quer pelo IAECP, quer pela RTP nos EUA e no Canadá, (nos canais ou programas lusófonos de televisão, e nas associações aderentes a esse circuito de vídeo). Onde estará hoje essa abundante produção, que retrata uma época de vida comunitária? (17) O Decreto-Lei nº 373/80 criava um órgão de consulta, mas era omisso, quanto á forma de a concretizar. Nas Reuniões Mundiais em que as Secções decorriam em simultâneo, só uma minoria de componentes se podia pronunciar sobre cada temática, enquanto numa audição por Regiões se assegurava a possibilidade de todos se pronunciarem sobre as matérias em debate nas diferentes Secções. Constituía, assim, uma consulta igualmente válida e até mais abrangente. Só os representantes da Europa - mais precisamente os de Paris rejeitaram a argumentação, dando prova de pendor formalista e intransigência. A sua oposição levou ao adiamento “sine die” da Reunião de La Rochette, contra o qual reagiram com grande estrondo mediático, e levando o caso a tribunal. O acórdão tardou, cerca de dois anos, (tarda sempre a justiça em Portugal…), mas veio dar vencimento à tese do Governo. O processo de convocatória das Reuniões parcelares, por Regiões, em 1984, fora transparente. Os Conselheiros receberam o Ofício/circular nº 32/84 de 19 de junho, em que a Presidente do CCP escrevia: "Julga-se que este esquema de funcionamento possa ser adotado já no corrente ano, com a realização da III Reunião do Conselho, prevista para o último trimestre, a qual se efetuará por grandes Regiões, em princípio, Europa, América do Norte, América do Sul e África. Nestes termos, solicita-se urgente parecer de V Exª sobre o assunto, bem como sobre os temas a serem incluídos na agenda da referida Reunião". Das respostas recebidas, só as da Europa eram inconclusivas. A aguardada alteração da legislação tem a data de 25 de novembro de 1984 – já estava em vigor aquando da última reunião regional, nesse ano. (18) A proposta de realização do 1º Encontro Mundial de Mulheres ficou na História, mas, estranhamente, não nas atas nem nas Recomendações do CCP! Desvalorização da proposta? Lapso? De qualquer modo, não ficou esquecida… talvez pelo facto de a Secretaria de Estado, a Presidente e a Vice-Presidente IAECP, assim como a Diretora do Centro de Estudos serem mulheres. As participantes do Encontro realizado em Viana do Castelo, em junho de 1985, foram selecionadas através de apresentação de comunicações escritas, à maneira de um congresso de especialistas em determinadas temáticas. Os consulados e os Diretores dos serviços para as Comunidades Açorianas e Madeirenses (Duarte Mendes e Virgílio Teixeira) tiveram um papel de primeiro plano na divulgação da iniciativa e na mobilização das participantes - dirigentes associativas, jornalistas, académicas, vindas de todo o lado. Um coletivo impressionante, com uma significativa proporção de jovens, que proporcionou debates de elevado nível, gerou entusiasmo e fácil cooperação. Como interlocutores tiveram os que, em regra, interagiam no CCP - incluindo peritos de diversos departamentos da Administração Pública (Igualdade, Cultura, Educação, Comunicação Social), e personalidades da sociedade civil, como as escritoras Agustina Bessa Luís e Olga Gonçalves. Foi a melhor reunião de todas aquelas que promovi nos meus anos de envolvimento político! Uma boa surpresa… (19) Na sua proclamação o Mayer James Dyer saúda a Reunião, homenageado as comunidades, nestes termos: Be it hereby known to all that: THE MAYOR NAD THE CITIZENS OS THE CITY OF DENBURY hereby proclaim October 14, 1984 as PORTUGUESE COMMUNITY DAY In recognition of the third International Reunion of the COUNCIL OF THE PORTUGUESE COMMUNITIES. I, James Dyer, as Mayor of the City of Danbury, extend the best wishes of the City of Danbury on this memorable occasion and express the hope of continued success. Signed this 12th day of october 1984 at the City Hall, Danbury, Connecticut (20) O Governador dirigiu a sua mensagem ao Presidente do Conselho dos EUA:. Dear Reverend Cachadinha: It is an honor and a pleasure for-me to extend greetings to all who have gathered for the third International Reunion of the Council of the Portuguese Communities. Portuguese Immigrants nad their families have made tremendous contributions to all sectors of American life. Their accomplishments have been a major force behind our advancement and prosperity. They are na inspiration to our young people and a source of pride for all ethnic communities in our state and nation […] This reuninon offers all the wonderful opportunity to meet in fellowship, to recall the proud traditions of the Portuguese and to look to the future with renewed confidence and optimism. It is my hope that this will be a most enjoyable and rewarding time for all,and that the Council of the Portuguese Communities will continue to record outstanding accomplishements and add to a commandable record of services and achievements. With best wishes, Sincerely yours, William O’ Neill, Governor (21) Como toda a gente, ouvira falar das cóleras súbitas e passageiras de Mário Soares, mas só então pude presenciar uma mostra dessa sua faceta, durante o encontro com os “franceses” do CCP, na rua Gomes Teixeira! Assisti a tudo, sentada à direita do PM. O desastre anunciava-se desde o minuto inicial, a hostilidade marcava os semblantes fechados dos Conselheiros. O PM, que tinha examinado o CV resumido de cada um, começou, com o seu proverbial à vontade, por interpelar o Padre operário, que dava nas vistas, com uma berrante camisola vermelha: "O senhor é que é o Padre?" Ele respondeu que sim, deu uma pequena gargalhada (era um homem jovial, amplo de estatura, extravertido). O Dr. Soares atalhou severamente: "Não é caso para rir! Tenho muito respeito pelos Padres". A tensão subia... Falou, de seguida, Abílio Laceiras, inconfundível, com o seu cabelo ruivo. Sempre gostei de Laceiras, com a sua frontalidade e descontração, mas ali, não sei porquê, atrapalhou-se um pouco e, como o PM o fitava criticamente, resolveu explicar que se exprimia assim, porque era um homem do interior da Beira. O Dr. Soares ripostou, interrompendo-o: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Salazar também era um homem da Beira e tinha um discurso muito articulado". O comentário provocou um coro de protestos! O PM dispôs-se a repor a ordem, à maneira de um moderador de debate: "Fala aquele senhor e os outros aguardam". Foi o pandemónio! Saltaram das cadeiras, todos ao mesmo tempo, como numa coreografia bem ensaiada, gritando que se iam embora, porque não podiam admitir que os insultasse e os mandasse calar. Enquanto eles se precipitavam para o corredor de saída, o Dr. Soares gritava também:" Isto é uma golpada! Foi para isto que aqui quiseram vir... estava tudo combinado, é tudo encenação!". E era - dali, foram diretamente para uma conferência de imprensa, onde contaram que o PM os tinha recebido com os pés em cima da mesa. Foi o principal destaque nas manchetes, mas, de facto, o Dr. Mário Soares apenas se deixara escorregar na poltrona, lenta, lentamente… os pés foram ficando, apenas, perto do tampo da mesa. Depois que eles zarparem, apressadamente, da sala, o Dr. Soares, irritadíssimo, chamou o assessor de imprensa. Queria fazer um comunicado a denunciar toda aquela trama. Ao fim de algum tempo a sopesar argumentos, concordou que não valia a pena alimentar querelas. (22) A campanha eleitoral centrava-se no envio, por correspondência, do programa eleitoral dos candidatos, para a morada de cada um dos eleitores. Nas poucas deslocações que fiz, dei entrevistas a jornais, rádio e televisão, onde quer que existissem. Em Paris, abundavam então as “rádios livres” e numa delas fui a um frente a frente com os candidatos do PRD, Teresa Santa Clara Gomes e Abílio Laceiras. Na primeira parte, debati com a Teresa, amiga de longa data, mulher extraordinária, católica progressista, presidente do movimento “Graal”. O tom não podia ser mais cordial. Na segunda parte, entrou Abílio e atacou, de imediato: “Não percebo o que está aqui a fazer uma Secretária de Estado, como candidata a deputada. Quer passar de cavalo para burro?”. O comentário era bem divertido, mas evitei responder à letra, limitando-me a defender a superioridade hierárquica parlamentar. (23) O anteprojeto remetido à Subcomissão das Comunidades Portuguesas não teve sequência, na fase de interregno do Conselho mundial. Eu era deputada pelo círculo do Porto, e tinha sido eleita Vice-presidente da Assembleia da República, a primeira mulher nesse cargo, que, por isso, ganhou mais visibilidade. Passei a receber inúmeros convites das Comunidades Portuguesas, aos quais correspondi, sempre que pude. Mas, no que respeita ao Conselho, não estava ao meu alcance intervir. Quando em 1995, voltei a ser cabeça de lista por Fora da Europa, tomei em mãos, de imediato, o projeto de diploma elaborado pelos Conselheiros em 1987, e dei-lhe andamento. Foi, nessa legislatura, o primeiro projeto a entrar na Mesa da AR, (Projeto de Lei nº 21/VII de 23 de novembro de 1995). Na “Nota Justificativa” salientava: O presente diploma inspira-se, de caso pensado, nas propostas aprovadas em reunião da Comissão Permanente do CCP, realizada em fevereiro de 1986, que deram origem ao último texto que, por essa via, foi objeto de consulta aos conselheiros das comunidades eleitos nos termos do DL nº 373/80 de 12 de setembro, e posteriormente apresentado aos deputados da Subcomissão das Comunidades Portuguesas como projeto de lei a aprovar pelo Governo. Consideramos que esse texto, que havia merecido consenso, é ainda de grande atualidade no que respeita à organização da representação do movimento associativo. Neste domínio não nos distanciamos do referido texto, exceto ao não pormenorizar as estruturas ao nível da área consular, remetendo-as para regulamentos a elaborar pelos próprios dirigentes associativos locais, que melhor saberão exprimir os particularismos existentes. Verdadeiramente inovadora é a abertura à eleição por sufrágio universal e direto, alargando o espetro representativo aos cidadãos individualmente considerados, sem diminuir a operacionalidade do órgão, nem a importância que nele mantém a componente de representatividade das associações atuantes nas Comunidades Portuguesas (24)- Abordagem dos acontecimentos de Porto Santo com um toque de humor foi, por exemplo, a de “O Diabo”, em artigo assinado por Carvalho Soares, com o título “Chegada, desestabilização e fuga” sobre o espetáculo encenado pela “Companhia do PREC”, dá à matéria um tom mais cáustico. Outros jornais da uma área politicamente mais centrista minimizam a importância das manobras contestatárias, caso de” O Tempo”, que desdramatiza a situação na sua manchete: “Discordância mais aparenta do que real”, apontando o ambiente fraternal da hora das refeições, e os serões animados pelos grupos folclóricos de Porto Santo, pela música quente da América Latina e pelo fado de Coimbra cantado pelo Deputado Caio Roque no cenário tropical do jardim do Hotel de Porto Santo. Nesta linha mais equidistante dos extremos, deixam avultar, em comentários ou entrevistas, o facto da rápida normalização dos trabalhos após a partida de tal pequeno núcleo. “O Primeiro de Janeiro”, por exemplo, realça declarações minhas, a salientar que: Os mitos ruíram e a Europa mostrou que está também cheia de portugueses de boa vontade, que querem trabalhar. Por isso, nunca faltou ninguém em Porto Santo. (25) A oferta contou com o suporte do Bank of Lisbon and South Africa. o “Banco de Lisboa”, então dirigido pelo Dr. Durval Marques, o visionário fundador das “Academias do Bacalhau”, movimento singular, que combina um lado lúdico, convivial, com a vertente de beneficência, e que, a partir da África do Sul, se internacionalizou, estando hoje em todos os continentes. Uma ideia originalíssima que germinou com a sua liderança e tem a marca da sua própria forma de se relacionar com os outros, no interior da comunidade – combinando eficiência, de simpatia e de generosidade. (26)- Sobre o ostracismo a que estava votado o regime de “apartheid” da África do Sul por todas as democracias do mundo, Portugal incluído, posso dizer que os governos de que fiz parte nunca dificultaram as visitas da titular da pasta das Comunidades Portuguesas aos núcleos da emigração, com exceção do Governo minoritário de Cavaco Silva, (e do seu MNE Pires de Miranda). Em 1986 estive no Cabo, na Reunião do CCP, mas, em 1987, fui impedida de aceitar o convite para as comemorações do 10 de junho, em Joanesburgo. Preocupada com a natural reação da nossa Comunidade, tomei a iniciativa de pedir a um Deputado do PSD que estivesse presente – por sinal, um madeirense. Imagine-se quem… Correia de Jesus, que dois meses depois me substituiria no cargo. (27).A Reunião foi, é certo, um exemplar exercício de democracia, mas, revelou, também as limitações que o atraso económico do País colocavam à satisfação das aspirações dos Conselheiros – caso da exiguidade dos serviços consulares na RAS, onde havia apenas dois Consulados de carreira em Joanesburgo e na Cidade do Cabo, sendo as outras regiões apoiadas por Cônsules Honorários. Dois deles, os de Port Elizabeth e East London, da área do Cabo, receberam, durante a Reunião Regional, "medalhas de mérito" da SECP. Igualmente merecedor da distinção fora, antes, o Vice-Cônsul Mário Silva, da Secção Consular da Embaixada, uma personalidade cuja história de vida devia ser contada – pela sua proximidade e dedicação aos compatriotas, com destaque para o apoio que deu aos refugiados portugueses vindos de Angola e, mais maciçamente ainda, de Moçambique, nos anos de 1974 e de 1975. (28) António Bernardino Berna era Vice-Presidente de um Instituto do Ministério da Educação e todos os seus companheiros eram, também, funcionários públicos. Tinham qualidade artística superlativa, aliada à simpatia e ao espírito coimbrão e estavam disponíveis para atuar “pro bono”, em qualquer ponto do mundo. Pedíamos a sua dispensa aos respetivos serviços para partirem em “missão cultural”, sempre esplendidamente cumprida. E, nas condições em que o faziam, sem “cachet”, não tinham concorrência. (29) A iniciativa portuguesa de negociar com governos estrangeiros, a nível bilateral, as publicações informativas foi pioneira e possível graças ás boas relações entre governantes. Para isso, muito contribuiu a participação portuguesa no Conselho da Europa, que facilitou a criação de uma rede de contactos e alianças. Em 1983, fui, juntamente com Anita Gradin, da Suécia, Vice-Presidente na 2ª Reunião de Ministros responsáveis pelas Migrações, em Roma, e, depois, Presidente da 3ª Reunião, realizada no Porto, em 1987. Anita Gradin (que era, então, Presidente da Internacional Socialista de Mulheres), Georgina Dufoix, e Bernard Bosson, de França, Jean Claude Juncker, do Luxemburgo, Klaus Hug, da Suíça, foram alguns dos meus melhores aliados. (30) A “Conferência para a Participação das Mulheres” dava sequência não a uma recomendação direta de CPP, mas a uma conclusão do 1º Encontro Mundial de Mulheres, iniciativa, como dissemos, originada por uma recomendação do Conselho. Sem a queda do X Governo, as Conferências teriam, certamente sido a sede da prossecução das políticas da igualdade de sexos. Após um longo hiato de quase duas décadas, os Encontros foram retomadas por proposta da Associação Mulher Migrante, (uma associação internacional inspirada nas conclusões daquele 1º Encontro) dirigida à SECP. Em parceria, a Secretaria de Estado e a AMM realizaram, entre 2005 e 2009, os Encontros para a Cidadania – a Igualdade entre Mulheres e Homens”. Foi presidente de honra e presença constante e inspiradora nesse projeto a Drª Maria Barroso, presidente da Fundação Pro Dignitate. Era Secretário de Estado António Braga (PS). Com o seu sucessor, José Cesário (PSD), as políticas públicas com a componente de género, foram continuadas, num crescendo de iniciativas, entre 2011 e 2015 - dois Congressos Mundiais de Mulheres da Diáspora, em 2011 na Maia e em 2013, e em inúmeros colóquios, mesas redondas, debates em vários países de emigração. De referir, em especial, os que tiveram por objetivo, em 2014, refletir sobre a evolução do estatuto das mulheres migrantes ao longo de quatro décadas, desde a revolução do 25 de Abril. De 2015 a 2019, o SECP José Luís Carneiro (PS), manifestou, também, sensibilidade para esta problemática e tornou-se o primeiro a promover, no quadro de uma reunião plenária do CCP, em Lisboa, um debate aprofundado sobre a paridade (ou a falta dela) nas comunidades, no associativismo e, em particular, no CCP. Juntamente com a Secretária de Estado da Igualdade, participei, a seu convite, no debate com os Conselheiros. A linha de continuidade das políticas neste campo, ao longo de mais de 15 anos, com executivos de diferente cor politica, é de realçar. (31).Há quem considere que, a partir dessa fatídica reunião de Paris, os Conselheiros de Paris passaram a ter no Primeiro-Ministro o inimigo principal…O enfoque mediático dos incidentes agravou a situação, nomeadamente a curta e contundente entrevista dada pelo Dr. Francisco Ribeirinhos ao Jornal do Fundão, com o título “Visão curta sobre a emigração – diz membro do CCP”. Sobre a reunião disse: Eu considero que o Primeiro Ministro manifestou o maior desprezo pela emigração, dizendo concretamente que o destino dos emigrantes e o destino destes não o preocupam nada. E, mais adiante: “As questões colocadas pelo Conselho não obtiveram resposta do Primeiro Ministro, nomeadamente a questão do funcionamento do Conselho, supressão de serviços, poupança-emigrante, ensino e o resto. O Primeiro Ministro fez contas de merceeiro. Se puder dar 500, não te dou mil” (32). Sabido que o grandioso mundo das instituições da emigração portuguesa nunca contou com apoios significativos do Estado, era previsível que os Centros Culturais não saíssem do papel, como veio a acontecer. Mais surpreendente foi o desaparecimento do programa editorial (que, nos governos anteriores, somara cerca de uma centena de títulos), do Centro de Estudos, do Fundo Documental e Iconográfico, com esse ou outro nome e da Comissão Interministerial, a que se seguiu, no Governo seguinte, o erro crasso da extinção do Instituto, anexado à Direção-Geral dos Assuntos Consulares, com perda da autonomia administrativa e financeira. (33) A leitura dos Guias de Associações, publicados em 1986, é elucidativa. Não se verifica um pico de expansão associativa ligado à criação do CCP. Há, sim, vários “picos” de crescimento: o primeiro e mais modesto, nos fins de cinquenta e inícios de sessenta, o segundo depois do 25 de Abril, que vai em ascensão de 74 a 79, e um moderado aumento nos anos 80. Constata-se a quase inexistência de associativismo feminino, uma proporção mais satisfatória de associações de jovens e de associações de pais (criadas á volta de escolas comunitárias), e um grande número de associações ligadas a rádios comunitárias, ao fenómeno das chamadas “rádios livres”, em França. O maior incentivo para a agregação dos portugueses na Europa, ao longo da década de oitenta, continuava a ser o folclore e, a alguma distância, os projetos de ensino da língua e o desporto. Não se vislumbra especial motivação política nesse processo. Mais influências terão tido as políticas de apoio ao fomento do desporto e jogos tradicionais, iniciadas, em fins de setenta, pelo Conselheiro da Revolução Victor Alves, no âmbito das comemorações do 10 de junho. Quando a ideia é boa, há que dar-lhe sequência - foi o que procurei fazer neste domínio, assegurando a colaboração da Doutora Graça Guedes, que trabalhara com Vítor Alves. Graça Guedes esteve à frente do Centro de Estudos e da linha editorial da SECP e viria a ser a primeira mulher professora catedrática na área eminentemente masculina do Desporto, em Portugal. (34) Não será exagero falar de proselitismo… veja-se, a título de exemplo, uma entrevista dada à jornalista Josefina Raimundo (“O Lusitano”) em 22 de janeiro de 1993, em que o antigo governante afirmava: “Considero que um regresso ao passado nesta matéria não poderá deixar de ser negativo e prejudicial aos interesses das comunidades portuguesas espalhadas no mundo. Penso que um recuo nesta matéria é mais o resultado da determinação e da teimosia de certos lobbies que existem no seio das comunidades portuguesas do que propriamente da interpretação da vontade genuína dos portugueses que vivem no estrangeiro”. Conclusão da entrevistadora “Correia de Jesus desaprova a reativação do CCP e acusa certas personalidades ligadas à emigração (adivinhem quem) da teimosia do regresso ao passado, à espera, ficam os emigrantes de que surja uma estrutura que lhes dê voz”. (35) O diploma que Carlos Luiz e eu, com os deputados de todas as outras bancadas, meteoricamente, conseguimos aprovar, de comum acordo, não era bem o que queríamos. Era o que queria o Governo e negociar alterações atrasaria o processo… Ao longo dos tempos, no que respeita ao CCP, foram sempre maiores as minhas sintonias com Carlos Luiz do que com José Lello. Nos debates parlamentares sobre o Conselho são notórias essas “nuances”. Mas, apesar de numerosas pequenas guerrilhas em que nos envolvemos, José Lello e eu conseguimos preservar uma relação de amizade, que na política não é coisa comum. Quando, já depois de ter sido Ministro do Desporto e de ter regressado, ao Parlamento, resolveu lançar uma Fundação cultural voltada para a Diáspora (“Terra Mater”), convidou-me a partilhar com ele o projeto e a sua direção. Aceitei sem hesitar, e não foi por qualquer falta de sintonia entre nós que a Fundação não foi por diante. Desconheço o que pensariam de tão surpreendente cooperação, no seu partido. Ao meu, não agradou – nada que me demovesse… Penso que Lello foi um político muito mais perspicaz e sensível à problemática das comunidades do que os antecessores do meu partido, apercebendo-se do erro em que haviam caído, ao depauperarem a Secretaria de Estado dos meios de que dispusera desde 1974, sobretudo, com a extinção do IAECP e a menorização do Conselho. A uma pergunta do JN sobre a possível recuperação de um Centro de Estudos, José Lello respondeu: Tal como recebi a Secretaria de Estado, tenho de exercer uma ação muito forte, diria de magistratura de influências, com outros setores do Governo… Não fui eu, por exemplo, quem acabou com o Instituto de Apoio à Emigração… […]. Naturalmente que o fim do Instituto de Apoio à Emigração limitou-me a margem e a flexibilidade de ação em relação a alguns domínios. Portanto, todo esse tipo de ações, nomeadamente editoriais, deixaram de existir, porque acabaram com elas.”. Na verdade, ele recuperou muitos dos programas, protocolos e parcerias, que eu encetara, com uma semelhante visão civilista das Comunidades… e do CCP.   POSFÁCIO É, para todos, inquestionável que as Comunidades Portuguesas têm assumido um papel relevantíssimo na afirmação externa de Portugal tendo o seu contributo sido decisivo para a economia do país e dos seus territórios ao longo das últimas décadas. De facto, é perfeitamente claro que as nossas comunidades residentes no estrangeiro, representam um capital humano, político, económico, social e cultural que importa, face aos enormes desafios da mundialização, valorizar, preservar e potenciar para bem de Portugal e dos portugueses. Para isso, é determinante que estas assumam um papel mais ativo no plano dos direitos de cidadania e da participação política em Portugal, ganhando mais peso político na defesa daqueles que são os seus direitos legítimos. Ou seja, as Comunidades Portuguesas precisam de ter voz. Mas, uma voz audível e influente, que consiga fazer-se ouvir nos diversos órgãos de soberania em Portugal, com tradução na definição de verdadeiras políticas para as Comunidades. Ora, uma das vozes mais importantes desta parte de Portugal que se encontra repartida pelo Mundo, tem sido ao longo de várias décadas, o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Como sabemos, o CCP é o órgão consultivo do Governo para as políticas relativas à emigração e às comunidades portuguesas no estrangeiro e, ao longo da sua história, demonstrou ser fundamental na representação e na defesa das nossas comunidades, na definição de políticas para o sector e, no fundo, na relação entre Portugal e as suas gentes da diáspora. Trata-se igualmente de um parceiro essencial para a identificação de problemas locais que afetam os portugueses no estrangeiro, fruto da proximidade dos nossos conselheiros às comunidades, completando, de forma perfeita, a informação que chega aos diversos organismos oficiais e ao Governo. Contudo, ao longo das suas quatro décadas de existência, o CCP, apesar de ter já conhecido vários modelos de organização e de representação, aspira ainda que seja aprovada uma formulação legislativa que o torne mais atuante e ainda mais próximo das comunidades. Mesmo assim, temos de concordar que a legislação que regula o seu funcionamento foi até evoluindo de forma positiva. Neste contexto, é importante lembrar que a base da sua representação passou do âmbito associativo para uma eleição por sufrágio universal e, hoje o CCP, no seguimento das propostas por mim apresentadas na Assembleia da República, indica para o Conselho Económico e Social, para o Conselho Nacional de Educação e para o Conselho de Opinião da RTP, os representantes das Comunidades Portuguesas. Ao mesmo tempo, penso ser também oportuno relevar que, nas sucessivas alterações da legislação discutidas na Assembleia da República, houve sempre a necessidade de acrescentar propostas no sentido de reforçar a dignidade e a representatividade do órgão. Infelizmente, apesar destas alterações, o CCP tem ainda um evidente défice de reconhecimento por parte das instituições políticas que com ele devem colaborar, tal como previsto pela própria legislação. Face a esta realidade, o CCP tem, dentro daquilo que lhe tem sido possível realizar, desempenhado um papel muito importante junto das Comunidades Portuguesas, trabalho que nem sempre tem sido convenientemente aproveitado por quem governa o nosso país. Todavia, não posso deixar de afirmar que as opiniões e sugestões expressas pelo CCP, sempre foram muito relevantes para todos aqueles que se interessam verdadeiramente pelos temas da emigração. Na verdade, o caracter consultivo deste órgão, não o impediu, sempre que foi chamado a colaborar, de ganhar um espaço próprio sem chocar com as competências dos órgãos de soberania e com o Governo a quem compete decidir em última instância sobre as políticas de emigração. Tenho acompanhado desde a sua criação o CCP. Ao longo da sua existência tive a oportunidade de ser eleitor, de apoiar candidaturas, de contribuir para programas eleitorais e, mais tarde, já como Deputado à Assembleia da República ter subscrito várias propostas legislativas relativas ao CCP. Tive também oportunidade na qualidade de Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas de trabalhar muito de perto com os Conselheiros. Por esta razão, entendo que tenho alguma legitimidade para afirmar que o balanço do trabalho realizado é muito positivo. Esta minha opinião é, naturalmente, sustentada pelo facto do CCP ter assumido um papel determinante na discussão de temas cruciais para os portugueses que vivem no estrangeiro, como é o caso do ensino de português, a participação cívica e política ou as questões relativas à qualidade e funcionamento da nossa rede Consular. Convém também referir que os Conselheiros das Comunidades Portuguesas são os eleitos de proximidade desse Portugal espalhado pelo mundo. Eles são a voz de muitas das nossas comunidades e lideram muitas das iniciativas de expressão local quer seja por país ou por área Consular. São eles, através do conhecimento que possuem da realidade de vida destes portugueses, que dão consequência ao que entendo ser o principal propósito da ação política, que é o de resolver os problemas das pessoas. Num momento histórico para o CCP, que está a celebrar quatro décadas de trabalho, importa agora pensar no futuro e garantir que, este órgão essencial para Portugal, possa ter condições para melhorar a sua organização, para garantir a prossecução dos seus objetivos e para que seja devidamente reconhecido pelos organismos com os quais deve articular a sua ação. É para mim claro que devemos todos trabalhar para que este órgão possa assumir em Portugal, o mesmo plano de intervenção que órgãos similares já conquistaram noutros países. A criação do CCP foi no fundo o reconhecimento oficial de que havia um outro Portugal composto por gentes que emigraram para as várias regiões do mundo. O reconhecimento também que era necessário dar voz a essas comunidades no sentido de acolher sugestões, propostas ou reivindicações e permitir-lhes assim a sua participação na definição das políticas para esta área da governação. Na minha opinião, foi o reconhecimento da verdadeira realidade do país. Uma realidade que o Conselho das Comunidades Portuguesas representa. Paris, 1 de agosto de 2022 Carlos Gonçalves