terça-feira, 21 de setembro de 2021

MEMÓRIAS POLÍTICAS PARA FAZER HISTÓRIA 1 - Não conhecemos ainda qualquer esboço do programa das anunciadas comemorações dos 50 anos da revolução de 25 de Abril, que ocorrem em 2024. Bem à portuguesa, só sabemos, para já, dois nomes. O de quem preside, simbólica e honorificamente - o General Ramalho Eanes, que há muito devia ser o Marechal Ramalho Eanes, e é absolutamente indiscutível - e o de quem vai "presidir" ao Executivo, um jovem professor da área do PS, cuja notoriedade enquanto comentarista de vários "media" em muito suplanta o seu, para já, modesto currículo universitário. Apesar da sensatez e moderação com que sempre intervém, representa, face à escolha da personalidade do Presidente, o 8 perante o 80. O perfil de académico é, a meu ver, o ideal para um coordenador da "comissão organizadora" das celebrações, se, como me parece fundamental para o seu êxito, se vierem a centrar em aprofundadas investigações interdisciplinares. Para fazer história e para "fazer futuro" - na linguagem de então, para "cumprir Abril", ou para dar a dimensão da modernidade às "conquistas da revolução". O que por tal se entende não é inequívoco ou consensual em todos os quadrantes, mas, da equidistância dos cientistas se espera que os considerem todos. Como escreveu Agostinho da Silva, o filósofo que adorava gatos, a história que mais interessa é a do futuro. Porém, não é menos verdade que o ponto de partida e a fonte de ensinamentos e de inspiração é a do passado... Os trabalhos vão, suponho, começar em breve e prolongar-se por vários anos, antes e depois da efeméride nuclear. Nada tenho a opor a um tão extenso período de preparação e de continuidade de esforços se eles envolverem abertura às diversas universidades e especialistas, (não se fechando em "lobbies"" ou capelinhas), se servirem a pesquisa académica rigorosa, a recolha de documentação, a reflexão e a divulgação da história, pensando, em particular, nos mais jovens, no diálogo intergeracional. Eu atrever-me-ei, contudo, a afirmar que, num certo sentido, essa tarefa já teve o seu início num segmento particularmente importante da preservação da memória, com o testemunho direto de muitos dos protagonistas da revolução de 1974 e da edificação da democracia - ou seja, o seu "dia seguinte", na meia década de setenta e na de oitenta. Falo das autobiografias políticas, que não eram propriamente uma boa tradição nacional, mas que ganharam terreno entre os nossos contemporâneos. Cavaco Silva contribuiu com dois volumes, meticulosamente documentados, e mais os seus "diários" da presidência, na esteira de Jorge Sampaio. Mário Soares deixou-nos uma riquíssima coleção de publicações, tocando várias épocas e domínios, até o literário. Convidativos exemplos! As últimas publicações do género que tive a oportunidade de consultar, foram as de Diogo Freitas do Amaral, em 2019, - com o volume final de uma trilogia, "Mais de 35 anos de Democracia Um Percurso singular" Memórias Políticas III (1982-2017) - e de Francisco Pinto Balsemão, intitulada, simplesmente, "Memórias". Ambos nos oferecem a perspetiva diacrónica de uma fascinante e vertiginosa sucessão de eventos em duas décadas cruciais, tal como as atravessaram e marcaram, com um contributo individual para alicerçar a arquitetura do Estado democrático. E, não parando aí, trazem-nos com eles na viagem por mais um quarto de século de democracia estabilizada, até à atualidade. Para muitos, sobretudo os que que nunca souberam o que é o quotidiano de gente comum ou dos ativos intervenientes sob a ditadura, é uma incursão num mundo desconhecido, norteado por normas estranhas, absurdas... Para outros tem o encanto de uma saga acompanhada de perto, ou, até, em alguns momentos, partilhada. Ao lado de Freitas do Amaral, no governo em que ele foi Vice-Primeiro Ministro de Sá Carneiro, como sua Secretária de Estado, vivi o melhor ano da minha vida, o de 1980, até ao dia 4 de dezembro. Lembrá-lo, página a página, torna-se, assim, uma espécie de romagem de saudade. De Balsemão não posso dizer o mesmo, nunca fui amiga nem prosélita, mas, à distância de décadas, é um exercício estimulante constatar, com mais objetividade, não só divergências de análise sobre casos e pessoas, mas concordâncias e algumas bem relevantes, como a relativa à atual filiação do PSD, a nível europeu - o erro de trocar, em fins de século, a Internacional Liberal e Reformista por um PPE, cada vez mais conservador e menos cristão-democrata - ou a simpatia por um militar "presidenciável", que se chamava Mário Firmino Miguel. 2 - Embora abrangendo, no decorrer de um dado período, as vicissitudes da vida pública no mesmo espaço é muito distinta da de Balsemão a narrativa de Diogo Freitas do Amaral - reflexo natural das diferenças de personalidade, de pensamento, de formação académica, de objetivos na profissão e na política, e de realização concreta nestes dois sectores. Freitas do Amaral conjugou, na perfeição, uma fulgurante carreira universitária, (muito novo ascendendo a Professor Catedrático de Direito), e uma corajosa, determinada, e não menos brilhante trajetória cívica e política, ganhando o seu lugar entre os "pais fundadores" do regime nascido no do 25 de Abril - primeiro presidente do CDS, o "Homem de Estado", que, segundo Mário Soares, "ajudou a converter a direita portuguesa à democracia". Escreveu muitas páginas de história, que é não apenas sua, mas do País, e, por isso, de leitura obrigatória. Uma obrigatoriedade que a leveza e a naturalidade com que se exprime, numa linguagem, em simultâneo, precisa, simples e acessível sobre os temas mais complexos, torna, afinal, muito grata e aliciante, não exclusivamente para especialistas em questões de política nacional e internacional, mas para qualquer um de nós. Enquanto Balsemão nos apresenta a sua "narrativa de vida" de mais de oito décadas, Freitas do Amaral optou por se focar nas "memórias políticas", editadas ao longo de mais de 20 anos em três volumes - nos anos de 1995, 2008 e 2019. Neles vamos, fase a fase, seguindo o excecional trajeto de alguém que se preparou, com talento, rigor e dedicação, para ser o que foi. Numa expressão sua, lapidar. "Sonhei coisas grandes e, felizmente, vivi muitas"- Bastante novo atingiu o topo da carreira académica, como professor catedrático de Direito, e muito novo se viu a liderar um dos quatros grandes partidos do pós 25 de Abril. Excecional se revelou, depois, em todos os cargos aos quais se candidatou e para os quais foi eleito, dentro e fora do país - Deputado, Vice Primeiro Ministro, Primeiro-Ministro interino, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Presidente da União Europeia das Democracias Cristãs (o primeiro português eleito para a presidência de uma grande "Internacional"), Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, candidato à presidência da República, numa eleição que ganhou na 1ª volta e perdeu na 2ª, para Mário Soares, por escassos 138.000 votos... Paradigmática é a forma como analisa os vários factores determinantes dessa derrota, com uma objetividade de cientista político, e como aceita, democraticamente, o veredicto popular, não hesitando em afirmar: "O percurso e o currículo de Mário Soares eram nitidamente superiores aos meus".( Quase metade dos portugueses tinham mostrado, nas urnas, pensar o contrário...). Recusando contestar o resultado, o candidato vencido apressou-se a felicitar o vencedor. No dia seguinte, recebeu em casa "um enorme ramo de flores', com um cartão de cumprimentos, admiração e respeito do casal Maria Barroso e Mário Soares". Nas "Memórias", comenta: "Só o Mário Soares e a Maria de Jesus seriam capazes de fazer uma coisa destas". E eu acrescentarei: Só Freitas do Amaral seria capaz desta reação - a democracia portuguesa no seu melhor! Na era dos Trump e dos Bolsonaros, motivo, para nós, de renovado orgulho. 3 - Francisco Pinto Balsemão, em mil densas páginas, reúne, nos capítulos que sobre política se debruçam, um manancial de dados, desde os dias em que a revolução apenas se adivinhava, sem hora certa. Deputado da "ala liberal" na Assembleia Nacional, a convite de Marcelo Caetano, fundador de um semanário que soube antecipar o tempo da democracia,( "O Expresso"), co-fundador de um partido político, que pesou decisivamente na mudança de regime, o PPD/PSD, Ministro, Primeiro Ministro por dois anos (e dois governos), deputado europeu por 11 dias. E muitas coisas mais: milionário nato (ou seja, de fortuna herdada, que não dilapidou), jornalista, advogado, empresário da comunicação social, não lhe falta matéria de interesse para levar a conhecimento público. Passados os 80 anos, bem gozada a vida, satisfeitas as ambições, as que teve e até as que nem tinha sonhado (nomeadamente ser Primeiro-Ministro, o que somente aconteceu por um trágico acaso), fala sem reservas nem resguardos. É ele próprio, retrata muitas figuras da nossa "res publica", tal como as vê e, ao fazê-lo, retrata-se a si também. Poucos são os que se autobiografam assim, emitindo opiniões, com o à vontade, de quem está numa roda de amigos. O jornalista vem ao de cima", redige com desembaraço e espontaneidade, sem floreados, sem excessivas subtilezas, sem poupar os alvos, ainda que estes hajam ocupado, ou ocupem hoje os mais altos cargos de Estado. As passagens agrestes sobre Marcelo Rebelo de Sousa, não só no livro, mas em entrevistas laterais ao seu lançamento, fazem furor, e, talvez expliquem, pelo menos em parte, que a 1ª edição esteja, (ao que consta), já esgotada. Da Bertrand, em Espinho, trouxe comigo o último exemplar, que só terei conseguido, por estar ligeiramente amolgado - nada que afete o conteúdo. Em jeito de recomendação, terminarei confessando que tenho ficado a lê-lo pela noite dentro, refrescando lembranças, algumas já vagas, e confrontado as minhas com as suas interpretações sobre o encadeamento de ocorrências, de conflitos, polémicas, pessoas que os protagonizaram - exercício tão grato quando aquelas vão no mesmo sentido como quando são dissonantes. Em suma, mais um significativo subsídio para a história de uma então tão jovem e esperançosa democracia. in Defesa de Espinho, 16 de setembro
Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confiná-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que se foi aperfeiçoando em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu! - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia na recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, na luz e sombra de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010. Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas"! E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade. Maria Manuela Aguiar, ex-Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas e Vereadora da Cultura da Câmara de Espinho.
CONVITE ERA UMA VEZ Viagem à roda da África com Maria Archer O que levou uma escritora e jornalista famosa pela qualidade literária da sua prosa, realismo das suas personagens, pendor para o observação etnográfica e ousadia na defesa de causas fraturantes a empreender uma incursão no universo encantatório da literatura para crianças? Partindo do seu "romance de aventuras infantis" e das motivações que ela nos revelou para o oferecer a pequenos leitores, vamos refletir, com Ester de Sousa e Sá e José Vaz sobre as sua prórpias experiências e pontos de vista. O "Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer" agradece a sua participação na 6ª feira, dia 24 de setembro, das 18.15 às 19.15 . Tópico: Zoom meeting invitation - Reunião Zoom de Maria Manuela Aguiar Hora: 24 set. 2021 06:15 da tarde Londres Entrar na reunião Zoom https://us02web.zoom.us/j/82284434416?pwd=K3U2Q1poOS9RQWZ6REM5MHcrWFl5UT09 ID da reunião: 822 8443 4416 Senha de acesso: 672848

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, e quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confina-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que, ao longo da vida, se aperfeiçoou em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia da recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, nas cores e sombras de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010... Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas". E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade.