sábado, 2 de março de 2013

Intervenção co colóquio "Mulheres em Movimento" - Porto 2013


Feminism is the radical notion that women are people


1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE


Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...

Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós,
especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca,
que ficou viúva, com 7 filhos, aos 36 anos e se tornou líder não só na
sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às
organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora
muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas
maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua
respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não
fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos
eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que
gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não
seguia esses seus conselhos.

O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar
que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e
partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista
praticante, com uma emergente consciência da existência das questões
de género ...

Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas
desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a
estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o

paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos seus.
Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas....
E assim, graças a eles,o meu feminismo esteve "ab initio" na linha de
pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não
conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem que fazia prosa
sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados - muitos, incluindo
numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da

Faculdade de Direito de Coimbra.

Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial,
apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás -
houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e
republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos
(como eram os meus Pais). A política estava bem presente, em acesas
discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os
outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas
opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à
idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a
quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela
argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma
sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o
despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo
Porto (e pelo FCP)...

Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois
anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de
religiosas Doroteias), dois anos de Liceu. Costumo comparar o colégio
a um quartel elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar
obrigatório". Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a
excelência do ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas,
ginásio, campos de jogos, parques e largos espaços de recreio, posso
dizer que lá passei muitos bons momentos. Organizava competições
desportivas (incluindo futebol clandestino), dirigia peças de teatro,
escrevia crónicas e romances que partilhava com as colegas, dava
largas à imaginação e à energia. Uma dessas crónicas, que pretendia
fazer humor à custa da instituição, suas regra e poderes constituidos
foi apreendida, e quase provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do
exame do antigo 5º ano. Não seria a primeira da família a passar por
isso, mas escapei, suponho que com a interferência do capelão e de
algumas das Madres, que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu
quis mudar para o Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto, contra a
vontade do Pai, que me vaticinava toda a espécie de retrocessos
escolares, que tinham desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de
Colégio dos Carvalhos se viu "à solta" no Liceu Rodrigues de Freitas.
A história não se repetiu, pelo contrário. Bati todos os recordes
pessoais no exame de 7º ano e ganhei, pelo bem-amado Liceu, o prémio
nacional.

De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha
política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia
apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como
espaço e tempo de liberdade...

Frequentava com o Pai o estádio das Antas, com os Pais e o Avô os
cinemas e teatros e, também, os cafés do Porto, coisa invulgar na
época para o sexo feminino, de qualquer idade...


COIMBRA ANOS 60


Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e
bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade
portuguesa de 60. ..

No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia
encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que
eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto,
que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.

Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código
de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada,
que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente
2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia
ganhando base doutrinal na social-democracia sueca.

O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e
ainda hoje não está suficientemente...

Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade.
Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse
pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a
escolhas profissionais assentes (assistente de um Centro de Estudos
Sociais, assessora do Provedor de Justiça).

Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me
vedada por ser mulher Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason
portuguesa. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da
política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um
corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens.
No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há
excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e
acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se
distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho,
Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que
são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a
Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como
Mário Claudio ou José Carlos Vasconcelos...

Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno
trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas,
para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava
acesso à direcção da Associação Académica - perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das
meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e
covenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais
andanças...


3 - A FORÇA DO IMPREVISTO


Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos
políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para
assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de
um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo
comum indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de
Pari, com uns certificados na matéria). Foi preciso ele insistir, mas
acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais
fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo
Correia, para a recém.criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual
ele era o director. Confesso que nem sabia da abertura efectiva dessa
Faculdade... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu
achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da
minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de
Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da
Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro
com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar
Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me
para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na
Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu
aceitei tão depressa, que ele até julgou que eu julgava que ele
estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido
assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então
não havia que pensar duas vezes!...

Guardo boas memórias de todas as passagens pelas funções docentes, na Universidade
 Católica, na Universidade Aberta, (num curso de mestrado cheio de jovens "promessas"),
mas aquela tinha um significado muito especial - o convite chegava com
atraso, mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres
estavam barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento
legal, mas a prática era essa. Entretanto mudara, mas não me lembro
de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas, como o
Fernado Nogueira ou o Cordeiro Tavares. Dez anos mais novos do que eu,
o que me ajudou a rejuvenescer. Fui assistente de dois grandes
juristas, o Doutor Rui Alarcão e o Doutor Mota Pinto.

Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante
dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de
Coimbra, no pós 25 de Abril. Há coisas que seriam impensáveis fora de
períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar
aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou aulas práticas, a
turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias
de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias,
como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se
estivessemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois,
analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de
outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de
tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de
Direito a salas cheias de "caloiros" simpáticos. Um dever e um
prazer.

E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em
Coimbra que me abriu as portas da política. Antes de mais, porque
reatei, naquele preciso momento da nossa História, o relacionamento
próximo com amigos que estavam no centro da fundação de partidos (em
particular do PPD) e da criação de um regime democrático, E, por
outro lado, porque descobri que era capaz de comunicar em público -
eu, que me considerava fadada apenas para trabalho de gabinete.

Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das
mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. A meu ver, não era
coincidência, mas a consequência de uma maior auto-confiança do que a
que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de
que me transformou o suficiente para admitir a hipótese de enveredar
pela exposição nos palcos da política. Que não para a planear... Na
verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota Pinto me dirigiu para
a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas que eram vistas como
coutada masculina, foi um absoluto imprevisto. E o Doutor Mota Pinto
usou o argumento decisivo: "se recusar, não haverá mulheres no meu
Governo". Depois da mera combatividade verbal, era a hora de agir....

Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao
Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num
editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na
memória.

Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima"
daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na
área mais tradicionalmente feminina da Educação...

Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes
de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a
influência de máquinas partidárias, algumas já então poderosas. Na
minha opinião, foi um governo que se impôs, ganhou credibilidade e,
por isso, durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram
de se entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis,
findos os quais voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr
José Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à
face da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de
legendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que
pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que
se faz tão raras vezes na vida.

Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da
posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro
Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me
identificada, porque, como afirmou numa entrevista a Jaime Gama, e
era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação
partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja,
Sácarneirista desde 1969).

Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro
para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta,
mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse
pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha
"condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande
preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão
misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas.
Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala
de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro!
Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando
a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me
chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o
vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro-
Ministro,e esperei anos para o poder tratar assim".

Mas, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma
alegre informalidade.

Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com
outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me
sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse
inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.

O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida
surpresa. A outra surpresa veio do pelouro que me propôs: a
emigração, num Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios
Estrangeiros.

No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado,
uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM,
a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me
nessa altura). Ainda a "quota mínima", tripartida...

A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da
que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, colectiva, imersa na
nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança
cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade
distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal -
um fenómeno por mim insuspeitado de extra-territorialidade da nação.
Um mundo associativo espantoso, embora um mundo de homens. Eu era a
primeira mulher que junto deles aparecia, como face do governo da
Pátria.Se tinha dúvida quanto à reacção que provocaria, logo os
receios se desvaneceram - receberam-me sempre com alegria, com
simpatia. Não fiz unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve
foram sempre devidos a questões políticas, não a questões de género.
Trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide
de confiança. Mesmo nas hostes ideologicamente adversárias encontrei
quase sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes,
agitado Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidir,
desde1981 (era então um forum associativo, de perfil masculino,
politicamente dividido entre uma Europa mais contestatária e uma
Diáspora transoceânica mais próxima das posições do governo´).

Na verdade, acredito que ser mulher tornou bem mais fácil a minha
missão. Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma bem divertida,
foi um jornalista de S Diego, o Paulo Goulart. No fim de uma
entrevista, ao almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de
quem gostámos: é de si e do João Lima". ( João Lima, antigo Secretário
de Estado da Emigração era, então, deputado pelo PS). Fez uma pausa,
como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou:
"Pensando bem, o João Lima até tem mais valor, porque é homem e
socialista".

Achei muita graça à sua franqueza. Na América ser socialista, de
facto, assusta e não dá votos... E também é verdade que, em certas
situações, mesmo na vida política ,mesmo em ambientes dominados pelo
poder masculino, é uma vantagem ser Mulher... Porque é a "exótica"
excepção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as mulheres
fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu caso, senti
simpatia, adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de
homens influentes e de algumas raras mulheres, que já se faziam ouvir.

Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas experiências -
sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser
considerdos "adjuntos de ministro"... - o imprevisto estava, de novo,
à minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto.
Um convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembleia.
Aceitei, como aconteceu anteriormente, não muito segura de me sair
bem na responsabilidade da representação feminina... Fui, assim, a 1ª
Mulher a presidir às sessões plenárias do parlamento, à Conferência de
líderes, a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...

Após 4 anos nesse cargo que, enquanto não assumido por uma mulher,
tinha sido sempre mais discreto, apesar da sua importância protocolar
(2ª figura na linha da sucessão do Presidente da República, "en cas de
malheur"...) sucedeu-me Leonor Beleza. Mas o País teria ainda de
esperar um quarto de século por uma Presidente da AR, escolhida pelo
mesmo partido, que é contra as quotas mas aposta na alternativa do
pioneirismo na abertura de oportunidades ao que eu chamo "mulheres de
excepçã"o...

Só em 1991, me propus, eu própria, como voluntária, para um lugar
que verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o
Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida fora do
que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações
internacionais, a APCE. e a AUEO...). Aí havia menos jogos políticos
de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga
a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor
recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da
Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas. Defendi a
dupla nacinalidade, o estatuto dos expatriados, a não expulsão de
imigrantes, o reagrupamento familiar, insurgi-me contra a guerra do
Iraque, denunciei a discriminação de género no desporto... Acabei a
presidir, entre 2002 e 2005, à própria delegação Portuguesa à APCE e
á Assembleia da UEO.

Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação
da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no
ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes
e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja
republicana hoje, mas tenho a ecrteza que o teria sido em 1910, na
companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de Castro Osório ou Adelaide
Cabete. E feminista sou-o no sentido preciso que lhe davam as nossas
sufragistas.

Também nunca tive complexos de inferioridade por prenche,
eventualmente,r um espaço aberto pela "quota" , mais ou menos larvada.
No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no cargo de VP da AR e sempre
rejeitada como tal pelos opositores das quotas do meu partido. Quando
eu dizia: "escolheram-me para Vice-Presidente da AR, porque queriam
uma Mulher" (o que para mim era evidente, estava certo e só pecava por
ser decisão tardia), respondiam-me:

"Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"

O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o
mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou
capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando,
porventura, errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são
muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas
partidárias, à maneira tradicional.


PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS


Com este tema recorrente, vou terminar a minha intervenção longa....

Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é
gritantemente inaceitável! No acesso às universidades, por exemplo,
são escolhidos os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por
sinal, são mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo nem
legítimo intervir .

A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento
de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação
é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres num domínio como
o da intervenção cívica, da política, impõe uma presunção de
discriminação. A Lei da Paridade torna essa presunção inilidível e,
a meu ver, é com base nela que determina uma quota mínima em função do
género.

A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a
presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com
honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul,
onde chegou com atraso. E Portugal não é excepção. As quotas vieram
garantir novos patamares de equilíbrio de género, com aparente
valorização do todo!

Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja
objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos
(artº 8º)

. Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação
de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os
estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais? Sobre a sua actuação concreta?

Estranho, ou talvez não... porque as questões de género continuam
descentradas da agenda política em Portugal.

Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo (à Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género, que terá condições ideais para o
levar a cabo um estudo conclusivo) e ao Parlamento, seja para
eventualmente poder o legislador pensar alterações à lei nº 3/2006,
com vista a "mais paridade", ou a dar mais visibilidade ao percurso
que as mulheres vêm fazendo no caminho aberto pela Lei, contra regras
não escritas e práticas discriminatórias vigentes nos aparelhos
partidários.


E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo
dizer que não a li num livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há
muitos anos, inscrita numa placa de um automóvel que atravessava o
centro de Boston, num dia de sol:


FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE