quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

UMA MULHER PRIMEIRA MINISTRA - MARIA DE LURDES PINTASILGO

Maria de Lurdes Pintasilgo, a primeira mulher a chefiar um governo da República portuguesa, por pouco não foi pioneira no desempenho desse cargo, na Europa democrática - pelos dias que vão de 4 de maio de 1979, quando Margareth Thatcher ocupou o nº 10 de Downing Street, a 1 de agosto, data da sua chegada à residência de São Bento. Todavia, para além da coincidência e do caráter histórico e simbólico dessa quase simultânea intrusão feminina no mundo das altas esferas da política, rompendo tabús de velhas sociedades patriarcais, o que as distancia na aventura governativa é muito mais do que o que as aproxima. Thatcher ascendera do âmago das estruturas partidárias, de um (improvável) quadrante conservador, numa democracia antiga, através de uma sucessão de vitórias eleitorais, no partido e no país. Pintasilgo vinha da pura militância em organizações católicas nacionais e internacionais e em movimentos cívicos, feministas, numa democracia incipiente, instável, ainda a tentar erguer as suas traves mestras. Entrou na cena política, trazida de fora para dentro, por escolha do Presidente Ramalho Eanes, no auge de uma crise - crise que está na origem das controversas decisões presidenciais de dissolver a Assembleia da República, convocar eleições intercalares e nomear um governo transitório, para conduzir o processo eleitoral. Por isso, o mandato da Engª Pintasilgo, prometia, logo à partida, ser, como foi, tudo menos pacífico. Ela era uma personalidade independente, de grande notoriedade e prestigio, tal como os seus predecessores nos governos "de iniciativa presidencial", mas, dos três, a mais descomprometida com o sistema partidário e a mais conotada à esquerda, em especial, à "ala meloantunista" do Conselho da Revolução. (Quando interrogada por um jornalista sobre a sua alegada pertença a essa corrente do MFA, responderia ironicamente: "Eu não sou meloantonista, Melo Antunes é que é marialurdista"). A opinião pública, os "media"nacionais e internacionais seguiam, com natural interesse, o desempenho das duas chefes de governo, não resistindo, às vezes, à tentação de comparar os seus perfis e declarações. Um jornal espanhol chegou a apelidar Pintasilgo de "Thatcher roja". Em Portugal, a imprensa e alguns políticos da ala direita, preferiam outros termos de comparação e falavam de "terceiro mundismo socialista", gonçalvismo de saias"... Contudo, mesmo nos casos em que a linguagem decaiu em laivos de sexismo, que hoje seriam intoleráveis, no meu subjetivo olhar "feminista", terá significado antes um recurso ao insulto fácil do que uma objeção à mulher, por ser mulher. A questão de género ficou submersa na vaga gigante das questões políticas, das propostas, dos ideários daquela pessoa em particular, admirada ou temida por ser, como era, extremamente inteligente e determinada no seu ímpeto de mudança, que, de facto, uns queriam e outros não. Em suma, estávamos perante uma personagem pouco consensual e muito carismática, que acreditava na importância da intervenção inovadora da mulher na igreja e no mundo - uma teórica e doutrinadora, pronta a passar das palavras aos atos, aceitando o testar a sua própria capacidade de fazer obra no terreno da política. Foi Procuradora à Câmara Corporativa, instada por Marcello Caetano, com quem colaborou, do mesmo modo, no âmbito do Ministério das Corporações, presidindo aos trabalhos da plataforma que esteve na origem da Comissão de Política Social relativa à Mulher, à qual presidiu. Em 1974, tornou-se a primeira portuguesa ministra nos governos provisórios, sem levantar, na pasta dos Assuntos Sociais, quaisquer reparos de natureza sexista. O seu percurso, um regime para o outro, em cada momento e circunstância, indicia que o seu objetivo era dar o melhor de si, com uma assumida intenção de transformar as coisas, tanto quanto possível, até ao limite da utopia. Esteve nos cargos de passagem, sem amarras, sem "pertenças", mas cheia de ideias, de convicção e de energia. Assim a vi, ao longo de várias décadas. Nos encontros esporádicos que fomos tendo, nos anos 60 em Coimbra e, anos mais tarde, em Lisboa, falávamos, invariavelmente de intervenção feminina na sociedade, o domínio em que a sintonia era maior. Em 1979, aliás, eu estava firmemente do outro lado da barreira, contra a ideia de um governo "para fazer eleições", e contra a sua procura de um paradigma de desenvolvimento democrático, que considerava um enfraquecimento da democracia representativa, ainda tão frágil. Estava entre os que queriam a simples adaptação de modelos europeus, em vez do “experimentalismo” social e político, que a primeira - ministra nos prometia. Como muitos portugueses, também eu a julgava a mulher certa, no lugar certo, na hora errada.. Estive na sua tomada de posse no Palácio da Ajuda, numa quente manhã de verão, no meio de uma multidão de amigos e de representantes das instituições públicas, muitos admiradores incondicionais e alguns antagonistas, entre estes quase todos os ministros e secretários de Estado do governo cessante, a que eu pertencera. Não havia indiferentes...O ambiente era, ali dentro, como no país, um misto de expectativa e de tensão difusa. Muito formal, evidentemente. A solenidade das posturas e do trajar, dos discursos, dos cumprimentos não se perdera, com o pendor iconoclasta da revolução, nem com a frequente repetição daquele cerimonial. Mas as palavras do juramento eram ali, ditas no feminino ( "eu abaixo assinada...) e a Primeira-ministra escolhera, não um "fato de executiva", mas um vestido chique de seda italiana, um penteado conservador, elaborado, uma imagem bem feminina para a história que ali se escrevia. No entanto, eu estranhava ver em seu redor somente os habituais vultos de fato e gravata, esperava mais ministras, lembrando a senhora que conhecera 20 anos antes, em debates abertos do Graal, incitando as jovens universitárias à participação cívica (mais tarde, li a sua justificação de que convidara quatro mulheres e recebera quatro recusas). Para além da falta de uma forte componente feminina na equipa governamental, notada foi, também, a de muitos políticos em oposição aberta - prenunciadora dos duros afrontamentos a que iríamos assistir, em larga medida provocadas pela sua recusa em se concentrar, apenas, no processo eleitoral, pela reiterada afirmação de uma vontade de inovar nas mais diversas áreas. Cerca de cinco meses durou o V Governo Constitucional, ultrapassando o horizonte temporal previsto, no meio de uma campanha eleitoral radicalizada, que levou à vitória da coligação encabeçada por Francisco Sá Carneiro, com maioria parlamentar, a primeira desde 1974. Anos mais tarde, ao fazer o balanço dessa experiência singular, a Engª Maria de Lurdes diria que toda a classe política estivera contra ela, mas o povo não.Não terá sido surpreendida por isso, pois era inevitável a reação dos três maiores partidos, do centro-esquerda ao centro-direita, no projeto europeu, relativizando divergências menores, contra quem procurava outras configurações para estruturar a arquitetura de uma democracia emergente. Temiam o intervencionismo de um executivo que, na sua ótica, se preparava para extravasar o mandato: "o governo só durará 100 dias, mas organiza-se e actua como se estivesse para ficar 100 anos" (Expresso, 11 de agosto). Muito mais adesão encontrava ela, por exemplo, em "O jornal", que a defendia das diatribes em títulos como "A direita perdeu a vergonha". A visão oposta dos dois semanários, como de outros "media" nacionais, refletiu, a par e passo, a divisão em que o país viveu a chamada "marcha dos 100 dias". No fim, deu-se por cumprida a missão principal do governo - levar a cabo um processo livre e transparentes de expressão da vontade popular. E, no meio de tanta efervescência e controvérsia, a Primeira -miinistra ganhara o desafio de se impor como mulher na esfera pública, em cumplicidade com o povo, de quem procurou aproximar-se. Sentiu-o e disse-o na altura. Demonstrou-o, em 1985, aquando do seu breve regresso ao palco da política, com uma campanha para a presidência da República, marcada pelo integridade e pelo fulgor do seu discurso. Arrancou, cercada de entusiasmo e simpatia, e com sondagens esperançosas, mas acabou, em novo braço de ferro, vencida pela dinâmica avassaladora das máquinas partidárias. Mais uma vez denunciou, asperamente, as forças que lhe retiraram a vitória, dizendo que: “[..] surgiram do fundo arcaico da sociedade portuguesa, em profunda simbiose com estruturas rígidas e autoritárias, de raiz marcadamente patriarcal.” Com a eleição de Mário Soares e o que considerava "a implantação do liberalismo" no país, afastou-se da vida pública nacional, porque lhe parecia óbvio que ":a sociedade portuguesa, na sua expressão político-institucional, não tinha lugar para uma pessoa como eu". Voltou às origens, ao campo da militância cívica e foi, sobretudo, em organizações internacionais que se distinguiu como grande vulto do pensamento europeu e universal, pela cultura, pela criatividade, pela apaixonada defesa de valores humanistas (incluindo neles, sempre, a vertente feminina). Maria de Lurdes Pintasilgo foi não só a única mulher, mas, igualmente, a única personalidade declaradamente feminista, a presidir, até hoje, ao governo de Portugal. Suportou os custos inerentes a uma forma diferente de estar na república, tal como a idealizava, quando escrevia:" As mulheres [...], enquanto mulheres na vida política trazem sempre consigo uma certa perturbação ao sistema. São portadoras não de interesses, mas de causas, as causas da vida". No seu caso, sem dúvida alguma, tão grandiosos foram os ideais como o desassossego com que abalou o “sistema”…Valeu certamente a pena para quem dizia que: "estar na política de forma idêntica à dos homens não me parece um contributo que traga muito de novo para a solução dos problemas [...]" Não a acompanhei no modo como avançou, em 1979, para a " solução dos problemas" do país e fui mantendo algumas diferenças de enfoque, ou gradações de fé, em relação a algumas das suas posições, mas reconheço a sua excecionalidade como ser humano, a sua capacidade de viver as crenças e os sonhos em gestos concretos, e admiro-a por ter sido, antes, durante e depois dos dias contados do V Governo, uma " Mulher de Cidades Futuras

THE GREAT AMERICAN DISASTER

Do 9-11 ao 11-9 1 - Cheguei a NY na segunda daquelas datas fatídicas: o "day after " da eleição presidencial americana. A viagem pareceu interminável, porque ao tempo real se somou o tempo psicológico, de quem ia chegar à América, já não para partilhar a festa da vitória, mas como quem vai a um funeral... de tudo o que admira na terra da liberdade, de todos os valores e de todas as causas em que acredita. Nessa noite, nas maiores cidades do país, o povo, que com o seu voto elegeu Presidente Hillary Clinton, saiu à rua, em pacíficas marchas de protesto. Foram as primeiras e não serão as últimas! Hopefully...Temos de esperar que o povo americano saiba defender-se da tirania , da intolerância racista, xenófoba e misógina que Trump encarna, e, com uma pacífica resistência, defender o mundo de uma eminente regressão civilizacional. O "nine-eleven" foi uma data trágica que mudou, para sempre o tempo e o espaço de paz em que viviam as democracias, desde a derrota das potências do "Eixo", do nazismo e do fascismo, na segunda metade do século XX . Um outro presidente republicano, JW Bush, lançou a guerra (do Iraque), destruiu equilíbrio de forças no Médio Oriente e criou o "habitat" ao desenvolvimento da Al_Qaeda e de todos os terrorismos aparentados. O erro de Bush não tem fim à vista. Contudo, ao comparar Trump a Bush, a conclusão é assustadora, porque, apesar de toda a sua incompetência e estupidez , este ainda se situa no campo da democracia, na sua faixa mais conservadora e belicista, contudo ainda dentro dos princípios elementares e das normas mínimas de relacionamento entre pessoas, raças, sexos e religião, entre nações e povos - um homem de trato normal. Trump pelo contr´rio, quer na enunciação das suas políticas, quer como personagem é um acabado fascista do século XXI Tal como Trump face a Hillary, ele perdera no voto popular para o democrata Al Gore, e fora entronizado por um sistema anacrónico de voto colegial - tão anacrónico quanto o direito individual de porte de armas, que, há 200 anos, correspondia a uma necessidade de auto-preservação nas pradarias ou nos "saloons" do Far -west" e hoje serve, sobretudo, a violência dos fanáticos e o instinto assassino dos loucos. Na verdade, o sistema eleitoral vigente na América favorece Estados menos populosos ( por fatal coincidência, mais caucasianos, mais envelhecidos e mais conservadores), que estão sobre -representados, e cada vez mais, com o crescimento do universo cosmopolita face ao rural. Acresce um outro fator de distorção da vontade popular, que é o facto do vencedor de um Estado, mesmo tangencialmente, conquistar todos os delegados que o representam, sejam eles muito ou poucos, assim inutilizando o voto de todos quantos, nessa circunscrição, sufragaram o outro candidato De há muito se multiplicam as críticas a tais aberrações eleitorais, assim como ao uso generalizado de armas de fogo, sem que tenha sido possível a sua erradicação. 2 - Hillary Rodham Clinton, a brilhante Senadora de NY, a competentíssima e prestigiada antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros, ganhou a eleição por sufrágio direto e universal, como acontecera com o antigo Vice-presidente de Bill Clinton Al Gore, Seria , em qualquer Estado, que respeite o voto expresso do Povo - de Portugal à África do Sul, do Brasil à França... - a Presidente do seu país. Fica com ela, como não deixem de clamar muitos democratas, essa inegável legitimidade! Resta ao oponente a "legitimidade de sistema", ironia do destino para quem se apresentava como a candidato anti-sistema.... Num e noutro caso, há 16 anos como agora, os EUA perderam, assim, estadistas de grande estatura e de grande visão. política, realmente ELEITOS pelo POVO, e viram , em seu lugar, homens sem qualidade , que, à frente da única super-potência mundial são tremendamente perigosos para a humanidade inteira! 3 - Pessimista, mas inconformada quanto ao futuro que nos espera, regressei a Portugal no domingo, com o Globe and Mail e o NY Times como companheiros de viagem, que a direção dos ventos torna sempre bem mais curta do que a de ida. Nos seus textos, encontrei, invariavelmente, uma leitura do acontecido na madrugada do "elevan nine" próxima da minha. "Horrorizada", como Paul Krugman ( "Thoughts for the horrified", 1ª página do NY Times), dececionada como John Irving, nas colunas de "The Globe and Mail" (The "great beast" has spoken), resistente como Timothy Egan, do NY Times ("Resistance is not Futile). Em Portugal, constatei, com espanto, que (quase) todos se mostram menos preocupados com a figura de Trump do que com Marine le Pen, sua aliada em versão “soft”., e dão mostras de querer “branquear” a sua imagem A história recente da Europa e do mundo mostra o perigo de subvalorizar ditadores em potência. Não relativizemos os movimentos nacionalistas e xenófobos que alastram por todo o lado, até nos países mais improváveis, com o Brexit do Reino Unido, e a Dinamarca a confiscar os bens dos refugiados à maneira hitleriana… Não sejamos a maioria democrática silenciosa. Maioria, sim! A começar na América, menos dividida ao meio do que se julga, porque o projeto humanista e generoso de Hillary ganhou o sufrágio popular, e, do outro lado, muitos votaram por fatores mais benignos do que o ódio, que, A “Alternative Right” /Tea Party , de Trump, Pence, Bannon ou Flyn, embora no poder, é largamente minoritária. .A América vai regredir, sem dúvida, mas a democracia sobreviverá: os democratas já vieram para a rua, em inúmeras manifestações cívicas, um elenco de negros, num palco da Broadway, já teve a coragem de exortar o futuro Vice.Presidente Pence - vaiado pelo público - a respeitar os direitos das minorias, um significativo número de clubes da NBA, já recusou alojar-se nos hotéis Trump, o “Mayor” de Nova York já fez desaparecer do alcance persecutório da administração Trump os registos de trabalhadores indocumentados. Assim se resiste não pela violência das armas, mas pela força da razão Publicado em "A Defesa de Espinho"

2016-2017 PASSAGEM DE ANO

Like a bridge over troubled water 1 - A passagem de ano é obrigatoriamente tempo de balanço do que finda e de bons augúrios para o que nasce, como se nascesse imaculado. Longe de mim a ideia de romper com a tradição, que convoca à solidariedade e à partilha de otimismo, em convívios e em mensagens, enviadas nos velhos cartões de papel ou nas redes sociais. Proponho-me atravessar a ponte de um ano a outro, em casa, ao som da inspiradora canção de Simon e Garfunkel "Like a bridge over troubled waters". Resisto, pois, à tentação de dizer à maneira de Pedro Passos Coelho: "vem aí o diabo!". De qualquer modo, devo precisar que os demónios que vejo. a agitar águas turvas, não são esses de que ele fala. Isto é, não são nacionais. Bem pelo contrário, temo é uma invasão de diabos alheios. 2 - De facto, 2016 deixa a 2017, essencialmente, um rasto de ameaças e incertezas, a nível planetário. A mesma força perversa da demagogia, da distorção da realidade, a que se usa agora chamar "pós verdade" (uma expressão que de algum modo "normaliza" as mentiras, por vezes delirantes, mas eficazes, que enchem, por exemplo, os novos "media"), fabricou o "Brexit", derrotou Hillary e Renzi, e continua a alavancar sinistras personagens como Farage, Beppe Grillo, Marine, Erdogan, Trump, Putin. Putin, o improvável "compagnon de route" do futuro presidente americano, que ele terá ajudado a eleger, tanto quanto o diretor do FBI, com aquela cirúrgica retoma e pronta retirada da "questão dos emails" de Clinton, quase à boca das urnas (ingerências que colocam em causa a própria democraticidade do processo eleitoral americano e podem inverter o slogan de Trump, que se arrisca a fazer, de facto, não os EUA mas a Russia "great again" - a Rússia capitalista, na qual tem os seus negócios privados, note-se). Assistimos, um século depois, ao ressurgimento, dos nacionalismos e dos fascismos, do ódio e da xenofobia que germinam, em velhas democracias, seja no "Tea Party", na "Alternative Right", no movimento "Cinco estrelas", seja nos movimentos da mesma raiz, que já estão no poder em alguns países do leste europeu. O caos do Médio Oriente, desencadeado pelo Presidente Bush com a guerra do Iraque, alastra, imparável, nessa e em outras regiões, provocando vagas dramáticas de refugiados - as primeiras vítimas do fanatismo religioso, que, contudo, ultrapassa todas as fronteiras e pode, a qualquer momento, levar a violência e a morte a qualquer recanto tranquilo das nossas terras. É, verdadeiramente, a globalização do terror, a par da globalização da mentira (a partir dos "media" digitais...) e da globalização de um capitalismo selvagem, regido pela lei dos mercados contra a Lei do Estado. Ou seja, o poder financeiro sobrelevando o poder político - uma "economia que mata" nas palavras do Papa Francisco... Os demónios do século XXI aí estão. Conhecemos os seus rostos, os seus propósitos. 2017 é ano eleitoral em muitos Estados da Europa e é absolutamente crucial que vençam os democratas, de esquerda ou de direita, tanto faz - caso de Angela Merkl, vista, cada vez mais, como paladina de uma tradição humanista europeia ameaçada. 3 - Em Portugal, 2016 foi, inesperadamente, um ano bem melhor do que o anunciado nas profecias da "inteligentzia" nacional, apesar da dívida, do desemprego, da emigração, do estado da economia, do estado da banca, que não mudaram, no essencial. Mudou, contudo, o estado de espírito coletivo. O novo Presidente da República chegou e trouxe consigo uma nova forma de estar em Belém (e um pouco por toda a parte) e de dar ânimo aos seus concidadãos, em nome dos afetos, da concórdia e da alegria (e energia!) de viver. O novo Primeiro - ministro (seu antigo aluno na Faculdade de Direito, e um excelente aluno) vai pelo mesmo caminho. É um espetáculo deveras cativante, vê-los a partilhar um guarda-chuva no 10 de junho, em Paris, ou, juntos e sorridentes, a plantar uma árvore em Lisboa. Primeiro, rendeu-se-lhes Portugal, que, nas sondagens, dá 97% a Marcelo Rebelo de Sousa e um pouco menos, mas bastante, a António Costa. Depois, rendeu-se-lhes a Europa, esfumado, definitivamente, o receio dos excessos "gauchistes". de um Executivo saído de uma fórmula parlamentarista inesperada e contra-corrente, se bem que legítima. E, subitamente, o mundo rendeu-se a Portugal no mais mediático dos desportos, com a conquista do campeonato europeu de futebol. Uma trajetória espantosa, jamais vista, de empate em empate até à vitória final, contra a França, anfitriã do evento e grande favorita. Uma seleção de uma vedeta única (Ronaldo, então em baixo de forma, mas, ainda assim, Ronaldo), intergeracional (do mais velho, o incomparável Ricardo Carvalho, ao mais novo, um irreverente Renato Sanches, passando pelo reaparecimento de Quaresma). Fernando Santos acaba de receber o troféu de melhor treinador do mundo! Ronaldo, idem, como jogador (sem ponto de exclamação, porque a isso já nos habituou). Por fim, nesta síntese de feitos para a História de 2016, o maior de todos: a eleição de António Guterres para Secretário-Geral das Nações Unidas. E não pela via de meros jogos de bastidores, como aconteceu com os seus antecessores, mas numa escolha pelo puro mérito individual, em processo transparente, pontuado por debates abertos, em que foi, destacadamente, o primeiro. Homem universal, a quem está agora entregue a missão de velar pela paz no mundo (missão quase impossível, em que, segundo Jorge Dias, nós, portugueses, somos melhores do que em tarefas fáceis e rotineiras). Importando uma linguagem corrente no futebol para este outro campo, podemos dizer que Guterres e Marcelo, colegas e especiais amigos, pertencem ainda à "geração de ouro", que devolveu ao País a liberdade, a democracia e a esperança de as transportar para o futuro. É bom podermos olhar para nós, sobretudo para os que dão a medida grande das nossas capacidades, e sentirmos que temos, naturalmente, muito a aprender com outros Povos, mas também muito a ensinar-lhes. 2016 foi, nesta perspectiva, um ano positivo de mudança, de auto-confiança e de auto- afirmação, que de individual se converteu, de algum modo, em coletiva. Assim seja, igualmente, 2017. Publicado em "A Defesa de Espinho", 29 de dezembro de 2016

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

REPENSAR O NATAL

1 - O Natal da minha infância era a magia de muitos encontros, na casa grande da Avó Maria, no centro de Gondomar - três gerações de uma família enorme, alegre, expansiva, com muita mocidade à volta da figura matriarcal dessa Avó, que sempre recordamos, especialmente, nesta data. Um Natal cristão, de felicidade absoluta, de luzes, de música, de sabores - hoje de memórias muito vivas do passado distante. Essencialmente, uma festa de família, que evocava a família de Jesus, Maria e José, numa proximidade ou cumplicidade com o Deus menino, amigo de todos os meninos da Terra. O amigo que nos fazia chegar a casa, na madrugada de 25 de Dezembro, por meios assaz misteriosos, enquanto dormíamos, prendas magníficas, recompensa de bom comportamento, formalmente sugeridas numa carta que os nossos pais enviavam pelo correio, uns dias antes. Triciclos, bicicletas, ursos, bonecas, jogos, puzzles, livros, muitos livros... Só ficou mesmo a faltar-me, a mim, um vistoso automóvel de pedais, vermelho, pedido a Jesus, direta e sigilosamente, nas orações da noite, e, por isso, nunca mencionado na letra incerta dessas missivas tão genuinamente ingénuas - uma deceção e um segredo que só viria a contar, meio século mais tarde, num programa de televisão, quando me perguntaram qual fora a prenda mais desejada nos meus Natais de criança. Devo acrescentar que, antes desse programa (o "Portugal no coração") terminar, lá estava eu a receber, das mãos da Merche e do Malato. nos estúdios da RTP no Monte da Virgem, uma bela miniatura de um carro de corrida vermelho, exatamente da cor do original, o dos meus sonhos. Logo depois, outro bem disposto participante desse inesquecível momento televisivo, o José Lello, um amigo que lembro com saudade, recebia, também, por entre palmas e sorrisos, um presente simbólico. 2 - Natal é tudo isto - gestos de compreensão e generosidade, laços de afeto e de fraternidade. Começa no pequeno círculo da família restrita, à medida da nossa pouca idade e entendimento das coisas, mas não pode ficar-se por aí, antes deve alargar-se, numa vivência da matriz cristã da comemoração, ao círculo maior da família humana, para além das fronteiras das religiões ou da geografia, da raça, da língua, da cultura... Nesta perpetiva, a mensagem de Jesus - mensagem humanista, universal, até para os não crentes ou praticantes de outros credos - parece agora mais atual do que nunca. Todos estamos convocados a projetar o sentido da história que aconteceu há mais de 2000 anos na história que está a acontecer, dramaticamente, sob os nossos olhos, arrastando tantos milhões de refugiados através dessa mesma região do globo, o Médio Oriente, berço da nossa Civilização. É perfeita a semelhança do quadro de causas que os forçam à fuga e à clandestinidade, com a situação vivida por Maria e José. um casal de migrantes, vítimas de perseguição, em trânsito arriscado, aventuroso, mas, finalmente, venturoso, em terra estranha. Maria caminha, no último estádio da gravidez, à espera do filho, que nascerá num abrigo improvisado, num presépio ou estábulo, precisamente como tantas crianças, que são, atualmente, dadas à luz em lugares inóspitos, em tendas e acampamentos degradantes, quando não nos botes da morte no Mediterrâneo... Poderíamos, na verdade, representar o Natal com as imagens e os rostos da tragédia que nos trazem as reportagens dos "media", quotidianamente, para que se tome plena consciência da impossibilidade de se julgarem cristãos, civilizados, democratas, os mais altos responsáveis políticos ou as pessoas anónimas que negam a sua solidariedade aos refugiados, aos estrangeiros. Os que os tornam objeto de polémica e divisão nas sociedades contemporâneas. Os que se conseguem eleger com os votos do ódio e da intolerância, feitos armas de guerra contra os mais desprotegidos. 3 - Não é, afortunadamente, o caso de Portugal, quer enquanto Estado, quer enquanto Povo. Para mim, o melhor presente natalício de 2016 foi o saber que um estudo credível, divulgado há poucos dias, distingue os portugueses como os mais abertos dos europeus ao acolhimento de quantos procuram escapar aos horrores da destruição das suas casas e das suas cidades. Na segurança e no conforto das nossas, pensamos neles e estamos dispostos a partilhar aquilo que um país relativamente pobre lhes pode oferecer, em tempo de crise! É uma virtude que nos vem, certamente, de uma cultura de convívio, a âmbito planetário, através de séculos de infindáveis migrações. Não temos medo da alteridade e das particularidades dos outros, porque os conhecemos na experiência vivida, na Diáspora. O medo dos estrangeiros, das minorias, é sempre sinal de desconhecimento, de ignorância, de preconceito atávico. Nós somos, assim, individual e coletivamente capazes de viver o espírito do Natal, a letra das suas canções, a emoção das suas cores brilhantes, porque somos capazes de ver em todo e qualquer pequeno refugiado sírio ou afegão o menino Jesus, que veio ao mundo em missão de paz. Em "A DEFESA DE ESPINHO", 22 de Dezembro de 2016

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

NATAL, nas palavras do Papa FRANCISCO

Enviado pela mão de uma Amiga (Ana C). Um verdadeiro programa de vida, para a vida inteira. Por isso, partilho. "O Natal és tu, quando decides nascer de novo em cada dia e deixar Deus entrar na tua alma. A árvore de Natal és tu, quando resistes vigoroso aos ventos e dificuldades da vida. Os enfeites de Natal és tu, quando as tuas virtudes são cores que enfeitam a tua vida. O sino de Natal és tu, quando chamas, congregas e procuras unir. És também luz de Natal, quando com a tua vida iluminas o caminho dos outros com a bondade, a paciência, a alegria e a generosidade. Os anjos de Natal és tu, quando cantas ao mundo uma mensagem de paz, justiça e amor. És também os reis magos, quando dás o melhor que tens sem teres em conta a quem o dás. Os cânticos de Natal és tu, quando conquistas a harmonia dentro de ti. Os presentes de Natal és tu, quando és um verdadeiro amigo e irmão de todos os seres humanos. Os desejos do Natal és tu, quando perdoas e restabeleces a paz, mesmo sofrendo. A consoada és tu, quando sacias com pão e esperança o pobre que te é próximo. Tu és a noite de Natal, quando, humilde e consciente, recebes no silêncio da noite o Salvador do mundo, sem ruído nem grandes celebrações; tu és sorriso de confiança e ternura na paz interior de um natal constante estabelecendo o reino dentro de ti." Papa Francisco

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

SOMOS MAIS PORTO com BRAHIMI !

Acho que o Porto teria continuado a perder oportunidades de golo e pontos preciosos se Nuno Espírito Santo não tivesse sido praticamente "obrigado" a utilizar Brahimi - pelo facto de uma lesão de um dos "seus" titulares... Brahimi e Corona, do outro lado do campo. O problema não era o da juventude André Silva, como se vê agora. É bem mais fácil exprimir estas opiniões quando se ganha - e melhor do que fazer de conta que tudo esteve sempre perfeito. É evidente que este FCP de Nuno Espírito Santo joga um belo futebol ofensivo, de que se gosta. Como jogava o Valência naquela época aurea, até que começou o desaproveitamento, para não dizer "banimento", de alguns dos grandes nomes do plantel. Receio que este seja o grande risco que corremos com ES. Não é só o caso de Brahimi. É o caso ainda mais inexplicável de Rúben Neves, em relação ao qual ninguém pode dizer que é muito bom, mas individualista... Não só só eu que penso assim. Carlos Daniel afirmou há pouco na RTP3 que lamenta a sua sistemática não utilização, reconhecendo embora a qualidade de Danilo, mas considerando que este jovem portista acrescentaria valor ao conjunto...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O melhor PORTO

Numa pequena entrevista dada a "O Jogo", nas vésperas do Porto- Braga, ou seja ainda em período de crise de golos, não ilibei das responsabilidades o treinador, não me queixei da insuficiência do plantel e fui absolutamente contra a compra de reforços de inverno. Na minha opinião, os reforços já lá estavam, mal aproveitados. Sinto-me profeta! Foi, é certo, preciso uma infeliz lesão para que Espírito Santo recorresse ao mais brilhante jogador que tem à disposição - Brahimi, é claro! Um verdadeiro ala. E, como do outro lado, escolheu outro extremo de grande classe, Corona, tudo ficou mais fácil. Contra o Braga, o Leicester, o Feirense... O FCP já jogou muito bem (daí eu achar que não carece de reforços), muito mal e assim-assim. A ver vamos o que o futuro nos reserva, Se não tinha perdido ainda a esperança, duas semanas atrás, sinto-me hoje mais otimista. Não, contudo, absolutamente tranquila. (e continuo a lamentar a pouca utilização de Rúben Neves... esperando que venha a ter a oportunidade merecida de um lugar no onze, sem ser por lesão de um colega)