sexta-feira, 18 de março de 2016

OS PRESIDENTES da REPÚBLICA E A " QUESTÃO DE GÉNERO

1 – A questão de género, entre nós, nunca está na ordem do dia. Por isso, sobre o Presidente Marcelo e sobre os seus antecessores muito pouco se disse e escreveu, nesta matéria. A presidência da República tem sido sempre e vai, por certo, continuar a ser, durante muitos anos, reserva masculina (a última Chefe de Estado em Portugal foi a Rainha Dona Maria II…), embora simbolicamente se represente a República na estatuária de pedra ou de bronze, com uma bela imagem de mulher… Esta é a situação de "disparidade" em que vivemos, mas podemos, pelo menos, esperar que o Presidente faça sua a causa da paridade... 2 – Vou aventurar-me, como o Professor Marcelo costumava fazer nos seus memoráveis programas da TSF, a dar notas aos Presidentes eleitos depois do 25 de Abril, com enfoque neste domínio. Todos me merecem, felizmente, classificação positiva: 18 valores para o General Ramalho Eanes, pela coragem de ter nomeado, num governo de iniciativa presidencial, uma mulher Primeira ministra, Maria de Lourdes Pintasilgo (audácia admirável numa altura em que, na Europa, só Thatcher chegara, e apenas algumas semanas antes, a esse lugar cimeiro); 14 valores para o Dr Mário Soares (a quem, nos demais capítulos, daria nota 20!), pela atividade normativa dos seus governos, expressa em leis igualitárias, saídas de pena ágil do Dr. Almeida Santos. 19 valores para o Dr Jorge Sampaio, coerente mensageiro da igualdade (na expressão de Ana de Castro Osório um “feminista prático”, que é aquele que se afirma pela ação concreta). Foi o primeiro Presidente a criar um gabinete e uma assessoria para o cônjuge, o primeiro a comemorar o Dia da Mulher, com um forte apelo à participação cívica e à valorização do seu papel na sociedade e na política - o único que não esquecia as mulheres na lista de condecorações, tão disputadas no mundo dos homens… e até o único que escolheu um génio feminino, Paula Rego, para pintar o seu retrato destinado à galeria do Palácio de Belém; 12 valores para Cavaco Silva, apesar de ter sido, enquanto PR, um implacável adversário da lei da paridade (vetando uma versão inicial, que tornava a paridade vinculativa, forçando a sua substituição por uma modalidade "soft", em que a infração ao normativo legal dá apenas origem a uma multa…). Contudo, enquanto governante e líder partidário, teve a preocupação de promover mulheres. A ele se devem as nomeações das primeiras governadoras civis, as eleições das primeiras Vice-presidentes da Assembleia da República (segundas na linha de sucessão do Presidente…), a indicação das primeiras juízas do Tribunal Constitucional, o maior número, até então, de mulheres num governo da República (algumas com grande influência e poder, como Leonor Beleza e Manuela Ferreira Leite). 3 – É muito cedo ainda para classificar o atual PR, mas não para ter fundadas esperanças na sua atuação futura. É um defensor declarado do sistema de quotas, contra as elites e as bases do seu partido (neste aspeto, terá sido o dirigente do PSD mais próximo do pensamento da social democracia nórdica). E tem um longo passado de luta contra os preconceitos de género, pelo menos desde os míticos anos 70 do século XX. Posso exemplificar com breves citações do seu editorial do Expresso de 30 de Novembro de 1978, que conservo numa seletiva pasta de recortes de imprensa: "Num País onde a mulher está ainda muito longe de dispor de possibilidades de afirmação idênticas às do homem, a nomeação da primeira mulher para exercer o cargo de secretário de Estado do Trabalho merece especial referência". Depois de uma breve referência ao curriculum académico e profissional dessa jovem desconhecida (que, por acaso, era eu…), recorda os nomes das raras mulheres que a haviam precedido nos governos da República: Teresa Lobo, ainda antes da revolução de 74, Lurdes Pintasilgo, Manuela Morgado e Teresa Santa Clara Gomes. E prossegue: "Mas o que poucos arriscariam é que uma pasta tão melindrosa como o Trabalho incluísse uma mulher governante. Tratava-se de um pelouro considerado extremamente sensível nas suas repercussões políticas, a desaconselhar, para muitos, a presença de uma mulher. É positivo que este sacrifício do "machismo" latente tenha sido vencido. É positivo que Mota Pinto tenha ousado dar o passo que deu". Não me lembro de outro político que tenha feito uma denúncia tão frontal do “machismo latente” na vida pública portuguesa! E como, quase 40 anos depois, o “machismo latente” persiste, não faltarão ao Presidente ocasiões para o combater. in "A Defesa de Espinho", 17 de março

domingo, 6 de março de 2016

DR JM GODINHO: AMIGOS, POLÍTICAS Á PARTE

O Dr. José Magalhães Godinho foi um excecional Provedor de Justiça. A meu ver, exerceu as funções como nenhum outro, por muito bons que alguns dos seus sucessores tenham sido. Com coragem, generosidade, humanismo, para além da sua experiência e sabedoria jurídica. Foi assim toda a sua vida! 
O seu curriculum como advogado, como resistente à ditadura, dava-lhe uma imensa autoridade moral. E a autoridade moral é a principal força do Provedor, do "ombudsman", na luta pela justiça.
 É preciso, também, carisma - não basta a competência jurídica, que tinham, com certeza, os apagadíssimos "provedores" destes últimos tempos... 
 Alem de carismático, brilhante. o Dr Godinho era um homem encantador, com sentido de humor, com graça, com uma esfusiante alegria de viver! Criou à sua volta um ambiente de trabalho convivial, onde toda a gente se dava bem com toda a gente. Havia respeito e havia amizade. 
 É de notar que, naqueles anos de 1977/78, a cena política portuguesa continuava agitada, e, todavia, dentro do SPJ, política não era tema que se debatesse, nas pausas do trabalho. Com uma exceção: as minhas habituais discussões com o Dr Godinho... Eram muito estimulantes, porque estávamos, quase sempre em desacordo - ele um Soarista convicto, eu uma prosélita das virtudes de Sá Carneiro. Ainda por cima, ambos gostávamos muito de futebol, mas ele era do SLB, eu do FCP... 
Um dia, dedicou-me esta quadra: 

 Se a querem ver satisfeita
E com um ar prazenteiro
 É darem vivas ao Porto
E ao dr Sá Carneiro!

1978 NO 16º ANDAR DA PRAÇA DE LONDRES

Nos meus cerca de 7 anos de trabalho no arranha céus da Praça de Londres, poucas vezes tive de subir ao 16º andar, o do Poder - duas, três, já nos últimos tempos, com o Ministro Silva Pinto e o Sub-secretário de Estado Nogueira de Brito (um antigo colega do 1ºandar - ou seja, do Centro de Estudos). Como corriam histórias assustadoras de avarias dos elevadores, elevadores que fechavam hermeticamente (símbolo de modernidade), sempre considerei uma bênção ter um local de trabalho acessível através de uns poucos degraus de escada.... O diálogo com o Poder era ofício do Diretor do Centro de Estudos, pelo que todos os dias eu via os elevadores, situados no átrio, mas não os utilizava. Depois da revolução aquele Ministério cindiu-se em dois, Trabalho e Assuntos Sociais, Optei por este último, ao tempo com Pintasilgo por Ministra, e passei 4 anos longe do magnífico edifício, dividindo a minha semana entre consultadoria nos gabinetes da R João Crisóstomo e a Faculdade de Direito de Coimbra, onde dava aulas à 2ª feira (e, talvez, também à 3ª feira - já não sei com precisão). Até que passei, geograficamente falando, para a Av 5 de outubro, onde fui "estrear" a Provedoria de Justiça, com o 1º Provedor, Coronel Costa Brás. Costa Brás é uma das figuras mais importantes do pós 25 de abril - um verdadeiro operacional das primeiras eleições democráticas, Foi ótimo estar sob as suas ordens: era sério, competente, rápido a decidir, e a decidir bem. Na entrevista que tive com ele, alertou-me para o carater "burocrático" de muitas das diligências que ali se faziam, e que ele achava pouco interessantes para quem vinha de uma Universidade, mas eu reiterei a vontade de "mudar de vida". O "ombudsman" é uma instituição de criação nórdica e para mim, na altura, tudo o que era sueco era ótimo. Queria experimentar! Por sinal, dei-me bem, apesar das saudades de Coimbra. Ao Coronel Costa Brás. sucedeu o Dr José Magalhães Godinho. Que sorte eu tive de ser uma das suas assessoras! Todos os meus "chefes", em diferentes cargos da função pública, foram excecionais e alguns tornaram-se grandes amigos. O maior de todos foi o Dr Godinho! Embora politicamente muito distante do Governo a que eu ia pertencer (o do Prof. Mota Pinto), estava feliz por mim, e insistiu em me dar "boleia" para a tomada de posse. Com ele fomos e regressamos da sessão solene, a Camila, a Branca e eu - isto é, a minoria feminina do corpo de assessores do PJ. Nunca gostei daquele género de sessão solene, senti-me sempre intimidade, então e, depois, em mais quatro posses futuras. Não sei porquê... As luzes, o rígido protocolo, os olhares da distinta assistência...enfim, o "medo do palco" traduzindo do inglês, "stage" - pelo visto coisa comum a grandes vedetas do teatro e a pequenas Secretárias de Estado. Recordo que vestia um tailleur simples e levava um colar de pérolas, No regresso, já descontrída, tirei as pérolas, atirando-as, descuidadamente, para dentro da carteira, A Camila ficou aflitíssima: - "Não faça isso. Vai estragar as pérolas!" - "Não faz mal, são falsas!" respondi. De facto eram, embora não parecessem. Deixaram-me à porta, na Praça de Londres. A partir daí, estava por conta própria, On my own... Queria ter continuado, de volta "a casa". Sentia-me só, perante o desconhecido... O 16º andar. Espinho, 4 de março 2016

quinta-feira, 3 de março de 2016

UMA MULHER NO LARGO DO CALDAS

A liderança feminina de um dos partidos fundadores (ou refundadores)da democracia portuguesa já é dado certo - Assunção Cristas é candidata única no CDS/PP em próximas eleições. Inédito neste partido de direita, que não na política portuguesa. A fórmula feminina resultou, ostensivamente, no Bloco de Esquerda, com protagonistas de última geração. Outros se preparam para a seguir - com a norta curiosa de a figura de Cristas ser a de mulher e mãe de várias criancinhas - até agora, a única ministra a dar à luz em funções governamentais. Fora deste enlace de género e geração esteve, como é óbvio, Manuela Ferreira Leite à frente do PSD, ou Maria de Belém como presidente do PS (lugar mais honorífico do que executivo). mas são sinais importantes. Como exemplo acabado de miniginia, resta o PCP - e não se vê que vá mudar tão cedo, se é que pode mudar algum dia... Masculino, como o cante alentejano! Esta descoberta do "filão feminino" lembrou-me uma história verídica passada comigo. em S Diego, no ano de 1982. Um dos meus amigos nessa comunidade era Paulo Goulart, açoreano com um espírito e um rosto bem portugueses. Na comemoração anual da descoberta da Califórnia pelo navegador, nosso compatriota, era sempre ele que o representava num simbólico desembarque, vistosamente trajado à época, comno num filme de Hollyood. Tinha o seu próprio programa de rádio e era muito popular na nossa comunidades. Numa das muitas visitasa São Diego dei-lhe uma entrevista, finda a qual me convidou para almoçar. Um restaurante com vista para o mar. Poderia julgar-me em Lisboa ou Cascais, se não estivesse a comer tubarão grelhado... A meio da conversa, Goulart comentava os Secretários de Estado e deputados que já tinham passado por ali.E, com a franqueza que lhe era habitual, disse-me: Só há dois de quem nós, realmente, gostamos - de si e do João Lima (meu antecessor na pasta e , então, deputado do PS pela emigração). Parou, olhou para mim e acrescentou: "Pensando bem, ele tem mais valor, porque é homem e socialista". Continuámos a saborear o tubarão, mudámos de tema. Mas eu nunca mais esqueci a frase - tão surpreendente para mim. Não quanto ao antisocialismo do americano ou luso-americano comum, mas quanto às vantegens de género - para uma mulher. Nunca me tinha ocorrido, mas Goulart tem com certeza razão. Para uma mulher é, muitas vezes difícil chagar ao cargo... mas, depois, não é assim tão difícil agradar ao eleitorado...

quarta-feira, 2 de março de 2016

O ÚLTIMO TANGO NO RIVOLI

O último tango-spaghuetti noir de Giuseppe Iacono. Fantasporto Ir no Rivoli vale, eventualmente, pelo filme, vale sempre pelo regresso ao mundo mágico da cinefilia dos anos 50 do do século passado, que abrangeu a minha vida dos oito aos 18... Tinha, então, duas paixões, que perduram: a 7ª arte e o espetáculo do futebol. Cinema, as mais das vezes, com o Avô Manuel, o Estádio das Antas, a partir de 52, com o Pai. O Rivoli foi um dos que primeiro recebeu, no Porto, o grande ecrã do cinemascope (que nos trouxe muitas operetas em cenários de "western", com ou sem tiroteios). O meu Avô paterno era melómeno, preferia musicais, quer fossem sobre Tchaikowsky, ou com a Dietrich ou, no género mais ligeiro, espetáculos como "7 noivas para 7 irmãos". Não havia classificação de filmes para os mais pequenos. Vi de tudo em criança, até, estarrecida, o grande final de "Duelo ao sol". Sangue, unhappy end, como neste último tango... Gostava de tudo, antes de mais, de ver as pesadas cortinas de palco a abrir lentamente, quando as luzes se apagavam... Ainda hoje, às vezes, vou a filmes menores só para viver esses momentos.