segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

PRINCESAS IMIGRANTES

PRINCESAS IMIGRANTES
 MEGHAN MARKLE, MÁXIMA ZORRAGUIETA CERUTTI E MARIA TERESA MESTRE Y BATTISTA

1 - Em comum têm estas três mulheres nossas contemporâneas o facto de serem plebeias e estrangeiras no país onde foram viver um "conto de fadas", que, afinal, começou por ser uma verdadeira ordália, pondo à prova a sua coragem e resiliência na luta contra um feixe de incontáveis preconceitos. A problemática da sua integração no novo meio, embora este configurasse uma Corte Real, não foi muito diversa do árduo começo do comum dos processos migratórios. 
São, as três, oriundas do Novo Mundo: Meghan, a afro-americana, atriz emergente de séries televisivas; Máxima da Holanda, a argentina de origem basca e italiana, licenciada pela Universidade Católica de Buenos Aires, com "master's" nos EUA, seguido de fulgurante carreira no setor da alta finança internacional; Maria Teresa, a cubana de famílias basca e castelhana, exilada, com os pais, em NY e na Suíça, colega de Henrique do Luxemburgo, na Universidade de Genebra, onde se formou em Ciências Políticas. 
Vinham de culturas olhadas de revés pela intelectualidade e pela opinião pública europeias e tornaram-se vítimas da xenofobia latente nas nossas sociedades, onde o sentimento persiste e não só persiste como cresce...
Meghan tinha ainda contra si o facto de ser divorciada e de assumir, com orgulho, a metade negra da sua herança genética (que alguma imprensa britânica chama, despudoradamente, o seu "ADN exótico") e Máxima o labéu de filha de um antigo ministro da Agricultura da Ditadura, e o facto de se manter católica convicta. A Maria Teresa, uma cubana discreta e baixinha, pouco valia, à primeira vista, a esmerada educação e a longa tradição familiar de filantropia.
Porém, enquanto Máxima e Guilherme e Maria Teresa e Henrique gozam, hoje, de uma grande simpatia e estabilidade nos respetivos tronos, Meghan e Harry, (o primeiro casal multiétnico e multirracial da monarquia britânica), não resistiram aos desenfreados ataques racistas dos tablóides", investidas a que se juntaram, após o anúncio da sua renúncia ao estatuto real, os de muitos "media” de melhor reputação.
2 - Em mais de uma semana de infindáveis notícias e debates sobre o "Megxit", o mais chocante, a meu ver, foi a constatação da insensibilidade de quase todos os nossos comentaristas de gabarito para este aspeto do problema, ao ignorarem o etnocentrismo e o racismo, como causa da reação dos dois jovens, preferindo pôr em foco a leviandade da americana, (a intrusa, a mestiça), não tanto a do marido real (a culpa é, afinal, um substantivo feminino.).
À desvalorização dos preconceitos étnicos (ou à inconsciência do seu peso fundamental na decisão dos duques de Sussex), se aliou uma espécie de snobismo republicano de exegetas que se mostram "mais papistas do que o Papa" (no caso, a Rainha Isabel, que encima a hierarquia da Igreja Anglicana), ao pretenderem condenar o jovem casal ao serviço forçado e vitalício da Coroa. Deixem-nos sair, livremente da lista de abonados da Casa Real"!
 Outras monarquias, da sueca à espanhola, tomaram já a iniciativa de reduzir aquela lista ao círculo estreito do casal régio, seus filhos e pais sobreviventes. Parece-me bem e torna as Monarquias cada vez menos onerosas face às  Repúblicas
De qualquer modo, os direitos humanos fundamentais são para todos, sem distinção de raça, género, classe, fortuna... Já Ana de Castro Osório, feminista e republicana, há mais de um século, situava a luta pela igualdade entre Mulheres e Homens, definitivamente acima da questão de regime, dizendo que se devia dar a mesma solidariedade a todas as mulheres, qualquer que fosse o estatuto económico e social, porque todas eram, em diferentes contextos, vítimas das mesmas formas de discriminação - uma operária, ou uma princesa, por igual.
Dou, pois, a minha solidariedade à princesa Megan, que os pasquins ingleses zurziram tão injustamente por insignificâncias protocolares, como afagar a barriga durante a gravidez, ou cruzar as pernas em cerimónias públicas (tal como fazia a cunhada Kate, poupada porque, embora plebeia, é branca e autóctone).

3 – E, dito isto, acrescento que não sou propriamente simpatizante do perfil de Meghan, de Kate, ou, menos ainda, de Letícia de Espanha. Parece-me que lhes falta, mais do que brasões, uma dimensão cultural e humanista. E admiro, precisamente porque a têm, e com ela enobrecem e modernizam monarquias, as princesas Máxima, atualmente Rainha, e Maria Teresa, hoje Grã-Duquesa. 
Conheci esta última, numa reunião do Conselho da Europa sobre microcréditos Simples, direta, com uma vivacidade muito latina, cheia de ideias… Impressionante! Tem tido uma ação notável nos domínios da inclusão financeira, da integração de imigrantes, da igualdade das mulheres, agindo tanto a nível nacional como internacional - na UNESCO, na UNICEF, no Comité Paralímpico Internacional. Em 2006, foi-lhe atribuído, pela Fundação da Santa Sé, um prémio, a "Peace Award". É presidente da Cruz Vermelha, fundadora de uma grande Universidade para Mulheres Asiáticas, animadora do movimento contra a violência sexual "Stand, Speak, Rise up". Dirige uma Fundação, focada nestes domínios, onde reúne, como conselheiros, vários prémios Nobel.
Máxima é, atualmente, a figura mais popular da Casa Real holandesa, o Parlamento indicou-a para o Conselho de Estado e atribuiu-lhe o título inédito, na era moderna, de Rainha consorte (até então, os conjugues eram apenas príncipes). Pertence também ao Comité para a integração das Minorias Étnicas. Navega, por coincidência ou não - ambas possuem formação académica na área económica - nas mesmas águas da Grão-duquesa Maria Teresa - inclusão financeira, microcrédito, apoios a pequenas e médias empresas, integração dos imigrantes pela cultura, pela educação musical, igualdade de género. E vai mais longe, na defesa dos direitos dos "gays" e de outras causas "fraturantes" (na expressão corrente entre nós). É conselheira do Secretário-Geral das Nações Unida, no domínio das Finanças e Desenvolvimento, desde os tempos de Ban Ki-Moon.
A extraordinária capacidade de integração e o ascendente que estas mulheres estrangeiras e plebeias (Máxima, Teresa, Sílvia da Suécia e outras) ganharam, tanto no interior de Casas Reais, como a nível popular, deve-se a algo muito mais decisivo do que a geografia ou o meio social em que nasceram: às qualidades de inteligência e à excelência da formação académica, por um lado, e, por outro, ao seu carácter e ao gosto pela intervenção cívica.
Eu confesso-me "res publicana",  antes que republicana. Acredito na igualdade de todos os seres humanos e na democracia. Democracia compatível, como mostram as monarquias nórdicas europeias, com um regime de entrega da chefia simbólica do Estado ao representante de uma antiga Família. Confiam-lhe uma missão, não a sacralizam. O ideal é que essa família se cruze com gente do seu povo e de outros povos, com uma única condição: saberem escolher as mulheres ou os homens certos