quarta-feira, 3 de maio de 2023

QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO RESUMO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo, no domínio da emigração, vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 elas vêm reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se, neste quadro jurídico e fáctico, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade", em 2007, às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução nº 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I -AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO (Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas) Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente livre, para todos, a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres. No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio, permitido - só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo, seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do Sul. (C R Boxer, 1977:34). No nosso caso, houve, sim, algumas exceções determinadas pela vontade de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com essa finalidade, saíram para a África e o Oriente, as chamadas "Órfãs d’El-Rei" - jovens recolhidas em orfanatos, que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos...). Também o povoamento por casais foi promovido, em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca de forma generalizada e sistemática. (C R Boxer, 1977: 78-84) Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich, enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam consigo uma prole numerosa, e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Felix, 1978: 28-30) Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, grande número de mulheres iam juntar-se a maridos e familiares, por sua vontade, contrariando estratégias, leis e determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade - o que era causa de desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e responsáveis pela execução das políticas de emigração. (1) São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores, como Afonso Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma "depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o emigrante, essencialmente, como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913:182). Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a "desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917:132). Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios, e a mulher que seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a todas as restrições que a qualificação implicava... Essa diferença de tratamento denunciava a clara consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e pelo não retorno – a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticas administrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro tipo de ganho, que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades, portuguesas pela cultura e pelo afeto, (indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas ou depreciadas como meros “guetos” transitórios, onde se enclausurava, por escolha própria, a primeira geração de emigrantes. Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de exploração no trabalho. O que obviamente não havia, ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos - e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros domínios, direitos absolutamente iguais. II - DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO 1 - Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida…) e vem a ser consagrada na Constituição de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da problemática feminina, perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de positivo, face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino todo e qualquer trajecto migratório - assim se tornando opaco, e permanecendo desconhecido, o que especificamente dizia respeito às mulheres migrantes. No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre os sexos, para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para a Igualdade", cuja designação foi variando, sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica aquela primeira categoria, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro, às eventuais singularidades da sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no art.º 9º, e, a partir da revisão de 1997, também no art.º 109º, impor ao Estado a tarefa de promover da igualdade entre os sexos no que respeita á participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras - ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da emigração, devido à crise económica, que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado, se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, ainda que não, normalmente, no mesmo tipo de empregos. Em qualquer caso, a possibilidade de profissionalização, logo aproveitada, maciçamente, converteu-se numa autêntica via de emancipação destas mulheres, dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica, como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995:51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto. (2) A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas formas, acaba sendo, frequentemente, superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a vida das emigrantes ao longo de décadas - como realidade complexa e dinâmica - e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008: 1257)) Em boa verdade, o sucesso, no longo prazo, da geração de 60 e 70 (a do "salto" para a Europa...) não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998: 22). E às próprias mulheres se fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país. (3) 2 - No aspeto legislativo, é de salientar que, na década de 80, subsistia ainda, contra a letra e o espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas - na maioria mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a nacionalidade portuguesa, automaticamente, às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei nº 37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge, como transmiti-la, em igualdade de condições, à sua descendência e recuperar o estatuto de cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se, a reaquisição desse estatuto facilitada e com eficácia retroativa, só viria a ser assegurada pela Lei nº1/2004 de 15 de Janeiro, ou seja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril... (4) 3 - Olhámos a emigração do passado, mas, tratando-se de um movimento que nunca cessou e reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém, igualmente, considera-lo no presente. Embora isso não tenha, ainda, reconhecimento bastante, há, de facto, um recrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se dirigem, em larga medida, a um espaço europeu de liberdade de circulação... As mulheres estão envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e, tal como os homens, são cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante escolarizadas e procuram melhores condições de vida". (5. É um êxodo, também no feminino, que escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor, e apoiar, como reivindica a Assembleia da República numa Resolução, aprovada no primeiro trimestre deste ano, que irei expor adiante. Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área, por cientistas, a título individual, em projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos, encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos dicionários, mas que permite classificar, expressivamente, um instrumento, que tem tido influência basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género", em Portugal, no nosso século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Caddon- Stanton fez história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls. Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no universo da emigração, o "congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente académica com a da partilha de experiências vivenciais, visando a ação concreta e a mudança. Em Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, 41). Os “Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de 2005. (6) 4 - Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de surtos migratórios e, muitas vezes, casos graves de exploração dos expatriados, dos quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa... Por isso se regista como positiva a retoma de colaboração, que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da Emigração". (7) Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género e tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um observatório das migrações femininas. (8) III - AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS 1 – Como vemos, foi regra geral, até data recente, a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo - este dirigido e representado - nunca é demais salientá-lo… - quase em exclusivo, por homens, no período que se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981. Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, mulheres e jovens, só estes últimos têm estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de ensino da língua e cultura portuguesas, mas também de ações de intercâmbio, estágios de formação profissional, encontros, debates - do que designamos por "congressismo". Na última reestruturação do CCP – Lei nº 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o associativismo feminino... Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela "paridade" de género no CCP, nos termos que, adiante, explicitaremos, em alternativa a esta outra forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo, porém, válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto, provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe de ter a metade dos assentos do Conselho. Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada - e deveria sê-lo… - nos critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais, em que se estruturam as comunidades, se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem, funções simétricas, no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade - neste permanecendo, quase sempre, uma discreta "dona da casa", que se encarrega da arte da culinária, da decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, fatores insubstituíveis de agregação e de desenvolvimento... Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros - para já, mais em determinados países do que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa. Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem, em absoluto, o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que se trata – trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar pela aplicação de direitos fundamentais, que nenhuma tradição ou costume, que invoque, pode subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro, apelando à vivência igualitária da cidadania, como, de resto, quer o próprio legislador constitucional. A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos, no pós 25 de Abril de 1974, descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e políticas, no espaço da emigração. 2 – A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". (9). Era, de facto, um "retomar" a questão de género, que havia tido, apenas, um momento breve de afirmação, na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP, que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O Conselho, criado pelo Decreto-lei nº 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulher-exceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas. (10) A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes, dirigentes de coletividades… Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas comunidades - no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto... (11). A seleção desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das mulheres, tal com à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira, e, também, da sociedade civil, se realizou, em junho de 1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial. 1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de diáspora, de um fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos para audição geral dos seus expatriados. A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso, não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram (como António Braga haveria de fazer, duas décadas depois – sinal da longa paragem do processo então encetado... - " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa gerada pelo Encontro". (12). Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, propunham a criação de uma associação internacional própria. Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projetos de mudança. Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a formar-se – por falta assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão da problemática feminina na agenda do CCP, para convocatória de novas reuniões... Em 1987, perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica, mas na órbita do "Conselho" - por simples despacho do presidente do CCP, que era, então, um membro do Governo - de várias "conferências" temáticas, em áreas prioritárias, entre elas, uma "Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro". (13) A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca convocadas, tal como os plenários do "Conselho". 2- Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do "Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação".(Gomes, 2007: 99) A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum modo, ainda que sem uma base institucional, no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa estratégia de cooperação "Estado -Sociedade Civil". Não será de todo excessivo, ver, não na "Mulher Migrante", em si, mas na "plataforma de diálogo" que, com o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter numa espécie de "Conselho" no feminino, (assinaladamente no período em que decorreram os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens". (14) IV - OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009) Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração dessa efeméride, através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando, de uma forma sistemática, campanhas, com esse escopo, nas maiores comunidades da Diáspora, numa acção conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades, que foram levadas a cabo nos referidos "Encontros", realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa, em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e nos EUA, Berkeley (2008). O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. (15). A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade", em Toronto, fazer uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que "{…]as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas, ao não excecionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo, certamente, buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro", com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas da igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia... Lacão foi ao cerne da questão, ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades - ideia chave para a "paridade" - como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009:11) A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo, onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres, para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. 3 - Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009:132) A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das "Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio. (16) Ou será antes pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género? Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro, assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária. V - MEDIDAS JURÌDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI 1 – A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e autárquicas, à eleição do CCP (o nº 4 do art.º 11º e a alínea a) do nº1 do art.º 37º da Lei nº 66-A/207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas - bem-sucedido, pois redundou no aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição - que tem tido, como afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de representação dos emigrantes. 2 - Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a "problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução nº 32/2010, de 19 de Março - que visa o mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas, apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações... Na Resolução nº 31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia chave do Programa do XVII Governo : preparar as medidas da sua política externa, em concertação com outros ministérios, "[…]no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”. Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “ o desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro “, visando: “Promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; Combater situações de violência de género; Desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer referência expressa ao caso das mulheres expatriadas, pelo que não será desapropriado concluir que a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora, pelo que recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras territoriais, como manda o art.º 109º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já empreendido - sem que tenha ainda atingido a generalização e eficácia plenas, a exigir esforço incessante, sem fim à vista - estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração, com a componente de género. NOTAS (1) O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação consentida ou encorajada nas colónias, a fim de reter no Reino as mulheres... E terá sido à atitude de desafio destas “viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente, a dever a matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo CR Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente, mais permissiva no que respeita â saída de mulheres para o Brasil, do que para África ou o Oriente. (2) Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense. (3) É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional destinadas a mulheres - o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas. (4) A Lei nº37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada, pela via da regulamentação, que admitia, inclusive, a oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica nº1/2004 de 15 de janeiro, no art.ºº. 30º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final do nº2º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento". (5) Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de 2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". (6) No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) ". (7) Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande importância. (8) Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa recomendação. Tendo sido, em data posterior, criado o Observatório da Emigração, para evitar dispersão de esforços, o mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, se poderá desencadear a alteração de mentalidades e atitudes. (9) Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em 2009 pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder, ao menos de poder formal, nas instituições [...]" Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas de inação política, neste campo ... (10) A génese dos Encontros para a Igualdade, vem sumariada, num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso online". (11) "Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano (“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das quais 14 jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América, Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. (12) Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo. As mulheres portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo estrangeiro, no qual buscar inspiração - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante... (13) Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). (14) A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários departamentos governamentais, nomeadamente da "comissão para igualdade", a da SECP, (15) Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projecto: na América do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia: no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. (16) A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de cooperação, no ponto referente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. (Programa do XXVIII Governo, p. 127). BIBLIOGRAFIA Aguiar, Manuela (2008), "Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica" in Maria Rosa Simas, (org), "A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades", Ponta Delgada: UMAR Açores pp. 1247-1258. Aguiar Maria Manuela (2009) "Os Encontros para a Cidadania" in Maria Manuela Aguiar (org) "Cidadãs da Diáspora": Mulher Migrante, V N Gaia: Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, pp 33-43 C R Boxer, C.R. (1977), "A mulher na Expansão Ultramarina Ibérica", Lisboa: Livros Horizonte. Braga, António (2009), “Encontros para a cidadania - O Encontro de Joanesburgo," in Maria Manuela Aguiar e Maria Teresa Aguiar (org), "Mulher Migrante - O Congresso on line", V N Gaia: Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Centro de Estudos, "1º Encontro Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo" (1986), Porto: Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Costa, Afonso (1913), A Emigração, Lisboa: Imprensa Nacional Felix, John Henry and Senecal, Peter (1978), "The Portuguese in Hawaii", Honolulu: Centinneal Edition. Gomes, Rita (2007), "O papel da Associação Mulher Migrante" in Maria Manuela Aguiar (org), Migrações - Iniciativas para a Igualdade de Género, V N Gaia: Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, pp 99-118. Lacão, Jorge (2009), "Conferência de Toronto" , in Maria Manuela Aguiar(org), "Cidadãs da Diáspora", V N Gaia: Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo Cooperação e Solidariedade Leandro, Maria-Engrácia (1995), "Familles Portugaises Projects et Destins", Paris: Editions L' Harmattan Leandro, Maria-Engrácia (1998) "As mulheres Portuguesas perante os projectos de Emigração e Projectos de (Re)inserção Social", Lisboa: Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Silva, Emygdio (1917), "Emigração Portuguesa “ , Coimbra : França e Arménio (revisto e atualizado em março de 2023)
O PORTO É UMA NAÇÃO! A era de Jorge Nuno Pinto da Costa 1 - Há um FCP antes e outro depois de Pinto da Costa. Como portista de nascença, prestes a fazer 80 anos, posso dizer que vivi 40 com cada um deles... O FCP que vai da minha infância à meia idade era um dos clubes grandes de um país pequeno no mundo do futebol, mas raramente ganhava um campeonato e não pensava em altos voos internacionais. Tinha eu já uns 13 ou 14 anos quando, pela primeira vez na minha vida, em 1956, vi o Porto ser campeão nacional - o Porto de Dorival Knipel, brasileiro de origem alemã, oriundo de Minas Gerais. O mítico Yustrich! Quanto à Seleção Nacional, digamos que o seu forte, por essa altura, eram as chamadas "vitórias morais". A exceção, que confirma a regra, foi um 3º lugar no Mundial de 1966, sob o comando de um outro famoso treinador brasileiro Otto Glória. Os escolhidos de Otto Glória (que receberam a honrosa designação de "Magriços", ou não fosse a fase final do torneio disputada na Inglaterra...) exemplificam bem a profunda desigualdade Norte/Sul, que se vivia no antigo regime: Dos 23 convocados, 19 eram do sul (mais exatamente,18 de Lisboa, a capital do Império, e um dos arredores, de Setúbal) e só 4 eram do norte (3 do FCP e 1 do Leixões). Na realidade, o fosso era ainda maior, pois desse quarteto nortenho, composto pelo guarda-redes Américo, por Custódio Pinto e Festa, do FCP, e por Manuel Duarte do Leixões, apenas o defesa Festa era titular. Para os mais jovens, há que dizer que, nessa remota era, não havia substituições de jogadores durante os noventa minutos, nem sequer por lesão, e que poucas alterações se registavam no onze base de qualquer equipa, durante uma época inteira. Mas havia mais e pior! Todos os cargos das instâncias dirigentes do futebol português eram, exclusivamente, repartidos entre os clubes dominantes da capital (Sporting, Benfica e Belenenses), que temos de considerar decisores e juízes em causa própria, com fama e proveito, dentro e fora do campo. Lisboa tratava as colónias e a "província", da mesma maneira, ou, pelo menos, com a mesma sobranceria - na política, nas áreas económicas, no desporto, etc, etc, etc... Em suma, Lisboa (ou o seu sinónimo "Terreiro do Paço"), era o Poder absoluto, autocrático! A capital mandava, sem preocupação de equilíbrio, sem controle, sem oposição (a que havia, mais tarde ou mais cedo, acabava nas prisões ou no exílio...). A Revolução de 1974 trouxe aos Portugueses a Liberdade, deu-lhe direitos de cidadania proclamados na letra da Constituição e das Leis. Os progressos, não foram, porém, alcançados, a idêntico ritmo ou velocidade, por todo o lado. Não basta declarar a igualdade, é sempre preciso sempre saber conquistá-la contra o "status quo", contra interesses instalados. E em nenhum setor foi mais e melhor conseguida do que no futebol. Não porque fosse mais fácil, mas porque houve quem fizesse a revolução fática, no terreno: Jorge Nuno Pinto da Costa. 2 - Sem prévia revolução democrática não teria havido Pinto da Costa, com o seu inigualável currículo de vitórias, em termos planetários, e sem Pinto da Costa não teria havido revolução no futebol português! Com a sua visão e liderança, ele alcandorou o FCP ao topo do mundo do Desporto (do Desporto-Rei) e, por natural repercussão, levou o País, anos depois, a um protagonismo crescente. Portugal, os Portugueses!. Os nossos Mourinhos.... os Decos, os Ronaldos, os Pepes.. .as equipas técnicas, os gestores, os agentes das estrelas... os dirigentes federativos,... o reconhecimento que nos entregou a (sempre impecável) organização de grandes competições internacionais... O que era, antes do 25 de Abril, uma absoluta impossibilidade, e, depois do 25 de Abril, extremamente improvável, aconteceu. Não estou com isto a dizer que esta extraordinária evolução se deve diretamente ao Presidente do FCP, mas não tenho dúvida de que deriva da dinâmica por ele criada, de uma verdadeira "regionalização" no futebol nacional. Ou seja, a partilha ou o equilíbrio de poder de "fazer coisas", de progredir, de ser uma bandeira do País em qualquer ponto geográfico, de acordo somente com a capacidade de empreendimento, o querer, o mérito dos cidadãos e das suas coletividades. Pinto da Costa foi eleito presidente do FCP há 40 anos, em 23 de abril de 1982, exatamente oito anos depois da Revolução (um ano, por sinal, tão importante no futebol como na política, pois foi o da primeira Revisão Constitucional, que consagrou a democracia plena, com a extinção do Conselho da Revolução...). O clube tinha ganho, até então, meia dúzia de campeonatos... Este ano festejou o seu 30º título de campeão! Cumpriu, ao longo das últimas quatro décadas, o nosso sonho de sermos os melhores do País. E foi muito, muito mais longe, ao cumprir o projeto de Pinto da Costa, aquele que, para nós, era pura utopia: tornar o FCP campeão da Europa e campeão do mundo! Por duas vezes. Sete títulos internacionais só em futebol sénior! E, ele próprio, como presidente de clube, mais titulado do mundo, um recordista insaciável, à espera de mais e mais vitórias no futuro... O seu fabuloso legado inclui ainda um Estádio e um Pavilhão desportivo, que são duas obras de arte arquitetónicas, e um Museu como não há outro igual - o mais visitado da cidade, um seu autêntico "ex-libris. 3 - No 40º ano do mandato de Pinto da Costa é tempo de lhe dizer: obrigada! Não apenas como portista, mas como portuense e portuguesa, porque considero que tem um lugar na História do País e não só estritamente na História do futebol português e universal. O seu feito maior, que o leva a transcender as fronteiras do desporto é ter mostrado, de uma forma muito concreta, a Portugal, (porventura o Estado mais centralizado da Europa!), quanto a macrocefalia da capital, ao criar uns "mais iguais do que os outros", é inimiga fatal do progresso. E como, quando alguém a consegue afrontar e abrir caminho à ascensão dos melhores, toda a sociedade ascende com eles. Nenhum político conseguiu, ainda, seguir-lhe o exemplo. O centralismo continua a asfixiar as energias e as potencialidades de um país mal gerido. E, assim continuando, não há solução para os nossos males. Meio século após a democratização, e quase quatro décadas após a adesão à CEE/UE, Portugal permanece "na cauda da Europa". É urgente, a todos os níveis do País, em todos os setores, a Revolução que Pinto da Costa fez no campo do Desporto

JOSÉ CESÁRIO sobre o CCP

Conselho das Comunidades Portuguesas, um órgão essencial para o poder político Ao longo das minhas passagens pelo Governo da República e pelo próprio Parlamento, durante os últimos 22 anos, fui consolidando a ideia da imprescindibilidade do Conselho das Comunidades. Não tenho hoje qualquer dúvida acerca da sua importância para quem desempenha funções legislativas ou executivas ligadas à definição das políticas de ligação às nossas numerosas Comunidades. Independentemente de sermos governantes ou deputados, é fundamental dispormos de opiniões objetivas e diversificadas acerca do modo como são executadas as políticas dirigidas aos portugueses no estrangeiro, dos seus resultados e da própria definição prévia das mesmas. A informação que circula através da nossa rede diplomática, sendo indispensável e, normalmente de grande qualidade, está longe de ser suficiente, devendo ser complementada dor outras fontes, tanto quanto possível ligadas diretamente às comunidades, às suas organizações, ao movimento associativo, às escolas, ao universo político local, aos meios culturais, em suma, a toda a constelação em que os portugueses se movem. Claro que dispor de um órgão eleito, o CCP, constituído por dezenas de representantes diretos das mais diversas comunidades, é um privilégio que não podemos desperdiçar. Poder-se-á discutir a essência deste órgão, a sua composição, o seu caráter mais representativo ou meramente consultivo, mas é difícil prescindir do seu papel e da sua ajuda. Aliás, a propósito, não posso esquecer os contactos que tive, enquanto Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, com governantes de vários países, como a Alemanha, França, Cabo Verde, Canadá, entre outros, que sempre procuraram beber na experiência portuguesa os ensinamentos indispensáveis para porem de pé organismos mais ou menos idênticos. Ao fim de todas estas últimas décadas, acho que o CCP ganhou o seu espaço próprio, sendo muito difícil prescindir da sua existência sempre que se pretende desenvolver políticas sérias e com resultados. Claro que a sua organização poderá sempre ser repensada e melhorada, mas isso não deverá pôr em causa o próprio órgão. O nosso desafio futuro é melhorá-lo e, para isso, cumpre discutir o seu caráter consultivo ou representativo, a sua relação com o governo e o parlamento, o estatuto dos seus membros, a sua articulação com a rede diplomática e com os conselhos consultivos das áreas consulares, a sua ligação ao movimento associativo e às redes de cultura, educação, solidariedade social e empresariais. Será esse debate que se segue, num momento em que os níveis de participação política e cívica das nossas Comunidades aumentam de forma bem evidente. José Cesário

MARIA LAMAS INTEMPORAL

Maria Lamas é uma mulher verdadeiramente intemporal, que tem um lugar ímpar na história portuguesa do jornalismo e das Letras, do movimento feminista em meados de novecentos, e da luta contra a violência de uma longa ditadura. Foi protagonista maior, em todos estes domínios, senhora de um destino extraordinário, num dado tempo, particularmente ingrato, que, sobretudo por ser mulher, a obrigou a vencer mil obstáculos, preconceitos misóginos e perseguições da polícia política. Figura intemporal, antes de mais, como paradigma de cidadania vivida audaciosa e apaixonadamente, com uma visão clara do devir português, uma crença na força criativa e subversiva das mulheres para mudar o velha Ordem, e o velho mundo anacrónico do chamado “Estado Novo”, sempre numa atitude coerente de generosidade. Nascida ainda no século XIX, foi aluna do “Colégio das Teresianas Jesus, Maria e José”, estudando num ambiente religioso, onde se sentia bem integrada, e onde cedo terá despontado o sentido de missão, que, mais tarde, alargando horizontes com projetos de carreira profissional e de intervenção cívica, se consumou no humanismo laico e fraternalista com que fez percurso, num combate sem fim pela justiça, pela igualdade e pela paz. Casou aos 18 anos, com um republicano, Oficial de Cavalaria, e com ele viveu três anos em Angola. No regresso a Torres Novas, ainda muito jovem , já vislumbramos, em iniciativas meritórias, a militante de ideias e causas que não tardaria a revelar-se plenamente: é voluntária da Cruz Vermelha, organiza saraus de beneficência para ajudar famílias dos soldados, publica na imprensa local artigos sobre a guerra (a 1ª Grande Guerra). Aos 26 anos, depois do divórcio – que, à época, era visto como um ato de rebeldia ou de afrontamento dos "bons costumes", de submissão feminina – fixa-se em Lisboa e torna-se pioneira no jornalismo, que era ofício de homens. Trabalha, primeiro, em “A Capital”, depois no grupo editorial de “O Século”, dirigindo, durante muitos anos, a revista feminina “Modas e Bordados” – o mais improvável dos instrumentos para empreender o que ousou: promover uma revolução de mentalidades, mobilizar as jovens da sua geração para a vivência cidadã e profissional. Usa o seu habilmente para aconselhamento, um “correio de leitoras”, que, é, para ela, um posto de observação e lhe permite a tomada de consciência dos problemas e dilemas de mulheres de todas as idades. A sua obra mais emblemática, que podemos classificar como “monumental”, " As Mulheres do meu País”, terá tido aí a sua pré-história. É nesta sua forma de dar concretização pragmática e eficiente aos valores e ideais que a norteiam, e numa rara capacidade de realizar coisas grandes com meios parcos e banais, persistência e incomparável brilho, que Maria Lamas me parece singularmente inspiradora, hoje e em qualquer época. O “correio” da popular revista feminina teve um enorme impacto, o mesmo se podendo dizer de grandiosas exposições que, sob o patrocínio de “O Século”, organizou, para dar do papel mulher sua contemporânea, em diversas sociedades, domínios e circunstâncias, uuma visão dignificante e mobilizadora, confirmada por factos e por feitos, com que desmentia, categoricamente, a ideologia misógina e opressiva do salazarismo - a última das quais, patenteando obras de mulheres escritoras de todo o mundo, lhe custou o emprego, uma sólida carreira e, até, a segurança pessoal. Daí em diante, Seria alvo de repetidos atos persecutórios do regime, que queria bani-la, implacavelmente, do espaço público. Em tempo de repressão e declínio do primeiro movimento feminista português, foi ela a última presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, expressão máxima desse associativismo revolucionário, que começara com Adelaide Cabete, nos primórdios da República. Um Decreto do Governador Civil de Lisboa extinguiu o CNMP, sem conseguir, contudo, silencia-la, ou erradicar os seus ideais de igualdade, (que, a par de algumas, poucas companheiras, encarnou, durante o interregno que iria até à formação da segunda vaga do movimento feminista, na década portuguesa de setenta) . Maria Lamas estava, então, divorciada do segundo marido, o jornalista monárquico Alfredo da Cunha Lamas, tinha as filhas a cargo, dependia de si e do seu trabalho... Não se deixou abater - pelo contrário, recomeçou, com redobrado ânimo, um solitário e fecundo exercício de jornalismo de investigação, abraçando desafios cada vez maiores. Munida de uma máquina fotográfica, papel e caneta foi, pelo país adentro, em toda a espécie de deficientes meios detransporte, recolher depoimentos e testemunhos de mulheres de todos os misteres e condições, até às aldeias mais remotas e inacessíveis. Deu-lhes, livremente, voz e visibilidade num retrato coletivo, de alta precisão, de incomensurável valor humano, literário e científico. Uma obra prima do jornalismo português, que é também, um grito de revolta contra a exploração económica, a pobreza, quando não miséria, o confinamento de horizontes, num todo em que a metade feminina era duplamente vítima de subjugação. Maria Lamas viveu, assim, corajosamente, nas décadas seguintes, sem ceder, ativista dos Direitos Humanos, tão eficaz a usar a escrita, como a recorrer à ação concreta. E não menos admirável foi na sua veste privada! Sozinha educou as filhas, influenciou e cativou as netas, os netos, através de cujos testemunhos sobre a “Avó Maria”, ficamos a conhecer melhor o seu encanto como pessoa, a sua irradiante beleza de rosto e de espírito, o temperamento afável e bondoso, a constante dedicação aos que tratava como família, num círculo que se ia alargando. Durante os anos de exílio, em Paris, tornou-se a "Avó Maria" de um sem número de expatriados, que nela encontravam, invariavelmente, amizade e apoio. À terra voltou para gozar os seus últimos anos na democracia que ajudou a refundar. Ainda lúcida, combativa, carismática, aberta à modernidade! Ao Estado coube atribuir-lhe, como não podia deixar de ser, a Ordem da Liberdade. Aos Portugueses, em cada nova geração, cabe guardar a memória do exemplo de vida que legou às "Mulheres (e aos Homens) do seu País".
ADRIANO MOREIRA, PRECURSOR DA CPLP 1 – Adriano Moreira deixa uma imensa saudade nos seus amigos e um lugar na história de Portugal e na das instituições académicas. Um lugar de primeiro plano. Na Academia tem o que conquistou com a sua cultura científica e o seu prodigioso poder de comunicação, tanto pela escrita como pela palavra. No domínio da política deixou a sua marca em dois regimes, mas não quis o destino, (ou as engrenagens com que o jogo partidário, tantas vezes, barra ou fabrica os líderes), que fosse tão longe quanto deveria ter ido. Era o melhor da sua geração! Tinha qualidades que raramente se aliam na mesma pessoa, inteligência e caráter, mundivisão, capacidade de pensar o futuro e de o fazer acontecer. E, mais ainda, carisma e simpatia. Não pretendo aventar aqui hipotéticas alternativas ao passado da nossa fatídica década de sessenta, com a breve e falhada primavera marcelista, a que inevitavelmente se seguiu uma revolução e a apressada descolonização ou traçar cenários de uma verdadeira transição democrática contra o peso dos ultras do regime. Não sei se Adriano Moreira o teria conseguido impor, mas atrevo-me a dizer que só ele o teria tentado. Esta certeza fundamenta-se numa espécie de “provas dos nove” que é o admirável projeto por ele desenvolvido, a partir de 1964, na qualidade de Presidente da Sociedade de Geografia: a organização dos primeiros Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesas. E porquê? Porque foram congressos já verdadeiramente pós coloniais, voltados para o futuro, a apostar num diálogo de iguais, entre povos da lusofonia. De todos os interessantes textos escritos em sua homenagem, por ocasião da sua partida, aos mais de 100 anos, não li um único que referisse essa pioneira e espantosa iniciativa, em que ele tinha orgulho e de que tantas vezes falámos. A omissão é, apenas, talvez, mais uma mostra da ignorância ou do descaso nacional por questões que tocam a nossa emigração e Diáspora. Uma cegueira dos políticos de ontem e de hoje face à sua relevância estratégica. Adriano Moreira constituiu a exceção. Eu não poderia esquecê-lo porque essa questão estratégica foi o motivo do nosso primeiro encontro, em 1980, a meu pedido. Juntou-nos à mesa de um restaurante, bem à portuguesa, um grande amigo comum, o Deputado da Emigração José Gama. Acabava eu de tomar posse como Secretária de Estado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e tinha pela frente, como prioridade, criar um Conselho das Comunidades Portuguesas, um fórum de representação dos emigrantes e das suas instituições, previsto no programa eleitoral do Governo de Sá Carneiro. Um órgão inteiramente novo, sem tradições entre nós, cujo objetivo estratégico era reunir e agregar comunidade dispersas, dar-lhes voz e convidá-las a coparticipar na elaboração e execução das políticas públicas neste particular domínio. Assim chegaria à Diáspora o 25 de Abril… Mas como fazer?... Tentei contactar os proponentes de tão excelente ideia. Em vão! Ainda hoje permanecem no anonimato. E, por isso, recorri ao experiente artífice dos grandes Congressos nos anos sessenta. Aceitou, de imediato, e deu-nos preciosos ensinamentos sobre a realidade do nosso movimento associativo, a nível mundial, e sobre aspetos muito concretos da organização de uma estrutura federativa, com tão ambiciosa dimensão. Nascera para ensinar, era um pedagogo nato, e como constatei em tantas conversas, ao longo de quatro décadas, falar com ele resultava sempre em aprender algo de novo, nas mais diversas matérias. Era um sábio, eminentemente criativo, e, ainda por cima, dotado de um infalível sentido de humor. Uma vez em que analisávamos os dislates de alguns arrivistas da nossa política, lembrou, apropriadamente, um dito antigo: "Desconfiai de paredes velhas e autoridades novas - caem-nos sempre em cima. É frase lapidar que cito com frequência... E, quando num colóquio, à hora de início nos vimos solitariamente perfilados à porta de entrada, começou assim, a conversa que se prolongou por largos minutos: "Já dizia o Prof Jorge Dias que, em Portugal, quem é pontual, perde muito tempo". Verdade, salvo se nos desse uma oportunidade de trocar impressões com o Prof Adriano! Dois pequenos exemplos entre tantos... 2 – A preocupação e o pensamento de Adriano Moreira sobre o mundo lusófono foram, evidentemente, sublinhadas em muitos dos artigos que lhe dedicaram. Os Congressos da Sociedade de Geografia e o seu significado, não. Ora, a meu ver, foi com essa portentosa iniciativa que, na sua veste cívica, proclamou e realizou aquilo que como político não pudera levar a bom termo. E, em simultâneo, abriu os caminhos ao reencontro da Diáspora com a pátria, e a um projeto futuro, que veio a chamar-se CPLP. De facto, num país de forte emigração, e, entre os congéneres europeus, o único a não ter um movimento interassociativo de âmbito global, o Prof Adriano Moreira foi o primeiro a promovê-lo, e de uma forma singular, superior, não o centrando estritamente na problemática das migrações, antes o alargando à dimensão da presença histórica e presente de Portugal no mundo. Todos os outros movimentos instituíram as suas Uniões ou Federações nos primeiros anos do século XX, focadas nas questões sociais e laborais, e, em alguns casos, também na língua e na cultura. Os portugueses, note-se, demonstraram sempre enorme pendor associativo nas sociedades de destino, mas, estranhamente, nunca, até data recente, procuraram unir-se, para além do limite das fronteiras de cada Estado…… E da parte de governantes que, durante cinco séculos de êxodo crescente, nunca protegeram os emigrantes com políticas públicas, não houve manifesta vontade de promover esse objetivo, certamente por desvalorizarem a importância da presença universal dos emigrantes, muito mais próxima e fraterna e muito mais perene do que o império, no seu ciclo de vida e de morte. Foi preciso esperar por Adriano Moreira, não como ministro, sim como cidadão, à frente da antiga prestigiada Sociedade de Geografia para que se desenrolasse a fantástica aventura de revelação de uma realidade presente, fruto da história que foi escrita pelo povo anónimo, em relação convivial com muitos povos e culturas, à margem de um projeto imperial. É, como disse, sintomático do distanciamento de Adriano Moreira face à ideologia dominante, o facto de, em 1964, (tão pouco tempo depois de abandonar funções no Ministério do Ultramar, e em plena guerra colonial), ter convocado o 1º Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, colocando as migrações. enquanto matriz de lusofonia e de lusofilia, no centro de um grande evento mobilizador de pulsões humanistas, a fim de repensar o papel de Portugal no concerto das nações. Pela força da cultura, não das armas! Do Congresso nasceu a União das Comunidades de Cultura Portuguesa e a Academia Internacional de Cultura Portuguesa e logo se iniciou a preparação do 2º Congresso, que foi realizado em Moçambique. As atas, publicadas em seis densos volumes, dão-nos um retrato de época tirado nesses reencontros de comunidades tão dispersas e diferentes, e um retrato dos momentos irrepetíveis em que elas aderem à mobilização para se constituírem em espaço transnacional de cooperação e amizade, com o renovar de laços e a plena consciência das suas afinidades. O 3º Congresso estava previsto para o Brasil. O regime, que persistia numa anacrónica política colonial , já não o permitiu. 3 - Num colóquio parlamentar a que presidi, precisamente 40 anos depois, o Prof Adriano Moreira contou-nos como, em clima de crise profunda, visou criar, pelo congressismo, dinâmicas de mudança: “a ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo do ponto de vista das comunidades”. Para além das comunidades de primeira geração, distinguia, nos conceitos operacionais que delineou, comunidades de luso-descendentes, que mantinham a ligação às raízes, e, ainda, “as comunidades filiadas na cultura portuguesa, não necessariamente descendentes de emigrantes portugueses, mas aculturadas pelo facto de pertencerem a povos pelos quais tinha passado ou a soberania ou a evangelização portuguesa”. E onde ficavam, em tal sistematização, os povos das colónias? Na sua explanação, o Prof Adriano Moreira, não hesitou em apontar tal problema de concetualização e as suas consequências fatais: “Imagino que foi isso que acabou por fazer parar o movimento”. A leitura das atas dos Congressos não nos deixa margem a dúvidas sobre a sua posição : para ele, o traço de união entre todos os povos era a cultura, máximo denominador comum, gerador de consensos. O império de Marcelo Caetano chegava ao fim. A Comunidade de Adriano Moreira estava apenas adiada - a CPLP, que, a partir do Brasil, seria impulsionada por outro visionário, ou profeta da lusofilia, o Embaixador José Aparecido de Oliveira, (que, por sorte, também conheci de perto). José Aparecido, ele próprio, considerava o congressismo de Adriano Moreira o autêntico embrião da CPLP. Uma CPLP que, atualmente, bem andaria em regressar às origens, aceitando o primado da Cultura, seguindo os passos dos precursores. Que falta nos fazem políticos desta estatura!

A VEZ E A VOZ DA MULHER (Toronto, 10 de maio) síntese da comunicação

Maria Manuela Aguiar POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EMIGRAÇÃO FEMININA O caso português - uma perspectiva diacrónica Portugal é um país de emigração multissecular, cujas políticas tradicionalmente descuraram a proteção dos cidadãos fora de fronteiras e se caracterizaram pela prioridade de regular os fluxos de saída, com a quase constante imposição de restrições ao êxodo masculino e de proibição ou de limitação sistemática das migrações femininas, primeiro para Oriente, depois para o Brasil e outros destinos. As primeiras políticas públicas destinadas às mulheres são marcadas por uma misoginia sem paralelo na Península Ibérica e na Europa. A revolução de 1974 trouxe a todos os cidadãos portugueses a liberdade de emigrar e o desenvolvimento de medidas de apoio cultural e social, sem que, todavia, a situação específica das emigrantes fosse objeto de particular atenção. Em 1981, o recém criado Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), Órgão representativo da emigração e instância consultiva do Governo,era composto por cerca de 60 membros, eleitos no âmbito associativo, todos do sexo masculino. Em 1983, nova eleição em colégio associativo trouxe à instituição as duas primeiras mulheres conselheiras, uma das quais, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, avançou com a proposta da convocação de um encontro mundial das mulheres emigrantes portuguesas. O 1º Encontro Mundial veio a realizar-se em 1985, com o alto patrocínio da UNESCO, dando ao país um improvável lugar de pioneirismo europeu e mundial. No entanto, a sequência a dar às suas principais conclusões só viria a concretizar-se a partir de 2005, pela via dos " Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e Mulheres", uma iniciativa desenvolvida através de uma parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e ONG's, como a Associação Mulher Migrante e a Fundação Pro Dignitate. A descontinuidade dos "Encontros para a cidadania", (do "congressismo" como instrumento de luta pela igualdade) e a sub-representação feminina no interior do Conselho das Comunidades, eleito por sufrágio direto e universal, marcam o estado atual das políticas públicas com a componente de género nas nossas comunidades do estrangeiro. Palavras chave: emigração feminina, políticas públicas, igualdade, sub-representação feminina, congressismo