segunda-feira, 28 de agosto de 2023

UM TREPIDANTE MÊS DE AGOSTO 1 – Detesto o mês de agosto. É tempo de férias em massa. Há as cidades que se despovoam e as que mais do que duplicam o número dos seus residentes, entre estas se contando Espinho e as suas belas praias. Os aeroportos enchem-se, as greves tornam-se apetecíveis, há filas, atrasos, gente amontoada por todo o lado, cafés, restaurantes, comboios... Na televisão, os meus programas favoritos entram em pausa e as notícias escasseiam, nos cinemas é o “déjà vu”. Nunca faço férias em agosto! Prefiro trabalhar e, como estava ligada à emigração, nunca me faltavam convites para colóquios, convívios, festas e inaugurações no “país profundo”. O interior desertificado ganhava vida em mil e uma aldeias, e era-me grato testemunhar essa "ressurreição". Agora fico em casa, em frente a um computador, ou a ler um livro, ouvindo música, e passeio à beira-mar, contemplando as multidões de “espinhenses sazonais” - todos bem-vindos, naturalmente. Eu aguardo setembro para iniciar a época de banhos que, com um pouco de sorte, se estenderá por um ameno outubro, quando a praia da baía, para além dos surfistas, é frequentada por meia dúzia de castiços nadadores, quase todos da minha geração. Em suma, não gosto da “silly season”... Todavia, este ano foi coisa que não houve, num mês intenso, cheio de movimentações sociais, políticas, desportivas. As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), o Campeonato Mundial de Futebol Feminino, os Mundiais de Atletismo, a visita do Presidente Marcelo à Ucrânia, a Cimeira dos BRIC e a Cimeira da CPLP praticamente não deixaram vazios na minha agenda de agosto. 2 – Primeiro foi a grande aventura humana das JMJ, que atingiram, na verdade, a perfeição terrena, confirmando a tendência dos Portugueses para descurarem as rotinas e se superarem para fazer o impossível… Antes, atravessaramos a fase das questiúnculas mesquinhas, mas, na hora da verdade, calou-se o coro de maledicência e ausentou-se, para longe, o notório antiPapa Dr. Ventura. Era a vitória de uma Igreja que já está no século XXI, com Papa Francisco e o nosso Bispo (em breve cardeal) D. Américo Aguiar, a quererem jornadas mais ecuménicas do que prosélitas. Que impressionantes imagens uma religião vivida em comunidade, na procura de Deus pela procura solidária dos meios de combater as injustiças e desigualdades muito atuais, por uma abertura à celebração festiva da fraternidade, na harmoniasa conjugação da música, da dança e da palavra. E agora? Irá a Igreja retroceder? A energia que pulsava nas JMJ era um regresso às origens do cristianismo, à alegria de viver a fé em comunidade. Só podemos desejar que não haja, nos "days after" um regresso à igreja das hierarquias e dos sermões envelhecidos… Mal terminavam as JMJ em Lisboa, e já nas antípodas, se desenrolava o Mundial de Futebol no feminino. Outro sucesso universal – pela beleza do jogo, pela ascensão de novas estrelas, pelas espantosas assistências (os estádios repletos, o olímpico de Sydney, a bater o recorde australiano absoluto para qualquer desporto, com 75.748 espectadores), pelas audiências televisivas internacionais e internas - logo no 1º “match”, para ver as suas “Matildes”, a Austrália parou, com uma audiência televisiva nacional de mais de 46 milhões. Na final, e, certamente, não por acaso, defrontaram-se, pela primeira vez, as equipas europeias dos países onde se jogam as principais Ligas de futebol (de ambos os sexos), a inglesa e a espanhola. É bem patente que o futebol feminino cresceu nos maiores clubes do mundo, os “Manchester” e os “Barça”, e não nas escolas ou nas ruas – a isso obstavam preconceitos que vão mudando devagar. Confesso que “torci” pela seleção inglesa, porque a sua vitória daria muito mais visibilidade, influência e poder ao futebol feminino. A Grã-Bretanha conserva a força da sua língua universal e a aura de grande potência no campo militar, político, cultural, desportivo, etc, etc. A Espanha não. Contudo, não poderia imaginar quanta lama a sua liderança federativa ia lançar sobre o futebol e o desporto em geral. De pouco valeu a superioridade em campo das jogadoras, o seu “fair-play”. Delas, do seu futebol tecnicista e rendilhado, feito de muitos passes, já ninguém fala. Só se fala de um homem, que as substituiu, ocupando o palco, com o escândalo de gestos obscenos, mais o tristemente célebre "beijo a Jenni", e o discurso misógino que proferiu, não num comício fascista do Vox, mas na sede da Real Federação espanhola, aplaudido de pé pelos seus pares, que assim se tornaram cúmplices de uma conduta vergonhosa. Rubiales vai, é claro, sair de cena, vencido pela reação internacional e nacional, do Governo de Madrid, da opinião pública, de gente de bem do futebol - Casillas, Xavi, Iniesta, Simeoni, os jogadores das equipas de La Liga com os do Cadiz a adotarem o slogan “todos somos Jenni”. Contudo, a grande vitória desportiva, soterrada sob um caso vulgar de violência e exibicionismo sexual, nunca mais recuperará a sua plenitude. O despudor de Rubiales (não só o beijo à atleta Jenni, mas o exibicionismo de um gesto obsceno que as câmaras mostraram sem filtro e que, segundo ele era dirigida ao selecionador) ganhou um significado de “guerra dos sexos”, de guerra de mundos, o masculino, ainda dominante, e o feminino. O conflito entre as jogadoras e estes dois machos latinos, como é sabido, já vinha de trás. No fim, talvez elas ganhem a competição, pela 2ª vez…. 3 - No terreno da política internacional, sobre as duas cimeiras referidas, direi, de momento, apenas, que é cedo para tirar conclusões. O alargamento dos BRIC aos tenebrosos regimes do Irão e da Arábia Saudita poderá cavar um fosso entre ditaduras e democracias, dificultando consensos e solidariedades, e, sobretudo, criar um maior desequilíbrio entre as partes, pelo desmedido reforço da única potência mundial que emerge no coletivo: a China! Doravante, os BRIC serão, nada mais, nada menos do que "a China e os seus satélites". O que ganharão com isso países como o Brasil e a Argentina? ... E a CPLP? Dentro do que dela se pode esperar, começou bem. Tal como queria o nosso país, pela voz uníssona de Presidente e Primeiro Ministro, a próxima presidência não será entregue à Guiné Equatorial, (esse terrível "erro de casting"...). Assim se evitou, ao menos para já, um golpe tremendo na credibilidade da organização… E o regresso do Brasil a um papel de primeiro plano é um bom presságio para a sobrevivência da organização. O Presidente Lula parece querer, felizmente, recentrar a Comunidade na vertente cultural, na defesa do reconhecimento internacional da língua comum. É, sem dúvida, a que pode gerar projetos agregadores de países países que quase tudo o mais divide. A cultura é o máximo denominador comum. E é, sem dúvida, o domínio onde Portugal é mais igual, face à dimensão territorial, ao potencial e às legítimas ambições de "colossos" como o Brasil e Angola. Por isso, considero inteligentes as propostas portuguesas de promover os intercâmbios de jovens e instituir o equivalente a um esquema "Erasmus" no círculo da lusofonia. As nossas universidades são o que de melhor temos para oferecer a futuros líderes de cada um dos países unidos pela língua, ou seja, ao futuro da CPLP. Pensar no longo prazo é preciso… Em plena forma está o Presidente Marcelo. Que bem lhe correu o mês, com o momento alto do seu discurso em ucraniano! E, por fim, mais uma alegria, mais uma vitória: os mundiais de canoagem, carreiam para a Pátria duas medalhas de ouro - uma das quais do campeoníssimo Pimenta, que ainda juntou à sua coleção a prata e o bronze. Assisti, no domingo, à prova em que arrecadou a prata. Prova difícil para ele, por não ser de pura velocidade, ponteada por sucessivas paragens nas plataformas, que os atletas têm de atravessar com a canoa às costas…. E lá estavam as mulheres a disputar a modalidade, a carregar, como eles, as pesadas canoas, em passo de corrida (tarefa bem mais ciclópica do que pontapear uma bola) e, depois, a receberem as medalhas no pódio, em perfeita normalidade, sem que se levantassem ondas de machismo. Que bela lição a canoagem dá ao futebol....

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

FUTEBOL FEMININO A LONGA MARCHA PARA A IGUALDADE 1 – Desde criança que o desporto foi a minha paixão - o desporto jogado e o desporto espetáculo. E, precisamente porque era tão importante na minha vida, tive desde muito cedo a consciência das barreiras que se erguiam às mulheres para a sua prática. Eu podia, em meados do século XX, romper com muitos tabus, podia estudar, tirar um curso universitário, ter uma profissão liberal, ou ser funcionária pública, viajar sozinha pelo mundo, fazer política… Tudo aparentemente, em condições de igualdade com os rapazes da minha família e geração. Durante a ditadura, é certo que me era vedada a carreira diplomática, a magistratura e me restava, no setor público, o acesso às carreiras de Notariado e Registos…), mas a partir de 1974, todos os obstáculos legais caíram, de repente…. A Cultura, a Ciência, a Política, abriam as suas portas às mulheres, com o Estado obrigado pela Constituição a promover ativamente a igualdade de facto. Não assim no Desporto, em geral e no futebol em particular. Como muitas raparigas pude, no meu tempo de juventude, testar a minha aptidão nos exames do liceu e da universidade, mas nunca saberei até onde poderia ter ido no relvado de um estádio de futebol. Claro que dei os meus pontapés na bola, mas não fui longe. Comecei por conseguir jogar com rapazes nas ruas de São Cosme de Gondomar. Foi o meu Primo Ernesto, o grande "craque" da equipa, que me impôs, contra a vontade geral. Não queriam meninas, a pretexto de que choravam ao menor encontrão. O Ernesto foi perentório: "A minha prima não chora!" Promessa cumprida. Surgiram frequentes queixas, mas não nesse capítulo. Contra as preconceituosas previsões, eu era muito rápida, muito determinada e sarrafeira. Mais tarde, no Colégio do Sardão, tornei-me organizadora e interveniente de partidas de futebol. O Colégio, para além das virtudes pedagógicas que faziam a fama das Doroteias, tinha condições admiráveis para o exercício físico. "Indoors", com um ginásio enorme e bem equipado (com pouca utilização…), e "outdoors" com "court" de ténis, ringue de patinagem, e campo de jogos polivalente para vólei, basquete e andebol - tudo no cenário idílico de uma formosa quinta. Os meus torneios eram clandestinos, embora disputados no retângulo de terra batida, à luz do dia, durante o recreio. Havia uma vigilante, dempre mais concentrada na leitura de um livro edificante do que nas nossas correrias, o que explicará que, numa longa história de infração e reincidência, só tenha sido denunciada uma vez. Coisa séria...fui chamada à Mestra-Geral e preparava-me para um pesado castigo. Talvez escrever 500 vezes "o futebol não é para meninas" num caderninho, ou, muitíssimio pior, perder a habitual saída de fim de semana. Tive uma boa surpresa. A Mestra-Geral limitou-se a lembrar, em tom benigno, que o "O futebol, como sabes, não é um jogo apropriado para meninas", terminando com uma rara nota de humor: "Em todo o caso, como sei que gostas muito de futebol, vou abrir uma exceção - tu podes jogar, as outras não”. 2 – Nos anos cinquenta do século passado, não somente a Diretora do meu Colégio pensava assim, mas o mundo inteiro! Todos os desportos estavam ao alcance dos homens, enquanto as mulheres tinham acesso restrito aos que eram “apropriados” para elas. A “natureza” feminina, na visão de época, servia de fundamentação para quaisquer limitações impostas pelas autoridades, instituições, famílias, ou pelos costumes. E assim este domínio se tornou, em sociedades democráticas, a última fronteira de uma cultura de desigualdade de género! É, de facto, muito devagar, palmo a palmo, modalidade a modalidade, que o real desempenho feminino em antigos desportos “proibidos” vai conseguindo arrasar falaciosos preconceitos. Sendo a natureza imutável, o que mudou foi, é claro, a sua perceção... O mais impressionante exemplo, neste domínio, será o dos jogos olímpicos da era moderna. Relançados em 1896 por Pierre de Coubertin, foram, tal como na Grécia antiga, vedados a mulheres. Cedendo aos protestos feministas, o Comité Olímpico Internacional (COI), em 1900, permitiu a participação feminina nas duas modalidades “apropriadas” a senhoras de sociedade: o ténis e o golfe. Em 1912, a COI juntou-lhes a natação. De alargamento em alargamento, cem anos depois, seria a vez do boxe! A partir de 1991, a luta contra a discriminações faz o seu curso, só admitindo novas modalidades abertas, por igual, aos dois sexos. Em 1996, a Carta Olímpica consagra expressamente a promoção da igualdade de género. E em 2022, a COI apresenta, finalmente, uma composição igualitária (50% de cada sexo). Em 2024, nos Jogos Olímpicos de Paris anuncia que a participação de desportistas, mulheres e homens, será rigorosamente paritária e as provas femininas transmitidas, também, em horário nobre… 3 – O futebol anda muito longe do ideal olímpico da criação de condições para a igualdade de género, de estatuto, de oportunidades. É desporto e é negócio (de biliões, que a Arábia Saudita, esse paraíso da misoginia, eleva a alturas jamais imaginadas). Ora desporto e negócio são forças que têm jogado em sentido contrário. No retângulo desportivo, os progressos do futebol feminino são extraordinários, como testemunha este campeonato do mundo, que decorre nas antípodas. Porém, na esfera do Poder, (FIFA, UEFA, Federações nacionais, coletividades), tudo como dantes... A “colonização” do futebol feminino pelas instituições, dirigentes, clubes e interesses do futebol masculino é evidente e está para durar. Quando se olha o panorama português, esta asserção é menos chocante do que em outros cenários, porque há ainda um ostensivo desnível no futebol jogado por um e outro sexom assim como no número de praticantes, consequência do descaso do Governo, das escolas, das famílias e, "last but not least", do desinteresse da esmagadora maioria dos clubes portugueses, pequenos, médios e grandes. Devemos reconhecê-lo, saudando os clubes- exceção (o pioneiro Boavista, o SCP, o SLB, o Braga...), e, sobretudo, as “navegadoras”, que, logo na 1ª jornada, tão bem se bateram contra uma das potências europeias e foram derrotadas por um golo isolado e bastante duvidoso … Além disso, embora não acompanhe de perto as competições nacionais femininas, parece-me que a noss Federação "acordou", finalmente, para o problema e tem tido um papel positivo nos avanços registados. Há, todavia, outros países do mundo onde a relação de qualidade do jogo jogado por mulheres e homens é a inversa. E aí a “colonização”, de que eu falei, assume foros de escândalo. É o caso paradigmático dos EUA (equipa campeã do mundo e 1º lugar no ranking feminino, enquanto no masculino ocupa um modesto 11º, sem pretensão a títulos) e do Canadá (7º no ranking femnino e 47º no masculino...). E é, em tons um pouco menos contrastantes, a realidade da Austrália (10ª no ranking feminino, 27º no masculino) e da Nova Zelândia (onde os homens estão no fundo da lista, no 103º lugar e as mulheres ao nível mediano de Portugal, no 22º). Neste 1º grupo, em que as jogadoras mais se destacam e são mais populares, estão países onde o futebol (ou "soccer") está muito longe de ser o desporto-rei. Talvez aqui possamos agregar a China (14º em mulheres, 80º em homens) Japão (11º e 20º...). Num 2º grupo, que também, de algum modo, já começa a apontar para a injustificada dependência ou subalternização do desporto feminino, incluirei aqueles onde o “ranking” do futebol de ambos os sexos é semelhante, ou equilibrado: a Inglaterra (4º lugar nos dois rankings), a Alemanha (2º no feminino e 15º no masculino, mas antiga campeã da Europa e do mundo, que pode vir a sê-lo, de novo), os Países Baixos (9º nas mulheres, 7º nos homens), os países nórdicos, o Brasil. Ou, longe do topo da classificação, as Filipinas (136º/135º). Não podemos negar que o futebol feminino é, historicamente, tardio, nascido do futebol masculino (como uma Eva da improvável costela de Adão...), mas é tempo de traduzir a importância que efetivamente foi ganhando, em participação nas estruturas federativas, na composição das equipas técnicas, no estatuto das e dos atletas, dos treinadores e treinadoras...No que a estes respeita, os números atuais revelam o grau de discriminação: em 32 seleções presnetes no Mundial só 12 são treinadas por mulheres (Brasil, Inglaterra, Alemanha, Canadá, Suíça, Itália, Costa Rica, RAS, Noruega, Nova Zelândia, Irlanda e China). Na 1ª Copa feminina, em 1991, havia apenas uma. O ritmo tem aumentado vagarosamente e, apesar disso, nas oito anteriores edições do Mundial há, (por feliz acaso?), uma perfeita paridade de vitórias - quatro de selecionadoras (duas da Alemanha, duas dos EUA) e quatro de selecionadores. Neste aspeto, há um desempate à vista. Ainda não me atrevo a fazer prognósticos. Nesta primeira jornada, o destaque vai para as sumptuosas goleadas das brasileiras de Pia Sundhage (com uma estreante, Myr Borges, a fazer história com um “hat-trick”) e das alemãs de Martina Voss- Tecklenburg. Para já, remeto-me a deixar uma sugestão: se gostam de futebol, sem preconceitos de género, não percam, os jogos, ou, ao menos, os resumos no canal 9.
2023 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EMIGRAÇÃO FEMININA RESUMO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo, no domínio da emigração, vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 elas vêm reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se, neste quadro jurídico e fáctico, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade", em 2007, às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução nº 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I –AS POLÍTICAS PROIBITIVAS OU LIMITATIVAS DE MIGRAÇÕES FEMININAS Ao longo de mais de cinco séculos, desde o início da Expansão marítima e da colonização de possessões a Oriente e a Ocidente, até à revolução de 25 de abril de 1974, as migrações foram sempre objeto de políticas públicas, que tenham por fim controlar os fluxos de saída, facilitando ou restringindo, pela avaliação conjuntural, o êxodo masculino e proibindo, genericamente, com algumas, poucas, exceções a emigração feminina (caso paradigmático das Órfãs d’el Rei, jovens recolhidas em orfanatos, que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante dote, em regra, terras de cultivo ou empregos públicos...). O direito à liberdade de circulação, à reunificação familiar, à prossecução de projetos individuais, em todas as componentes em que o novo “Direito dos Expatriados”, no plano nacional e internacional, é um conceito de hoje, de valores democráticos e humanistas nossos contemporâneos. É um ramo do Direito Internacional, que assume caráter de exceção, ao colocar no centro os interesses do indivíduo, do cidadão, dando-lhe prevalência sobre o interesse do Estado. Ao longo de séculos, foi em nome dos interesses do Estado que as mulheres portuguesas foram confinadas no território, condenadas à solidão pela partida para muito longe de maridos, filhos, por largo tempo, ou para sempre. Política diametralmente oposta foi seguida na vizinha Castela, que privilegiava a emigração de casais para as colónias da América do Sul, obrigando os homens casados a levarem consigo as mulheres ou a regressarem para fazerem vida conjugal. (C R Boxer, 1977:34). A opção da Coroa Portuguesa eivada de uma intrínseca misoginia teve, como contrapartida, o incentivo à uma colonização sistematicamente baseada na miscigenação. Todavia, se a proibição régia foi quase plenamente respeitada no êxodo para Oriente, dadas as dificuldades, os perigos e os custos da viagem na carreira das Índias, já o não foi para o Brasil, onde as migrações clandestinas de homens e, crescentemente, também de mulheres se revelaram uma constante. No início do século XX, a grande diminuição do custo de transportes, com os novos “vapores” (a máquina a vapor) é o fator determinantes de uma maior igualdade de sexos nas saídas do reino. Regista-se um aumento de mais de cerca de 130% da partida de mulheres e de crianças, que causa alarme entre os decisores políticos, como no mundo académico. Afonso Costa, em ambas esses vestes, proclama a emigração feminina como “uma depreciação do projeto migratório”. (Costa, 1913:182). Era, sobretudo, o risco da cessação de remessas e de “desnacionalização", a que se refere outro dos maiores nomes da ciência, neste domínio, o Prof Emygdio da Silva (Silva, 1917:132). Eivados da tradicional misoginia, a argumentação não deixa de ser o claro reconhecimento da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma bem-sucedida integração e de não retorno. O que o futuro confirmou. O que não adivinharam foi outro tipo de ganho, que pode ser o maior e o mais duradouro: em vez da receada “desnacionalização” o surgimento criação de comunidades, portuguesas de língua cultura e pelo afeto, que são indissociáveis de uma forte componente feminina. Haveria também alguma razoável preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, mas não havia a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e neste como noutros terrenos, direitos absolutamente iguais. II – AS POLÍTICAS DE DESCASO 1 - Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, abrem-se as fronteiras e a plena liberdade de emigrar e regressar ao país é formalmente consagrada na Constituição de 1976. Em tempo de assertiva afirmação de princípios pelo legislador o reverso da medalha foi a sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se os normativos vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em realidade vivida. Perante novas leis igualitárias, registamos uma diluição da problemática feminina no campo da emigração, que continuou padronizado no masculino, permitindo a opacidade do que dizia respeito às mulheres migrantes, como se fossem particularidades sem grande relevância. Apesar do art.º 9º da Constituição, a partir da revisão de 1987, reforçado pelo art.º 109, impor ao Estado a tarefa de promover da igualdade entre os sexos no que respeita á participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional, as mulheres das comunidades do estrangeiro ficaram por largos anos esquecidas. A Comissão para a Igualdade, criada como instrumento operacional de políticas públicas neste domínio, centrava a sua ação no território. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras – e, ainda por cima, na conjuntura da segunda década de setenta, em que se acentuava a “feminização” da emigração, devido à crise económica, que apenas tolerava movimentos migratórios para fins de reunificação familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, ultrapassando barreiras que o estatuto de reagrupamento lhes impunha, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, embora não, em geral, no mesmo tipo de empregos. A possibilidade de profissionalização, maciçamente aproveitada, converteu-se numa autêntica via de emancipação das migrantes portuguesas, dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e um um novo protagonismo dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica, como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995:51). A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência, quando se perspetiva a sua vida como realidade complexa e dinâmica - e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008: 1257)) Em França, em Paris, onde a investigação de Engrácia Leandro se centrou, o sucesso da geração de 60 e 70 (a do "salto" para a Europa...) não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998: 22). As mulheres emigrantes desta emigração rural ou operária alcançaram níveis imprevisíveis de autonomia e bem-estar, que não se deveu às políticas do país de origem, nem tampouco ao diretamente movimento associativo, ao qual terão dado muito mais do que receberam. Na verdade, apesar do contributo que deram à reconversão de clubes/tertúlias masculinas, em círculo de convívio para famílias inteiras, com uma componente cultural, viram-se sempre relegadas para papel secundário nesse espaço português regido pela misoginia tradicional. Ou seja, foram, geralmente, sempre mais discriminadas no meio português do que na sociedade de acolhimento. III AS POLÍTICAS PARA A IGUALDADE A partir das décadas de 70/80, neste contexto não só europeu, mas verdadeiramente universal, era expectável e pertinente que as primeiras intervenções do Estado se focassem no mundo associativo, enquanto sustentáculo da extraterritorialidade da presença portuguesa e terreno das transformações visadas nas políticas públicas para a igualdade, e enquanto parceiro de mobilização para esse objetivo. Conferências, sessões de informação, debates, instrumentos privilegiados na luta feminista ao longo do século passado. revelavam-se atuais e foi através deles, numa estreita cooperação com ONG’s voltadas para a problemática das mulheres e das migrações, que se veio a cumprir, já no século XXI, parte substancial do programa de Governo, nesta matéria. (Aguiar, 2009, 41). Poderemos, todavia, antedatar o início das políticas para a igualdade a junho de 1985, com o 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, uma realização que teve o patrocínio da UNESCO. A ideia surgira na Reunião Regional da América do Norte do CCP e originara uma recomendação, a que a SEE deu imediata sequência. As primeiras eleições para o Conselho, criado pelo DL nº 372/80 de 12 de setembro, efetuaram-se, em colégio eleitoral associativo, no início de 1981. Os eleitos eram todos homens. O Órgão, com que o Executivo pretendia dar voz aos portugueses da Diáspora, numa assembleia magna, para governar em diálogo, rompendo com séculos de políticas paternalistas, revelava-se o espelho do patriarcalismo reinante no relacionamento de género, nas comunidades portuguesas. O grau zero de representação feminina no CCP, tanto na área do associativismo, como na do jornalismo, levantava o problema de democraticidade da nova instituição – problema insolúvel, porque era ainda impensável, em Portugal, a imposição de um sistema de quotas. No segundo ato eleitoral, em 1983, as duas primeiras Conselheiras do CCP ganharam o seu lugar no setor do jornalismo. E foi uma delas, Maria Alice Ribeiro, representante de Toronto, a autora da recomendação para a convocatória de um encontro mundial de mulheres da Diáspora. Com esse congresso, o mais improvável dos países, pelo registo misógino de políticas multiseculares, e uma instituição de rosto masculino, fizeram história, em termos europeus e mundiais, com a primeira iniciativa para o empoderamento de mulheres emigrantes, antecipando em dez anos as decisões da Conferência de Pequim, como afirma Maria do Céu Cunha Rego. O Encontro Mundial de Viana foi um congresso histórico, uma espécie do Conselho das Comunidades no feminino, em que pelo nível das intervenções e pelo aprofundamento das questões da emigração feminina e, globalmente, das migrações, as mulheres demonstraram quanto a sua ausência pesava negativamente no CCP. Entre as principais conclusões das participantes do Encontro de Viana estava o projeto de criação de uma associação mundial de mulheres da Diáspora, que não chegaria a concretizar-se. Por seu lado, a SEE, face à continuada sub-representação feminina no CCP, instituiu, em 1987, uma “Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro", a funcionar, anualmente, na órbita do Conselho. A queda do X Governo e a tomada de posse do novo Executivo significou uma rutura política neste domínio, inviabilizando não só a convocação das Conferências e a prossecução de políticas públicas para a Igualdade como, também, o funcionamento regular do CCP, que acabaria por ser extinto em 1990. O Conselho renasceu, em 1996, em novos moldes, eleito por sufrágio direto e universal, sem significativa alteração dos índices de participação feminina, que ainda hoje, apesar da aplicação do sistema de quotas, se mantêm muito abaixo das metas da Lei da Paridade. Nada de relevante se assinala, ao longo de duas décadas, no que respeita à promoção pelo Estado da participação cívica e política das emigrantes. Só em 2005, por proposta dirigida à SECP pela “Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, que se considera herdeira do projeto de ação sufragado no Encontro de Viana, são assumidos, de forma sistemática e consistente, os deveres constitucionais do Estado neste campo. O 1º Encontro para a Cidadania foi coorganizado pela Embaixada de Portugal e pela AMM da Argentina na Biblioteca Nacional (sala Jorge Luís Borges) e aí, na sessão inaugural, o SECP António Braga manifestou vontade de romper uma longa inércia, falando do “desígnio ”de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e admitindo que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". Era, de facto, um "retomar" a questão de género, que havia tido, apenas, um momento breve de afirmação, na meia década de 80, em que realçaram, como António Braga fazia 20 anos depois: […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". Os Encontros Regionais seguintes foram realizados em Estocolmo (2006), em colaboração com o PIKO (Federação de Mulheres Lusófonas), em Toronto (2007), organização conjunta da Cônsul-Geral Maria Amélia Paiva e de Várias ONG’s locais, em Joanesburgo (2008), em parceria com a Liga da Mulher, e em Berkeley (2008), com a participação do Departamento de estudos Europeus da U Berkeley. O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, ou pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. Este último, na "Conferência para a Igualdade", em Toronto, fez uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração, salientado que "{…]as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas, ao não excecionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo, certamente, buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro", com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas da igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia... Lacão foi ao cerne da questão, ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades - ideia chave para a "paridade" - como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009:11). Ficou bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres, para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. A via do “congressismo” fora claramente adotada "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...]. (Braga, 2009:132) e seria não só continuada, como impulsionada a novos patamares por um governo de outro partido. Ao PS sucedia, em 2011, o PSD, mas contrariando a tentação de rutura, que é tradição entre nós, O Secretário de Estado José Cesário não só a continuou, como deu um decisivo impulso à implementação de políticas de emigração, com a componente de género

COLÓQUIO CMA/AMM Lembrando Maria Barroso

Caras Amigas e Amigos No dia 2 de maio, a AMM vai celebrar com a Câmara de Espinho um protocolo para instalar a sua sede no Fórum de Arte e Cultura da cidade - por coincidência no dia de aniversário da Doutora Maria Barroso. A AMM, presidido por Graça Guedes, e o Círculo Maria Archer co- organizam nessa data um debate online sobre questões de igualdade no espaço da emigração portuguesa, com um especial enfoque nos "Encontros para a Cidadania", que se iniciaram em 2005, sob a presidência de Maria Barroso. Será uma forma de a lembrar, e de refletir sobre as formas de dar continuidade à sua ação, repensando estratégias de mobilização de mulheres e homens para um projeto sem fim à vista... Esperamos que possam participar, nesta espécie de “brainstorming”! COLÓQUIO 2 de maio de 2023 18.00-19.30 "Mulheres migrantes: mobilização para a igualdade. Um olhar retrospetivo e prospetivo” A Associação "Mulher Migrante" e o Círculo Maria Archer convidam à participação num colóquio sobre a temática da mobilização para a igualdade de mulheres e homens no contexto da emigração portuguesa. O objetivo é refletir, em diálogo aberto online, sobre iniciativas que, neste domínio, têm promovido ou em que têm colaborado, e as novas perspetivas de atuação na luta contra persistentes preconceitos e discriminações, num tempo de grandes transformações e oportunidades. Introdução ao debate: Graça Guedes (Presidente da AMM) Moderadora: Maria Manuela Aguiar (Círculo Maria Archer)