quarta-feira, 8 de março de 2017

FRANCISCO SÁ CARNEIRO EM FERMENTELOS

Com as três mulheres do seu governo, uma de cada partido: PSD Maria Manuela Aguiar (Secretária de Estado da Emigração) CDS Teresa Costa Macedo (SE da Família) PPM Margarida Borges de Carvalho (SE do Ambiente)

quinta-feira, 2 de março de 2017

MIGRAÇÕES EM DEBATE NO PALÁCIO DAS NECESSIDADES

Tema: Os Rostos da Emigração Portuguesa

1. Que evolução podemos traçar da emigração portuguesa nos últimos 50 anos?

Nestes últimos 50 anos de migrações portuguesas podemos distinguir três fases – a primeira que vai da meia década de sessenta à meia década de 70, caracterizada por um verdadeiro êxodo que começara na década anterior, e que levou cerca de dois milhões de portugueses para a Europa e para novos destinos transoceânicos (Canadá, Venezuela, África do Sul…) – o que constituiu uma ruptura com os pólos de atracção tradicionais (Brasil, EUA, Argentina…)
Os maiores contingentes dirigiram-se, maioritariamente para França e outros países do nosso continente e são esses que fazem a história deste período – uma história dramática, muito marcada pela clandestinidade, pelo engajamento de redes de tráfico de seres humanos, pelo controlo da Junta de Emigração e por perseguições da PIDE.. É a chamada “emigração a salto”. Os importantes movimentos transoceânicos paralelos tendem a ser esquecidos ou muito subavaliados pelos peritos e estudiosos nestas matérias, talvez porque se processem em condições mais ordeiras, por um lado, e, por outro, porque são, em alta proporção oriundos dos Açores (para a América do Norte) e da Madeira (para o sul da América e da África)
O perfil dos que partem da metrópole e das regiões insulares é muito semelhante. Deixam a pobreza do mundo rural, têm baixas qualificações escolares e profissionais, são sobretudo homens jovens -  parte deles para se livrarem do  serviço militar obrigatório e da guerra colonial. As mulheres, em regra, vão mais tarde, quando há condições de alojamento familiar. O crescimento das economias que apelam à “mão de obra” barata garante trabalho fácil para todos, mesmo para os ilegais, incluindo as mulheres.
A crise petrolífera, a recessão mundial, a partir de 1973/74, vem por abruptamente fim a estes fluxos desmesurados, que entre 1968 e 1971 envolvem cerca de um milhão e meio de portugueses. As saídas quase se limitam a mulheres e crianças, admitidas para reagrupamento familiar.
Na década seguinte, assistimos movimento maciços em sentido contrário – o que é, coisa absolutamente inédita numa história multissecular de expatriação incessante. O retorno de África, súbito e caótico trouxe cerca de 800.00 entre 1974/76, num tempo em que acontecia já, gradual, voluntário, ordenado -e, por isso praticamente invisível -  a volta da geração do “salto, que se prolongaria, à média de 30.000 ao ano ao longo de 80 – um total cerca de um milhão. Como foi possível integra-los tão bem numa economia tão conturbada e débil?
A meu ver, pelo perfil dos que chegavam, De África, pessoas com rasgo, capacidade de inovação, experiência empresarial, funcionários públicos, Da emigração, gente com reformas, rendimentos, projectos de investimento, que repovoavam as terras que tinha deixado Não voltaram como tinham ido - na situação de trabalhadores rurais, num sector agrícola decadente.
A adesão de Portugal à CEE criou uma aparência de prosperidade”, que deu origem ao discurso prematuro do fim da emigração em Portugal. O êxodo recomeçaria no início do século XX


2. Podemos estabelecer um perfil do emigrante atual? Ou a atual população emigrante apresenta características muito díspares?

O que há de diferente neste surto migratório, de uma dimensão já comparável à dos anos 60, é a sua grande heterogeneidade. Não é verdade que seja sobretudo uma saída de jovens altamente qualificados. O que é certo é que, pela primeira vez, há uma parte, ainda uma minoria, nesse sector, onde, regra geral se encontram as mulheres que emigrem autonomamente – outra distinção face ao passado, que lhes dá muita visibilidade. De facto, no conjunto, são uma “pequena minoria” significativa. O “brain drain” é uma realidade assustadora, embora a esmagadora proporção dos que saem sejam homens, pouco qualificados, envolvidos em processos de emigração temporária
Neste momento a falta de perspectivas no País, a falta de esperança, o discurso dos políticos – talvez mais até a imagem que dão de si, da sua gestão da coisa pública, do que o discurso… -  leva para fora os que se sentem frustrados, desesperados, desempregados – portugueses de todas as idades, de todas as formações, de todas as regiões. Nunca se viu coisa assim·

3. Os destinos da emigração portuguesa atual divergem dos destinos escolhidos na década de 60/70?

Em larga medida, sim, divergem. Há a novidade da procura de países como Angola , onde se fala em mais de 100.00, ou, em menor escala, o Brasil – para onde os movimentos tinham cessado, quase por completo, em meados do século XX. E há um sem número de países onde se dispersam, individualmente, ou em pequenos grupos, no Médio Oriente, na América do Sul, em países asiáticos, na Oceânia – nos sítio mais inesperados e improváveis.
Mas também há muitos para quem recomeçou o ciclo europeu, ao abrigo do direito de livre circulação e de estabelecimento. Não podemos saber precisamente quantos se fixam em países da U E – sabemos que só não são mais porque também aí é cada vez mais difícil encontrar trabalho…

4. Que papel entende caber ao Estado português, no apoio a esses emigrantes?

Desde o 25 de Abril de 1974 que os emigrantes gozam, face à Constituição, não só de direitos políticos, mas, genericamente do direito à protecção do Estado – contra a tradição de circunscrever a acção dos poderes públicos em favor dos seus nacionais apenas dentro do seu próprio território, ou, quando muito ao acompanhamento do acto de saída – condições do contrato de trabalho, apoio na viagem de ida. A revolução de 74 estabeleceu, assim, um novo paradigma “personalista” centrado no estatuto de direitos dos expatriados, à semelhança do que já acontecia e acontece em outros países europeus, sobretudo, do sul da Europa.
Sucessivos governos delinearam, a partir de 1974, e até à década de 90, toda uma arquitectura institucional de suporte a políticas de informação, de apoio no domínio social e cultural, de negociação de acordos bilaterais, de parceria com o movimento associativo das comunidades. Logo em 1974 foi criada a Secretaria de Estado da Emigração, sedeada primeiro no Ministério do Trabalho, depois no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desenvolveu serviços próprios, incluindo um Instituto dotado de autonomia administrativa e financeira, delegações externas, em articulação com a rede consular, com os conselheiros sociais das Embaixadas. Ou seja, meios adequados, ainda que com orçamentos sempre modestos para acção cultural externa e para o ensino da língua aos filhos dos emigrantes (um dever do Estado, expressamente consagrado na Constituição desde a revisão de 1982). O enfoque prioritário era na emigração recente, europeia, em questões sociais e laborais, ainda que, pelo menos desde os anos 80, se procurasse a ligação à diáspora, em todo o mundo, nomeadamente através do Conselho das Comunidades Portuguesas
. Porém, desde a última década do século XX, com a ideia de que os movimentos migratórios tinham cessado de vez (o já então não era exacto, embora tivessem diminuído relativamente a 60/70 e assumido mais um carácter temporário) assistimos ao desmantelamento das estruturas existentes, com o desaparecimento de um instituto autónomo e a diluição do que restava dos antigos serviços na Direcção Geral de Assuntos Consulares. Mais recentemente, foram extintos os lugares de adidos e conselheiros sociais junto das Embaixadas, funcionários altamente especializados, que tão bons serviços prestaram no passado, na detecção de problemas e na assessoria de negociações bilaterais.
Hoje, há, é certo, novas formas de contacto, as redes sociais, a RTPI, uma rede consular informatizada, um Secretário de Estado experiente e atento. Mas estas fortíssimas correntes migratórias, reclamam acompanhamento, conhecimento das situações concretas, informação, assistência, onde for precisa. No dia a dia. O que me parece exigir reforço de meios materiais e humanos e, onde for possível, um reforço das parcerias com o associativismo da emigração

5. Para Portugal, a saída de nacionais implica sempre perda de população ativa. Que consequências, do ponto de vista económico e demográfico, se podem esperar, num futuro próximo, desta saída?

Também deste ponto de vista a situação é assustadora. Os números são tremendos – o Secretário de Estado fala, com conhecimento de causa, em mais de 120.000 saídas por ano… Há o fundado receio de que os mais qualificados tenham partido definitivamente. Se assim for, isso é uma perda irremediável para a economia nacional, que deles necessitava para se reconverter (embora Portugal possa recupera-los na diáspora – do que, porém, não há certezas…. A larga predominância de uma emigração temporária, actualmente, faz do regresso dessa maioria uma questão de criação de oportunidades de emprego. Mas quando se iniciará esse volte face em Portugal, no interior desta Europa, enredada na teia das políticas de austeridade anti-desenvolvimentistas, sem visão estratégica, sem espírito de solidariedade, num afrontamento norte/sul, que nós somos, entre os países do sul, os únicos que aparentemente estamos no campo errado ? Neste momento, o que mais há são interrogações…   
A Revolução de Abril de 1974 e o seu significado na área específica
das migrações sãoo tema do ciclo de colóquios que a AEMM leva a cabo
ao longo de 2014. É um olhar sobre os quarenta anos decorridos desde a
revolução, à qual associamos uma flor, o cravo (o cravo no cano das
metralhadoras) -e uma palavra: liberdade!
Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade para os
emigrantes - os que já o eram e os que o queriam ser. É, assim, uma
realidade admiravelmente nova, em rotura definitiva com o
passado,porque, de facto, a saída do país nunca fora, ao longo de
mais de quinhentos anos, inteiramente livre. As mais antigas e
persistentes políticas neste domínio iam todas no sentido de
condicionar ou proibir um êxodo continuado em sucessivos ciclos, quase
sempre visto como excessivo, sobretudo quando envolvia mulheres ou
famílias inteiras.
A Constituição de 1976 ao proclamar (no nº 1 do art. 44) a liberdade
de circulação, expressamente englobando o direito de partir e o
direito de regressar, estabeleceu um precedente histórico, numa
história multissecular. Precedente
constitucional de igual alcance é o reconhecimento de direitos
políticos e a imposição ao Estado de obrigações para com os
portugueses do exterior, na qual se vai fundamentar o emergente
estatuto jurídico dos expatriados. Estatuto evolutivo, que começa na
concessão do direito de voto para a AR em círculos não territoriais (
nº 2 do art. 152).
Direitos e deveres de todos os Portugueses!
Segundo o art. 14: "Os cidadãos portugueses que se encontram ou
residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício
dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência".
A interpretação pelo legislador do conceito de "incompatibilidade" com
a ausência, ao reduzir esse domínio, progressivamente, tornou-se um
instrumento do aprofundamento dos laços de cidadania face ao país de
origem. Um exemplo: o sufrágio na eleição para o PR, excluído na
Constituição em 1976, é aceite na revisão constitucional de 1997 - 23
longos anos depois de ser "incompatível" com a ausência do território,
deixa de o ser...
A regra da igualdade de direitos entre todos os portugueses, no
interior ou exterior,está adquirida, incumbindo ao Estado desenvolver
políticas de apoio aos cidadãos num espaço transnacional muito embora,
em alguns casos, num quadro de persistência de condicionalismos
específicos .
A democracia é, pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e
irá sendo aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para
o "paradigma personalista", centrado na pessoa, nos seus direitos
individuais, na sua pertença a uma comunidade que extravasa
fronteiras. É o fim de um dogma que se impunha com carácter absoluto,
em nome da soberania territorial do Estado. - muito embora subsistam,
como disse, certas restrições ,nomeadamente no campo da participação
política, ou em matéria de direitos à prestações sociais, por velhice
ou doença, ou no que respeita ao acesso ao ensino da língua e da
cultura. Por isso me parece adequado falar de transição, de processo
evolutivo, inacabado, aquém de bons exemplos de direito comparado,
como o de Espanha.
De qualquer modo, há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de
Abril: antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis
diminutio", perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, todos os
direitos políticos, a nacionalidade, se adoptassem voluntariamente a
de outro país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento
com estrangeiros), assim como direitos sociais e culturais, “maxime”,
o direito ao ensino da língua; depois daquele Abril, os emigrantes são
reconhecidos como sujeitos da comunidade, da cultura e da história
portuguesas, que se desenvolvem num espaço verdadeiramente universal.
As instituições do Estado procuram, neste processo, assim,
corresponder à dimensão da Nação inteira

OS DIREITOS POLÍTICOS

O paradigama territorialista teve o seu fim assinalado na Constituição
de 1976, com o reconhecimento do direito de voto dos expatriados para
a Assembleia da República, que resulta claro na conjugação do nº 1 do
artº 48 ( "Todos os cidadãos têm o direito de tomar partena vida
política e na
direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por
intermédio de representantes livremente eleitos") e do nº 2 do artº
152, que restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos
territoriais, assim claramente enunciando um regime de excepção para
os círculos organizados fora do país. Excepção que vai servir para
impor, na lei eleitoral, um tecto de apenas quatro representantes em
dois círculos da emigração (europeia e transoceânica)
.Não é, pois, ainda, um "voto igual",com 2% de representantes na
Assembleia, para uma população residente no estrangeiro que se estima
em 30% (embora ,seja muito menor a proporção de recenseados no
estrangeiro - actualmente cerca de 260.000,
A territorialidade do sufrágio mantinha-se na eleição para o
Presidente da República (artª 124). Podemos perguntar porquê. Porque a
Constituição só admitia a participação dos emigrados através da
diminuição do peso e influência do seu voto, o que em círculo
nacional é impossível? A jrazão foi certamente essa.
Quando voto para o PR lhes foi cconcedido, mais de duas décadas
depois, entre públicas controvérsias e difíceis negociações inter
partidárias, na
revisão Constitucional de 1997, a mesma finalidade de lhe dar uma
menor dimensão, reduzindo o número de votantes emerge no articulado do
nº2 do art. 121,ao exigir aos candidatos ao recenceamento no
estrangeiro "a existência de laços de efectiva ligação à comunidade
nacional".
Solução que obrigou à co-existência de dois diferentes cadernos
eleitorais no estrangeiro - um, mais reduzido, para os eleitores do
PR,cumpridas as condições impostas pelo art. 121, outro, mais aberto,
para os eleitores exclusivos da AR,, sendo para este irrelevante a
prova da permanência de laços de efectiva ligação a Portugal - uma
contradição insusceptível de fundamentação jurídica, que tem de ser
vista como menorização da instituição parlamentar, e que levou o seu
tempo a erradicar...
Mais restritiva ainda- embora diga repeito não à composição e à
dignidade de um órgão de soberania, mas a um instrumento de expressão
da vontade popular - é a norma que prevê a sua participação nos
"referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também
especificamente respeito (nº 2º do artº 115).
Ainda não houve um único referendo aberto aos expatriados...
A exigência de residência no respectivo território mantém-se nas
eleições autárquicas e regionais. Outra podia ser a solução, como é em
tantos países europeus, designadamente na Espanha, onde os emigrantes
votam a todos os níveis, nacional, autonómico e local. Mas não se pode
aqui argumentar com uma discriminação, visto que todos os outros não
residentes, naturais dessas circuncriçoes, são igualmente excluídos.
Sem me alongar sobre as vicissitudes destes processos, em que tive
intervenção ao longo de mais de 20 anos, sempre, em favor do
alargamento do estatuto político dos expatriados, a todos os níveis,,
com base em exemplos do direito comparado, direi, apenas, em síntese
que, a meu ver, entre nós, os partidos actuaram, regra geral, de
acordo com as expectativas em
relação ao sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam
menos favorecidos desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do
eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos partidos
beneficiários desse voto. Ao fim de 40 anos de experiência
democrática, já não restam dúvidas sobre o seu irrealismo dessa
previsão ou profecia: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e
estável - pouco mais de 260.000 recenseados e cada vez mais abstencionistas..
Números de recenseados e, sobretudo, de votantes, muito inferiores aos
da Galiza, onde a taxa de abstenção é exemplarmente baixa...
Creio que o clamor sobre a anunciada ainda que nunca vista avalanche
de votos "de fora" (que redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8,
a popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade"...). se ficou a
dever a confusão entre emigração recente - a que, tendo passaporte
português, pode recensear-se voluntariamente, embora a maioria não o
faça... - e Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos
e pela intervenção cultural, não pela política...
A meu ver, é excelente que se deixe os próprios emigrantes e seus
descendentes a escolha das formas de "ser português", sem pressões e
sem recriminações, qualquer que seja a opção...

AS NOVAS POLÍTICAS, OS NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS

A preocupação com as questões da emigração revelou-se, na cronologia
das iniciativas nesta área, antes de mais, na criação, em 1974, da
Secretaria de Estado da Emigração, que integra os serviços
preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos
quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as
primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do
estrangeiro, sobretudo na Europa. Com o novo regime, essas políticas
embrionárias vão conhecer um seguro desenvolvimento, nomeadamente no
que respeita:
- À representação política e à aceitação da dupla nacionalidade:
- À defesa activa dos direitos dos portugueses e à negociação de
acordos bilaterais de emigração e segurança social. de que havia já
diversos exemplos, antes de 1974
- À atenção dada ao associativismo, às instituições que criaram um
espaço extra-territorial de vivência portuguesa, e que, dentro dele,
desde sempre, se substituíram ao Estado ausente. Quando este decidiu
intervir, olhou-as, naturalmente, como parceiras em todas as vertentes
das políticas para a emigração e a Diáspora, em que elas possuem
experiência e meios operacionais. Com isso ganharam todos, e o próprio
Governo potenciou a sua ação enormemente:
- Ao ensino da língua, que, depois da revisão constitucional de
1982, se converte nos termos da alínea i do art.º74 em dever de
"assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o
acesso à cultura portuguesa". Ao longo destas quatro décadas esta
obrigação do Estado não tem sido exemplarmente cumprida, registando-se
grandes desigualdades entre comunidades em diversos países e
continentes
- À informação: informação sobre as condições de emigração e de
regresso e, também, sobre o país, devendo neste domínio realçar-se o
lançamento, na década de noventa, da RTPI, uma aposta inédita e
inteligente, todavia subaproveitada até hoje:
- Ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de
benefícios fiscais, empréstimos a juros bonificados. para aquisição de
casa própria ou par lançar empreendimentos, cuja eficácia se viria a
comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de
portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso
continente foi por eles, em regra, bem gerida, no quadro dessas
medidas, a ponto de se poder falar de "regressos invisíveis”, como me
lembro de ter feito, no período alto desses movimentos
- Ao apoio social, em casos de extrema pobreza, na velhice e na
doença, medida imprescindível em muitos países sem sistemas públicos
de saúde e segurança social. São ainda esquemas incipientes, como o
ASIC, que não configura verdadeira pensões sociais, como as que
existem em outros países europeus de emigração:
- Às medidas para a promoção da igualdade de género, que é, hoje, de
acordo com um novo inciso introduzido na revisão de 1997 - art. 109
-um dever do Estado, que os governos do século XXI souberam tornar
extensivo às comunidades do exterior, dando, 20 anos depois, sequência
a um 1º encontro mundial de mulheres no associativismo e no
jornalismo, realizado em 1985 (em termos europeus, uma iniciativa
inédita). A audição das mulheres e o impulso à sua participação cívica
foi retomada com os "encontros para a cidadania" (2005 2009), dos
quais a AEMM foi um dos principais co-organizadores, por parte da
sociedade civil. Foi e continua a sê-lo. Com o atual governo, no mesmo
espírito têm sido desenvolvidas iniciativas múltiplas para a
igualdade, fundamentalmente em diálogo com ONG's.
- As iniciativas para a juventude, muitas das quais orientadas por uma
estratégia de aproximação e sensibilização, que passa por encontros no
e com o país, na linha que poderemos chamar de "congressismo", assim
como por acções de formação e incentivo a novas formas de
associativismo.
Poderemos, no tempo de debate, fazer o balanço destas e de outras
medidas tomadas, em concreto, por sucessivos governos, poderemos ter,
sobre o seu grau de execução e de sucesso, diferentes opiniões, assim
como sobre as políticas que se impõem, precisamente agora, em tempo de
um êxodo tremendo, que parece não ter fim. É, porém, um facto inegável
o progresso que representa a assunção pelo Estado das suas
responsabilidades para com os expatriados, mesmo que ainda lhes não
dê, eventualmente, no terreno, um perfeito cumprimento. Ficam para
trás, e creio que para sempre, quinhentos anos de políticas que se
limitavam a tentar o controlo dos fluxos migratórios e a fechar ou
abrir as fronteiras conforme as conveniências ou, como aconteceu após
a criação da Junta da Emigração, em 1948, a acompanhar a vicissitudes
da viagem transoceânica até ao ponto de chegada, aí deixando os
portugueses entregues a si próprios em terra estranha. Maria Beatriz
Rocha Trindade designa-as, expressivamente, por "políticas de trajecto
de ida", propugnando a adopção de "políticas de ciclo completo", que
são hoje, a meu ver, impostas pela Lei em cada fase do ciclo
migratório, quer este termine no regresso, ou na integração no
exterior (o que eu sempre referia como as políticas de "apoio à dupla
opção", opção livre que não cabe ao Estado influenciar, mas, na minha
perspectiva, apoiar, qualquer que seja.





MEIOS INSTITUCIONAIS

Uma nota preliminar sobre o enquadramento institucional das políticas
de emigração, para salientar que estas têm sempre de ser desenvolvidas
num eixo interministerial, pois as matérias que respeitam aos
problemas, aos interesses e aos direitos dos expatriados, exatamente
como as que concernem os residentes no país, só podem, na sua
globalidade, ser resolvidas pelo conjunto dos serviços da
administração pública, Num país com cerca de um terço da população no
exterior todos os governantes e todos os funcionários devem lembrar a
sua existência nas decisões quotidianas. Contudo, isso não acontece só
porque deveria acontecer .a verdade é que a realidade da vida dos
cidadãos e das comunidades do estrangeiro é, muitas vezes, esquecida
ou mal conhecida. E, por isso, principal papel dos serviços da
emigração (ou, desde 74, do pelouro governamental que os
superintende), é chamar a atenção para essa realidade, é sensibilizar
para eventuais especificidades, num trabalho incessante de
coordenação.
Os primeiros organismos criados para este objetivo foram de natureza
semelhante às atuais comissões interministeriais, embora com outra
designação: no primeiro quartel do século XX, sem historial relevante,
o "Comissariado da Emigração", e, em meados do século (1948), com vida
ativa mais longa e eficaz, a "Junta de Emigração", sedeada no
Ministério do Interior - sede adequada a um organismo que se propunha,
antes de mais, o controlo dos movimentos migratórios, o recrutamento
e acompanhamento da saída dos portugueses. Á "Junta" sucedeu o
"Secretariado Nacional da Emigração", que já mencionei como organismo
propulsor de um início de proteção dos cidadãos no estrangeiro e de
apoio às atividades culturais do associativismo.
Depois do 25 de Abril foi criada a Secretaria de Estado da Emigração,
junto do Ministério do Trabalho, transitando, ainda em 74, para o
Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a finalidade de melhor
interagir com a rede consular. A maioria das delegações da emigração,
constituídas nos anos seguintes, passaram, naturalmente, funcionar na
periferia dos consulados, muitas delas mesmo nas suas instalações. A
partir de então assistimos a um movimento pendular ora no sentido de
dar forma a mais departamentos especializados, ora no sentido de os
unificar, com o expresso propósito de conseguir melhor articulação
entre as várias componentes - uma de perfil mais burocrático -
informação, recrutamento, negociação de acordos, legislação, outra
mais voltada para a ação cultural externa, para o apoio ao movimento
associativo. A SEE incluía, na década de 70, uma Direção-Geral da
Emigração e um Instituto de Emigração, dotado de autonomia
administrativa e financeira.
Em 1980, numa altura em que, além da DGE e do IE, existiam de jure,
embora não de facto, mais duas instituições, o Instituto de Apoio ao
Regresso e o Fundo de Apoio às Comunidades a opção foi a de caminhar
para a unificação, no IAECP, que manteve a ampla autonomia do IE e
reuniu em si todas as competências daquela panóplia de serviços.
Seguidamente o IAECP iniciou o processo da sua regionalização, através
de delegações abertas através de protocolos com Câmaras ou Governos
Civis, nas regiões de maior fluxo de regressos.
A partir de 1985, o IAECP, no âmbito das suas funções, sedeou na
Delegação do Porto, um "Centro de Estudos", com enfoque nas migrações
de regresso. Em simultâneo, é lançada uma linha editorial e iniciada
uma recolha de dados num "Fundo Documental e Iconográfico das
Comunidades Portuguesas", primeiro passo para um futuro museu da
emigração. Assim se prescindia de novas alterações orgânicas, em favor
de um experimentalidade com um mínimo de custos. O IAECP foi extinto,
na década de 90, e os seus departamentos, integrados na DGACCP. Este
englobamento implicou a perda definitiva da autonomia administrativa
e financeira - situação que se mantém-.
A mais importante alteração posterior foi a centralização no
MNE,através do Instituto Camões, do ensino de português no
estrangeiro, em todos os seus níveis - exemplo de um centro de decisão
que muda de um ministério sectorial. como o da Educação, para o MNE.
Paradigma contrário se pode apontar no domínio da informação, onde o
MNE não tutela a RDPI ou a RTPI. Uma 3ª via, a decisão conjunta do
MNE e de outros ministérios, é a que se impôs em matéria de segurança
social (ASIC). Um feixe de soluções diversas, difíceis de harmonizar,
que vem das origens dos serviços para a emigração.
Uma última palavra para a instituição de um órgão que não se integra
propriamente no organigrama da SECP, mas que desempenha um papel
insubstituível na elaboração e execução das políticas para a emigração
e para a Diáspora: o Conselho das Comunidades Portuguesas. Um órgão
criado na confluência dos diferentes moldes de afirmação
nacional da emigração antiga e recente , no modelo original proposto
pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento representantes eleitos das
associações, independentemente de serem ou
não de nacionalidade portuguesa. Servia, assim, tanto a emigração como
a Diáspora. Era um órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE (de
facto, uma presidência delegada no Secretário de Estado das
Comunidades Portuguesas). Uma plataforma de encontro e articulação de
ações entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre
si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo plural na
sua essência. Um Conselho pensado para duas vertentes, para a
emigração antiga, com a força das suas aspirações e projetos culturais
e para a mais jovem, com os seus problemas laborais e sociais. Nem
sempre foi fácil a reunião de ambas e teria sido talvez preferível,
como sempre propugnou Adriano Moreira, a instituição de estruturas
próprias para cada uma delas.
No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz,
dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre,
por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes
matriciais - e focando sobretudo as questões sociais e políticas do
quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como
dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Em qualquer
caso, foi uma esplêndida vivência democrática, que, assim, pois, desde
a primeira hora, deu do Conselho a imagem mediática da conflitualidade
mais do que pela da cooperação e solidariedade, que, por sinal, em
matérias fundamentais, sempre existiram. Foi, com certeza essa imagem
de marca que, a partir de 1987/1988, levou um novo governo a suspender
as suas reuniões, a silencia-lo, antes de o substituir por uma
organização composta de múltiplos colégios eleitorais, que, como era
previsível, não funcionou..
Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino – numa eleição por sufrágio
direto e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade
portuguesa. O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas
entrecortadas, num percurso mais acidentado do que outros organismos
existentes na Europa. Mas resistiu, e será hoje mais fácil do que já
foi impor-se como grande forum democrático. Poderá vir a ser,
idealmente, uma espécie de 2ª Câmara, de carácter consultivo e
representativo, uma "assembleia" dos portugueses do estrangeiro -
título que passou a assumir o antigo "Conséil" francês. Um órgão que,
a meu ver, deveria ser consagrado na arquitetura da Constituição, ao
abrigo do poder discricionário de um qualquer governo. Esta hipótese
foi discutida na AR, em 2004, por iniciativa da Sub- comissão das
Comunidades
Portuguesas, a que eu, então, presidia . Podemos dizer que a ideia já
iniciou o seu percurso.
O CCP, ao contrário do IAECP, parece ter futuro e continua a ser
incessantemente reequacionado, de facto e "de jure", aguardando-se
para breve mais uma reforma legislativa.
O fim do IAECP implicou a perda de uma margem de autonomia essencial
no setor das comunidades portuguesas, dentro do universo do MNE. Com
esta afirmação, não é no poder e competências do responsável político
que estou a pensar, mas nos meios operacionais de que dispõe, no
desaparecimento de departamentos e de chefias próprias, com
especialização, vocação e experiência nas complexas matérias que
integram o setor. .
Em período de nova emigração, a falta vai sentir-se muito mais e a
melhor solução não é certamente, depois de um processo de verdadeiro
indiferentismo num grande ministério, uma segunda diluição num
departamento que se ocupe, em simultâneo (e, com toda a probabilidade,
prioritariamente...) da imigração.
A inserção orgânica dos serviços de emigração é, afinal, indiciadora
da orientação das prioridades políticas de um Executivo. Em Portugal
foram sedeados no Ministério do Interior, quando o primeiro objetivo
era o controlo dos movimentos de saída e no Ministério do Trabalho,
tal como acontece em Espanha, quando a proteção dos trabalhadores se
impôs a quaisquer outras finalidades, só tendo transitado para o MNE,
para melhor aproveitar a articulação com os serviços externos do
Estado. Na Grécia, integra-se no Ministério da Cultura, a revelar a
importância dada aos laços de ligação neste domínio - e,
evidentemente, à Diáspora.
A junção, num mesmo pelouro, de políticas de emigração e imigração,
que, aparentemente, há quem proponha em Portugal, é, na minha opinião,
uma inovação de risco, uma originalidade dispensável, sobretudo na
conjuntura que atravessamos. O que é preciso é reforçar os meios
institucionais da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas,
recriar Delegações externas, em países, onde os problemas se avolumam,
nomear Conselheiros e Adidos Sociais, onde uma austeridade mal
direcionada os eliminou dos quadros das Embaixadas. Este é um domínio
onde as boas soluções para o futuro se podem inspirar nas lições dos
anos que se seguiram à revolução, quando se procurou construir uma
democracia inclusiva dos Portugueses do mundo inteiro