quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Natália - in A Defesa de Espinho

NATÁLIA ETERNAMENTE NATÁLIA Conheci Natália Correia, quando ambas estávamos envolvidas no projeto político de Sá Carneiro, eu no Governo, como Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, ela no Parlamento, como Deputada, onde cumpria, exuberantemente, o seu "dever de deslumbrar" e estava destinada a ser uma das duas únicas deputadas que têm busto de mármore no Palácio de São Bento. Belíssimo, esculpido por Cutileiro! A Assembleia da República conserva, nas páginas do Diário das Sessões, a magia da sua palavra, porventura a mais fulgurante, e, não raro, a mais agreste que algum dia se ouviu no hemiciclo, e talvez lhe venha a conceder, num futuro não muito distante, o privilégio de editar as suas intervenções dispersas em coletânea - até hoje privilégio, praticamente, masculino…). Este ano de 2023, em que se comemora o seu centenário, seria particularmente asado a essa homenagem, entre tantas outras em que destacaremos a edição da bem documentada e bem escrita biografia de Filipa Martins e uma minissérie da RTP de excelente qualidade televisiva e humana Foi precisamente em São Bento, nos “Passos Perdidos”, que aconteceu o meu primeiro encontro com Natália. Conversámos apenas sobre leis - sobre uma em particular, já nem sei qual, que passara pelo meu gabinete, e que ela defenderia, em sede parlamentar, no dia seguinte. Combinámos que, para análise de todos os detalhes, lhe enviaria a casa um distinto jurista. De lá voltou o perito mais impressionado do que se tivesse privado com figuras históricas, como Catarina da Rússia, ou a Marquesa de Alorna! Ainda por cima, Natália elogiara aquele modo de colaboração - que deveria ser a regra, mas não era - entre o Executivo e a bancada parlamentar. Talvez tenha visto nisso uma das diferenças que podem fazer as mulheres na república dos homens… Reencontramo-nos, algumas vezes, no Botequim, que, não sendo eu notívaga, frequentava com pouca assiduidade, e, depois, no quotidiano, entre 81 e 83, na bancada da AD, a aliança partidária, que, desaparecido Sá Carneiro, entrara já no seu ocaso. Como é lidar com um mito no quotidiano? É inevitável a sua "normalização"? No caso dela, não, de modo algum… Tinha as qualidades que "humanizavam" a sua grandeza, sem a diminuírem. No convívio, era amável, solidária, incrivelmente divertida e sempre formidável, sem intimidar. Antes da minha primeira intervenção formal, nervosíssima, não ousando improvisar, escrevi umas linhas, que submeti ao seu parecer crítico. “Claro que está bem – a menina sabe que está bem!”. Eu não tinha assim tanto a certeza, e aquele "nihil obstat" levou-me a subir à tribuna com alma nova! Na verdade, gostava imenso que ela me chamasse “a menina”, embora isso só acontecesse em forma de branda e simpática reprimenda ou discordância… Porém, como opositora, num frente a frente, siderava qualquer um, sem exceção, com secos e contundentes argumentos ou com tiradas ribombantes, não menos contundentes - ordália a que os amigos, felizmente, não tinham de se submeter… A sua tirada mais mediática foi a que incendiou o debate sobre o aborto - a resposta, em verso, a um deputado do CDS, de apelido Morgado, que se atrevera a legitimar o sexo exclusivamente para a reprodução da espécie. A diatribe poética ficou conhecida como o "truca-truca do Morgado”, pacato senhor casado e procriador de uma prole de apenas dois descendentes. Tive a sorte de assistir à cena muito perto da arrebatada Oradora. Em 1987, depois de fazer parte de dois sucessivos e incompletos Governos, regressei, ao Parlamento e às conversas com Natália, então já no PRD. Nada que nos afastasse - afinal, partilhava o seu gosto pelo distanciamento dos aparelhos partidários e até a sua admiração pelo General Ramalho Eanes. Em agosto desse ano, eu acabava de me tornar a primeira mulher eleita vice-presidente da Assembleia da República. Ao fim de poucos dias, deu-se a inevitabilidade de ser chamada a dirigir a sessão – por acaso, sem pompa nem anúncio, a meio de um discurso de Basílio Horta, apenas para o Presidente Crespo fumar um cigarro nos bastidores. Tanto melhor para mim, que queria passar despercebida... Mas eis que Natália se levanta em aplauso, logo seguida por Helena Roseta e pelos demais deputados, incluindo Basílio, que, por um breve instante, continuara a intervenção, muito perplexo, sem saber por que motivo a Câmara inteira aplaudia de pé. Foi uma estreia, a abertura de um precedente, um minuto feminista para a história parlamentar! Não menos feminista foi outro momento, que, também, se lhe ficou a dever: a original ideia de prestar tributo às pioneiras do movimento sufragista português, no "Dia Internacional da Mulher", a 8 de março de 1988. E, assim, oitenta anos depois da criação da “Liga das Mulheres Republicanas”, elas gozaram, enfim, do direito de serem ouvidas, ali, na casa da democracia, em longas citações dos seus discursos, pela voz de deputadas da geração das suas netas. Em 1991, o Partido Renovador perdeu representação parlamentar e, com isso, a Assembleia da República perdeu Natália, a Mulher que acordava a Câmara da hibernação na mediocridade em que estava caída. A Mulher capaz de transformar, por exemplo, um simples jantar de portistas em S. Bento em tertúlia erudita, discorrendo brilhantemente sobre desporto, deuses e mitos, para concluir que a serpente símbolo da antiga Lusitânia e os dragões da "cidade invicta" pertenciam a uma mesma matriz. Nesses tempos, quantas vezes, da terceira fila do hemiciclo, onde habitualmente me sentava, tal como Natália, olhei em redor, pensando: "Daqui a cem anos estamos todos mortos - todos, menos a Natália". Lembro-me de lho ter dito uma vez, perante o seu silêncio complacente e o esboço de um sorriso. A profeta de futuros longínquos era ela, eu apenas ousava uma incursão em terreno proibido ao comum dos mortais. "Begginer's luck", sorte de principiante: a minha profecia vai a caminho de se cumprir!
EDITORIAL, POR MANUELA AGUIAR (EX-DEPUTADA E ATUAL ADMINISTRADORA DA FC PORTO – FUTEBOL, SAD O meu trabalho de mais de 40 anos como Secretária de Estado e Deputada da Emigração permitiu-me conhecer e reconhecer a enorme importância da nossa Diáspora, que está viva em todos os continentes onde os portugueses, sem qualquer apoio dos governos de Lisboa, se organizaram numa admirável panóplia de instituições culturais, sociais e desportivas. É a Nação das Comunidades, a Nação sem Estado, pura sociedade civil, independente e forte. Dentro dessas comunidades fui encontrar, muitos portistas, muitos clubes e casas regionais de bandeira azul e branca e vi crescer, ao longo dos anos, a rede de Delegações do próprio FCP. Estávamos no início da era de ouro do Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa e eu fui chamada a colaborar nos nossos dois primeiros congressos de filiais, que mostraram a dimensão mundial já conquistada pelo Clube. E, por essa altura, ganhei a alcunha “Dragona”, atribuída pelo presidente Pinto da Costa, que tanto me honra! Na verdade, sou descendente em linha reta de portistas, desde os tempos da fundação do Clube e comecei a ver futebol, jornada a jornada, com o meu pai, a partir da inauguração do Estádio das Antas, numa época em que poucas meninas frequentavam recintos desportivos. Ser do Porto e do FCP faz parte da minha identidade. Sou naturalmente regionalista e sinto-me gratíssima ao nosso Presidente por ter conseguido, num país controlado por uma capital macrocéfala, fazer dos portistas campeões da Europa e do Mundo, e tornarem-se, assim, o símbolo máximo do futebol nacional. Presenciei ao vivo as épicas vitórias em Gelsenkirchen e Yokohama e foi em tão distantes lugares que me apercebi da grandeza dos sonhos azuis e brancos, que não conhecem limites. A mensagem também não! Através das dezenas de Delegações espalhadas um pouco por todo o mundo, somos uma família cada vez maior e que se revela sempre capaz de atingir os mais ambiciosos desígnios, porque à paixão individual somamos a força coletiva de Casas e Delegações e a visão de uma liderança incomparável. Mais de 40 anos depois, estamos ainda longe da igualdade no tratamento que a nossa e as outras regiões do país merecem do Terreiro do Paço, mas dentro de campo alcançamos já tudo quanto parecia impossível e se tornou possível, a nível nacional e internacional. Olhamos com orgulho esse passado e com esperança o futuro, a história ainda por fazer de um Clube em imparável expansão. O nosso FCP!

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

A BIENAL DE ARTES DE ESPINHO: LUGAR AOS JOVENS 1 - A Bienal de Artes de Espinho nasceu, em 2011, sob o signo da singularidade: uma Bienal de Mulheres de Artes, coisa inédita, e, enquanto durou, ao longo de três sucessivas realizações, única no Pais, e, tanto quanto se sabe, na Europa. Mais um título de pioneirismo e modernidade para Espinho, caraterísticas que moldaram a sua vocação inicial e, pela vivência, a sua identidade. A terra e o mar viram-se, em harmonia, repartidas pela comunidade piscatória, cultora da arte xávega, pela indústria conserveira[U1] , líder de mercado, e pelo turismo, corporizado na grande migração estival, que animava a estância balnear cosmopolita, uma costa verde a rivalizar com a “Côte d’ Azur”… O comboio estava no centro do vaivém de gente, que vinha do interior do país e das Espanhas, que enchia cafés, casinos, teatros, cinemas, esplanadas, avenidas… Uma intensa vida social e cultural, pontuada por nomes ilustres, que tanto como os incansáveis trabalhadores e as vagas de anónimos veraneantes faziam a história de um lugar, que todos sentiam seu! Por altura da 1ª Bienal, o Fórum de Arte e Cultura, que conhecemos pela sigla (FACE), com o seu Museu e as suas belas Galerias geminadas, ainda não tinha completado o segundo ano de vida, e já era, a par do Centro Multimeios, da Biblioteca José Marmelo Silva, ou do Auditório de Música, um símbolo da modernidade no século XXI. Importante património material que, porém, não cumpre a sua função só por existir, mas por se converter, de facto, em espaço de dinamização cultural e convivialidade. A ideia de transformar uma interessante, mas efémera exposição de mulheres pintoras em originalíssima Bienal, foi, note-se, de um homem, o Dr. Armando Bouçon, Diretor do Museu. Para avaliar o caráter inovador de uma tal iniciativa, em termos nacionais, basta dizer que só muitos anos depois, se veio a realizar, em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, uma grandiosa exposição de Arte no feminino que teve enorme impacto mediático. Antes disso, em 2017, já o Executivo Municipal resolvera pôr fim à Bienal reservada a Mulheres de Artes e adotar, na 4ª Bienal, o modelo que a tornou igual a todas as outras. Ainda por cima, por acaso (e porque neste país não há sistema de coordenação de eventos e esforços, nem sequer dentro da mesma área metropolitana…), Gaia decidiu realizar a sua Bienal exatamente no ano em que decorria, e decorre, a nossa, a poucos quilómetros de distância, em quase simultaneidade… Um orçamento não sei quantas vezes superior, permite-lhes criar polos em cidades próximas e distantes e levar a cabo um chamativo programa de eventos culturais, ao longo de todo o período de abertura ao público das exposições. 2 - Aparentemente, a Bienal de Espinho perdia no confronto. Mas eis que a evolução, nas fórmulas adotadas, foi, não de imediato, antes de uma forma gradual (e não sei se voluntária ou involuntária), criando um modelo de competição e de afirmação de um outro nicho de participação, que tem o potencial de distinguir, de novo, a Bienal de Espinho pela sua singularidade. Deixou de ser, pelos regulamentos, um espaço do feminino, e está, ainda que não formalmente, (isto é, embora regras escritas não o imponham), transformada num espaço de afirmação da juventude. A maioria dos candidatos selecionados pelo júri de concurso, assim como dos vencedores de prémios, são mulheres e homens em início de carreira, ou até mesmo ainda estudantes das Escolas de Belas Artes. Talvez a explicação para o fenómeno, que nos limitamos a constatar, resida na composição do júri, formado, em larga medida, por professores daquelas Escolas. “Tout est bien qui finit bien”! A Bienal reconverteu-se por dentro, fez caminho próprio, apostando na juventude. Porque não, então, consagrar esta realidade, formaliza-la nas regras de jogo e na denominação? Gaia chamou à sua Bienal, uma “Bienal de causas”. E muito bem. É a sua originalidade… No nosso caso, porque não assumir, orgulhosamente, a nova especificidade, que se foi sedimentado na prática, (determinada, talvez, numa intencionalidade, mas não num estatuto declarado: ser uma Bienal de Jovens Artistas. Imponha-se, pois, limite de idade, ou a condição de estudante de cursos de formação. Essa escolha transparente, oficial, a meu ver, só trará vantagens, uma das quais a de evitar que nomes consagrados vejam, com compreensível desagrado, as suas candidaturas rejeitadas. Embora essa categoria de artistas plásticos se tenha, progressivamente, autoexcluindo da Bienal de Espinho, o tornar a situação clara não a desprestigirá, bem pelo contrário, antes de mais por lhe reconhecer uma identidade que a diferencia das outras… 3 – Dito isto, devo acrescentar que tenho acompanhado, sempre com contentamento, ou na feliz expressão brasileira “pensamento positivo”, o percurso da Bienal, porque tem sabido cruzar a sua própria tradição, sem se deixar acantonar por ela, com uma vontade de mudança. E, como sabemos, “todo o mundo é feito de mudança” … Foi excelente a ideia de combinar o núcleo central de candidatos selecionados, em competição pelos prémios, com as exposições de artistas convidadas (os), uma das quais tem sido sempre reservada a “Mulheres de Artes”. Significativa homenagem ao pioneirismo das primeiras três Bienais. Não sei, de fonte segura quem a pensou, mas tudo me parece apontar para o Diretor do Museu, tão construtivamente presente na organização das (já) sete ininterruptas realizações…. E há ainda um outro registo, que julgo importante salientar, uma esplêndida constatação, devida, em exclusivo, ao mérito artístico das e dos concorrentes: a paridade entre géneros tem sido sempre, naturalmente, assegurada, quer no respeitante a presenças, quer no respeitante a prémios. Entre os jovens em auspicioso princípio de trajetória, a igualdade surge como um dado adquirido… Mas será que tem hipóteses de se confirmar, através de todas as fases? Ou, pelo contrário, haverá, depois, mais obstáculos para o sexo, em regra, ainda sub-representado neste e em outros setores, ao mais alto nível? Este ano, essa interrogação foi levantada por uma coletividade que fixou, recentemente, a sua sede no FACE, a Associação “Mulher Migrante”. A AMM e o “Círculo Maria Archer” (que não é menos espinhense), propuseram à Câmara Municipal e à Junta de Freguesia de Espinho a realização de um ciclo de debates, no quadro da Bienal e das comemorações do cinquentenário da cidade - um ciclo inteiramente focado nas particularidades da situação das mulheres portuguesas em diversas áreas, começando pelas Artes, passando pelo espaço da emigração e da construção das Diásporas, e pela Política, e terminando na história e na vida de Espinho, com uma sessão dedicada à Mulher Vareira. A programação contou com especialistas em cada um destes campos, que dialogaram com todos os intervenientes, informalmente, em modo de tertúlia, seguindo as melhores tradições de convivialidade desta nossa terra: artistas participantes na Bienal, entre elas a Comissária da exposição feminina (em 2023, centrada na maternidade, fonte eventual de graves discriminações ao longo da carreira), algumas das maiores especialistas, académicas e investigadoras na área das migrações femininas, dirigentes associativas, vindas de comunidades próximas ou longínquas, (como as de Caracas e de Buenos Aires), jornalistas (uma das quais comissariou a 1ª Bienal), mulheres políticas, com experiência de Governos e de Assembleias, a nível nacional e local (incluindo a nossa anfitriã, Presidente de um Executivo camarário de maioria feminina, que, se for único no país, é, com certeza, caso raríssimo). E, no dia de encerramento ao público das exibições, sábado passado, foi conferencista o Dr. Bouçon, numa temática em que é mestre, a das mulheres vareiras, desde os primórdios da comunidade piscatória espinhense. A seu lado, um verdadeiro símbolo vivo dessas pioneiras, a popular e encantadora Carlota, narrava episódios de uma história de vida muito rica e fechava a última destas tertúlias com um pregão cantado em voz jovem, potente e melodiosa. Um daqueles “pregões matinais” que já não se ouvem no pitoresco quotidiano das nossas ruas com número e sem nome… No começo de cada debate, não num lutuoso minuto de silêncio, mas em alguns minutos de palavras sentidas, lembramos a Maria José Silva, antiga funcionária municipal e Vereadora da Cultura, uma das companheiras de sempre na Associação Mulher Migrante, que nos deixou há pouco tempo, mas continuará presente na memória, como admirável exemplo de militância pelas causas que nos movem. Uma grande Senhora, na sua invariável generosidade, na espontânea simpatia do seu sorriso

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

MOMENTOS IMPERDÍVEIS NO FACE 1 – Começo por pôr o foco no próprio "Fórum de Arte e Cultura de Espinho", (FACE), que pode ser considerado um verdadeiro “ex-libris” do vanguardismo arquitetónico da cidade, a par do belo edifício da Biblioteca José Marmelo e Silva e do Centro Multimeios. Três obras que ficam a assinalar o início do século XXI espinhense, tal como a Piscina Solário Atlântico e o Teatro São Pedro simbolizam a ambição de modernidade do século passado - o Teatro São Pedro infelizmente já demolido, como quase tudo o que, desde fins de oitocentos, fazia o encanto desta nossa estância de veraneio, celebrada por Ramalho, no tempo em que qualquer turista se podia cruzar numa rua com Amadeo, Manuel Laranjeira ou Fausto Neves. Destes “lugares de culto” (os que ainda fazem parte do nosso quotidiano e aqueles que desapareceram da face de uma terra mágica, mas existem, intactos, na sua memória coletiva) se pode dizer que foram ou são intensamente vivido, pontos de encontro, de confraternização das pessoas, dos de cá e dos visitantes, no coração da cidade. O FACE é, infelizmente, a exceção, apesar da sua beleza, valências e imensas potencialidades. Na verdade, dentro do Fórum, o Museu de Arte Xávega, as Galerias Amadeo Souza- Cardoso, o auditório, parecem só ter ocupação em “dias de festa” … Salvo no que respeita aos serviços e instituições que ali têm a sua sede, o FACE não faz parte do roteiro habitual das gentes da cidade, nem dos turistas, apesar da qualidade da sua programação cultural e de uma situação privilegiada na extremidade sul do quarteirão de restaurantes da beira-mar. O Museu, que testemunha as origens da cidade de uma forma tão original, as Galerias, que constituem um dos mais belos espaços de exposições artísticas de todo o país, não conseguem atrair multidões fora do contexto de uma inauguração, ou de um esporádico evento com o seu seleto grupo de convidados. Depois, ao longo de semanas, ou meses, rareiam as presenças... 2- As Galerias oferecem-nos, agora, (desde 28 de setembro passado e até ao próximo dia 20 de janeiro) mais uma esplêndida exposição: “Momentos”, título de uma esplêndida retrospectiva da obra de Ana del Rio, a pintora que veio de Santander para Espinho há mais de três décadas, e aqui descobriu a vocação artística. É mais um grande acontecimento integrado na agenda cultural do cinquentenário da elevação de Espinho a cidade, uma ocasião ideal para os visitantes “marcarem encontro” com a Arte da nossa conterrânea, e para darem vida ao Fórum. Confesso que ainda não perdi a esperança de ver o FACE entrar nos hábitos de convívio dos espinhenses, como entrou nos meus, desde o tempo em que fiz parte do executivo municipal. De facto, tanto me encantava a antiga Fábrica Brandão Gomes, na sua segunda vida de centro cultural, que lá instalei o meu gabinete de trabalho. Estávamos em fins de 2009, a inauguração da nova face do FACE era muito recente. Uma das minhas primeiras sugestões foi a da imediata abertura ao público de uma cafetaria, com esplanada e vista de mar. Parecia-me a maneira mais prática de captar público, de atrair a juventude, de criar o ambiente onde se formam e enraízam tertúlias, essa ancestral e simpática tradição nossa. A proposta nada tinha de audacioso, antes pelo contrário, pois raros são os museus que não providenciam esse serviço. Eu própria, na capital, (na década de oitenta…), era uma assídua frequentadora do pequeno restaurante do Museu de Arte Antiga, do "self-service" do Museu Gulbenkian ou da cafetaria do Museu da Marinha. Não sei a razão de tão óbvia medida não ter sido logo concretizada, até porque na nova sede da Biblioteca, aberta ao público dois anos depois, foi rapidamente tomada, num muito agradável recanto de convívio para um cafezinho, ou uma refeição ligeira, onde tudo é convidativo: o ambiente, os bolinhos, o prato do dia, (que é só um, mas sempre bom). Por que não conceder o mesmo tratamento ao FACE? Uma iniciativa tão fácil e pragmática poderia, a meu ver, desencadear o princípio do fim de uma certa marginalização deste espaço singular e polivalente, “fidelizando” mais e mais frequentadores. Outro meio de alcançar esse objetivo: a realização de eventos com uma determinada periodicidade. Dou um exemplo: os concertos de violino, que, em 2010/11, eram organizados, trimestralmente, nas Galerias, e faziam sucesso popular. A acústica das Galerias é maravilhosa, a música combina perfeitamente com as Artes pictóricas, e os dois violinos Capela, pertença do Museu por generosa doação dos filhos de genial "luthier", merecem sair da vitrina, de vez em quando. No mesmo sentido, iam projetos passados, que talvez tenham perdido a sua vez, como um clube de jazz, uma oficina de “luthier”, uma delegação do “Museu da Imprensa”.... Mas outros haverá sempre, para tão grandioso edifício. 3 - O passado pode sempre abrir horizontes ao futuro, mas hoje quero olhar, sobretudo, o presente. Nas Galerias Amadeo Souza-Cardoso o presente é a citada exposição de Ana del Rio, que enche de cor e de luz os seus dois longos e espetaculares salões geminados. É uma realização de que nos devemos orgulhar, em especial, porque toda ela tem a marca do talento e da qualidade de Espinhenses– antes de mais, a artista, sem esquecer a organização, a Comissão Executiva (o Dr. Armando Bouçon e a Drª Berta Martins Pereira), a montagem de Adriano Ferreira, e o catálogo da responsabilidade do Dr. Tiago Castro. O catálogo é “de per si” uma obra de arte! São razões de sobra para uma visita ao mundo de Ana del Rio, que se apropria e se expande na impressionante vastidão das Galerias, reconfigurando-as pela beleza estética dos seus quadros e pela sua mensagem humanista. O mundo de Ana del Rio! De tudo o que ela ama e de tudo o que ela nos conta, no traço em que dá vida a flores e a pássaros, à natureza, ao perfil das cidades, a rostos e a vultos que sobressaem ou quase se escondem em explosões e contrastes de luminosidade, de sombras e de brumas - ou em que a sua mão nos conduz à esfera onírica e enigmática do abstracionismo. Em “Momentos”, nas telas, como na vida, fala a Mulher, a cidadã, a feminista, a militante de causas. Momentos imperdíveis no FACE.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE - O PARADIGMA DO LUSO PRESSE 1 – O papel das mulheres portuguesas na emigração ainda hoje é muito subvalorizado por simples desconhecimento da sua situação real, quer no que respeita a percursos profissionais e uma geral aceitação na sociedade de acolhimento, quer na afirmação no interior das instituições das comunidades portuguesas. A caminhada no sentido da igualdade, nestes dois mundos paralelos, raramente se verificou ao mesmo andamento. Foi, em regra, mais fácil, nas sociedades de destino, democráticas, modernas, mais igualitárias do que num poderoso e dinâmico e patriótico associativismo, que, contudo, tende a replicar estruturas e mentalidades conservadores do país de origem. É assim hoje, e sempre assim foi. A história da emigração feminina está largamente por fazer, mas os estudos pioneiros da Prof Engrácia Leandro, na região de Paris, revelam a influência essencial das mulheres no êxito dos projetos migratórios e na sua reconversão do plano apenas material, para prioridades socioculturais, como educação dos filhos. Na emigração muitas das mulheres, vindas do setor rural, de trabalho não remunerado, passaram a ganhar, com o seu salário, independência económica, ajudaram à poupança e à prosperidade do casal, e assumiram um papel central na integração de toda família, pela melhor adaptação à língua, e à modernidade de costumes e formas de relacionamento. Não menos importante é a sua presença, (e, com elas, a de famílias inteiras) na vida quotidianas das coletividades, que lhes dá um inovador cariz sócio- cultural, sem o qual seriam pouco mais do que meras réplicas de cafés de aldeia, onde os homens reúnem entre si. São, por isso, autênticas construtoras das comunidades portuguesas, na medida em que estas se sedimentam na vida associativa, em centros de convívio, em paróquias e em escolas, que asseguram a preservação da língua e da cultura, das tradições, da presença portuguesa em sociedades multiculturais. Apesar da importância que tiveram na criação deste espaço extraterritorial de vivência e cultura portuguesa, as mulheres foram sempre uma “metade invisível, marginalizada da sua liderança – situação que começa a dar sinais positivos de mudança. 2 – Esta situação é, em parte, a “pesada herança” de um longo passado de políticas discriminatórias. Portugal foi, durante mais de cinco séculos, uma potência colonial, e, em simultâneo, um país de emigração, que descurava a proteção dos cidadãos fora de fronteiras e se limitava a regular o êxodo migratório masculino, (com legislação e medidas restritivas, quando o considerava excessivo) e a proibir, como regra, o feminino. Emigração e colonização tiveram como protagonistas homens sós, e a prática generalizada da miscigenação. Uma opção singular no quadro peninsular e europeu, desde a época da Expansão, que o historiador Charles Boxer considerava o mais acabado exemplo de misoginia. Consequência dessa política foi o fenómeno recorrente e significativo das migrações clandestinas, ou, pelo menos, indesejadas. No que respeita às mulheres, com enorme e imparável aumento, a partir do início do século XX, de modo a assegurar-lhes, atualmente, um lugar de quase paridade nas estatísticas, embora ainda não na participação cívica e comunitária. 3 - A luta pela igualdade de género no país, com o “congressismo” feminista e republicano de começo de novecentos, não se estendeu à Diáspora, apesar de algumas das principais líderes feministas terem sido emigrantes temporárias. A sua intervenção, se existiu, não terá deixado marcas duradouras. No associativismo misto, as mulheres ficaram na sombra, relegadas aos bastidores, e no associativismo feminino, sempre minoritário, puseram, ao longo do século XX, o acento no domínio da beneficência e entreajuda social, não na intervenção cívica. O mesmo aconteceu no plano das políticas públicas, mesmo depois da revolução de 1974. A Constituição de 1976 incumbe ao Estado a “tarefa fundamental” de promover a igualdade de participação cívica e política entre os sexos, mas os Governos limitaram, de início, o cumprimento desses deveres ao território nacional. Foi por impulso da sociedade civil que a questão da igualdade entrou na agenda governamental, em 1985, com a convocatória de um 1º encontro mundial de mulheres emigradas (na sequência de uma recomendação do Conselho das Comunidades, apresentada pela jornalista de Toronto, Malice Ribeiro). Após uma interrupção de vinte anos, o plano foi retomado, com os “Encontros para a Cidadania” (2005/2009), presididos pela Dr.ª Maria Barroso. Uma parceria da SECP com a Associação Mulher Migrante e várias outras associações femininas ou presididas por mulheres, continuada entre 2011/2015, com dois congressos mundiais e numerosos colóquios e debates realizados em diversos continentes e comunidades. 4 – Nos últimos anos, neste domínio, a dinâmica tem estado do lado da “sociedade civil” (como sempre esteve em todos os outros – só faltava este...). É preciso fazer a história deste percurso e dos seus precursores, para mobilizar novos participantes, agentes de mudança, num projeto de expansão e desenvolvimento das comunidades como um todo, pela cooperação e diálogo de género e geração. Neste movimento tem um lugar especial o Luso Presse, que há mais de duas décadas, através de conferências, colóquios, debates, vem dando visibilidade à obra realizada por mulheres migrantes, em todas as áreas, a fim de abrir horizontes a muitas outras. Com o seu paradigma de “congressismo” pela igualdade, que antecedeu, em alguns anos, as primeiras políticas públicas, centradas numa estratégia semelhante, o Luso Presse deu voz e fez justiça às portuguesas de Montreal, do Quebec, do Canadá. Contudo, é (ainda) preciso ser mais do que um exemplo de escola: ser exemplo vivo, relançar a caminhada. É sobre isso que nos propomos dialogar. 2024, o ano do centenário de Maria Barroso, parece ser tempo propício para tal CV breve Maria Manuela Aguiar Dias Moreira Natural de Gondomar (Porto) Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra. Pós graduação pela Faculdade de Direito e Ciências Económicas da Universidade Católica de Paris. Atividade Profissional Assistente da Universidade Católica de Lisboa (Sociologia), e da Faculdade de Direito de Coimbra (Direito Civil). Professora convidada da Universidade Aberta (Mestrado de Relações Interculturais). Advogada. Assessora do Provedor de Justiça. Atividade Política Secretária de Estado do Trabalho (IV Governo Constitucional). Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portugueses (no VI, VII, IX e X Governos Constitucionais). Deputada. Vice-Presidente da Assembleia da República. Presidente da Comissão da Condição Feminina. Presidente da Conferência de Ministros responsáveis pelas migrações no Conselho da Europa. Presidente das Delegações Internacionais à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e à Assembleia da União da Europa Ocidental. Presidente da Comissão de Emigração e Refugiados do Conselho da Europa, Presidente da Subcomissão das Migrações, Presidente da Subcomissão da Igualdade. Atividades em ONG's Membro do Conselho de Curadores da Fundação Luso Brasileira. Fundadora e Presidente da Assembleia-Geral da Associação "Mulher Migrante", Presidente da Assembleia -Geral da Associação "Também Somos Portugueses", Fundadora e coordenadora do "Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer". Administradora não Executiva da SAD do FCP Publicações Livros e artigos sobre Migrações, Direitos Humanos, Direito das Mulheres. Condecorações Grã-Cruz da Ordem Infante D Henrique. Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e da Ordem do Rio Branco (Brasil), Grã-Cruz da Ordem do Império Britânico e outras.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

NATÁLIA ETERNAMENTE NATÁLIA Neste ano do centenário de Natália Correia, não lhe faltam merecidas homenagens, desde as ilhas açorianas onde nasceu e do retângulo continental, onde morou quase a vida toda, até à Diáspora, a que pertence pela Cultura. A Cultura de que essencialmente se tecem os laços com Pátria - ou Mátria, como ela própria preferia dizer. Mulher de Letras foi, no mesmo tempo e movida pelo mesmo ímpeto, Mulher- Cidadã, agente de futuro pelo pensamento e pela ação, na esfera pública e privada. Na verdade, tão fascinante é a sua obra como a sua vida, a personagem, com a deslumbrante beleza da juventude, os quatro casamentos, as paixões, e uma invariável irreverência e genialidade em todas as idades! A RTP retratou-a numa excelente série, em que a vemos interagir com amigas (Vera Lagoa e Snu Abecassis), também elas notáveis mulheres, todas, em vésperas da Revolução de 1974, na vanguarda luta contra a tacanhez anacrónica de uma ditadura. Mais recentemente, a RTP traçou, em nova minissérie, com alto nível de rigor e qualidade humana, o seu perfil, a partir de múltiplos testemunhos - uma história feita de estórias. E, a marcar o início deste ciclo comemorativo de 2023, foi dada à estampa uma extensa, muito bem documentada e bem escrita, biografia de Natália, da autoria de Filipa Martins, com um título saído a pena da própria biografada: “O dever de deslumbrar”. É uma publicação ambiciosa, que, com as limitações que a interpretação subjetiva de factos e idiossincrasias sempre comporta, nos desvenda Natália, a mulher arrebatada, a temida polemista, a literata (poetisa, contista, dramaturga, ensaísta), a jornalista, a convivial animadora de tertúlias e debates, a política, a deputada… Apesar de reconhecer a valia e qualidade de “O dever de deslumbrar”, doravante, título de referência obrigatória no estudo da glamorosa, multifacetada personagem que a Autora, na sinopse, descreve como “Mulher deslumbrante e carismática, equiparada às maiores pensadoras europeias e às estrelas de Hollywood”, apesar de me rever, plenamente, nessa síntese feliz, guardo distância em relação a algumas das suas inferências ou conclusões. A Natália que recordo é mais a de Fernando Dacosta no seu “Botequim da Liberdade”, um despretensioso e esplêndido livro, regido por outro desígnio, quase caderno de memórias intimista e espontâneo, contudo, que ganhar em sensibilidade, em graça, e, antes de mais, no afeto, que ela tão facilmente despertava nos que lhe eram próximos. E não serão eles os seus melhores juízes? … Eu conheci Natália, quando ambas estávamos envolvidas no projeto político de Sá Carneiro, eu no Governo, como Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, ela no Parlamento, como Deputada, onde cumpria, exuberantemente, o seu "dever de deslumbrar" e estava destinada a ser uma das duas únicas deputadas que têm busto de mármore no Palácio de São Bento. Lindo, esculpido por Cutileiro! A Assembleia da República conserva, nas páginas do Diário das Sessões, a magia da sua palavra, porventura a mais fulgurante, e, não raro, a mais agreste que algum dia se ouviu no hemiciclo (e, talvez lhe conceda, num futuro não muito distante, o privilégio de editar as suas intervenções dispersas em coletânea - até hoje, praticamente, exclusivo masculino…). O meu primeiro encontro com ela aconteceu nos "Passos Perdidos". Conversámos apenas sobre leis - sobre uma em particular, já nem sei qual, que passara pelo meu gabinete, e que ela defenderia, em sede parlamentar, no dia seguinte. Combinámos que, para análise de todos os detalhes, lhe enviaria a casa um distinto jurista. De lá voltou o perito mais impressionado do que se tivesse privado com figuras históricas, como Catarina da Rússia, ou a Marquesa de Alorna! Ainda por cima, Natália elogiara aquele modo de colaboração - que deveria ser a regra, mas não era - entre o Executivo e a bancada parlamentar. Talvez tenha visto nisso uma das diferenças que podem fazer as mulheres na república dos homens… Reencontramo-nos, algumas vezes, no Botequim, que, não sendo eu notívaga, frequentava com pouca assiduidade, e, depois, no quotidiano, entre 81 e 83, na bancada da AD, a aliança partidária, que, desaparecido Sá Carneiro, entrara já no seu ocaso. Como é lidar com o mito no quotidiano? É inevitável a sua "normalização"? No caso dela, não, de modo algum! Tinha as qualidades que "humanizavam" a sua grandeza, sem a diminuírem. No convívio, era amável, solidária, incrivelmente divertida e sempre formidável, sem intimidar. Antes da minha primeira intervenção formal, nervosíssima, não ousando improvisar, escrevi umas linhas, que submeti ao seu parecer crítico. “Claro que está bem – a menina sabe que está bem”! Eu não tinha assim tanto a certeza, e aquele "nihil obstat" levou-me a subir à tribuna com alma nova! Na verdade, gostava imenso que ela me chamasse “a menina”, embora isso só acontecesse em forma de branda e simpática reprimenda ou discordância… Porém, como opositora, num frente a frente, siderava qualquer um, sem exceção, com secos e contundentes argumentos ou com tiradas ribombantes, não menos contundentes - ordália a que os amigos não tinham de se submeter… A sua tirada mais mediática foi a que incendiou o debate sobre o aborto - a resposta, em verso, a um deputado do CDS, de apelido Morgado, que se atrevera a legitimar o sexo exclusivamente para a reprodução da espécie. A diatribe poética ficou conhecida como o "truca-truca do Morgado”, pacato homem casado e procriador de uma prole de apenas dois descendentes. Tive a sorte de assistir à cena muito perto da Oradora... Depois de fazer parte de dois governos sucessivos, regressei, em 1987, ao Palácio de São Bento e às conversas com Natália, então já no PRD. Nada que nos afastasse - afinal, partilhava o seu gosto pelo distanciamento dos aparelhos partidários e até a sua admiração pelo General Ramalho Eanes. Em agosto de 1987, eu acabava de me tornar a primeira mulher eleita vice-presidente da Assembleia. Ao fim de poucos dias, aconteceu a inevitabilidade de ser chamada a dirigir a sessão – por acaso, sem pompa nem anúncio, a meio de um discurso de Basílio Horta, apenas para o Presidente Crespo fumar um cigarro nos bastidores. Tanto melhor para mim, que queria passar despercebida... Mas eis que Natália se levanta em aplausos, logo seguida por Helena Roseta e pelos demais deputados e, finalmente, por Basílio, que continuara a intervenção, muito perplexo, sem saber por que motivo a Câmara inteira aplaudia de pé. Foi uma estreia, a abertura de um precedente, um minuto feminista para a história parlamentar! Não menos feminista foi outro momento, que, igualmente, se lhe ficou a dever: a original ideia de homenagear as pioneiras do movimento sufragista português, no "Dia Internacional da Mulher", a 8 de março de 1988. E, assim, oitenta anos depois da criação da Liga da Mulheres Republicanas, elas gozaram, enfim, do direito de serem ouvidas, ali, na casa da democracia, em longas citações dos seus discursos, através da voz de deputadas da geração das suas netas. Em 1991, o Partido Renovador perdeu representação parlamentar e, com isso, a Assembleia da República perdeu Natália, a Mulher que acordava a Câmara da hibernação na mediocridade em que estava caída. A Mulher capaz de transformar, por exemplo, um simples jantar de portistas em S. Bento em tertúlia erudita, discorrendo brilhantemente sobre desporto, deuses e mitos, para concluir que a serpente símbolo da antiga Lusitânia e os dragões da "cidade invicta" pertenciam a uma mesma matriz. Nesses tempos, quantas vezes, da terceira fila do hemiciclo, onde habitualmente me sentava, e Natália também, olhei em redor, pensando: "Daqui a cem anos estamos todos mortos - todos, menos a Natália". Lembro-me de lho ter dito uma vez, perante o seu silêncio complacente e o esboço de um sorriso. A profeta de futuros longínquos era ela, eu apenas ousava uma incursão em terreno proibido ao comum dos mortais. "Begginer's luck", sorte de principiante: a minha profecia vai a caminho de se cumprir!

domingo, 29 de outubro de 2023

ANA DEL RIO NO FACE

A inauguração da exposição individual de Ana del Rio nas galerias do FACE – o Fórum de Arte e Cultura de Espinho – é um acontecimento maior na vida de Espinho, no ano em que se comemora o cinquentenário da sua elevação a cidade. A Artista, com uma seletiva retrospetiva do seu percurso de mais de três décadas pelo universo encantatório da representação pictórica, vem dar-nos a visão evolutiva da sua obra tão esplendidamente multifacetada e, em simultâneo, enriquecer o registo cultural, o percurso do próprio FACE. As galerias Amadeo Sousa Cardozo são, pela dimensão e harmonia arquitetónica dos seus dois longos e luminosos salões geminados, um dos mais convidativos espaços de exposição de Artes plásticas no nosso País. São, também, um dos mais prestigiados por grandes nomes nacionais e internacionais, que, como Ana del Rio, agora, com a marca do seu talento, fizeram e fazem a História ainda breve, mas já extraordinária, de uma instituição jovem. Uma história que pude acompanhar de perto, quase desde o início e, por isso, tanto me regozijo com mais este passo na sua ascendente caminhada cultural, como com a presença de uma artista tão querida e admirada pela força emotiva que, invariavelmente, emerge no seu trabalho, e por uma incansável procura de transcendência de limites, inerente ao seu inconformismo, carisma, vivacidade. Na tela, como na vida quotidiana, fala a Mulher, a cidadã, a feminista, a militante de causas. Esperava, há muito, este momento, que é, para mim, o do retorno da pintora ao local onde a conheci, durante a 1ª Bienal de Mulheres D’Artes, realização inédita em Portugal, ao que cremos, na Europa, com que FACE escreveu um capítulo original nos anais do feminismo, no domínio particularmente relevante da sua expressão cultural e cívica. Ana del Rio foi, de entre essas pioneiras, uma das que mais me impressionou. Guardo na memória as imagens de três telas figurando mulheres que encarnavam, na perfeição, o espírito daquele projeto - personagens irradiantes de feminilidade e força anímica, que, ali, num movimento assertivo e gracioso, tomavam conta do lugar que lhes era destinado, humanizando-o, (ou seja, feminizando-o). Uma mensagem subtil e promissora, a significar que, no nosso tempo, a pintura pode converter-se numa outra maneira de dar às mulheres o reconhecimento que merecem, na afirmação pela Arte. O FACE tem dado abundantes provas de compreensão do fenómeno e de vontade de contribuir para o aumento da participação feminina num campo onde, como nos demais, a igualdade de género não está ainda adquirida. Nas exposições coletivas, nas sucessivas Bienais, (atualmente abertas aos dois sexos), a paridade tem sido sempre conseguida. Não, porém, nas exposições individuais, onde escasseiam as mulheres com currículos e com telas à dimensão da (quase) desmesura das Galerias… Ana del Rio é uma das mais esperançosas e inspiradoras exceções a essa regra ou cânone misógino que atravessou os séculos e vai cedendo, tão devagar e, porventura, mais na aparência do que na realidade. E, assim, o mundo de Ana del Rio se apropria e se expande na vastidão deste espaço, reconfigurando-o pela beleza estética e pela mensagem humanista. O mundo de Ana del Rio! De tudo o que ela ama e de tudo o que ela nos quer contar, no traço em que dá vida a flores e a pássaros, ´natureza, ao perfil das cidades, a rostos e a vultos que sobressaem ou quase se escondem em explosões de luz e de cor - ou em que a sua mão nos conduz à esfera onírica e enigmática do abstracionismo. Um mundo, aqui e agora, partilhado connosco, para livremente recriarmos e revivermos nas nossas próprias emoções. Maria Manuela Aguiar

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Comunicação ao Congresso "A VEZ E VOZ DAS MULHERES"

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EMIGRAÇÃO FEMININA O caso português - uma perspectiva diacrónica Portugal é um país de emigração multissecular, cujas políticas tradicionalmente descuraram a proteção dos cidadãos fora de fronteiras e se caracterizaram pela prioridade de regular os fluxos de saída, com a quase constante imposição de restrições ao êxodo masculino e de proibição ou de limitação sistemática das migrações femininas, primeiro para Oriente, depois para o Brasil e outros destinos. As primeiras políticas públicas destinadas às mulheres são marcadas por uma misoginia sem paralelo na Península Ibérica e na Europa. A revolução de 1974 trouxe a todos os cidadãos portugueses a liberdade de emigrar e o desenvolvimento de medidas de apoio cultural e social, sem que, todavia, a situação específica das emigrantes fosse objeto de particular atenção. Em 1981, o recém criado Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), Órgão representativo da emigração e instância consultiva do Governo,era composto por cerca de 60 membros, eleitos no âmbito associativo, todos do sexo masculino. Em 1983, nova eleição em colégio associativo trouxe à instituição as duas primeiras mulheres conselheiras, uma das quais, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, avançou com a proposta da convocação de um encontro mundial das mulheres emigrantes portuguesas. O 1º Encontro Mundial veio a realizar-se em 1985, com o alto patrocínio da UNESCO, dando ao país um improvável lugar de pioneirismo europeu e mundial. No entanto, a sequência a dar às suas principais conclusões só viria a concretizar-se a partir de 2005, pela via dos " Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e Mulheres", uma iniciativa desenvolvida através de uma parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e ONG's, como a Associação Mulher Migrante e a Fundação Pro Dignitate. A descontinuidade dos "Encontros para a cidadania", (do "congressismo" como instrumento de luta pela igualdade) e a sub-representação feminina no interior do Conselho das Comunidades, eleito por sufrágio direto e universal, marcam o estado atual das políticas públicas com a componente de género nas nossas comunidades do estrangeiro. Palavras chave: emigração feminina, políticas públicas, igualdade, sub-representação feminina, congressismo --------------------- POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A IGUALDADE Nas políticas públicas para as migrações femininas distinguiremos três fases: as políticas de proibição, no tempo longo que se inicia com a Expansão e vai até à Revolução de 1974; as políticas de indiferença, a partir da proclamação da igualdade entre mulheres e homens pela Constituição de 1976, sem acompanhamento pelos Governos das situações concretas de discriminação; as políticas para a igualdade, que datam do início do século XX. I – Sobre as políticas proibitivas ou limitativas da emigração de mulheres direi apenas breves palavras, abarcando séculos de marginalização. A Coroa portuguesa, com raras exceções, promoveu uma colonização de homens sós, com a contrapartida da tolerância ou do incentivo à miscigenação. A castelhana, pelo contrário, sempre privilegiou a emigração familiar, obrigando os maridos a levarem consigo as mulheres, ou a regressarem a casa, para cumprirem os deveres conjugais. Charles Boxer, historiador que estudou, globalmente, a colonização dos Estados peninsulares e, em particular, a presença feminina na Expansão ibérica, considera as práticas de rigorosa interdição da saída das mulheres portuguesas como o mais acabado exemplo de misoginia, sem paralelo em outros países europeus. As medidas de interdição da saída de mulheres eram rigorosamente cumpridas a Oriente, na carreira das Índias, devido aos custos e aos perigos da viagem, mas não a Ocidente, quando o Brasil se tornou o destino prevalente. Autorizado, ou não, o contingente feminino ia atravessando os mares, e aumentou, enormemente, desde o início do século XX, com a navegação a vapor, e o embaratecimento do transporte marítimo. O inesperado êxodo feminino desperta a unânime condenação de académicos e de decisores políticos. Emygdio da Silva falava de “tremenda constatação” e Affonso Costa de “depreciação do fenómeno migratório”. Emigração, era, para eles, sinónimo de emigração de homens jovens, que partiam para trabalhar duramente, enviar vultosas remessas para sustento das famílias e regressar, por fim, já velhos e cansados. Com as preciosas divisas dessa servidão o Estado equilibrava as contas externas e combatia a fome e a miséria do mundo rural. A presença da mulher revelava-se disruptiva, porque transformava o projeto migratório, no sentido de uma melhor integração e do provável não retorno, temido como autêntica “desnacionalização”. A estas contas escapava, porém, um ganho insuspeitado: a emergência de comunidades portuguesas de língua, cultura e afeto, que são indissociáveis de uma forte componente feminina. Componente que se consolidou, na década de setenta. Com a crise económica mundial, as fronteiras fecharam-se, repentinamente, aos trabalhadores ativos, mas permaneceram abertas, por razões humanitárias , para fins de reunificação familiar. De um ponto de vista estatístico, o equilíbrio de sexos parece, desde então, definitivamente adquirido nas nossas comunidades europeias e transoceânicas. II - Com a Revolução do 25 de Abril e a liberdade de emigrar, rompeu-se de vez com a tradição de controlo arbitrário dos fluxos migratórios, que atravessara todos os regimes (monarquia, República e Ditadura). A Constituição de 1976 proclama os direitos de cidadania dos expatriados e a plena igualdade entre mulheres e homens e vai, além da proclamação formal, no art.º 9º, (após a revisão de 1989 reforçado pelo disposto no art.º 109º), impondo ao Estado a tarefa fundamental de promover a igualdade entre homens e mulheres no que respeita à participação cívica e política. Nada na letra ou no espírito da lei permite, por interpretação restritiva, limitar a incumbência do Estado ao território nacional. Contudo, foi ao território que os Governos circunscreveram a sua ação, nomeadamente através da criação da Comissão para a Igualdade (com esse ou outro título). As mulheres das comunidades do estrangeiro ficaram esquecidas. Na verdade, nem a Comissão para a Igualdade foi mandatada para intervir no estrangeiro, nem a Secretária de Estado da Emigração curou da sua situação específica, apesar das emigrantes serem consideradas mais vulneráveis, e, quando acediam ao mercado de trabalho, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras. Entregues a si próprias, as mulheres escreveram uma história muito diferente. Os primeiros estudos sobre as famílias portuguesas, levados a cabo na região de Paris, nos anos noventa, por Engrácia Leandro, constituíram uma revelação. As emigrantes da geração do “salto”, vindas, maioritariamente de pequenas aldeias pobres e atrasadas, de uma agricultura de subsistência, para grandes urbes modernas, haviam ganho aí a sua autonomia pelo trabalho remunerado e assumido inesperada preponderância dentro da família, com a redefinição dos papéis tradicionais, vivendo, com à vontade os usos e costumes mais igualitários de sociedades avançadas, onde, contra todos os prognósticos, se integraram, quase sempre, mais depressa e melhor do que os homens. A emigração europeia e transoceânica foi para muitas das nossas concidadãs, uma via de emancipação. Era, sobretudo, no “mundo português”, assente numa dinâmica associativa, inspirada nos paradigmas institucionais da aldeia revivida, que (elas) se viam acantonadas pela força de tabus ancestrais. A sua influência podia ser significativa, mas não era para ser vista e recompensada. Naquelas “casas coletivas” a divisão de trabalho masculino e feminino era a perfeita réplica de um lar antigo da terra natal. 3 - Neste contexto, o VI Governo Constitucional, em 1980, veio reconhecer a importância do fenómeno associativo na autoconstrução das comunidades portuguesas, e elegeu-o associativismo como principal parceiro de diálogo e coparticipação nas políticas públicas, incluindo as questões de género. Com essa finalidade, foi criado pelo DL nº 372/80 de 12 de setembro, o Conselho das Comunidades Portuguesas, fórum representativo dos portugueses do estrangeiro e órgão de consulta governamental. Com seis anos de atraso, o espírito da revolução de 1974 chegava à Diáspora. Todavia, no tocante à mobilização das emigrantes para a intervenção na “res publica”, a 1ª reunião mundial do CCP, em 1981, foi dececionante.Não havia, entre os eleitos, uma única mulher! O grau zero de representação feminina espelhava, sem dúvida, a situação real de desequilíbrio de poder na vida das comunidades do estrangeiro. O que fazer, num tempo português em que era impensável a imposição do sistema de quotas, em que a proporção de mulheres na AR era diminuta, nas autarquias insignificante e nos Governos, a nível ministerial, inexistente, com a exceção de Maria de Lurdes Pintasilgo? No imediato, nada de radical... Nas segundas eleições, em 1983, apenas duas mulheres acederam ao Conselho, ambas jornalistas, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, e Custódia Domingues, de Paris. Em outubro de 1984, na Reunião do Conselho Regional da América do Norte, em Connecticut, a a Conselheira Maria Alice Ribeiro fez aprovar uma recomendação de convocatória do primeiro encontro mundial de mulheres da Diáspora e, com isso, abriu um capítulo novo neste campo de intervenção, convertendo o mais improvável dos países, pelo registo misógino de políticas multisseculares, em pioneiro no que respeita ao empoderamento de mulheres emigrantes, antecipando em dez anos as decisões da Conferência de Pequim, como afirma Maria do Céu Cunha Rego. Com o 1º Encontro de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo, realizado em junho de 1985, na cidade de Viana do Castelo, se dá verdadeiramente, início às políticas públicas para a igualdade no espaço extraterritorial. O Encontro foi um outro e melhor Conselho das Comunidades, e, pelo nível de análise e aprofundamento das questões, demonstrou quanto a falta de uma metade feminina diminuía o CCP. A solução achada, em 1987, pela SEE, perante a persistente sub-representação feminina neste Órgão, foi a criação de uma “Conferência para a Promoção e Participação das Mulheres Portuguesas do Estrangeiro", a funcionar, anualmente, na sua órbita (a par de outras Conferências – Juventude, Ensino, Questões Económicas). Nenhuma das Conferências chegou a ser convocada. No verão desse ano, caiu o Executivo minoritário do PSD e o novo Governo, por sinal maioritário e do mesmo partido, mudou radicalmente de orientação, extinguindo o Conselho e, com ele, as iniciativas de promoção da igualdade. Seguiu-se um longo impasse de quase duas décadas. Em 2005, no 20º aniversário do Encontro de Viana, a “Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade” propôs ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas a comemoração da efeméride, chamando as mulheres da Diáspora a uma maior intervenção pública. A imediata adesão do Secretário de Estado António Braga à proposta desta ONG , que se considera herdeira do espírito do mítico congresso de Viana, permitiu evoluir para um novo modelo de desenvolvimento das políticas públicas neste setor, caraterizado por uma estreita cooperação entre Estado e sociedade civil, que se revelaria duradoura, resistindo a alternâncias de governos, coisa, infelizmente, incomum em Portugal . Entre 2005 e 2009 foram realizados, em diversas regiões do mundo, os “Encontros para a Cidadania – a igualdade entre Homens e Mulheres”, sob a presidência memorável de Maria Barroso. No 1º desses congressos, em Buenos Aires, António Braga falava do “desígnio de retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos”, e admitia que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". No mesmo sentido, em Toronto, em 2007, Jorge Lacão, reconheceu que a obrigação do Estado “de promoção da igualdade se não pode limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território”, e sublinhou, citando o Programa do XVII Governo Constitucional “a importância das políticas da igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para a estratégia de aproximação destas com o país”. Visão fundamentalmente semelhante norteou a ação do Secretário de Estado José Cesário. O seu mandato, de 2011 a 2015, pode considerar-se o período áureo do “congressismo” para a Igualdade, com dois Encontros Mundiais, (em 2011, no Fórum da Maia, em 2013, e em Lisboa, no Palácio das Necessidade), completados por cerca de uma trintena de sucessivos colóquios e debates, em diversos países e regiões, com parcerias locais, envolvendo o meio associativo e o meio científico, a vertente académica e a militância ativa, numa triangulação com o poder político. 40 anos depois do regresso à democracia, também José Cesário lamentava a persistência nas comunidades do estrangeiro de um “grande défice de participação política” e afirmava: “o papel da Mulher é absolutamente decisivo para a mudança”. De 2015 a 2019, com José Luís Carneiro, as políticas de género são prosseguidas, sem hiatos, não através de uma sequência de grandes congressos e colóquios (inviabilizados por condicionantes de ordem financeira e burocrática, decorrentes de novo modo de funcionamento da DGACCP), mas mantendo a temática no topo da agenda de todos os seus encontros nas comunidades e enveredando por novas meios de cooperação com os mesmo parceiros, a AMM, as ONG’s das comunidades, e, sobretudo, com o CCP. Pela primeira vez, na Reunião Mundial do Conselho, onde as mulheres se mantinham (e se mantêm…) sub-representadas, houve uma sessão dedicada às questões de género, um aprofundado debate com os Conselheiros, no qual fui convidada pelo Secretário de Estado para intervir, enquanto sua antecessora e dirigente da AMM, juntamente com a Secretária de Estado da Igualdade. A partir de 2020, a coincidir com a pandemia, constatamos uma súbita interrupção deste percurso consistente, que, tanto quanto sabemos, ainda não foi retomado. É a hora de lembrar ao Governo o seu dever constitucional de agir, escolhendo os métodos, os meios e as parcerias que julgue adequados. A opção pelo “congressismo”, que assinalou, fulgurantemente, a década de 2005/2015, parece hoje menos viável, por implicar um considerável investimento governamental. Será retomada a aposta no papel do Conselho das Comunidades, que considero ter sido a alternativa estratégica de José Luís Carneiro, na senda original dos Governos da década de oitenta? É a interrogação que aqui deixo. A resposta poderá ser dada a muito breve prazo. 2024, tempo de eleições para o CCP, (que já tardam há anos), poderá tornar-se um ano decisivo, tanto para a instituição, como para o recomeço das políticas públicas nela centradas, na sua dupla veste consultiva e representativa, ou seja, de parceria institucional com o Governo e de porta voz das portuguesas e dos portugueses da Diáspora. Uma efetiva abertura às mulheres é condição, cada vez mais evidente, da credibilidade democrática do Conselho. Porque não pedir às Mulheres que avancem, que se envolvam no processo eleitoral, encabeçando listas de candidatura. Em suma, que modernizem o CCP pela sua presença paritária.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

ESPINHO CIDADE - O CINQUENTENÁRIO

ESPINHO CIDADE O CINQUENTENÁRIO O que distingue Espinho das outras terras? A singularidade de Espinho é absoluta, desde o seu início até aos dias de hoje. Nasceu, cresceu e evoluiu fazendo história e abrindo-se ao futuro com uma mescla de fantásticas particularidades, a combinação de facetas contrastantes num todo único. A pequena comunidade piscatória conviveu com a indústria conserveira e com o turismo balnear mais vanguardista, num mágico enclave cosmopolita, entre Gaia e da Feira, onde se erguia, em finais de oitocentos, uma urbe moderníssima de traçado geométrico, original face aos cânones tradicionais de um país antigo. A sua vertiginosa ascensão à fama fica a dever-se, por um lado, ao comboio, que a Espinho acessível a visitantes do interior de Espanha e do próprio país, por outro, (e sobretudo), à visão de ilustres fundadores, que souberam sonhar alto e realizar pragmaticamente, ao quererem e conseguirem rivalizar com as maiores estâncias estivais da Europa. Espinho já tornara verdadeira cidade muito antes de ser reconhecida como tal, por tudo o que oferecia a residentes e a forasteiros, o seu mar de grandes vagas, as suas esplanadas e avenidas, o seu comercio florescente, a vivência internacional, as casas de espetáculos, o jogo, a hotelaria, os recintos desportivos, a animação do seu dia e da sua noite. A minha memória de Espinho (nestes 50 anos)? Nas minhas memórias deste último meio século, já não havia o Café Chinês, nem a preponderância alegre de “nuestros hermanos”, e, depois, deixou de haver o vaivém da Avenida, entre as palmeiras gigantes, e as esplanadas de café, o magnífico Cine Teatro São Pedro, o bonito cinema do Casino, de cujas varandas, nos intervalos, olhávamos o oceano, o comboio a atravessar a cidade e a mostrá-la, ao vivo, como incomparável cartaz turístico. A proximidade de toda a cidade com o mar, perdeu-se, para sempre, exceto nas centenas de metros de enterramento da linha férrea, e o Hospital também, com as suas múltiplas valências e reconhecida qualidade. Com tudo isso, que se chamou progresso, com as suas consequências - as boas e as menos boas - a terra mantém intacta a sua identidade e o seu encanto! Somos, o que é, cada vez mais, cidade e comunidade, coisa tão rara!. Somos cidade com a dimensão ideal, cujo centro podemos percorrer a pé, encontrando amigos, encontrando tudo o que precisamos, num comércio local que, como é se tornou já “slogan”,um “centro comercial ao ar livre”. A Biblioteca, o jardim. o Multimeios, a Câmara, os CTT, os bancos, os restaurantes e cafés, o mar e a piscina, a estação de comboio, ficam a alguns, poucos, minutos de distância. O espetacular Fórum de Arte e Cultura de Espinho, com as elegantes galerias de Arte e o Museu, fica a uns escassos 15 minutos a pé, e é por muitos considerado já relativamente, distante… E somos comunidade, autêntica comunidade, com um associativismo excecionalmente pujante, que lnos dá projeção cultural (na música, e da dança, com acento nos aspetos da formação, nas Artes, nos festivais), e não menor projeção desportiva, com os nossos clubes e tantos campeões, E, igualmente, com a forte vertente da solidariedade e da beneficência, com os “media”, sua imprensa, o ensino, a Escola Profissional, os Liceus (como ainda gosto de os designar…), a Universidade Sénior. Todas as cidades deviam ser assim. Viver em Espinho é um privilégio! Como vê Espinho nos próximos 50 anos? Espinho, a meu ver, pela sua dimensão humana e pela sua vivência comunitária, é já uma cidade do futuro. Essencial é não as perder, uma e outra, e progredir com elas. Governo local e “sociedade civil” souberam, em tempo matricial, pensar um projeto de cidade, ajustado às potencialidades do lugar, e dar-lhe corpo e alma. Em tempo de prodigiosos avanços tecnológicos é essencial continuar o legado, saber valorizar caraterísticas únicas, com um novo élan de criatividade. Sem fazer futurologia, direi apenas que gostaria que Espinho se tornasse; uma sociedade mais igualitária, mais aberta à metade feminina, mais intergeracional. Há que fixar os jovens com oportunidades profissionais e atividades lúdicas, hoje em défice. Há que apostar no turismo e nas residências séniores, (para portugueses, para estrangeiros) - aposta viável numa estância marítima, plana e geométrica, tão agradável e tão facilmente convivial. Esta comemoração simbólica acontece num momento em que à frente dos destinos da Câmara está, pela primeira vez, um Executivo de maioria feminina e presidido por uma Mulher. É mais um motivo para acreditar que os próximos 50 anos começam bem! Qual a sua memória do Dia da Elevação a Cidade? Lembro-me muito bem desse dia! Por pura coincidência, passeava com minha mãe, a ver montras da Rua 19, no preciso momento em que o cortejo oficial, encabeçado pelo Primeiro Ministro Marcelo Caetano atravessava a rua, ladeado por uma comitiva de notáveis, mas também por uma verdadeira multidão.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Íntimo - O prefácio

A PARTIR DE UM SONETO " Deixei, num voo pleno de ansiedade, Vogar, na asa do sonho, o coração" (in "Íntimo") Em 1995, o Pai e eu estávamos a preparar uma edição dos seus versos de juventude - sonetos dedicados a minha Mãe, no início dos anos 40, quando se conheceram. Havia muitos mais, mas só restam os que ela guardou. À época, anos 30 e 40 do século passado, era comum os namorados expressarem sentimentos, de preferência, em palavras que rimavam e podiam guardar-se, em bom papel, como recordação, numa gaveta ou num cofre. Foi exatamente o que fez minha Mãe - guardou-os e, por isso, os "versos para você, Maria" são praticamente os únicos de sua autoria, que chegaram até hoje. O Pai era um repentista, escrevia, com facilidade, os seus poemas e, muitas vezes, igualmente, outros para os amigos, que queriam passar por poetas. Em regra, à mesa de um café - os salões dos café foram sempre a sua segunda casa, no Porto ou em Espinho... Quando começámos o projeto, rapidamente mandei dactilografar os manuscritos e o Pai escolheu, logo, o título : "Íntimo", que é o do soneto a que pertencem as estrofes acima citadas. Ao Pai cabia fazer a definitiva revisão do texto, acrescentar ou cortar vírgulas, e eu trataria do resto - tipografia, capa, imagens, edição. Mas o Pai foi adiando, adiando... Reuniu as folhas soltas, uma para cada soneto, numa pasta de cartolina, e, às vezes, até saía com a pasta debaixo do braço, levava-a para o Café Palácio. A boa intenção era dar-lhe uma vista de olhos, enquanto esperava os amigos, depois da leitura vagarosa do seu jornal (estava sempre atualizado, sobretudo em matéria política - bem mais do que eu, então sempre de partida para as reuniões do Conselho da Europa ou para visitas às nossas comunidades transoceânicas). Contudo, os amigos não tardavam. ou encontrava-os já sentados numa das mesas redondas do novo Palácio ou. mais raramente, no bar do Casino. O tempo esgotava-se nas conversas, nos passeios à beira-mar, nos encontros com a família de Gondomar, diante do ecrã de televisão (horas...) ou na leitura pela noite fora - ultimamente biografias, os policiais de Sara Paretsky, Umberto Eco, humorísticos, como Guareschi, Jerome K Jerome, ("so british", o seu predileto), sem esquecer a missa e meditação diárias, as novenas na capela de Nossa Senhora da Ajuda. Era evidente que a pontuação dos versos não tinha prioridade nesta preenchida agenda de reformado, em Espinho, terra de tertúlias, esplanadas, praias e mar, de que tanto gostava, desde a sua infância. Não havia pressa. Contudo, a morte veio subitamente. O seu coração parou. Parou mesmo, coisa absurda, enquanto conversava connosco, a meio de uma frase... Sereno, bem disposto, a jantar, fazia um comentário sobre esse dia animado domingo de Páscoa, em casa do Mário, em São Cosme, onde nunca falhávamos o "compasso". Antes tinha discorrido sobre a crónica semanal de Marcelo Rebelo de Sousa, já nem sei em que jornal, talvez "O Expresso". Era um incondicional admirador de Marcelo, decerto apreciaria agora o seu estilo na presidência. Dou por mim, muitas vezes, a pensar nos diálogos que teríamos sobre vagas de acontecimentos que se sucederam na sua ausência - vitórias do Porto, derrotas do Porto, a "troika", a "peste grisalha", no dicionário dos medíocres políticos da nova geração, os atentados, a ameaça da hegemonia alemã na UE, o "Brexit", o Papa Francisco... Não estávamos sempre de pleno acordo, mas conversávamos longamente, a dois, ou no seu grupo de amigos, a que me juntava, de vez em quando. Éramos uma família pluralista - o Pai, um democrata de sempre, republicano, anglófilo, conservador, votava PSD, a Mãe, muito à direita, monárquica e militante do PPM, fazia "voto útil" no CDS e eu, à esquerda, "social- democrata à sueca" (embora também eleitora do PSD) e, se a questão de regime ainda se pusesse, monárquica, mas igualmente à maneira sueca. Quanto à coletânea, publiquei-a prontamente, sem mais revisões, com a ajuda de um dos mais jovens participantes da tertúlia do Café Palácio, o Fernando, que tratou da parte gráfica, numa tipografia dos Carvalhos O Pai teria apreciado esta ligação aos Carvalhos, onde viveu 11 anos felizes no famoso colégio, que é um "ex-libris" da terra, ainda hoje. Além dos versos, apenas algumas fotografias (de pouca qualidade, por sinal), e umas breves palavras da mulher e da filha. Agora, esta edição, no ano do centenário do seu nascimento, é uma ocasião para falar dele, da sua vida, família e amigos. Íntimo, nos seus versos e na nossa prosa. A VIDA QUE VIVE NA NOSSA MEMÓRIA Para mim, foi um Pai presente numa infância alegre, acompanhou-me nas crises e esperanças da juventude, e, depois, ainda por muitos anos, numa relação progressivamente mais equilibrada, mais igualitária, como se a diferença de idades se fosse esbatendo. E, por isso, quando assim é, o Pai não pode desaparecer, fica connosco até ao fim de nós próprios. Especialmente, se era como gostávamos que fosse. Se cada vez o compreendíamos mais e o achámos melhor, de facto, em correspondência com a realidade, porque quando as qualidades existem, o tempo e a experiência servem sempre a sua afirmação. Com ele, assim aconteceu, sobretudo, no respeitante àquelas qualidades que exercitava no dia a dia e o faziam ser sagaz nos seus juízos sobre as pessoas e o mundo, muito simpático para com toda a gente e competente no seu trabalho ("reliable", para usar a sua língua estrangeira preferida - para ele tudo o que era britânico era bom, da democracia aos seus bonés de "irish tweed"). Havia, sem dúvida, outros talentos inatos, de que desistiu cedo, fosse por descrença nas vantagens de os cultivar, por lucidez sobre a relativa insignificância de atingir objetivos que outros prezavam demais , ou (quem sabe?) por não se achar fadado para os alcançar. Faltava-lhe ambição, agressividade competitiva, instinto empresarial (que ambos os seus avós tinham de sobra, e, por isso, ambos fizeram fortuna). mas não lhe faltavam preocupações, com coisas grandes e pequenas. Preocupava-se demais, era excessivamente dado à ponderação de prós e contras de uma decisão, abordava as questões por todos os ângulos possíveis, levava o seu tempo (muitos anos mais tarde, quando o Dr Silva Leal, que foi seu professor no ISCTE, e meu "chefe" num Centro de Estudos, referindo-se a um político ascendente no fim do velho regime, o classificou como "suficientemente ignorante das matérias, para tomar decisões rápidas e eficazes", lembrei-me logo do meu Pai, que estava nas antípodas). Isto no que respeita a sucesso material, não na vida que há para além da procura do lucro e da "glória", nem em matéria de aventuras sentimentais, inicialmente simples namoros de juventude, depois, dois casamentos românticos, aos 19 e 22 anos, o primeiro breve e trágico, com a morte da noiva, o outro longo - mais de meio século - até à sua morte. Duas mulheres belíssimas, de forte personalidade, sempre vestidas pelo último figurino, inteligentes e audaciosas, que trouxeram, certamente, "glamour" e intensidade à sua vida. Dizem os entendidos na matéria que os nativos de gémeos são eternamente jovens. Não sei se se comprova, se é coisa escrita nas estrelas, sei que, no caso do Pai. era certamente verdade. Talvez por isso, voltou à universidade depois dos quarenta e foi colecionando bacharelatos e licenciaturas. Começou com um recém-criado curso de Política Social no ISE e acabou, entre os primeiros licenciados em Sociologia pelo ISCTE. Tudo em Lisboa. Fez muitos amigos, sobretudo, entre os que eram, como ele, do Porto. Iam para aulas de fim de semana (gesto simpático dos professores) e para os exames em excursão de camionete. Em festa! Gostava de conviver com jovens. Era tolerante e divertido, embora discreto, nas tertúlias. Sentido de humor, graça e simpatia tornavam-no popular junto de todas as gerações. Seria um bom político, se tivesse vocação. Não tinha, mas gostava dos políticos em quem se revia, como Sá Carneiro e Freitas do Amaral, a quem até lhe dedicou um slogan com rima: "Não há esquerdas, nem direitas. Portugal é todo Freitas! Assim era este poeta repentista...
QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO Maria Manuela Aguiar 1 INTRODUÇÃO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo no domínio da emigração vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 as mulheres viram reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se neste quadro jurídico e fático, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade”, em 2007 às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução n.º 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I- AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO. Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas. Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente livre para todos a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres. No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio, permitido, só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo, Jurista, foi docente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e da Faculdade de Direito da 1 Universidade de Coimbra. Árdua defensora dos direitos das Mulheres e das Políticas da Emigração, atividades que desempenhou nos anos em que esteve à frente da Secretaria de Estado para a Emigração e Comunidades Portuguesas, na qualidade de deputada na Assembléia da República, e na presidência da Comissão Parlamentar das Mulheres. _____________________________ Page 1 of 15 seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do Sul. (Boxer, 1977, p. 34). No nosso caso, houve sim algumas exceções determinadas pela vontade de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com essa finalidade, saíram para a África e o Oriente as chamadas "Órfãs d’El-Rei”, jovens recolhidas em orfanatos que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos. Também o povoamento por casais foi promovido em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca de forma generalizada e sistemática. (Boxer, 1977, pp. 78-84). Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich, enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam consigo uma prole numerosa e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Félix, 1978, pp. 28-30). Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, as mulheres, em grande número, iam juntar-se a maridos e familiares por sua vontade, contrariando estratégias, leis e determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade, o que era causa de desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e responsáveis pela execução das políticas de emigração. 2 São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores como Afonso Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma "depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o emigrante essencialmente como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913, p. 182). Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a "desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917, p.132). Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios e a mulher que seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação 2 consentida ou encorajada nas colónias a fim de reter no Reino as mulheres. E terá sido à atitude de desafio destas “viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente a dever a matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente, mais permissiva no que respeita à saída de mulheres para o Brasil do que para África ou o Oriente. Essa diferença de tratamento denunciava a clara consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e pelo não retorno a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticas administrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro tipo de ganho que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades portuguesas pela cultura e pelo afeto, (indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas ou depreciadas como meros “guetos” transitórios onde se enclausurava, por escolha própria, a primeira geração de emigrantes. Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de exploração no trabalho. O que obviamente não havia ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros domínios, direitos absolutamente iguais. II- DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida) e vem a ser consagrada na Constituição de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da problemática feminina perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de positivo face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino todo e qualquer trajeto migratório, assim se tornando opaco e permanecendo desconhecido o que especificamente dizia respeito às mulheres migrantes. No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre os sexos para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para a Igualdade", cuja designação foi variando sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica aquela primeira categoria; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro e às eventuais singularidades da sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no art.º 9.º/h, a partir da revisão de 1997, e também no art.º 109.º, impor ao Estado a tarefa de promover a igualdade entre os sexos no que respeita à participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras, ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da emigração devido à crise económica que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado, se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, ainda que não normalmente no mesmo tipo de emprego. Em qualquer caso, a possibilidade de profissionalização, logo aproveitada maciçamente, converteu-se numa autêntica via de emancipação dessas mulheres dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995, p. 51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto .3 A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas formas, acaba sendo frequentemente superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a vida das emigrantes ao longo de décadas, como realidade complexa e dinâmica, e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008, p.1257). Em boa verdade, o sucesso no longo prazo da geração de 60 e 70, a do "salto" para a Europa, não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998, p. 22). E às próprias mulheres se fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país . 4 No aspeto legislativo, é de salientar que na década de 80, subsistia ainda contra a letra e o espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas, na maioria mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a nacionalidade portuguesa automaticamente às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei n.º 37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge, como transmiti-la em igualdade de condições à sua descendência, e recuperar o estatuto de cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se que a reaquisição desse estatuto Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense. É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no 4 âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional destinadas a mulheres, o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas. Facilitada e com eficácia retroativa só viria a ser assegurada pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro, ou seja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril . 5 - Olhámos a emigração do passado, mas tratando-se de um movimento que nunca cessou, e reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém igualmente considera-lo no presente. Embora isso não tenha ainda reconhecimento bastante, há de facto um recrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se dirigem em larga medida a um espaço europeu de liberdade de circulação. As mulheres estão envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e tal como os homens, são cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante escolarizadas e procuram melhores condições de vida" . É um êxodo, também no feminino, que 6 escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor e apoiar, como reivindica a Assembleia da República numa Resolução aprovada no primeiro trimestre deste ano que irei expor adiante. Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área por cientistas, a título individual, em projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos, encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos dicionários, mas que permite classificar expressivamente um instrumento que tem tido influência basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género” em Portugal, no nosso século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Cady Stanton fez história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls. Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no universo da emigração, o “congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente académica com a da partilha de experiências vivenciais visando a ação concreta e a mudança. Em Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, p. 41). Os A Lei n.º37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada pela via da regulamentação que admitia inclusive a 5 oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica n.º1/2004 de 15 de janeiro, no art. 30.º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final do n.º 2.º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento". Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, 6 em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de 2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". Os “Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de 2005 .7 Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de surtos migratórios e, muitas vezes, também perante casos graves de exploração dos expatriados, dos quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa. Por isso se regista como positiva a retoma de colaboração que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da Emigração” . 8 Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género, e tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um observatório das migrações femininas. III- AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS Como vemos, foi regra geral até data recente a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo, este, dirigido e representado, nunca é demais salientá-lo, quase em exclusivo por homens, no período que se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981. Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, de mulheres e jovens, só estes últimos têm estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos 7 seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) " Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal 8 participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande importância. Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa recomendação. Tendo sido em data posterior criado o “Observatório da Emigração” para evitar dispersão de esforços, o mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, a fim de desencadear a alteração de mentalidades e atitude, a par de outros, como o ensino da língua e cultura portuguesas, ações de intercâmbio, estágios de formação profissional, encontros, debates, do que designamos por "congressismo". Na reestruturação do CCP – através da Lei n.º 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o associativismo feminino. Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela "paridade" de género no CCP, nos termos que adiante explicitaremos, em alternativa a esta outra forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo, porém, válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto, provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe de ter a metade dos assentos do Conselho. Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada, e deveria sê-lo, nos critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais em que se estruturam as comunidades se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem funções simétricas no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade, neste permanecendo quase sempre uma discreta "dona da casa" dedicada às artes da culinária, da decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, que são certamente fatores insubstituíveis para assegurar a agregação e desenvolvimento das instituições. Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros, para já, mais em determinados países do que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa. Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem em absoluto o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que se trata, trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar pela aplicação de direitos fundamentais que nenhuma tradição ou costume que invoque pode subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro, apelando à vivência igualitária da cidadania, como de resto quer o próprio legislador constitucional. A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos no pós 25 de Abril de 1974 descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e políticas no espaço da emigração. A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". Era, de facto, um "retomar" a questão de género que havia tido apenas um momento breve de afirmação na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP, que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O Conselho, criado pelo Decreto-lei n.º 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulher-exceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas. A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o “1.º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes, dirigentes de coletividade. Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas comunidades, no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto. A seleção desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das mulheres, tal como à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira e também, da sociedade civil, se realizou, em junho de 1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial. 1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em 10 2009 pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder, ao menos de poder formal, nas instituições [...]" Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas de inação política, neste campo. A génese dos Encontros para a Igualdade vem sumariada num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso on line". "Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano (“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das quais catorze jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América, Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. Não se conhece em qualquer Diáspora fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos para audição geral dos seus expatriados. A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso, não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram, como António Braga haveria de fazer duas décadas depois, sinal da longa paragem do processo então encetado, " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa gerada pelo Encontro". Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, propunham a criação de uma associação internacional própria. Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projetos de mudança. Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a formar-se por falta de assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão da problemática feminina na agenda do CCP para convocatória de novas reuniões. Em 1987, perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica, mas na órbita do “Conselho”, por simples despacho do presidente do CCP que era, então, um membro do Governo, de várias "conferências" temáticas em áreas prioritárias, entre elas, uma "Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro” . 14 Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não 13 se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo. As mulheres portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo estrangeiro em que pudessem inspirar-se - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante. Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca convocadas, tal como os plenários do “Conselho". Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do "Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação". (Gomes, 2007, p. 99). A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum modo, ainda que sem uma base institucional no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa estratégia de cooperação "Estado-Sociedade Civil". Não será de todo excessivo ver, não na "Mulher Migrante" em si, mas na "plataforma de diálogo" que com o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter numa espécie de "Conselho" no feminino, pelo menos no período em que decorreram os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens". IV- OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009) Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração da efeméride, através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando de uma forma sistemática campanhas com esse escopo nas maiores comunidades da Diáspora, numa ação conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades que foram levadas a cabo nos referidos "Encontros" realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa, em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e nos EUA, Berkeley (2008). A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários departamentos governamentais, nomeadamente da Comissão para igualdade, e da SECP. O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade" em Toronto, fazer uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que “[…] as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas ao não excecionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo certamente buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro" com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas de igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia. Lacão foi ao cerne da questão ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades, ideia chave para a “paridade", como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projeto: na América do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia: no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009, p.11) A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo, onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009, p.132) A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das "Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio. Ou será antes pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género? Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro, assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária. V - MEDIDAS JURÍDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e autárquicas, à eleição do CCP (o n.º 4 do art.º 11.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º da Lei n.º 66-A/ 207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de Cooperação, (Programa 17 do XXVIII Governo, p. 127). - - - - por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas bem-sucedido, pois redundou no aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição que tem tido, como afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de representação dos emigrantes. Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a "problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução n.º 32/2010, de 19 de março - que visa os mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas, apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações. Na Resolução n.º 31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia chave do Programa do XVII Governo: preparar as medidas da sua política externa, em concertação com outros ministérios, “[…] no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”. Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “o desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro”, visando “Promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; combater situações de violência de género; desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer referência expressa ao caso das mulheres expatriadas. Não será, por isso, desapropriado concluir que a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora pelo que recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras territoriais, como manda o art.º 109.º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já empreendido sem que tenha ainda atingido a generalização e a eficácia plenas, a exigir esforço incessante, sem fim à vista, estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração com a componente de género. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aguiar, M. M. (2008). Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica. [Migrant Women and Civic Intervention]. In M. R. Simas (org). A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades. (pp. 1247-1258). [Women and Work in the Azores and in Communities]. MAR Açores. Aguiar, M. M. (2009). Os Encontros para a Cidadania. [The Meetings for Citizenship]. In M. M. Aguiar & M. T. Aguiar (coord.). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 33-43). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Boxer, C.R. (1977). 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