quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dona Benvinda - força e carisma de uma líder nata

O dia em que conheci Dona Benvinda não pode ser adiado. Eu bem quis, mas ela não deixou...
Era o verão de 1980 e o dia em que o rancho Folclórico Português do Rio de Janeiro estava de passagem por Lisboa, com almoço marcado num restaurante próximo do elevador que Eifel construiu para subir da Rossio ao Carmo. Era eu Secretária de Estado da Emigração, tinha aceite o convite para estar presente e foi em vão que tentei fazer-me substituir pelo Chefe de Gabinete, Luís Garcez Palha. Dona Benvinda deixou bem claro que não aceitava representações. Ou eu ou ninguém!
Estava ainda a meio caminho entre as capitais do norte e do país, atrasado pelo alongamento do programa da manhã. Percebi que o atraso era irrelevante, ao contrário da ausência, que não seria perdoada. O motorista voou, positivamente, pela estrada nacional nº1, ao volante do velho Citroen, para que eu chegasse antes do café.
Fui recebida em festa, com os meninos a cantar e a bater palmas (ai de mim, se quisesse passar despercebida...). Dona Benvinda sorria, ao lado do marido, o Comendador Marques Mendes, e da grande artista brasileira Neuza Amaral, que, na altura, era a actriz principal da telenovela da Globo, que todo o Portugal via ao serão.
Foi um encontro feliz, de começo de amizade, que não teria fim.
Gostei logo na primeira impressão de Dona Benvinda - ali estava uma líder nata, em pleno exercício da liderança no feminino. Coisa ainda pouco comum hoje, mas raríssima então.
Tinha ideias e sabia executa-las pragmaticamente, como se via no próprio exemplo de trazer a Portugal um grupo de danças composto por jovens escolhidos nos ranchos folclóricos das muitas "casas regionais" do Rio. Cada par com o seu traje e a sua bandeira. Bailando folclore português na 1ª parte dos espectáculos e samba, com cor e fantasia tropicais,  depois do intervalo. Um achado! Ano após ano, esta iniciativa trouxe a Portugal cerca de um milhar de jovens.
E foi uma entre tantas, promovidas a partir da plataforma que era o seu jornal - o Mundo Português, mais tarde, o "Portugal em Foco". O jornal tinha a sua marca inconfundível, procurava, como ela própria, a proximidade e interacção com o associativismo, com a comunidade, retratando-a, dinamizando-a,  na sua relação com Portugal e Brasil.
Era, por isso, mais do que uma directora de jornal, ou uma jornalista talentosa. Era uma protagonista de 1º plano nos destinos da  sua comunidade. Tinha voz, tinha influência, e uma formidável capacidade de mobilizar colaborações, de fazer amigos  e de realizar projectos. Uma energia inesgotável. uma força imparável, uma inteligência viva, uma sabedoria conseguida na universidade da experiência da vida.
E muita espontaneidade, muito à vontade, com os ricos e poderosos e com o povo, povo, por igual. Lembro.me de ter participado, uma vez num programa de rádio, que manteve enquanto quis, com altas audiências. Um programa de porta aberta, em que entrava e saía gente, em redopio, contando histórias, dando recados, falando das coisas mais diversas, e mais divertidas, sem que o fio da meada escapasse da mão de Dona Benvinda. Ninguém mais conseguiria orquestrar assim a multidão das vozes que se cruzavam nas conversas. Nunca mais veria nada se semelhante em parte alguma do mundo. Era o mundo de Dona Benvinda, era Dona Benvinda mudando o mundo!

Dona Benvinda Maria - A sua força movia montanhas...


Para ADÉ

Fico-lhe muito grata por me prevenir.
A última vez que conversei com Dona Benvinda, pelo telefone, foi há
cerca de um mês - não podia imaginar que não mais lhe poderia falar.
 Sempre a admirei imenso! Conheci-a em 1980, quando trouxe a Lisboa, e
a muitas outras cidades, o Rancho Folclórico do Rio de Janeiro, que
era formado por jovens escolhidos nos vários grupos folclóricos da
comunidade luso-brasileira. O que fez  até ao século XXI... Só nessa
acção trouxe  ao nosso País perto de um milhar de jovens!  Sinto uma
tristeza enorme de a ver partir, com a sua energia e o seu constante
envolvimento na comunidade.
 Era uma grande e leal amiga - uma amizade que eu retribuia.
Grande abraço

Manuela

No dia 11 de Julho de 2012 05:41, Ade Caldeira - Radio Arcoense
<adecaldeira@radioarcoense.com.ve> escreveu:
nao sabia rita?
ninguem lhe disse?
ninguem a avisou a si somente? ou a manuela tambem?
adpe

terça-feira, 10 de julho de 2012

MARIA ARCHER EM SÃO PAULO: de lá chegam notícias!

No dia 7 de Julho de 2012 00:55, Maria Manuela Aguiar
<mariamanuelaaguiar@gmail.com> escreveu:

Cara Doutora Blanche:

Foi com imensa satisfação que recebi o email, que acabo de ler. Vou
dar essa informação, de imediato, a investigadores e a familiares de
Maria Archer.
Eu sou uma admiradora da sua obra  e da sua personalidade. e, nos
últimos meses, consegui reunir mais de uma vintena dos seus livros em
alfarrabistas, ( apenas dois romances foram recentemente reeditados).
Considero-a uma grande escritora, perfeita retratista da mulher
portuguesa do seu tempo!
Uma associação a que pertenço (Mulher Migrante - Associação de Estudo,
Cooperação e Solidariedade) organizou já  várias sessões de homenagem
a Maria Archer, a última das quais no Teatro da Trindade em Lisboa,
com a presença do antigo Presidente da República Dr Mário Soares. Em
breve será editada uma acta dessa sessão, que poderei enviar - lhe,
com todo o gosto.
Há uma  tese de mestrado sobre Maria Archer em Portugal e uma outra de
doutoramento no Brasil (da Profª Elisabete Battista, que apresentou a
sua tese na USP). Espero que outras se sigam no futuro.
A vida de Maria Archer em Portugal está bem documentada e há ainda
muitos amigos e familiares que privaram com ela, mas o período em que
residiu no Brasil é praticamente desconhecido, para além dos escritos
que deixou. Por isso, o testemunho que nos dá, e outros que possa
acrescentar, são verdadeiramente preciosos!
Como eu gostaria de ter conhecido Maria Archer...
Com muito apreço, as saudações da

Maria Manuela Aguiar

No dia 7 de Julho de 2012 00:27, Maria Manuela Aguiar
<mariamanuelaaguiar@gmail.com> escreveu:
> ---------- Mensagem encaminhada ----------
> De:  <blanche.de.bonneval@terra.com.br>
> Data: 3 de Julho de 2012 02:51
> Assunto: Dona Maria Archer
> Para: mariamanuelaaguiar@gmail.com
>
>
> Prezada senhora
>
> Boa noite, meu nome é Blanche de Bonneval e quero lhe falar um pouco
> de Maria Archer no Brasil.
>
> Minha irmã mais velha e eu éramos garotinhas (nascidas respectivamente
> em 1948 e 1949) quando a minha família, que era muito tradicional,
> pediu a Maria Archer de ser a nossa preceptora no Brasil nos anos
> 50/começos dos anos 60 se não me engano, pois queria que fossemos
> educadas em casa. Dona Maria, como nos a chamávamos, veio morar
> conosco e se esforçou muito em nos dar uma boa educação. Ela era
> considerada em casa como uma pessoa cultíssima, alegre e original que
> foi muito apreciada por todos. Lembro-me por exemplo como ela me
> incentivou quando começei a escrever poesias algumas das quais
> chegaram a ser publicadas graças a seu empenho.Também me recordo com
> certa emoção e divertimento o seu hábito de pintar suas roupas, bolsas
> e sapatos e de nos acordar de manhã abrindo a janela cantando canções
> portuguesas cujos refrões ainda lembro.
>
> Ela ficou conosco alguns anos até que a família do meu pai conversou
> com minha mãe e em 1965 fomos autorizadas finalmente a irmos para o
> colégio. Mas mesmo assim, como tínhamos muita amizade com Dona Maria,
> ficamos em contato com ela até ela voltar para Portugal.
>
> Creio que devo muito a ela. Ela sempre nos contava histórias africanas
> e nos falava da magia dos lugares onde vivera como Angola e
> Moçambique, pois foi sempre destes dois lugares que ela falava mais.
> Comecei a ficar curiosa e a querer ir conhecer a Africa, ou pelo menos
> esses dois países dos quais ela  falava com tamanha emoção. Acabei
> saindo do Brasil em 1976 para ir estudar na França onde fiz mestrado e
> doutoramento. Em 1982 - ano da morte de Maria Archer - (soube agora
> por um artigo que achei no computador por acaso que ela veio a óbito
> neste ano) comecei a trabalhar no sistema das Nações Unidas - mais
> especificamente no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -
> o PNUD - . O meu primeiro primeiro posto foi Angola, que nesta altura
> estava em plena guerra civil e para onde ninguém queria ir. Lembrando
> sempre do que Maria Archer me falara daquele país, aceitei o desafio e
> lá vivi uma experiência de vida maravilhosa. Depois de algum tempo de
> estadia, pedi aos meus amigos angolanos se lembravam de Maria Archer e
> responderam positivamente. Falaram-me dela com carinho e me levaram
> até na casa onde ela havia morado, localizada perto do hospital de
> Luanda.
>
> Mais tarde em 1992 o PNUD me propos ir para Moçambique que também
> aceitei pelas mesmas razões e foi novamente um posto do qual gostei
> demais. Só que lá não achei rastros de Dona Maria. As pessoas
> lembravam do seu nome mas não sabiam onde vivera no país. E só é agora
> que descubro no mesmo artigo que ela viveu na Ilha de Moçambique e no
> Ibo e não na atual Maputo como eu acreditava. Foi graças a influência
> da minha preceptora que trabalhei em Angola e Moçambique, mas também
> em Madagascar e no Chade, o que representou um aprendizado
> extraordinário que durou 16 anos no total. Depois disso, fui enviada
> para Asia Central onde trabalhei até minha aposentadoria.
>
> Bem, é só isso de que queria lhe falar, disso e das minhas profundas
> gratidão e admiração por esta mulher pelo que ela foi assim como pela
> influência que teve na minha vida.
>
> Atenciosamente. Blanche..