segunda-feira, 24 de abril de 2023

O DIA DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA (a propósito da visita do Presidente Lula a Portugal) in "Defesa de Espinho", 13 de abril

O DIA DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA (a propósito da visita do Presidente Lula a Portugal) in "Defesa de Espinho", 13 de abril 1 – Neste abril de 2023, o Presidente Lula da Silva começa em Portugal a primeira visita à Europa do seu terceiro mandato, depois de já ter estado entre nós, o ano passado, como presidente eleito. São significativos gestos de amizade que nos trazem a promessa de uma plena normalização das relações oficiais do nosso país com o país que, justamente, chamamos “irmão”. Como sabemos, nas nossas famílias as relações entre irmãos nem sempre são cordatas, pacíficas e positivas. Exatamente o mesmo se pode dizer de nações, como Portugal e Brasil, que partilham língua e laços de sangue e de afeto na singular caminhada de mais de cinco séculos, para construir um país de dimensão continental. De facto, nos duzentos anos que o Brasil já perfez como Estado independente, o relacionamento, a nível oficial, entre a antiga colónia e o antigo colonizador, embora quase sempre harmonioso e fraterno, tem registado altos e baixos. A meu ver, o estranho "afundamento" recente das relações bilaterais, ao nível de Estado, começou, em 2011, com a Presidente Dilma Roussef, não melhorou durante o atribulado mandato do Presidente Michel Temer, e “bateu no fundo” com o Presidente Jair Bolsonaro. É por demais evidente a influência do “Palácio do Planalto” no processo, mas do lado português, na mansão de São Bento, também houve governantes que contribuíram para o movimento descendente, inclusive Cavaco Silva, com a sua conhecida insensibilidade a questões da imigração (primeiro foi o problema dos dentistas, que se arrastou longamente, depois, vários casos de expulsão de cidadãos brasileiros, que o nosso Primeiro-Ministro considerava serem “estrangeiros como outros quaisquer"...). E, por tudo isso, as novas vagas migratórias brasileiras, que deveriam promover um contexto favorável ao estreitamento de laços bilaterais, tiveram efeito contrário, a partir do momento em mudou a direção das correntes tradicionais, do sul da América para o da Europa... Os nossos imigrantes no Brasil, não eram tratados como outros quaisquer! Recordo uma visita oficial a Brasília, sob a ameaça de legislação muito limitativa dos direitos da imigração. Fui recebida pelo Ministro Abi-Hakel, que me disse, antes mesmo de eu perguntar: “Pode estar tranquila, a nova lei não se aplica aos portugueses!” Assim era nos anos oitenta, mas, entretanto, muita coisa mudou, e não no bom sentido… O último amigo de Portugal no ”Palácio do Planalto” foi, ainda na primeira década do século XXI, Inácio Lula da Silva. O seu regresso ao poder, agora, abre perspetivas à recuperação do tempo perdido. Questões ideológicas, apreciações de natureza política partidária (ainda por cima avaliadas numa democracia que sobreviveu ao parceiro preferencial da nossa extrema-direita radical), são, neste plano da cooperação luso-brasileira, irrelevantes. Não importa se o Presidente se chama Fernando Henrique, Dilma ou Inácio. O que importa é ser o Presidente do Brasil. Por estas ou outras palavras, assim falou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. E bem! 2 - No absurdo bruaá que se levantou a propósito da receção ao Presidente Lula no dia 25 de Abril, (dia que foi, obviamente, uma bem-intencionada sugestão de Marcelo), muito estranho, que o nosso Chefe de Estado, assíduo visitante do Brasil, não tenho pensado em outra data de abril: 22, em vez de 25!. A maioria dos portugueses, incluindo a maioria dos políticos de topo, que atualmente temos, ignora, (o Presidente não, evidentemente...), que, nessa data, se celebra o nascimento do Brasil lusófono, o primeiro passo dado por um navegador da expedição de Pedro Álvares Cabral em solo sul-americano. O que não sei é se até Marcelo desconhece que a data foi oficialmente consagrada como “Dia da Comunidade Luso-Brasileira, por proposta do Senador Vasconcelos Tavares - o autor da chamada “lei da Amizade”, a Lei nº 5270 de 22 de abril de 1967, consensualmente aprovada e saudada. Portugal aderiu, então, ao espírito dessas celebrações, mas só excecionalmente lhes deu a visibilidade e o significado que têm do outro lado do mar. Desde 1974, isso apenas terá acontecido, a nível governamental, por três vezes, nos finais da década de oitenta, nas cidades de Guimarães, Ponte do Lima e Belmonte, quando eu estava à frente da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e decidi assumir a sua organização. É certo que, desde que a "Lei da Amizade" entrou em vigor, há mais de meio século, as comemorações se têm centrado, mesmo no Brasil, quase sempre, a nível estadual ou municipal (São Paulo e Santos são sempre os exemplos mais citados) ou sido organizadas em conferências, sessões solenes e festas populares promovidas pela sociedade civil, em especial, pelo movimento associativo português e luso brasileiro, de norte a sul, de leste a oeste do território. Em Portugal, neste século, poucas foram as iniciativas registadas no "google", cuja consulta sugiro a quem queira informação adicional sobre a matéria. É interessante notar que Espinho parece ter sido o único Município do país a celebrar, por sua própria iniciativa, esta efeméride! Corria o ano de 2011, era eu a vereadora da Cultura e dei uma pequena mostra da teimosia de remar contracorrente. Espinho voltaria a inscrever-se no seleto grupo de autarquias que faz parte da história destas comemorações em solo nacional, na modalidade de parceria ou patrocínio de “proposta alheia”. A proposta fora da “Associação Mulher Migrante”, que trouxe à cidade, salvo erro, em 2017, um membro do Governo, o Dr. José Luís Carneiro. Na sua qualidade de responsável pelas Comunidades, ele voltaria a participar em cerimónia semelhante no ano seguinte, em Monção, (por impulso da mesma associação), dando-lhe chancela governamental. Na minha pesquisa, sobre esta efeméride, na internet, o que mais encontrei foram cartazes, coloridos com predominância do verde comum às duas bandeiras, anunciando o programa de eventos, da autoria das mais diversas entidades e instituições privadas. Um houve a que achei especial graça, como fã de futebol (que, note-se, se está tornando campo privilegiado de união dos dois países, através da importação de jogadores e da exportação de treinadores): tinha a imagem de um Pepe sorridente, e homenageava, no Dia da Comunidade Brasileira, cinco atletas nascidos no Brasil, com estatuto de “ídolos dos Portugueses”: além de Kepler Leveran de Lima Ferreira (Pepe), Luisão, Deco, Derlei e Jonas! 3 - Por ignorância ou descaso da "classe política" vamos, sem dúvida, em 2023, perder uma oportunidade fantástica de dar notoriedade ao Dia da Comunidade Luso-Brasileira, focando as atenções no incomparável elo de ligação entre os dois países que constituem os seus emigrantes/imigrantes - a comunidade real, compostas pelas pessoas, muito anterior à leis que a consagram e à retórica política da fraternidade, que, numa das múltiplas sessões solenes em que participei, descrevi deste modo: “A comunidade luso-brasileira é uma realidade humana, histórica, sociológica, linguística, cultural, afetiva, em suma, uma história de famílias, e, com elas, de nações, que antecede em séculos a sua consagração na esfera do Direito interno e internacional”. Bem melhor do que eu o dissera António Cândido, em 1900, no Teatro São João, do Porto, lembrando o 400º aniversário do Brasil: “A colonização do Brasil é, para Portugal, a máxima honra, entre todos os títulos da sua benemerência histórica. […] se por fatalidade acabássemos, figurando a hipótese extrema de uma catástrofe, que submergisse esta parte do continente europeu […], lá ficariam no Brasil, para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua, e não em mudos monumentos ou em silenciosos arquivos, mas na perene e irradiante expansão de uma vida, a que foi a nossa, variada e progressiva no indefinido tempo e no ilimitado espaço”. Seria bom levar os nossos mais altos responsáveis da República a lerem, ou relerem, António Cândido e Joaquim Nabuco, que no Rio de Janeiro, por essa altura, com não menor erudição, disse praticamente o mesmo. Na verdade, passado mais de um século, ambos continuam, felizmente, atuais. A comunidade luso-brasileira permanece igual a si própria, e vai em crescendo. E, com isso, nos promete um longo futuro.