domingo, 17 de julho de 2022

UM RIO DE SANGUE E DE LÁGRIMAS in Defesa de Espinho

UM RIO DE SANGUE E DE LÁGRIMAS 1 – De um dia para o outro, esquecemos todos a pandemia, a repetição de eleições no Círculo da Europa, a formação do novo Governo, a liderança da oposição - assuntos que desapareceram dos noticiários e desapareceram das nossas vidas… Pela força e o poder dos “media” que regem, mais do que nos apercebemos, o que pensamos e sentimos… No lugar que era o de coisas presentemente vistas como menores está uma guerra! A guerra que entra, continuamente, noite e dia, em nossa casa num ecrã de televisão, como um imenso e trágico “reality show”. Portugal acordou para o horror sem limites, que não pode conter, com uma angústia sincera, de coração aberto. Não se via nada de comparável desde que as imagens sangrentas do cemitério de Santa Cruz nos trouxeram aquele momento paradigmático da vivência de Timor Leste, sob o jugo de um Putin asiático – um povo vítima do verdadeiro crime de genocídio que agora se repete, ante os nossos olhos em solo europeu. Hoje é domingo. Em Mariupol os cadáveres juncam as ruas, as casas ardem, não há água, nem comida, nem luz. Não sabemos se na próxima 5ª feira, quando estivermos a ler o jornal, o mesmo se poderá dizer de Odessa ou de Kiev… É o inferno, minuto a minuto, visto por dentro, como nunca antes acontecera. “Um rio de sangue e de lágrimas”, nas palavras do Papa Francisco. Um êxodo bíblico através das fronteiras abertas da Polónia, da Hungria, da Roménia, da Moldova e da Europa inteira. Como num filme histórico de atrocidades, que conotamos com tempos remotos e a uma moral bélica desconhecedora dos rudimentos do Direito Humanitário, mas que, na verdade se passa em 2022, com gente vestida como nós, a contar dramas pessoais num inglês, que falam como nós… São quase somente mulheres, com os filhos pequenos pela mão, e, pormenor comovente, em muitos casos, também o cão, ou o gato, que trazem consigo em vez de uma mala com bens materiais. Para trás deixaram tudo, a vida de família, de trabalho, de convívio, a vida igual à nossa, que tinham na semana anterior… Subitamente, ocorre-nos a pergunta: e se fossemos nós? A resposta é dada numa mobilização geral da sociedade civil, multiplicada numa infinidade de gestos concretos de apoio e cooperação com quem está no terreno e de manifestações de pública solidariedade. São as pessoas a título individual, as organizações humanitárias, as internacionais do desporto, ou as grandes empresas, secundando as sanções, sem precedentes de uma comunidade de Estados que, de imediato, isolaram esta Rússia abusivamente imperial e a transformaram de um dia (o dia da invasão), para o outro (o dia seguinte) num Estado pária. É uma constatação que tem tanto de surpreendente, como a própria aventura Putinista de anexar pela força das armas, e através de banhos de sangue, do verdadeiro genocídio, que já se adivinha, uma grande Nação independente e pacífica. 2 - Países que, ou ergueram muros arame farpado aos infelizes refugiados do Médio Oriente, igualmente sobreviventes de uma guerra dantesca, ou os aprisionaram em miseráveis campos de internamento, estão hoje na primeira linha do acolhimento generoso e exemplar a todos os que escapam à barbárie russa. Temos tendência a ver neste fenómeno a pura emergência de uma fraternidade europeia que há muito andava adormecida. É isso, e é muito mais do que isso. Uma agressão desta natureza, perpetrada por uma potência nuclear, representa uma ameaça que muda o nosso mundo para sempre. É uma ameaça civilizacional – e, consequentemente, suscita reação planetária! A Europa está muito perto da fonte do perigo, que se chama Putin, e em particular naquela zona de fronteira com a guerra atual, conhece bem demais o “czarismo soviético” que a dominou, e a uma maior distância temporal, a intimidatória vizinhança do czarismo propriamente dito… Putin, visando obviamente o contrário, promoveu a unidade europeia e ressuscitou a NATO – dizê-lo já lugar comum. Essa foi a primeira a batalha que perdeu. A segunda e a definitiva será a da frente económica. Os milhares de corruptos bilionários que sustentam a Rússia capitalista vão sofrer um pouco o efeito das sanções, mas muito mais sofrerá o povo, condenado à miséria pelo sonho imperialista de um déspota enlouquecido. Mas, pelo meio, o que restará da Ucrânia, para além da Diáspora? 3 - A Europa acreditou, sempre, na racionalidade de Putin. Porém, ao ter pactuado com ele, em demasiados crimes e desmandos, ao ter aceite o dinheiro sujo dos seus oligarcas, ao submeter-se à sua dependência no campo energético, deu-lhe a falsa sensação de não haver limites ao que poderia suportar. Enganou Putin na sua eventual racionalidade… A invasão da Ucrânia não começou há dias, mas há oito anos… Primeiro, com muitos milhares de mortos, tomou a Crimeia, Donetsk, Donbass, perante a passividade europeia e norte-americana. Agora preparava-se para anexar o resto da Ucrânia, sem significativa resistência interna e externa. Enganou-se – ou foi enganado pelas facilidades do passado - e deparou com uma gigantesca onda de reação, tanto no quadro das relações internacionais, como no terreno militar. A possível vitória militar na Ucrânia não se fará sem a derrota financeira na Rússia. E um governo fantoche em Kiev , a prazo, será derrubado, porque o maior engano de Putin é pensar, se é que pensa, que a identidade ucraniana não existe. Existe e é europeia. Basta ver onde procuram refúgio os ucranianos: não é nos braços da Rússia, é no Ocidente. Nós, na UE, vamos também pagar um preço elevado para resistir pela economia, para afrontar a chantagem de Putin, hoje, ou a de um outro Trump, amanhã. Ou seja, para garantir a nossa própria defesa, enquanto pilar europeu da NATO. É o preço do Estado de Direito, da Liberdade, da nossa Civilização