terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A CONSULESA ANGELINA SOUSA MENDES

LEMBRAR ANGELINA SOUSA MENDES
A CONSULESA DE BORDÉUS

 1 - Aristides Sousa Mendes, Cônsul em Bordéus durante o início da ocupação nazi, o homem que sacrificou a carreira e a família para salvar a vida de milhares de judeus, em fuga para a última fronteira, (a nossa), converteu-se num grande (para muitos, no maior) herói português do século XX. É conhecido e reconhecido como um exemplo de humanismo, nacional e internacionalmente - pelo Congresso dos EUA, por Israel e muito outros países. A História vai, justamente, guardar o seu nome para sempre. E vai, injustamente, esquecer o de sua mulher, Angelina. 
Angelina estava lá, a seu lado, em Bordéus, no dia 16 de junho de 1940, quando tomou a decisão refletida, abnegada e conjunta, de sacrificar o seu futuro para assegurar o dos refugiados, que lhe pediam um visto de passagem para a liberdade.
 Este "esquecimento" não é coisa surpreendente na crónica oficial de todos os povos, em todos os tempos. As mulheres que agiram em momentos cruciais, com igual capacidade de decisão e de sacrifício, igual força de ânimo, viram o seu papel ser, deliberada e sistematicamente, apagado ou desvalorizado. São, quando muito, como Angelina, remetidas para uma nota de rodapé nas biografias dos companheiros de combate.
Será o século XXI o da emergência das Mulheres na economia, na ciência, na política, em suma, na "res publica" e, consequentemente, na História?
Nem isso poderemos dar por seguro. Assistimos, hoje, ao ressurgimento de movimentos fundamentalistas religiosos, ("vide" o discurso das seitas apoiantes de Trump e Bolsonaro...) ou laicos neofascistas e obscurantistas, que  erguem, como bandeiras, a misoginia e a xenofobia (o "Vox" na Espanha, aqui ao lado, e, por cá, o "Chega!", se não também o atual CDS, (cuja direcção, monoliticamente masculina, está mais próxima do paradigma talibã ou saudita do que do PPE de Ursula von der Leyen)).
E mesmo que estes extremismos sejam vencidos, deixando caminho aberto a sociedades pluralistas e paritárias, onde as mulheres farão, em parceria com os homens, a história do futuro, o progresso vindouro não corrige, nem compensa, os erros e malefícios do longo passado que baniu da memória coletiva a voz e os feitos do sexo feminino.
Por isso, não obstante admitirmos que a maioria desse acervo se encontra perdido, em definitivo, é dever da nossa e de futuras gerações procurar fazer justiça a todas as mulheres, cujo ação e merecimento seja ainda possível "desocultar" e enaltecer
A esse trabalho se entregou, no que respeita à Consulesa de Bordéus, uma ilustre investigadora da Universidade Católica, a Prof.ª Ana Costa Lopes. Partiu para o interior das Beiras, para Beijós e Cabanas de Viriato, entrevistou familiares e vizinhos, que conviveram com Angelina, consultou correspondência e documentação sobre ela - que infelizmente não abunda - e, a partir dessa incursão na penumbra do seu percurso, conseguiu traçar um perfil que nos surpreende e encanta.

2 - Quem era a Consulesa de Bordéus?
Angelina era prima direita de Aristides, pelos lados materno e paterno. Partilham os apelidos ("Sousa Mendes" e "Amaral Abranches").  Namoraram desde a adolescência e casaram jovens. Com apenas 22 anos, já ele chefiava a missão consular na Guiana Britânica e ela acompanhava-o. Acompanhá-lo-ia sempre, em três continentes, com os filhos, catorze, que foram nascendo nos diversos países. Depois da Guiana inglesa, seguiram-se Zanzibar, São Francisco, Boston, Porto Alegre e Curitiba, Luxemburgo, Bruxelas, e, por fim, Bordéus...
Em Bordéus se encontrava, em meados de junho de 1940, quando a ocupação nazi da Europa central lançou numa corrida para sul milhões de refugiados. A cidade tornou-se, de repente, num desordenado e tenebroso "campo de refugiados". A Espanha franquista recusava-lhes a entrada, só Portugal lhes havia servido de ponte, rumo à América. Todavia, nessa hora funesta, os diplomatas portugueses receberam novas instruções, proibindo a concessão de vistos a judeus e outros cidadãos perseguidos pelos países de origem ou apátridas (Circular 14). A 16 de junho, Aristides solicitou ao Ministério uma derrogação da Circular, que, logo no dia 17, lhe foi recusada. O Cônsul, atormentado, em estado febril, aconselhou-se com Angelina. Há muito, ela se dera conta dos riscos da situação. Mais pessimista do que o marido na análise da evolução da guerra, mandara para Cabanas os dez filhos mais novos e as empregadas. Naquela pungente noite de reflexão, ambos se nortearam, como católicos muito devotos que eram, acima de tudo, por imperativos morais e religiosos. Como ele diria depois, expressando publicamente o sentir comum, teve de desobedecer à "lei dos homens” para obedecer à “lei de Deus”. Nos dias seguintes, cumpriu escrupulosamente a missão humanitária de que se via incumbido, dando vistos a todos, indiscriminadamente, qualquer que fosse a nacionalidade, a raça ou a religião. Ajudado pela mulher e por dois dos seus filhos, não parou de trabalhar, dia e noite, sem pausas para descanso ou para refeições. Angelina abriu as portas da residência, que ficava próxima do consulado, e acolheu os mais fracos e desprotegidos, em todos os compartimentos da casa, nas camas dos filhos ausentes, nos sofás, no chão, nas escadas. Todos os que coubessem...
No relato de Sebastião Sousa Mendes: "A Srª Sousa Mendes, que agora não tinha apoio doméstico, decidiu que cozinhava e alimentava tantos refugiados quanto necessário. E assistiu aos mais necessitados, aos idosos, aos doentes na sua casa. Cozia as suas roupas, sempre que necessário, até fazia as camas, lavava a roupa deles, num verdadeiro ato de abnegação." . 
Aos que ficavam na rua, levava comida, cobertores, agasalhos. Incansável!
Ana Costa Lopes faz, aliás, notar que a intensa e eficiente intervenção solidária da Consulesa, durante aqueles memoráveis dias de junho de 1940, no meio do caos dantesco das ruas de Bordéus, não foi para ela uma espécie de "estrada de Damasco". Os depoimentos recolhidos mostram o contrário. Já antes Angelina fora e seria, depois, sempre assim, de uma generosidade sem limites. Na voz do povo da sua terra, "uma santa".
Inédito, naquele particular momento concreto, foi o facto de as circunstâncias a terem levado a transpor os gestos de solidariedade do espaço privado da casa para o público, e o de, através deles, ter contribuído para a salvação de tantos seres humanos em risco de acabarem em campos de extermínio.
A pressa tinha razão de ser… A 24 de junho, o Cônsul de Bordéus recebeu ordem para se apresentar em Lisboa, e o Consulado foi encerrado, de imediato.
Aristides, sujeito a processo disciplinar por desobediência, veio a ser severamente punido: A sua carreira terminara. Muitos dos filhos viram-se obrigados a partir para o exílio. Angelina, subsistindo com enormes dificuldades económicas, continuara a acolher na casa da Beira e, a seu pedido, nas de familiares, os refugiados, que lhe pediam auxílio, Morreu a 30 de agosto de 1948, no dia em que fazia 60 anos.
Aristides vai ter, em 2020, a consagração do seu heroísmo em Israel, onde o seu nome será dado a uma  Praça. Angelina, co-autora moral e, até, também, executante de atos de coragem e altruísmo semelhantes, pelos quais pagou o mesmo custo elevado, individual e familiar, permanecerá na obscuridade. Até quando?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

ASSOCIATIVISMO SENIOR

 ASSOCIATIVISMO SENIOR VERSUS ENVELHECIMENTO DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO TRADICIONAL NO PAÍS E NA DIÁSPORA

1 - Portugal é um dos países do mundo com a população mais envelhecida, situação demográfica agravada pela ausência de políticas públicas para a promoção da participação cívica e profissional dos mais idosos e pela existência de preconceitos arreigados e de limitações jurídicas, que se traduzem em múltiplas formas de discriminação. em alguns casos consagradas em leis de duvidosa constitucionalidade, e os afastam da intervenção social e política.ou os levam e terminar prematuramente as suas carreiras
A "terceira idade", em Portugal, é predominantemente olhada no terreno da sustentabilidade da segurança social ou dos cuidados médicos e medicamentosos, logo, contabilizada no discurso corrente, como um "fardo"
Num quadro tão  negativo, em termos europeus e globais, surgiu nas duas últimas décadas,. um movimento cívico, de idosos para idosos, as chamadas "Universidades Seniores", que, configurando um novo paradigma de associativismo, nos colocou na vanguarda, a nível internacional. Em nenhum outro país terá este modelo conhecido uma mais rápida disseminação territorial, ou uma mais perfeita  consecução de objetivos, entre os quais se contam a valorização do voluntariado, da experiências e saberes, a dinamização da vivência cultural das pessoas de todas as idades, em cada terra, o rejuvenescimento anímico dos seniores e o diálogo intergeracional..
2 -  Mais difícil se tem mostrado a transposição deste modelo de sucesso do país para as comunidades do estrangeiro, onde o envelhecimento, quer das bases quer das cúpulas das associações, em que se estruturam organicamente as comunidades, é apontado como o problema maior, a par do decréscimo generalizado de participação, no contexto de novas vagas migratórias, em que a predominante emigração de perfil tradicional coexiste com a designada "nova emigração" de jovens altamente qualificados e supostamente mais individualistas.
O projeto ASAS (Academias Seniores de Artes e Saberes) foi impulsionado, a partir de 2012, pela Associação "Mulher Migrante"  (AMM), e, ao longo de período de sete anos, regista iniciativas concretas limitadas à RAS (onde cresceu no interior da preexistente "Liga da Mulher"), Argentina (região de Buenos Aires) e Canadá (Toronto).
O desafio que, no domínio da participação ativa na vida das comunidades portuguesas, se coloca aos poderes públicos e ao desenvolvimento das suas políticas, tal como às ONG's, encontrará um princípio de resposta na mobilização dos segmentos que têm sido mais marginalizados, as mulheres e os jovens, mas também, sem dúvida os mais velhos, que, em instituições novas, como as Academias Seniores, podem encontra meios de contribuir para a modernização e o futuro do associativismo na Diáspora.