terça-feira, 21 de setembro de 2021

MEMÓRIAS POLÍTICAS PARA FAZER HISTÓRIA 1 - Não conhecemos ainda qualquer esboço do programa das anunciadas comemorações dos 50 anos da revolução de 25 de Abril, que ocorrem em 2024. Bem à portuguesa, só sabemos, para já, dois nomes. O de quem preside, simbólica e honorificamente - o General Ramalho Eanes, que há muito devia ser o Marechal Ramalho Eanes, e é absolutamente indiscutível - e o de quem vai "presidir" ao Executivo, um jovem professor da área do PS, cuja notoriedade enquanto comentarista de vários "media" em muito suplanta o seu, para já, modesto currículo universitário. Apesar da sensatez e moderação com que sempre intervém, representa, face à escolha da personalidade do Presidente, o 8 perante o 80. O perfil de académico é, a meu ver, o ideal para um coordenador da "comissão organizadora" das celebrações, se, como me parece fundamental para o seu êxito, se vierem a centrar em aprofundadas investigações interdisciplinares. Para fazer história e para "fazer futuro" - na linguagem de então, para "cumprir Abril", ou para dar a dimensão da modernidade às "conquistas da revolução". O que por tal se entende não é inequívoco ou consensual em todos os quadrantes, mas, da equidistância dos cientistas se espera que os considerem todos. Como escreveu Agostinho da Silva, o filósofo que adorava gatos, a história que mais interessa é a do futuro. Porém, não é menos verdade que o ponto de partida e a fonte de ensinamentos e de inspiração é a do passado... Os trabalhos vão, suponho, começar em breve e prolongar-se por vários anos, antes e depois da efeméride nuclear. Nada tenho a opor a um tão extenso período de preparação e de continuidade de esforços se eles envolverem abertura às diversas universidades e especialistas, (não se fechando em "lobbies"" ou capelinhas), se servirem a pesquisa académica rigorosa, a recolha de documentação, a reflexão e a divulgação da história, pensando, em particular, nos mais jovens, no diálogo intergeracional. Eu atrever-me-ei, contudo, a afirmar que, num certo sentido, essa tarefa já teve o seu início num segmento particularmente importante da preservação da memória, com o testemunho direto de muitos dos protagonistas da revolução de 1974 e da edificação da democracia - ou seja, o seu "dia seguinte", na meia década de setenta e na de oitenta. Falo das autobiografias políticas, que não eram propriamente uma boa tradição nacional, mas que ganharam terreno entre os nossos contemporâneos. Cavaco Silva contribuiu com dois volumes, meticulosamente documentados, e mais os seus "diários" da presidência, na esteira de Jorge Sampaio. Mário Soares deixou-nos uma riquíssima coleção de publicações, tocando várias épocas e domínios, até o literário. Convidativos exemplos! As últimas publicações do género que tive a oportunidade de consultar, foram as de Diogo Freitas do Amaral, em 2019, - com o volume final de uma trilogia, "Mais de 35 anos de Democracia Um Percurso singular" Memórias Políticas III (1982-2017) - e de Francisco Pinto Balsemão, intitulada, simplesmente, "Memórias". Ambos nos oferecem a perspetiva diacrónica de uma fascinante e vertiginosa sucessão de eventos em duas décadas cruciais, tal como as atravessaram e marcaram, com um contributo individual para alicerçar a arquitetura do Estado democrático. E, não parando aí, trazem-nos com eles na viagem por mais um quarto de século de democracia estabilizada, até à atualidade. Para muitos, sobretudo os que que nunca souberam o que é o quotidiano de gente comum ou dos ativos intervenientes sob a ditadura, é uma incursão num mundo desconhecido, norteado por normas estranhas, absurdas... Para outros tem o encanto de uma saga acompanhada de perto, ou, até, em alguns momentos, partilhada. Ao lado de Freitas do Amaral, no governo em que ele foi Vice-Primeiro Ministro de Sá Carneiro, como sua Secretária de Estado, vivi o melhor ano da minha vida, o de 1980, até ao dia 4 de dezembro. Lembrá-lo, página a página, torna-se, assim, uma espécie de romagem de saudade. De Balsemão não posso dizer o mesmo, nunca fui amiga nem prosélita, mas, à distância de décadas, é um exercício estimulante constatar, com mais objetividade, não só divergências de análise sobre casos e pessoas, mas concordâncias e algumas bem relevantes, como a relativa à atual filiação do PSD, a nível europeu - o erro de trocar, em fins de século, a Internacional Liberal e Reformista por um PPE, cada vez mais conservador e menos cristão-democrata - ou a simpatia por um militar "presidenciável", que se chamava Mário Firmino Miguel. 2 - Embora abrangendo, no decorrer de um dado período, as vicissitudes da vida pública no mesmo espaço é muito distinta da de Balsemão a narrativa de Diogo Freitas do Amaral - reflexo natural das diferenças de personalidade, de pensamento, de formação académica, de objetivos na profissão e na política, e de realização concreta nestes dois sectores. Freitas do Amaral conjugou, na perfeição, uma fulgurante carreira universitária, (muito novo ascendendo a Professor Catedrático de Direito), e uma corajosa, determinada, e não menos brilhante trajetória cívica e política, ganhando o seu lugar entre os "pais fundadores" do regime nascido no do 25 de Abril - primeiro presidente do CDS, o "Homem de Estado", que, segundo Mário Soares, "ajudou a converter a direita portuguesa à democracia". Escreveu muitas páginas de história, que é não apenas sua, mas do País, e, por isso, de leitura obrigatória. Uma obrigatoriedade que a leveza e a naturalidade com que se exprime, numa linguagem, em simultâneo, precisa, simples e acessível sobre os temas mais complexos, torna, afinal, muito grata e aliciante, não exclusivamente para especialistas em questões de política nacional e internacional, mas para qualquer um de nós. Enquanto Balsemão nos apresenta a sua "narrativa de vida" de mais de oito décadas, Freitas do Amaral optou por se focar nas "memórias políticas", editadas ao longo de mais de 20 anos em três volumes - nos anos de 1995, 2008 e 2019. Neles vamos, fase a fase, seguindo o excecional trajeto de alguém que se preparou, com talento, rigor e dedicação, para ser o que foi. Numa expressão sua, lapidar. "Sonhei coisas grandes e, felizmente, vivi muitas"- Bastante novo atingiu o topo da carreira académica, como professor catedrático de Direito, e muito novo se viu a liderar um dos quatros grandes partidos do pós 25 de Abril. Excecional se revelou, depois, em todos os cargos aos quais se candidatou e para os quais foi eleito, dentro e fora do país - Deputado, Vice Primeiro Ministro, Primeiro-Ministro interino, Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Presidente da União Europeia das Democracias Cristãs (o primeiro português eleito para a presidência de uma grande "Internacional"), Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, candidato à presidência da República, numa eleição que ganhou na 1ª volta e perdeu na 2ª, para Mário Soares, por escassos 138.000 votos... Paradigmática é a forma como analisa os vários factores determinantes dessa derrota, com uma objetividade de cientista político, e como aceita, democraticamente, o veredicto popular, não hesitando em afirmar: "O percurso e o currículo de Mário Soares eram nitidamente superiores aos meus".( Quase metade dos portugueses tinham mostrado, nas urnas, pensar o contrário...). Recusando contestar o resultado, o candidato vencido apressou-se a felicitar o vencedor. No dia seguinte, recebeu em casa "um enorme ramo de flores', com um cartão de cumprimentos, admiração e respeito do casal Maria Barroso e Mário Soares". Nas "Memórias", comenta: "Só o Mário Soares e a Maria de Jesus seriam capazes de fazer uma coisa destas". E eu acrescentarei: Só Freitas do Amaral seria capaz desta reação - a democracia portuguesa no seu melhor! Na era dos Trump e dos Bolsonaros, motivo, para nós, de renovado orgulho. 3 - Francisco Pinto Balsemão, em mil densas páginas, reúne, nos capítulos que sobre política se debruçam, um manancial de dados, desde os dias em que a revolução apenas se adivinhava, sem hora certa. Deputado da "ala liberal" na Assembleia Nacional, a convite de Marcelo Caetano, fundador de um semanário que soube antecipar o tempo da democracia,( "O Expresso"), co-fundador de um partido político, que pesou decisivamente na mudança de regime, o PPD/PSD, Ministro, Primeiro Ministro por dois anos (e dois governos), deputado europeu por 11 dias. E muitas coisas mais: milionário nato (ou seja, de fortuna herdada, que não dilapidou), jornalista, advogado, empresário da comunicação social, não lhe falta matéria de interesse para levar a conhecimento público. Passados os 80 anos, bem gozada a vida, satisfeitas as ambições, as que teve e até as que nem tinha sonhado (nomeadamente ser Primeiro-Ministro, o que somente aconteceu por um trágico acaso), fala sem reservas nem resguardos. É ele próprio, retrata muitas figuras da nossa "res publica", tal como as vê e, ao fazê-lo, retrata-se a si também. Poucos são os que se autobiografam assim, emitindo opiniões, com o à vontade, de quem está numa roda de amigos. O jornalista vem ao de cima", redige com desembaraço e espontaneidade, sem floreados, sem excessivas subtilezas, sem poupar os alvos, ainda que estes hajam ocupado, ou ocupem hoje os mais altos cargos de Estado. As passagens agrestes sobre Marcelo Rebelo de Sousa, não só no livro, mas em entrevistas laterais ao seu lançamento, fazem furor, e, talvez expliquem, pelo menos em parte, que a 1ª edição esteja, (ao que consta), já esgotada. Da Bertrand, em Espinho, trouxe comigo o último exemplar, que só terei conseguido, por estar ligeiramente amolgado - nada que afete o conteúdo. Em jeito de recomendação, terminarei confessando que tenho ficado a lê-lo pela noite dentro, refrescando lembranças, algumas já vagas, e confrontado as minhas com as suas interpretações sobre o encadeamento de ocorrências, de conflitos, polémicas, pessoas que os protagonizaram - exercício tão grato quando aquelas vão no mesmo sentido como quando são dissonantes. Em suma, mais um significativo subsídio para a história de uma então tão jovem e esperançosa democracia. in Defesa de Espinho, 16 de setembro
Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confiná-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que se foi aperfeiçoando em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu! - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia na recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, na luz e sombra de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010. Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas"! E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade. Maria Manuela Aguiar, ex-Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas e Vereadora da Cultura da Câmara de Espinho.
CONVITE ERA UMA VEZ Viagem à roda da África com Maria Archer O que levou uma escritora e jornalista famosa pela qualidade literária da sua prosa, realismo das suas personagens, pendor para o observação etnográfica e ousadia na defesa de causas fraturantes a empreender uma incursão no universo encantatório da literatura para crianças? Partindo do seu "romance de aventuras infantis" e das motivações que ela nos revelou para o oferecer a pequenos leitores, vamos refletir, com Ester de Sousa e Sá e José Vaz sobre as sua prórpias experiências e pontos de vista. O "Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer" agradece a sua participação na 6ª feira, dia 24 de setembro, das 18.15 às 19.15 . Tópico: Zoom meeting invitation - Reunião Zoom de Maria Manuela Aguiar Hora: 24 set. 2021 06:15 da tarde Londres Entrar na reunião Zoom https://us02web.zoom.us/j/82284434416?pwd=K3U2Q1poOS9RQWZ6REM5MHcrWFl5UT09 ID da reunião: 822 8443 4416 Senha de acesso: 672848

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, e quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confina-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que, ao longo da vida, se aperfeiçoou em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia da recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, nas cores e sombras de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010... Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas". E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade.

terça-feira, 27 de julho de 2021

SUBITAMENTE, MEMÓRIAS DAQUELE DIA DE ABRIL... 1 . Com a morte de Otelo se revive, agora, intensamente, aquele 25 de abril já longínquo, com uma avalanche mediática de depoimentos, noticiários, imagens e entrevistas de época... Assim , de repente, e sem ser por decreto do governo, se iniciaram, verdadeiramente, as comemorações da revolução, que vai fazer o seu cinquentenário daqui a três anos. Para um governo que queria começar com grande antecedência a preparação da efeméride, fez-lhe, prematuramente e por uma triste razão, a vontade o destino... Só Salgueiro Maia, que partiu tão cedo e tão discretamente, (na sua opção de uma vida inteira de servir o País, com honra e sem vã glória), é um símbolo maior do movimento dos capitães, que fez a revolução e abriu caminho à democracia. A ambos estes, então, jovens militares - homens da minha geração, apenas alguns anos mais velhos do que eu... - não faltou a audácia e a coragem de afrontar o Poder e arriscar a vida pela liberdade. Isso lhes devemos, para sempre, como Povo, a eles e a todos os que estiveram juntos nessa grande aventura, tão espantosamente bem sucedida. E não vale dizer, como alguns ainda insistem em fazer-nos crer, que em causa estavam meros interesses corporativos. Não... A democratização do regime, na fase final da operação militar em preparação, era já a prioridade. O que começara com um mero caderno de reivindicações de caráter "sindical" de oficiais de carreira, convertera-se em autêntica luta ideológica de combate à ditadura, para pôr termo a uma guerra colonial, votada à derrota pelos ventos da história. Já não estava em causa a alteração de um diploma que gerara o mal-estar inicial num determinado setor, mas a discussão do programa de um movimento das forças armadas para o derrube do regime anacrónico, seguida da transição para a democracia plena. A solução para o mal-estar coletivo de múltiplos mundos, presos no mesmo impasse, na mesma ditadura. Um fim de ciclo. Um fim do império. A libertação simultânea de um Estado velho e de vários novos Estados, que iriam conhecer sorte muito diversa... Tempo de paz, no fim da transição, para Portugal e para Cabo Verde, que rapidamente se reconstroem, em democracia. Tempo de mais sangrentas guerras para outros países africanos, de invasão e genocídio para Timor-Leste... O que se faz demasiado tarde, tem tudo para correr tragicamente A exceção é do domínio do milagre. Na nossa descolonização, o único milagre foi obra dos cabo-verdianos. 2 - Conto-me entre os que olham com agrado uma comemoração do 25 de abril de 1974, que seja mais do que festas e discursos rituais, centrados num dado momento, desde que um período tão alargado se destine a reflexão e estudos sérios, envolvendo investigação académica, preservação de testemunhos e memórias, chamando interlocutores no universo do antigo império, da lusofonia. Missão ciclópica, diálogo que se adivinha difícil, se ousar afrontar dogmas e preconceitos, se ambicionar um enfoque diacrónico não só sobre este meio século, mas sobre o seu "antes" e o seu "depois". Tarefa que deverá congregar velhas e novas gerações, pôr o acento no intercâmbio de ideias, de solidariedades, sem esquecer as migrações, que neste espaço pluricontinental se continuam, e são verdadeiras pontes transnacionais entre as sociedades dos países a que pertencem. Escolha ideal, indiscutível, a do General Ramalho Eanes para a Presidência das comemorações, porque ninguém, como ele, representa não só o espírito da revolução militar que incorporava um projeto (necessariamente incerto) de democracia, mas a capacidade de viver o projeto no seu conseguimento concreto, com o voto dos portugueses. Nem todos queriam o mesmo, como o PREC mostrou, dia após dia, e, sobretudo, em dias que ficaram gravados no curso da história - 28 de setembro, 11 de março, 25 de novembro... - em que se inscreveram diferentes conceitos para a palavra democracia... Á partida, decepcionante é a entrega da coordenação do programa de celebrações a um jovem universitário, com notoriedade que lhe vem muito mais dos ecrãs de televisão do que de trabalhos científicos. Na TV, de onde o conheço, me parece, devo dizê-lo, um moderado e afável comentador, embora não uma fulgurante e carismática personalidade, um Soares, uma Maria Barroso, um Guterres, um António Vitorino - para me ater só ao quadrante socialista... Às vezes, não é mau partir de baixas expectativas... De qualquer modo, sentir-me-ia bem mais animada com um grande nome das Ciências ou das Letras, à frente de estrutura menos rígida, onerosa e pesada. 3 - Otelo é, por sinal, o exemplo mais do que perfeito para exemplificar a diferença que faz entregar uma missão à pessoa certa ou pessoa errada. No 25 de abril, a coordenação do plano estratégico e da sua operacionalidade, converteu-o em herói nacional. Aí, como o "cérebro" de uma revolução sem sangue, vitoriosa e popular, ganhou o seu lugar num pedestal de fama, de onde ninguém jamais o retirará. E, todavia, não era, de todo, talhado para "o dia seguinte". Ou seja, para nenhuma das altas funções que veio a exercer... Não avanço prognósticos sobre o julgamento final que lhe está reservado na história pátria, mas tenho o meu, subjetivo e naturalmente irrelevante. Para mim, há, para além da sua inconstância ideológica, da sua adesão a todos os excessos revolucionários, que fizeram perigar a implantação da democracia, (tal como eu a entendo), uma surpreendente constância na procura do "bem comum" e não de proveito pessoal, que me leva olhá-lo benignamente. Desde o PREC, estive sempre do lado contrário da barricada, olhando a sua radicalização, sem nenhuma condescendência no que respeita às suas ações, enquanto figura pública, mas, estranhamente, com bastante complacência em relação ao Homem. É alguém que eu gostava de ter conhecido pessoalmente, cuja voz faz falta na comemoração que se aproxima, cuja partida lamento.
CONVITE Caríssimas/os No âmbito dos colóquios organizados pelo Círculo Maria Archer, vimos informar que no próximo dia 10 de julho (sábado), às 18 h (hora de Portugal Continental), inserida na iniciativa “As Letras na Diáspora”, será realizada uma homenagem ao Professor Eduardo Mayonne Dias (1927-2021), que recentemente nos deixou, silenciando-se uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa na Diáspora Americana. Subordinada ao tema “Homenagem d’Além Mar”, será oradora a Professora Doutora Rosa Simas, da Universidade dos Açores, cuja vida académica ficou indelevelmente marcada por este docente, quando teve o privilégio de ser sua aluna na Universidade da Califórnia, Los Angeles e Santa Bárbara. Considerem-se todas/os convidadas/os através do link: https://us02web.zoom.us/j/7531842887?pwd=VTdDVFRySkgva2wyUXRJekhFSXA2dz09 ID da reunião: 753 184 2887 Senha de acesso: xK2LNF

terça-feira, 20 de julho de 2021

CONVITE ERA UMA VEZ. - CICLO DE COLÓQUIOS SOBRE O CONTO INFANTIL.. O Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer leva a efeito na segunda feira, dia 26 de julho, o 2º colóquio sobre o conto infantil, em que procuramos divulgar obras de autores da Lusofonia, de dentro e de fora de Portugal. Desta vez, no dia dedicado aos Avós, é Manuela Marujo quem nos apresenta o seu livro "A primeira vez que eu vi neve" - um retorno ao mundo das crianças inspirada na sua própria infância. Manuela Marujo é professora emérita da Universidade de Toronto, onde, durante muito anos, exerceu o cargo de "Associate Chair” do Departamento de Espanhol e Português. Para além da sua faceta académica, é uma personalidade marcante na comunidade portuguesa de Toronto e no universo da nossa Diáspora, Co- fundadora dos movimentos internacionais designados por "A vez e a voz das Mulheres" e "A voz dos Avós", com ela poderemos abordar o significado da sua narrativa, o que a levou a escreve-la, e, também, a sua visão e experiência de diálogo intergeracional num contexto migratório. Com este ciclo de colóquios queremos lembrar Maria Archer, na sua veste de grande contadora de histórias, oralmente - como sabemos pelo testemunha dos que tiveram o privilégio de a ouvir - e através de uma ou outra incursão na literatura infantil e juvenil, como tantos outros escritores, jornalistas e professores, em que se incluem Ana de Castro Osório, Natália Correia, Érico Veríssimo, Luís Sepúlveda e Vargas Liosa.. Tópico: Zoom meeting invitation - Reunião Zoom de Maria Manuela Aguiar Hora: 26 jul. 2021 06:00 da tarde Londres Entrar na reunião Zoom https://us02web.zoom.us/j/87365561790?pwd=aUd5Q0Z3aW1XTUNCNmcySjFaNzliQT09 ID da reunião: 873 6556 1790 Senha de acesso: 925203 A sessão será integralmente gravada
A PANDEMIA NO ESPELHO DO FUTEBOL 1 - Portugal começou bem e acabou mal o Euro - eliminado, no "mata-mata" (como dizia Scolari, o homem que deixou uma herança de bandeiras verde-rubras nas janelas e a má memória da perseguição a Vítor Baía). Desta vez, perdemos para a Bélgica, que só mesmo no "ranking" é a nº 1, tendo na partida de Sevilha posto em prática esquemas táticos, que mais se esperariam de Fernando Santos. Noutra perspetiva, em termos de "jogo jogado", a equipa começou mal e acabou bem. Na última oportunidade mostramos do que somos capazes, merecíamos ganhar, ir em frente para os quartos de final. O futebol é isto: um desporto pontuado por momentos de sorte e azar, de resultado sempre incerto, como a própria vida humana. O factor "suspense" faz parte da sua magia. A perda do ceptro europeu deixou o País de luto e de regresso à normalidade, ou seja, a falar da 4ª vaga COVID, da variante nepalesa, da cerca sanitária de Lisboa, em regime de "part-time", dos desastres de Cabrita, do certificado digital para acesso a restaurantes, dos ritmo da vacinação e do pandemónio de filas de espera - dispensável desorganização civil sob a batuta de um ilustre militar. Já pertencem ao passado os dias de delírio coletivo, a ver na TV o futebol, nosso e alheio, em estádios repletos de público, de cor e de abraços, Já estamos caídos no reino português da burocracia paralisante, que tudo proíbe ou condiciona, sem explicar porquê. Tal como Sísifo, condenado, eternamente, a andar acima e abaixo do caminho da montanha, carregando o seu fardo de pedra, nós, num sobe e desce permanente de horários do comércio e da restauração e do "ranking sanitário" da nossa cidade, confinamos e desconfinamos, enquanto cresce o número de descrentes nestes castigos de deuses menores - sobretudo entre a juventude não vacinada, não mascarada (como diria Ferro Rodrigues), nem fisicamente distanciada.. Há dias, passava eu no Largo da Graciosa e ouvi um fragmento de conversa de três adolescentes sobre este tema do quotidiano espinhense. Um deles bradava, desconsoladamente: "Estou farto da Covid 19. Antes queria um apocalipse zombie!". A pressa que levava não me permitiu ouvir o resto do lamento, que teria valido a pena. Ali estava quem exprimia, numa síntese lapidar, o sentir de uma geração inteira... 2 - O futebol tem sido, desde o início deste interregno "zombie" na história da Humanidade, o espelho fiel de erros, incoerência e arbitrariedade de quem manda na gestão da crise. De entre todos os domínios em que podemos, a meio do 2º ano da pandemia, traçar um balanço negro, este é certamente o "primus inter pares". Logo na primeira avaliação de risco comportamental, recebeu nota máxima, com o consequente encerramento ao público de todos os recintos desportivos (incluindo a pais de meninos pequenos, em jogos de formação!). Assim se demonizava todo e qualquer adepto, dado como incapaz de controlar paixões clubistas ou nacionalistas. A mesma pessoa que assiste civilizadamente a um concerto ou a um cinema, vira selvagem mal se senta num estádio, segundo esta escola de pensamento. Quod erat demonstrandum... Para calar as raras vozes que se levantavam contra o fundamentalismo da medida, os poderes públicos promoveram dois ou três ensaios de abertura ao público, em emocionantes jogos internacionais, esperando um dilúvio de desordem e de caos. Porém, a realidade desmentiu os preconceitos, ancorada na enorme experiência organizativa dos clubes e no caráter ordeiro da maioria das assistências. Tudo correu às mil maravilhas, no acesso, no interior e na saída dos estádios, do Porto e de Lisboa à lonjura dos Açores! Nem por isso, quem, pelo visto, não estava de boa fé, suspendeu a interdição total, mesmo depois de permitir a abertura de portas a espetáculos em espaços fechados. Foi preciso esperarmos vários meses até maio e junho deste ano II pandémico para termos a prova de que, afinal, os desequilibrados, os irracionais, os "loucos" do futebol não são os cidadãos anónimos, mas os próprios detentores de altos cargos do Poder (os autores, materiais ou morais, de leis e regras e minudências absurdas, em que Portugal bate recordes). A desgraça que nos relegou da linha da frente para a cauda da Europa é filha dos monumentais festejos de rua de um campeonato nacional, (todo ele disputado em estádio vazio...), com o "nihil obstat" da DGS e da Câmara de Lisboa. Seguiu-se a polémica autorização para a disputa da final da Champions no Estádio do Dragão, enfim aberto, mas só a um público britânico (desta vez sem funestas consequências, dado o prudente distanciamento físico a que a população do Porto se manteve dos forasteiros). E, logo depois, as mais altas figuras do Estado acompanharam o desenrolar do Euro, febrilmente, tomados por ímpetos juvenis, e, a partir de uma Lisboa em "estado de cerca" parcial", incitaram à deslocação em massa de lisboetas e dos restantes portugueses ao estádio de Sevilha, outra cidade situada em "zona vermelha". Este encadeamento de incidentes com o futebol como pano de fundo, teve, contudo, muito pouco a ver com a realidade e a gente do futebol, e com os interesses do desporto. Tratou-se, em todos os casos, de mero aproveitamento do futebol pelos políticos que nos governam. Quando falam de fãs emotivos e descontrolados, põem um cachecol ao pescoço e olham-se ao espelho... 3 - Quanto à seleção, apenas um diagnóstico breve: sofre de dois males cumulativos: a usura (lenta...) do poder absoluto de Fernando Santos e o endeusamento de Ronaldo, o melhor jogador do mundo por definição, pouco importando que esteja em boa ou em má forma, Santos, ao chegar, fez um saudável contraste com dois antecessores, que, enclausurados nos seus enormes "egos", montavam "equipas de autor" (Queiroz e Bento). Chamou os proscritos de Bento e com eles e outros montou um conjunto em que vedetas e operários, de várias gerações, se uniram harmoniosamente. Foi bonito de ver e, sem produzir maravilhas no relvado - exceto a espaços, com a genialidade de um ou outro predestinado a grandes cometimentos - atingiu o topo da Europa no Euro 2016 e, de seguida, na primeira Taça das Nações. Prestigiado e adulado, a torto e a direito, também Santos, anos volvidos, converte a seleção nacional no "clube do Fernando". Abundam os nomes com lugares cativos, mesmo quando os jogadores que lhes correspondem estão esgotados, Viu-se... Por outro lado, a idolatria de Ronaldo não ajuda o coletivo, sem culpas para o ídolo, vítima e não vilão, (o fenómeno que, aos 36 anos, dá nome a um aeroporto internacional e um museu e é, nas redes sociais, o rosto mais conhecido do seu País). A lenda não vai envelhecer, o homem sim (a menos que Pepe lhe desvende o segredo da sua eterna juventude). E as seleções jovens mostram, constantemente, num futebol de luxo e de ataque, que não nos faltam heróis em lista de espera.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

ESTADO DE CALAMIDADE NA DEMOCRACIA

ESTADO DE CALAMIDADE NA DEMOCRACIA Ainda somos um Estado de Direito? Vivemos longos meses em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, do qual passamos, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que, em bom português, parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Segundo as nossas autoridades, nenhuma dessas fatalidades é hoje provável. E, aliás, mesmo quando o risco era visível, (e ressurgente, ao sabor de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos), as restrições só podiam ser as ajustadas, estritamente, ao objetivo. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear a liberdade, os direitos e garantias dos cidadãos assentava na racionalidade das medidas, na adequação dos meios ao escopo, em suma, na procura de uma rigorosa proporção, com ela assegurando a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo iam suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusava-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistia, impávida, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise pandémica, foi um médico especialista, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno neste domínio, para a ultrapassagem dos limites de razoabilidade, pondo em cheque o "Estado de Direito", porque o "Estado de Direito" exige a igualdade de tratamento e a justificação dos normativos e ditames, assente numa base científica. Um condicionalismo que as autoridades se mostram incapazes de cumprir. No estado a que chegámos, é crucial, como diz aquele ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de contradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, a inexplicável discriminação de uns setores face a outros, quando não de cidadãos nacionais perante estrangeiros..Na memória dos desmandos do ano louco de 2021 fica uma senhora que foi multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas, portas ou montras com flores de papel, e de vender vasos de manjerico por altura dos Santos Populares... Por sorte para os responsáveis por tudo isto, o ridículo não mata!... Joana Amaral Dias é outra não jurista que se mostra chocada com a experiência governativa destes últimos meses, dizendo que nem Salazar teve tanto poder de condicionar as vidas dos portugueses. De facto, para além de nos terem confinado, vigiado, vedado o acesso às igrejas, aos funerais, aos cemitérios, aos cafés, aos recintos desportivos, às areias das praias e à vista do mar (em tempo invernoso!), ou aos bancos dos jardins públicos, tentam, sistematicamente, intimidar quem ouse pôr em dúvida a bondade das suas delirantes decisões - o que a senhora DGS fez até na AR, perante os deputados, como se estivesse ainda na antiga Assembleia Nacional... Neste capítulo, nem o Primeiro Ministro, insuspeito democrata, se salva, pois não resiste a zurzir qualquer crítico, como se fosse um inimigo da Pátria.. Anda mal habituado, pela notória falta de oposição política. Porém, afortunadamente, de repente, foi a gente anónima que se fartou de tanto desacerto. A revolução mental do 29 de maio O povo acordou no dia em que mais de 16.000 ingleses foram autorizados a assistir à final da Champions nas bancadas do Dragão, e 500 portugueses proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi (depois de idêntica interdição ter atingido a final da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra). Foi a gota de água... Já acontecera a noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital - prenúncio da viragem, ímpeto de retorno às antigas liberdades. Na esfuziante festa do SCP fora, por sinal, muitíssima mais compacta a multidão, mais numerosos os desacatos, mais violenta a repressão policial, (brigas de bêbados são rituais lisboetas de celebrações de campeonatos, ao contrário do Porto, onde a festa é sempre um São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem). O escândalo de Lisboa assumiu, porém, contornos de coisa menor, caseira, benevolentemente olhada, com o próprio Presidente da Câmara a encorajar a festança rija, pretextando ter perdido um email em que a Polícia se manifestava contra. Pela primeira vez, calou-se a voz da DGS, que saiu de cena e deixou o papel de vilão a um solitário Ministro Cabrita. O evento constituiu, em pandemia, um autêntico teste sanitário com desmesurada amostragem (digno de figurar no Guiness), e veio comprovar que o número de internamentos hospitalares não disparou, e menos ainda o de mortes por Covid 19, provocando, contudo, um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas) e levando a juventude a perder o medo, e a animar a noite dos bairros populares, em confraternizações fora de horas e de regras, à maneira dos "hooligans" ingleses, sem precisar da adrenalina do futebol. E assim o vírus se multiplica, imparavelmente.. A nível interno, parece não haver consequências de maior - apenas se mudam, à pressa, os dogmas da DGS, de modo a não confinar a capital... mas não se mudam, com tanta facilidade, os critérios estabelecidos a nível internacional. A catástrofe abateu.se já sobre o nosso turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde", e podendo vir a ser seguida outros. O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido pagam, assim, o preço dos folguedos consentidos em Lisboa! E falta ainda saber se "Champions" agravou, ou não, o "panorama Covid" na região do Porto, após o previsível falhanço da "bolha sanitária" que o governo, com tanta ligeireza, nos prometera.. A verdadeira barreira que isolou os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na cidade inteira, foi uma "bolha cívica", espontaneamente criada pela população do Porto, que não se misturou com eles, nem participou em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fazia nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FCPorto". No interior, dedicava, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o Expresso esqueceu-se de referir o exemplar comportamento dos portistas, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduravam o retângulo de jogo na final. Fora do estádio, a história foi outra, semelhante à da Albufeira e mais ajuntamentos algarvios - ou seja, muita cerveja na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs bastante ébrios. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita e outras pragas anunciadas, felizmente, nada!... Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses e desacreditou a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Este despertar de consciências, ou sobressalto cívico, foi o que de positivo nos trouxe a aberrante dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador - e até o de formação!) se comparado com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa, e quase sempre pacífica, às regras draconianas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências e gerou novos comportamentos (que têm de passar pela liberdade de movimentos, plasmada em normas simples que já interiorizamos - uso de máscara, distância física, desinfeção das mãos). E deixou uma lição, (mais uma...) aos responsáveis máximos, no plano nacional ou local: não vão pelo caminho mais cómodo de proibir, proibir, proibir... Esse pode ser o último recurso, não deve nunca ser o primeiro! É preciso esclarecer as pessoas e confiar na sua racionalidade, na sua colaboração voluntária. Vejam o que aconteceu no futebol, o setor mais diabolizado pela senhora DGS: dentro dos estádios, a capacidade de organização daqueles clubes, onde foi, a título excecional, permitida a presença do público, revelou-se, invariavelmente, perfeita. O que correu mal, em Lisboa e no Porto, aconteceu fora, desafiando proibições. Do futebol bem podemos extrapolar para outros domínios (que gozam, imerecidamente embora, de melhor reputação). Vejamos o exemplo, as festas populares. Entre a proibição, pura e dura, de Medina e a iniciativa de Rui Moreira, ao criar espaços de diversão, com entradas controladas, não tenho dúvidas em recomendar o paradigma portuense, esperando que possa inspirar não só outros municípios, mas, também, o Terreiro do Paço!

Sem alternativa

Maria Manuela Aguiar DE VEZ EM QUANDO SEM ALTERNATIVA 1 – Os grandes homens e as grandes mulheres revelam-se em tempos de crise, pela capacidade em passar do remanso da normalidade à gestão inteligente e eficaz do desconhecido, de catástrofes inimagináveis. Para nossa infelicidade, a pandemia de 2020/21 veio patentear a inexistência de políticos com esse perfil entre os que nos governam – ou desgovernam. O PM e o PR, agora reeleito, não conseguiram “agir”, mas tão só “reagir” à situação, e fizeram de conta que assumiam, não assumindo, as suas responsabilidades no caos em que tentamos sobreviver. Para além deles, no parlamento e nos partidos de oposição não parece haver ninguém com peso e influência na matéria. E os poucos que levantam a voz são, de imediato, intimidados com o labéu de “traidores à pátria”. E, assim, entramos no “inferno português” das chamadas segunda e terceira vagas, que, após breve hiato estival, sucedeu ao ambíguo “milagre português” da primeira vaga – o qual, creio eu, só foi possível graças ao atempado confinamento de março 2020, por iniciativa dos próprios cidadãos, impressionados pela imagens que chegavam de Itália, e contra a teimosa renitência governamental. Por isso, tendo o povo sido incitado a relaxar no verão, com multidões nas praias, e um público apelo à vinda dos turistas ingleses e espanhóis, (sem testes nem controlo à chegada, salvo na Madeira e nos Açores – bendita seja a Autonomia…), e tendo, depois, atravessado o outono, despreocupadamente, e passado o Natal em “shoppings” sobrelotados e festas de família, nos vemos, em janeiro de 2021, no topo da lista negra, em número de mortos pela pandemia (proporcionalmente à população) – perdido que foi, há muito e por completo, o rasto às cadeias de contágio. De bom, avulta o esforço constante dos profissionais de saúde, em cada um dos hospitais, (que até para transferirem doentes das unidades que esgotam recursos, pedem e dão apoios num eixo bilateral). e o de todos aqueles autarcas, que têm sabido estar no terreno, junto dos munícipes. Num programa de televisão a que assisti, recentemente, os presidentes das Câmaras de Gaia (PS), Viseu (PSD) e Loures (PCP) falavam, em tal sintonia, das soluções encontradas face aos ciclópicos problemas trazidos pela Covid, que, se não soubéssemos a sua cor política, era difícil adivinhá-la. Fui sempre regionalista e sinto-me, agora, não direi reforçada nas minhas convicções, porque já eram inabaláveis, mas com mais e melhores argumentos para as defender. Madeira, Açores e muitas autarquias são prova bastante da superior eficácia e sensibilidade destes governos de proximidade, quando comparados com o desnorteado governo da República. 2 – Cronologicamente, o último erro de monta a apontar aos nossos políticos é o da realização das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, em plena pandemia! Na véspera, o número de mortos (272) e o de novos casos diários (mais de 15.000), constituíam novos recordes, mas nem isso moderava o entusiasmo de apelar ao voto, por parte de candidatos, governantes, CNE ou comentaristas dos “media” – todos, em uníssono, assegurando que o ato era realizado em condições de perfeita segurança. Quod erat demonstrandum… Com o meu pessimismo de hipocondríaca (caraterística, por acaso, partilhada com o Senhor Presidente da República), logo admiti como muito provável o aumento de contágios e de fatalidades, mormente nos grupos de risco – os velhinhos que a DGS quer sempre cautelosamente confinar, exceto quando está em causa o “superior interesse” de ganhar uma mão cheia de votos. Ora a democracia não morreria, se os mais vulneráveis escolhessem, sem pressões, ficar em casa, ao abrigo da exposição ao vírus e às intempéries, até porque os políticos não trataram de lhes dar, de facto, as condições de um voto seguro e fácil – por correspondência, ou meios digitais. E nem sequer, ao contrário do que acontece em países verdadeiramente preocupados com os seus idosos, (como os EUA, ainda no mandato de Trump, e, agora, no de Biden, a Alemanha da Senhora Merkel, a maioria dos nossos parceiros europeus), os colocaram na primeira linha de vacinação anti-Covid. Só por força de uma alteração de 25.ª hora, os maiores de 80 anos, que residem “em liberdade” (isto é, os que não cumprem autênticas penas de prisão em lares de idosos), serão, ao que parece, requalificados na lista de precedência de vacinação. (De fora fica, estranhamente, a faixa etária dos 70/79 anos). Em suma, estas eleições deveriam ter sido adiadas, em outubro ou novembro, quando as cadeias de contágio já cresciam assustadoramente, pela via de uma revisão – relâmpago de um artigo da Constituição na Assembleia da República. Em alternativa, poder-se-ia ter previsto, no texto constitucional, a faculdade do voto por correspondência, (de que já há experiência no nosso sistema eleitoral), e até do voto eletrónico, que é o futuro. Segundo a sondagem do “Expresso”, na véspera das eleições, ainda 57% dos portugueses queria o adiamento, contra uma minoria de 37%. Um povo bem mais avisado do que os seus representantes eleitos! Na verdade, só o adiamento do processo e (ou) a votação postal teriam garantido o voto a todos os cidadãos, nomeadamente os emigrantes e os que, por razões de saúde, ou de confinamento profilático, a partir do dia 14 de janeiro, viram, na prática, denegado esse direito. O PR soube lembrá-los como desculpa para a elevada abstenção, mas não contribuiu “ex ante”, para que fossem criadas efetivas condições de sufrágio universal. Uma palavra de especial agradecimento é devida aos milhares de portugueses que permaneceram por mais de doze horas nas mesas de voto, arriscando voluntariamente a sua saúde, apesar de todas as precauções certamente tomadas. 3 – O desenlace eleitoral não trouxe surpresas de maior. O Porto acompanhou o resto do país, muito embora, com Ana Gomes mais destacada à frente de Ventura e o portuense Mayan Gonçalves com votação superior à da sua própria média nacional. Ventura foi, em alguns “media” estrangeiros, chamado o “Trump português”. Talvez goste da comparação e não podem negar-se algumas similitudes de caráter, de pensamento e de estilo arruaceiro… Ambos atraem o eleitorado do “país profundo”, interior, menos letrado e menos desenvolvido, e, saliente-se, masculino – é sabido que, nos EUA, Trump ganhou na metade masculina, e Biden venceu, largamente, no país, graças às mulheres de todas as raças e idades. Em Portugal, Marcelo estará em Belém por mais cinco anos, sem polémicas nem contestação. É de outra ordem a dúvida que ficou no ar: em que medida podem estes resultados ser extrapolados para as próximas eleições legislativas? Uma sondagem da Universidade Católica, feita à boca das urnas, veio dar-nos uma primeira ideia sobre a redistribuição dos sufrágios de Marcelo (que colheu de todas as esquerdas à direita democrática), e os reequilíbrios partidários que se adivinham: um PS (com 35%), um PSD (com 23%), ambos em perda, mas continuando a dominar o largo “centrão” do espectro político. À esquerda e à direita, porém, anuncia-se que nada permanecerá como dantes. A extrema-direita (com 9%) e o centro- direita, do Iniciativa Liberal (com 7%) relegam o CDS/PP para uns residuais 2% – o mesmo que o PAN. O BE consegue segurar 8%, o PCP, derrotado no seu antigo reduto alentejano pelo discurso incendiário de”O Chega”, mantém a posição, (recuperando alguns fiéis tresmalhados) e o “Livre” não vai além de 1%. Que política de alianças permitiria o quadro em que esta sondagem profetiza? Uma nova “geringonça”, não menos instável? Uma (praticamente) impossível reedição do “Bloco Central” de Mário Soares e Mota Pinto? De fora, por força da estatística, e não só, deve ficar o paradigma açoriano… Brada o Ventura que o PSD não pode ser governo sem “O Chega”. Bem pelo contrário: o PSD não pode, a meu ver, nunca, ser governo com “O Chega”! Ganhará, sim, talvez, no plano interno, com ou sem CDS, um novo parceiro possível, ideologicamente distinto, mas decente e democrata – o IL – depois de, a nível internacional, ter pertencido, por largos e bons anos, à Internacional Liberal. No horizonte próximo, este (des)governo não se verá, provavelmente, ameaçado por qualquer alternativa. Não se sabe, porém, se o Presidente andará mais desperto e pronto a “apagar fogos”…

A "BOLHA SANITÁRIA" ESPONTÂNEA QUE SALVOU O PORTO

A "BOLHA SANITÁRIA" ESPONTÂNEA QUE SALVOU O PORTO Estado de calamidade na democracia Este extraordinário país que é o nosso, não pára de nos surpreender, em tempos de pandemia - ora somos os melhores, ora os piores da Europa (ou do mundo), sem perceber exatamente como nos desviamos, num instante, do caminho virtuoso ou, como, depois de bater no fundo, conseguimos recuperar tão depressa. Uma espécie de "montanha russa" que sobe e desce vertiginosamente, sob impulso de forças misteriosas... Longos meses vivemos em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, transitando, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que em bom português parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Diziam-nos, até há pouco, autoridades políticas, sanitárias, científicas (e outras que a Covid 19 revelou), que nenhuma dessas fatalidades era doravante provável. Porém, com a emergência de novas variantes e um razoável, ainda que insuficiente, ritmo de vacinação, já alguns políticos ou especialistas começam a vacilar.... O risco ressurge, a espaços, no vaivém de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos, e, com ele as restrições, muitas delas sem qualquer lógica ou rigor, o que tem um tremendo significado, em termos juríco-constitucionais e democráticos. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear liberdades, direitos e garantias dos cidadãos é delimitada pela racionalidade das medidas, pela procura de uma rigorosa proporção, que assegure a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade, em especial da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo foram suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusou-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistiu, impávida e muda, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à qualidade da democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria, e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise Covid, foi um médico, académico e especialista de saúde pública, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno, a ultrapassar a tal fronteira de razoabilidade, e, por isso, a colocar em questão o "Estado de Direito".... Na verdade, exige este a justificação dos normativos e ditames, em bases científica, racional, pragmática, que as autoridades se têm mostrado incapazes de aduzir. No ponto a que chegámos, é crucial, como disse o ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de constradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, discriminação de uns setores face a outros, e até de cidadãos nacionais perante estrangeiros. Vimo-nos emparedados, vigiados, com acesso vedado a igrejas, funerais, cemitérios, areias da praia e vistas de mar (mesmo em dias invernosos), passeios de carro, cafés, recintos desportivos... Na memória das curiosidades do ano louco de 2021 fica o caso de uma senhora multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas ou montras de lojas e restaurantes, com flores de papel, e de vender vasos de manjerico na véspera do S João (aconteceu em 2020, este ano parece-me que a proibição da festa-convívio, já não se estende a inertes objetos decorativos...). Por sorte para os responsáveis por este "policiamento de costumes, símbolos e imagens", o ridículo não mata! A revolução mental de maio de 2021 A gota de água que despertou no povo a consciência da discriminação inconstitucional e aberrante foi a realização da final da "Champions" no Dragão, com uma assistência de mais de 16.000 ingleses na precisa altura em que 500 portugueses eram proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi, depois de idêntica interdição ter atingido a disputa da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra. Os prenúncios de viragem, contudo, já vinham de trás. Podem datar-se, com precisão, na noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital, em pleno gozo da liberdade de estar ludicamente, à vontade como dantes, no espaço público. Na esfuziante festa do SCP foi muitíssimo mais compacta a multidão de adetos portugueses, do que a dos britânicos no Porto... mais numerosos, também, os desacatos, e mais violenta a repressão policial - brigas de bêbados, é sabido, são rituais lisboetas de celebração de campeonatos, ao contrário da tradição portuense de festejar vitórias em ambiente de São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem. Com este gigantesco ensaio de "desconfinamento total" se inaugurou, sem sombra de dúvida, a já chamada 4ª vaga pandémica. Os responsáveis pelo surto aí desencadeado foram, em primeira linha, o Presidente da Câmara de Lisboa, a incontornável DGS a a Ministra que é suposto tutelá-la (difícil é, de facto, saber quem tutela quem...). Porém, os três têm conseguido, com a cumplicidade dos "media" da capital, (sobretudo das televisões), rodear de cúmplice silêncio a sua ação ou omissão no evento de consequências catastróficas, deixando no terreno a arcar com culpas, pelo menos neste caso alheias, o badalado Ministro Cabrita e a polícia. Do acontecido nessa noite só poderão ser inocentados os adeptos sportinguistas, acima de 100.000, que andaram irmanados em cânticos e abraços, pelas ruas, até às 4.00 da madrugada, porque a isso foram encorajados pela agenda autorizada de festejos, que incluiu ecrã gigante para fãs às portas de Alvalade e passeio do autocarro dos campeões por avenidas pejadas de "manifestantes" ( na sua esmagadora maioria muito pacíficos) até às 4.00 da madrugada. O escândalo de Lisboa foi desvalorizado, de mediato, na narrativa oficial e assumiu contornos de coisa menor, caseira, olhada benevolentemente... sem por isso deixar de ser a origem de um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas), potenciado, nos dias e semanas seguintes por uma juventude à solta, na noite dos bairros populares, já sem qualquer ligação à adrenalina do futebol. A desgraça logo se abateu sobre o turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde". O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido foram os primeiros a pagar, assim, o preço dos folguedos consentidos pela DGS e pela edilidade de Lisboa, contra o avisado parecer da polícia. Vem agora, a Srª Merkl chamar a si o julgamento de mais um retrocesso português, atribuindo culpas à UEFA a aos ingleses, como se a final da Champions o tivesse desencadeado. Engana-se a ilustre senhora- ou foi enganada pelas manchetes que, cá dentro, fizeram opinião! Deveria, antes de discursar, ter estudado a cronologia e o mapa geográfico da pandemia nacional. "Facta": o agravamento deu-se logo na segunda metade de maio, não em junho, e com epicentro em Lisboa, a 300 quilómetros do local de ajuntamento de adeptos ingleses. No Porto, onde realmente estiveram, não deixaram rasto da variante nepalesa!... Aqui, a norte, os números não subiram após o 29 de maio, e, decorrido um mês, continuamos a ser a zona que, no continente, melhor resiste à mutação Delta, largamente predominante a sul. É de lá, onde não houve "Champions", que vai, fatalmente, estender-se ao país inteiro! Alguém deveria informar dos factos a chanceler alemã, iludida pela "portofobia" que grassa a sul, e, quicá, levada pela sua própria anglofobia. Assim se somam fobias, preconceitos e demagogia política, que não é exclusiva dos nossos Costas e dos nossos Rios.... Concedo que o Porto foi colocado em risco pelo governo, com o absoluto falhanço da "bolha sanitária", com tanta ligeireza, prometida à cidade. Mas o milagre aconteceu e a cidade não foi contaminada. Não se tratou de milagre divino. O Porto foi salvo pelos portuenses, pela "a bolha cívica" que souberam manter, (sem precisar de conselhos das doutoras Merkl, Freitas e Temido) isolando os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na inteira urbe - não se misturando com eles, não participando em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fizera nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FC Porto". No interior, dedicara, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o prestigiado semanário esqueceu-se de referir o admirável comportamento dos portistas e dos portuenses, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduraram o retângulo de jogo na grandiosa final. Fora do estádio, a história foi diferente, semelhante à da Albufeira e outros destinos turísticos algarvios - ou seja, muita cerveja consumida na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs embriagados. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita, rivalidades clubísticas luso-britânicas e outras pragas profetizadas, nada, nada mesmo!... Só ingleses, na sua maioria tranquilos e encantados com a bela cidade e o fantástico feito desportivo. Em suma: chegaram juntos, e juntos partiram, levando consigo o vírus nepalês. Escreveu-se direito por linhas tortas e a maior vitória foi a do Porto, graças ao civismo da sua gente! Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses, e desacreditou irremediavelmente, a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Um despertar de consciências, um sobressalto cívico, provocado pela dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador ,e até o de formação!) em comparação com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa às regras draconianas postas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências, fomentou a desobediência - tanto ao que é regulamentação excessiva, como ao que é legítimo exigir (uso de máscara e distanciamento físico qb) - neste último aspeto, infelizmente.... E, assim, a lição que fica deste mês de maio 2021, em Portugal, não vem da "guerra fria" de alemães contra ingleses, ou da "guerra sul-norte", com o futebol em fundo, mas do falhanço do "proibir, proibir, proibir", em vez de esclarecer as pessoas, e organizar competentemente a abertura de zonas convívio e lazer (como vai fazendo Rui Moreira...). A Champions foi a prova provada desta verdade elementar! È nteressante que os melhores exemplos tenham vindo do futebol, (o setor mais diabolizado pela DGS): dentro dos estádios, sempre que a título excecional, foi permitida a presença do público, tudo se passou, invariavelmente, na perfeição! O que correu mal, em Lisboa e no Porto, com portugueses ou com ingleses, ocorreu fora, desafiando, impunemente, proibições.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

DIÁLOGO E MONÓLOGO EM DEMOCRACIA  1-  O Presidente Joe Biden, que, aos 78 anos, foi, nos EUA, o mais velho a tomar posse nesse cargo e se revelou, em poucas semanas, o mais rápido a tomar medidas governativas, participou, no passado mês, na sua primeira "Town Hall", transmitida pela CNN para o mundo. Para quem não sabe exatamente o que isto é - como eu não sabia, antes de me converter em telespetadora habitual da CNN - começo por dizer que não é o que parece. Também se pode designar, mais explicitamente, por "town hall meeting", mas o sentido americano dessa realidade continuará a escapar-nos se traduzirmos por "reunião de Câmara". Não é isso, bem pelo contrário... Por curiosidade, pesquisei no "google" a pluralidade de sentidos de "Town Hall". Os mais comuns são Câmara Municipal - ou Prefeitura, no  Brasil - salão da Câmara, Assembleia, serviços camarários. Mas logo outros significados nos levam para longe da sede e do âmbito municipal, ao incluir qualquer reunião para discutir assuntos importantes, que pode ter um determinado círculo de participação, por exemplo, o interior de uma empresa, de uma instituição, ou constituir um conselho, um meio de comunicação e formação interna, ou alargar-se ao exterior, a públicos, que se quer sondar, esclarecer, atrair, mobilizar. Nos EUA, tem um significado mais preciso e inequívoco: é uma reunião interna ou pública, em que um dirigente, em qualquer domínio, político ou outro, responde a questões, livremente colocadas pela audiência. É sinónimo de diálogo democrático, lembra, porventura, a sua origem na "civitas", porém, o lugar concreto da fórmula "Town Hall /reunião", há muito, perdeu a sua umbilical ligação autárquica. Tanto pode realizar-se num salão municipal, como num anfiteatro universitário, num teatro, num hotel. Aquelas a que tenho assistido, na CNN, são, naturalmente, vistas não só nesse auditório, ao vivo, mas por milhões no ecrã da televisão, em diversas partes do planeta. As personalidades mais poderosas e influentes são ali interrogadas pelo cidadão comum, em perguntas quase sempre oportunas, que nós próprios gostaríamos de pôr em agenda. Um exercício democrático em modelo, infelizmente,  desusado na nossa cultura. 2 - Há, em Portugal, aproximações a este "happening", as mais interessantes das quais terão sido conseguidas nas "presidências abertas" do Doutor Mário Soares. Também se poderão considerar, na categoria de "sucedâneos", as "sessões de esclarecimento", que estiveram em voga no período pós revolução, mas que, com o decurso do tempo, se foram rarefazendo, como se o diálogo sobre políticas ou medidas concretas, (apenas pensadas, já  em execução, ou executadas), à medida que avançava a democracia, se tornasse  mais e mais supérfluo. Fomos, obviamente, no sentido errado! Aumentaram conferências de imprensa restritas a jornalistas e, por vezes, sem período de perguntas e respostas, entrevistas dos mesmos profissionais dos media, mais ou menos independentes, debates entre políticos (que sobem em flecha quando se aproximam eleições), mesas redondas de comentadores, em que os homens, brancos, de meia idade e lisboetas, predominam largamente, ou uma mistura destas modalidades, em moldes originais gizados por um programa de rádio ou televisão.Os governantes preferem, (sempre!) responder, não a interlocução direta do povo, mas a dos seus representantes eleitos, os deputados, num parlamento dominado por aparelhos partidários. E respondem o menos possível! Dá uma ideia precisa do estado da nossa democracia, a drástica redução das sessões parlamentares de "perguntas ao Governo", imposta pelo PS, partido no poder, e pelo PSD, o maior partido da oposição. Uma decisão que só tem paralelo noutra bizarra aliança dos mesmos partidos para limitar, deslealmente, a concorrência de listas de independentes às Câmaras e Juntas de Freguesia.A nível autárquico, a situação não é muito diferente -  os executivos são, periodicamente, questionados pelos eleitos nas assembleias municipais, mas os cidadãos dispõem de limitadas  oportunidades de com eles dialogarem. Em Espinho, isso acontece num período antes da ordem do dia, com exigência de inscrição prévia, e, nos anos em que assisti, por dever de ofício, a Assembleias, posso asseverar que não aconteceu com frequência, e o impacto foi assaz diminuto.Sessões públicas com membros do Executivo, como oradores? Só em comícios de campanha, para propaganda. É para o que servem, de igual modo, quase invariavelmente, as entrevistas nos media locais, ou nacionais.A única iniciativa referendária de que me recordo, num Município, deveu-se a João Soares, em Lisboa - a família Soares, talvez não por acaso, aparece nas exceções à regra, que, neste domínio, me ocorrem... O referendo era sobre a construção de uma espécie de funicular para acesso ao castelo de São Jorge, e foi prontamente derrotada pelo sufrágio popular. Eu, se, naquele tempo, fosse munícipe em Lisboa, também teria votado contra, mas com todo o apreço pelo gesto do Presidente de Câmara. Com outro qualquer, lá estava, hoje, o funicular... 3 - O espírito de "town hall" - de diálogo aberto e basista, com tempos precisos de indagação e esclarecimento, impostos por um moderador, em regra, um bom jornalista - nada tem a ver com convívios em festivos ajuntamentos, "selfies", conversas de rua, sorrisos e abraços (pré pandemia), que mais parecem rituais de campanha eleitoral, fora de época. Nada contra - acho até estimável e divertido, mas não é a mesma coisa que um debate sério e frontal sobre matérias muito concretas..Foi este tipo de debate que Joe Biden e a CNN nos ofereceram, a partir de Milwaukee. Ao satisfazer dúvidas dos  presentes no auditório - todos a distância recomendável, uns dos outros, e de máscara -  ele respondia às perguntas de um mundo, onde as preocupações andam globalizadas.  - Para quando a normalização da vida? Talvez no Natal, talvez para o ano, por esta altura... mas os especialistas não dão certezas (entretanto, com o sucesso da vacinação em massa, já antecipou a data prevista para o 4 de julho). De facto, triplicaram as aplicações, na América pós Trump (nome que evitou mencionar). E, lá, era no ato de vacinação, mais do que na quantidade de vacinas, que residia o obstáculo principal, pelo que estão a recorrer a médicos e enfermeiros reformados, à Guarda Nacional, ao Exército e, sobretudo, às farmácias, como postos de vacinação de proximidade.  - Reabertura das escolas? Sim, começando pelos primeiros anos, que não socializam excessivamente fora das aulas, mas só depois de planificar a divisão de turmas, em grupos mais pequenos, e de assegurar o transporte em perfeitas condições sanitárias.  - A vacinação dos professores de classes em funcionamento efetivo, como grupo de risco? Está em estudo. (por aqui, onde ainda escasseiam vacinas para os grupos de risco, com menos de metade dos maiores de 80 anos inoculados com apenas a 1ª toma, vacinam-se corporações inteiras, não só médicos - vá lá...- mas, também, bombeiros, PSP, GNR,  e agora, professores e pessoal das escolas! E pouco importa que se trate de jovens saudáveis,de 20 ou 30 anos, a trabalhar em ambientes que a propaganda governamental qualificava de "muito seguros" (os únicos que tiveram a decência de recusar a ultrapassagem dos mais idosos, foram os deputados -  e bastantes!).  - Apoios à economia? Sim, e em força. "Now is the time to be spending", segundo Biden (na Europa da Senhora von der Leyen, tarda a "bazuca", tardam as vacinas, suspendem-se vacinas - reinam a confusão, a suspeita, as meias verdades, feitas e desfeitas, no dia seguinte).. Este novo (ainda que velho na idade) Presidente revela-se um comunicador nato e uma simpatia! O momento alto da "town hall" foi a conversa com uma menina de oito anos. A mãe, explicando que a filha andava assustada com a pandemia, quis saber: -  "Para quando a vacinação das crianças?". Biden dirigiu-se, em linha reta, à criança, como um avô fala à neta, tranquilizando-a com informação científica, em linguagem acessível ("não precisas de vacina, pertences ao grupo de menor risco, estás segura"). E assim falou para todas as meninas e meninos da América... Não disse coisas extraordinárias, mostrou-se, sim, um ser humano extraordinário. Conseguiu, a meu ver, o que queria: ser claro, partilhar, sem euforia nem temores, sem ameaças ou recriminações, (a uma população que, em termos de paciente respeito por ditames muitas vezes opacos, fica muito aquém da portuguesa...) o estado atual do seu conhecimento sobre assuntos do quotidiano em que, afinal, se joga o futuro. Com ele, tudo pareceu simples, mas talvez não seja, a avaliar pelos tergiversantes monólogos de tantos responsáveis políticos.. A esmagadora maioria dos europeus e, em especial, dos nossos.
SURPRESA EM TONS DE AZUL E BRANCO Já não se pode esperar confiar na família mais próxima para uma pequena inconfidência... O Tózinho, a Teresinha e até a minha Mãe sabiam e não me disseram nada. Na Câmara, pelo menos nas antevésperas, também sabiam e guardaram segredo.Num país onde toda a informação escapa a qualquer controlo, esta notícia não saiu à rua.Fui assim totalmente surpreendida com a entrega do "Dragão de Espinho" na festa do 10º aniversário da Casa do FCP de Espinho.Primeira entrega para o Bruno Alves, como era há muito do conhecimento público. E, depois, subiu ao palco o Dr. Sardoeira Pinto e eu pensei que fosse discursar, como às vezes acontece, na qualidade de representante do Clube - o presidente da Assembleia Geral. Achei um pouco estranho que começasse por falar de mim, mas mesmo assim não suspeitei do que viria a seguir. Talvez avançasse com o meu nome por ser a única representante de Executivo da Câmara que estava presente... Quando continuou a falar intensivamente do meu trajecto de vida despontou uma suspeita, ainda nebulosa, porque custava a crer que fosse eu a homenageada, para além do Bruno. Nem me estava a ocorrer a habitual distinção de um associado... Mas quando do tempo de estudante de Coimbra o Dr. Sardoeira passa, elegantemente, para a época governamental, fez-se, emfim, luz no meu espírito. Tarde, mas fez-se... Foi muito simpático.Para mim tudo o que está relacionado com o Dragão tem um significado especial. E, sendo de Espinho, mais ainda.Não me achava muito merecedora, mas fiquei muito sensibilizada com o gesto! dez 2010  Publicada por Docas à(s) 14:36   1 comentário: Maria Manuela Aguiar17 de maio de 2012 às 12:31Foi uma decisão da direcção encabeçada pelo Júlio Lemos, que todos chamávamos Juca. Grande Portista, antigo jogador do FCP. Dono de uma boutique, onde me habituei a encontrar e comprar fatos muito bonitos- "sport", evidentemente! Mas a maior parte das vezes passava por lá (a sede da delegação do FCP é mesmo por cima) apenas para conversar com o Juca. Sobre futebol, sobre o nosso clube, sobre este ou aquele jogador.Ainda me custa a acreditar que ele já não esteja entre nós

Adelaide VILELA in Luso Presse

Viagens com vida e caminhos que fazem história Por Adelaide Vilela A história de hoje versa sobre a vida de uma Senhora que se deu ao luxo de fazer um percurso memorável. Nesta viagem com vida, por caminhos que fazem história, Portugal ganhou a primeira mulher Secretária de Estado, em domínios até aí reservados a homens, para gáudio de alguns e desgosto de outros. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira nasceu no dia 9 de junho de 1942, na casa da avó Maria, avó materna, em São Cosme de Gondomar. Maria Antónia, ao dar à luz a pequena Manuela traz alegria aos familiares e energias boas a cada aposento da casa grande, uma das chamadas “casas de brasileiros”.  Naquela moradia, viveu, cresceu, brincou, sonhou e foi feliz a bela Manuela. Depois de ler e analisar uma quantidade industrial de informação e muitos comentários contidos no Blog da Dra. Manuela Aguiar, deixei que a emoção me traísse. As coisas do passado provocam-se insónias mas trazem-me cheia de encantos. Assim, de imediato senti ternura imensa nas palavras desta querida amiga que tanto estimo e admiro, e nas respostas de seus primos e amigos, de todos quantos conhecem, privaram ou privam com Manuela Aguiar. O certo é que me vieram as lágrimas aos olhos: “Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que a cultura brasileira estava realmente presente, e mais nas narrativas, nas memórias, na música, na gastronomia do que propriamente na traça do edifício, ao gosto dos anos 20 do século XX”. Manuela Aguiar desde muito cedo deu provas de grande maturidade e de uma inteligência fora do comum. Tinha apenas treze anos escreveu um soneto no qual emprega uma linguagem literária fora do comum, e surpreende os grandes poetas da época. O poema foi publicado no suplemento do Diário de Notícias, por muitos anos dirigido por Maria Lamas (Modas e Bordados), com honras de bravura à menina e a seus pais e avós. Agora entendo porque aceitou prefaciar o meu livro “Olhos nas Letras”, pois, sei ao certo que gosta de poesia!  Pelo que lemos Manuela Aguiar foi sempre estudiosa. Para isso teve que ir à luta porque sabia de antemão que era necessário um bom quadro de formação, estudos e experiências.E como a vida e as histórias se constroem dia a dia, Manuela ingressa na escola pública durante dois anos, mais sete no Colégio do Sardão, e dois no Liceu Rainha Santa Isabel do Porto, qualificando-se com 18 valores no ano de 1960. Às vezes não é fácil, no entanto Maria Manuela sabia o que a esperava. Vieram tempos difíceis e de muito trabalho, mas Valeu a pena todo o esforço. Completou o curso de Direito na Universidade de Coimbra com 17 valores, corria o ano de 1965. E ganhou o título de aluna brilhante e estudiosa.Claro que para ela as oportunidades são únicas, por isso volta a desafiar-se, ao regressar aos bancos da escola, desta vez como bolseira da Fundação Gulbenkian. Os estudos eram o seu forte ainda que fosse fora de Portugal, e lá vai ela para Paris entre os anos 1968 e 1970. Se o Direito a tinha convencido, as Terras de Molière viriam a ser o paraíso certo para fortalecer os seus conhecimentos em Sociologia, e naqueles tempos a França estava na moda. Ainda bem que hoje é Portugal que anda na boca do mundo. E foi estimulante saber que Maria Manuela concluiu o ano de titularização na “École Pratique des Hautes Études”, com Alain Touraine, vários certificados avulsos na "revolucionária" Universidade de Vincennes, entre eles o de "Sociologia Americana" e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit", na Faculdade de Direito do Instituto Católico de Paris (única instituição onde os ventos da revolução não tinham alterado o quadro de ensino).Maria Manuela Aguiar teve ao longo da sua vida muitos mundos dentro do seu coração, assim podemos afirmar que tinha vários países na mira do seu pensamento, com o Canadá e as suas políticas democráticas no alto. Mas sobre as cidades onde viveu ainda hoje declama desta forma tão peculiar:   “Em muitos lados fiz boas amizades que ficaram para sempre: O que António Vitorino de Almeida diz de Viena, posso eu dizer desta outra geografia: "A França  não é o meu país, mas Paris é a minha cidade". (A par de Coimbra, e só perdendo para o Porto).Percebe-se que já naquela altura, antes e depois do 25 de Abril, Maria Manuela Aguiar era uma mulher que gostava avançar no tempo, pelo que, com rebeldia ou não, desenvolveu, dinamizou e conseguir uma série de conquistas demonstrando que quando é necessário muda-se o que está errado tornando cómodo quaisquer níveis de desenvolvimento uteis para a sociedade.Durante os tempos de migração em França foi assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/74), onde granjeou grandes amizades e teve excelentes diretores, e que sempre lhe deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das  Nações Unidas…). Um homem do regime (Cortez Pinto), o outro progressista e genialmente inteligente (António  da Silva Leal).Como professora universitária Manuela Aguiar - a convite de Álvaro de Melo e Silva – foi docente na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa (1972/73). Logo foi surpreendida com outro convite que a levou à Faculdade de Economia de Coimbra, e como as condições do passado a poucos interessava a Sra. Dra. foi uma sortuda ao encetar o novo e brilhante cargo no derradeiro dia da ditadura, no dia 24 de abril de 1974. Ainda no mesmo ano académico, na Faculdade de Direito, torna-se assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e Mota Pinto, futuro Primeiro Ministro, vindo a reger o curso  de Introdução ao Estudo de Direito, integrando a linha de investigação de Direito de Família do Prof Pereira Coelho. Tempos felizes em que a jovem docente colocava em evidência, perante os seus alunos, a temática sobre o respeito pela lei a como o maior apelo ao desenvolvimento numa nova realidade, sendo a liberdade, e a igualdade, de baixo para cima, um pilar fundamental para uma sociedade livre.Em 1976 deixa a Faculdade para ser assessora do Provedor de Justiça, instituição inspirada no “Ombudsman” sueco, que acabava de abrir as portas:“Aí trabalhei com o primeiro Provedor, um dos grandes “militares de Abril”, Coronel Costa Braz e, poucos meses depois, com o segundo, o mais admirável de todos os notáveis dirigentes  com quem colaborei - o Dr José Magalhães Godinho. No início de 1990 Manuela Aguiar regressa ao ensino, como docente convidada da Universidade Aberta, e dirige os estudantes de mestrado em Relações Interculturais, curso de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas".Em Portugal foi interveniente no Governo e no Parlamento, incentivada pelo Doutor Mota Pinto e, depois, por Sá Carneiro,  a fazer carreira política. E estava encontrada a primeira mulher Secretária de Estado da Emigração que viria a conquistar a simpatia dos emigrantes espalhados pelo Mundo. No seu executivo conseguiu um feito jamais visto, do qual ainda hoje se fala com maior carinho e gratidão. Como podemos analisar muitos foram as viagens e as negociações que a Secretária de Estado teve que empreender para que os emigrantes lusos no Canadá pudessem reaver a nacionalidade portuguesa, pois aqueles que se tinham adquirido a nacionalidade canadiana perdiam automaticamente a portuguesa, isto na década de 70.Não nos podemos esquecer que Manuela Aguiar foi uma das mulheres mais influentes na política nacional e internacional. Esteve na política em cinco governos e no parlamento durante cerca de 25 anos,  sempre amarrada, de alma e coração, à problemática das migrações, dos Direitos Humanos, da igualdade. Fez igualmente parte do Governo de Mário Soares e de  Cavaco Silva e foi a primeira mulher Vice Presidente da Assembleia da República, a dirigir Plenários e delegações Parlamentares Para quem não se lembra, deixou como legado, aos parceiros sociais, a Comissão para a Igualdade no  Trabalho e Emprego (CITE).Foi também eleita, em sucessivas legislaturas, como representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia da União da Europa Ocidental e a primeira mulher a Chefiar a Delegação portuguesa nessas organizações, isto a partir de 2002.Foi Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia e Presidente da Subcomissão da Igualdade da Assembleia e Parlamentar do Conselho da Europa, escolhendo para intervir, também a nível internacional, a causa dos marginalizados, migrantes, refugiados, mulheres...Na política a nível local, foi deputada na Assembleia Municipal do Porto, nos anos noventa, e vereadora da Cultura da Câmara de Espinho (2005/2011). Em todos os projetos desenvolvidos como docente ou através da sua carreira política, o projeto de valorização da mulher na sociedade, foi o mais valioso que lhe conhecemos e que na Diáspora Portuguesa desenvolveu, sobretudo entre 2005 e 2010, com a inesquecível  Drª Maria Barroso, com ela percorrendo as "sete partidas do mundo". E aqui reconhecemos o quanto a Dra. Manuela Aguiar fez no plano nacional como internacional, tendo dado prioridade a múltiplas ações na luta pelos Direitos dos Migrantes em todas os países de acolhimento por onde passou.  Para terminar este trabalho lembramos algumas da múltiplas condecorações e distinções que recebeu Maria Manuela Aguiar:  a Grã- Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique,  atribuída pelo Presidente Jorge Sampaio, a Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e a da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Império Britânico (OBE), a Grã Cruz de Francisco Miranda (Venezuela) ou o grande oficialato da Ordem da Estrela Polar (Suécia), e da Ordem de Mérito (França), o Título de "Cidadão do Rio de Janeiro", Medalha Tiradentes (Brasil). Recebeu ainda a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro) e a Medalha de honra da Câmara de Espinho. Destacamos todas as condecorações que recebeu: “do significado que têm para mim, outras condecorações, e muitos títulos de sócia honorária de associações portuguesas, em Portugal e pelo Mundo”. Este ano Manuela Aguiar teria participado, no mês de março, nas celebrações do Dia da Mulher do Lusopresse, festividades canceladas derivado à pandemia que assolou o Mundo. É mais um prémio que vai arrecadar, assim que as linhas aéreas sejam normalmente abertas. Maria Manuela Aguiar tem apoiado o Jornal Lusopresse, através suas brilhantes atuações, e a cada vez que participa nos eventos como convidada especial. Também agradecemos o facto de ter apreciado e referido aos seus amigos e lugares o nosso jornal fazendo-nos acreditar que devemos continuar com a nossa missão de enaltecimento à língua e á cultura portuguesas.   Na próxima edição contaremos resumidamente a história da família da Dra. Manuela Aguiar

ACADEMIAS DE BACALHAU

ACADEMIAS DO BACALHAU Em 1980, por gratificante "dever de ofício", como membro do Governo responsável pela emigração, iniciei um infindável roteiro de viagens ao mundo da nossa Diáspora, que até aí desconhecia na sua verdadeira dimensão, como era comum, e ainda hoje é, entre os portugueses que de deixaram ficar no território das fronteiras geográficas. Cheguei à África do Sul, em setembro desse ano, já com a experiência de contactos com coletividades portuguesas de três continentes, e, assim, facilmente, pude detetar, viver e sentir a absoluta singularidade das Academias de Bacalhau, enquanto novo modelo de reunir os portugueses para fazerem coisas grandes na campo dos valores do humanismo, da lusofonia, da entreajuda, em ambiente de tertúlia, a partir da festa, de ditames e rituais, que se diria (e bem...) inspirados nas tradições académicas, numa fraternidade de jovens de espírito, se não de idade...  Nos momentos divertidos em que levantava, baixava e bebia um copo de vinho no meu primeiro " gavião de penacho", pensava: "que ideia tão bem achada e tão bem conseguida!". Estava em Joanesburgo, na Academia-mãe, num almoço certamente mais formal do que habituais, mas onde (não obstante esse "senão"...), o espírito da festa se mantinha intacto. Entre tiradas de humor, graça "académica" e boa disposição geral, ao lado do mítico fundador Durval Marques, aprendi que nas Academias, já então pujantes em toda a África Austral, ninguém se ficava no "convívio pelo convívio". Eram todos militantes da intervenção solidária na sociedade! Aprendi que a ação se desenrolava, sempre, em dois tempos sucessivos: o do almoço de amigos, puramente lúdico, com as suas regras estritas de convivialidade, as proibições (como falar de religião, de política...), cuja infração frequente, garantia multas pesadas: o da gestão dessas bem voluntárias e eficazes "multas" em favor da comunidade. Com essas verbas lançaram,por exemplo, a primeira pedra do Lar de Terceira Idade de Joanesburgo, que talvez seja o melhor de todos os que existem na Diáspora , prestaram assistência aos refugiados de Moçambique e Angola, em 1974 e 1975, e prosseguem, hoje nos quatro cantos da terra, projetos adequados ao perfil de cada comunidade, ás suas aspirações culturais ou a apoio aos desfavorecidos.Esse primeiro "almoço de descoberta", logo me tornou uma incondicional admiradora de tão fabuloso paradigma de "ridendo" fazer o bem ! Ainda por cima, correspondendo a esse sentimento de genuína adesão a princípios e práticas das "Academias", fundadas na amizade, na alegria de conviver e na vontade de tornar o mundo melhor, vi-me aceite como membro honorário de tão distinto círculo! Não era, aliás, a primeira portuguesa a ser assim chamada ao convívio dos auto-designados "compadres". Na altura, os almoços e, com eles, a titularidade de associado,  eram, em regra, reservados aos "compadres", mas tudo o que se passava em horário pós-laboral, jantares, ceias, abrangiam as mulheres, as "comadres".  Era a evidência de que a "praxis"  se baseava num relacionamento preexistente - o do almoço, na pausa do trabalho, entre profissionais (todos homens, porque a metade feminina estava, de facto, ausente desse círculo) , o do jantar, naturalmente, para famílias inteiras. E, por que nunca foram uma espécie de "clube inglês" segregacionista,, quando as Academias chegaram a comunidades onde as mulheres partilhavam  com colegas homens o meio profissional, logo se abriram à sua plena participação e prontamente as vimos assumirem a presidência - o que nas instituições mais tradicionais foi um caminho longoDefensora, como sou, de uma associativismo misto, onde os géneros de completam como fator de progresso, compreendo a existência de organizações femininas - ou masculinas - quando moldam realidades  de cooperação, que de outro modo são prejudicadas, esperando sempre vê-las evoluir para um harmonioso encontro de todos. Até também neste aspeto, as Academias de Bacalhau nos deram uma lição de boas práticas, na rota dos bons princípios!

CIDADANIA LUSO BRASILEIRA

A comunidade luso-brasileira é uma realidade humana, histórica, sociológica, linguística, cultural, afetiva, que antecede em séculos a sua consagração na esfera do Direito interno e internacional. Mais do que a história desta comunidade, é a da sua supra estrutura jurídica, e dos processos de formação da vontade política que lhe deu a sua arquitetura atual, num e noutro país, que vamos, de uma forma necessariamente sumária, trazer hoje a debate.  A nível bilateral, as primeiras negociações tiveram lugar nas décadas 50 e 70 do século passado. A elas se seguiu, em 1988, uma iniciativa unilateral brasileira, que, em sede constitucional, consagrou a plena equiparação dos portugueses a nacionais, sob condição de reciprocidade para os brasileiros. Não se tratou de consagrar a dupla cidadania, mas de lhes conceder os direitos da nacionalidade brasileira, na qualidade de imigrantes portugueses. Um inciso à medida das aspirações de uma grande comunidade, a nossa, que nunca se considerou estrangeira no "país irmão". O poderoso movimento associativo, que é seu porta-voz, e muitas personalidades influentes na sociedade e na vida política do país, uniram-se para levar o estatuto de igualdade à sua última fronteira. Da pura utopia se passou a uma absoluta singularidade em matéria de Direito comparado. Em  Brasília, fora complexo o processo de feitura da Constituição, em especial no capítulo da nacionalidade - com uma única ressalva: a atribuição dos direitos de cidadania aos portugueses, votada sem discussão e por unanimidade! Esperava-se outro tanto da Assembleia da República em Lisboa. Contra as expetativas, a sua resposta não foi nem rápida nem fácil, num ambiente partidário de incompreensão e de desconfiança, de polémica e dissenso, que se arrastou por 13 longos anos e três processos revisionais, comprometendo gravemente a tradicional cordialidade nas relações entre os dois países.   Começaremos por uma breve referência aos processos de negociação a nível governamental, para abordar, depois, mais detalhadamente, a chamada "questão da reciprocidade", que se suscitou com a transposição do processo legislativo para o âmbito dos parlamentos. I-1-O TRATADO DE AMIZADE E CONSULTAO estatuto de cidadania luso-brasileira foi formalmente consagrado no "Tratado de Amizade e Consulta", em 1953 e abrangia o direito de livre circulação, de residência e de estabelecimento dos nacionais de um país no outro e a concessão dos direitos da nacionalidade, que não fossem incompatíveis com as respetivas Constituições. Não exigia a prévia residência no território, podendo ser invocado tanto durante uma estadia transitória (art. 4), como para o livre estabelecimento de domicílio no país (art. 5).  Um acordo bilateral pioneiro, em termos de Direito internacional, fundamentado na realidade de uma comunidade preexistente, que a Lei se limitava a subsumir e reconhecer na sua letra. Comunidade nascida do incessante movimento migratório, de que se fez a história partilhada, antes e depois da independência do Reino Unido. Ao longo dos séculos, e, sobretudo, a partir de oitocentos, emigrar era, praticamente, sinónimo de emigrar para a imensa colónia sul- americana. Desde as Ordenações Filipinas a legislação portuguesa tentou, com medidas proibitivas ou restritivas, em vão, travar as correntes migratórias  consideradas excessivas. Desse "excesso" se fez  percurso e convívio de gente comum, mais igualitário e fraterno do que o que é regra estabelecer entre a administração colonial e o povo. Assim o proclama, afinal, o Tratado, ao falar de "afinidades espirituais, morais, éticas e linguísticas", de que resulta "uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos".Este documento matricial foi assinado no Rio de Janeiro, a 16 de novembro de 1953, pelo Embaixador António de Faria, por Portugal, e pelo Ministro das Relações Exteriores Vicente Reo, pelo Brasil.   I - 2 - CONVENÇÃO DE IGUALDADE DE DIREITOS E DEVERES ENTRE PORTUGUESES E BRASILEIROS (1971) Em 1969, a emenda  nº 1 à Constituição brasileira veio explicitar os direitos civis e políticos dos portugueses a nível local, estadual e federal, incluindo o sufrágio nas eleições legislativas. Portugal deu idêntico tratamento aos brasileiros ao assinar a "Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros", em 1971, que, no art.1 estipula "Os Portugueses no Brasil e os Brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais", distinguindo dois estatutos - o "Estatuto geral de igualdade",  que tem de ser requerido à entidade competente e pressupõe apenas a capacidade civil e a residência permanente no território e o "Estatuto especial de igualdade de direitos políticos",  que exige a residência principal e permanente há mais de cinco anos e a prova de que o cidadão não se encontra privado de direitos políticos no país de origem.Em relação ao Tratado de 1953, registam-se  progressos no campo da intervenção política, designadamente, com a previsão dos direitos de voto inclusive, a nível federal, assim como do acesso à magistratura judicial. Todavia, a Convenção dirige-se, em primeira linha aos imigrantes, deixa de se aplicar à generalidade dos naturais dos dois países e não prevê a liberdade de circulação.É de salientar que, nesta data, cessara já a emigração em massa de portugueses para o Brasil, e era praticamente inexistente a de brasileiros em Portugal, pelo que a Convenção beneficiava, sobretudo, as nossas comunidades radicadas no país, satisfazendo, fundamentalmente, as suas reivindicações. Não lhes faltava prestígio e capacidade de se fazer ouvir - as razões determinantes de ter sido sempre o Brasil o principal obreiro dos processos negociais, a que Portugal quase se limitou a corresponder (paradoxalmente, melhor, então, durante a Ditadura do que, depois, em Democracia...)..Numa primeira comparação entre o conteúdo da cidadania luso- brasileira, resultante da Convenção de 1971, e o da "cidadania europeia": constatamos que, embora aquela não abranja o direito de livre circulação (aliás, concedido com fortes limitações dentro da EU…),  vai muito mais longe no campo dos direitos civis e políticos. Na verdade, não se vê como e quando a UE conseguirá ultrapassar o tabú em que está convertida a ideia da partilha de soberania, pela abertura à participação dos cidadãos europeus, não nacionais, na escolha democrática dos seus órgãos de soberania. Coisa encarada como tão natural no vasto espaço da lusofonia (de notar que, antes da independência das colónias portuguesas, os acordos celebrados neste domínio, englobavam, efetivamente, todo esse universo, só depois se limitando ao luso-brasileiro).  ...  II -A QUESTÃO DA RECIPROCIDADE II -1  A iniciativa dos Constituintes Brasileiros A Assembleia Constituinte da República Federal do Brasil, em 1988, tendo com Relator o Constituinte Bernardo Cabral, tomou a iniciativa de ampliar o estatuto de direitos dos portugueses, equiparando-o ao dos brasileiros por naturalização Nos termos do parágrafo 1º, do art.12: “Aos Portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos Brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros natos, salvo os casos previstos nesta Constituição”O parágrafo 3º enumera os cargos políticos exclusivos dos brasileiros natos -  o de Presidente da República, os que estão na sua linha de sucessão, a carreira diplomática e o posto de oficial das Forças Armadas.Aos portugueses são, assim, reconhecidos os direitos de voto em todas as eleições locais, estaduais e federais, a possibilidade de serem deputados, membros do governo, ou juízes dos tribunais superiores.No Brasil dessa época eram já muito significativos os exemplos de vivência concreta do estatuto de igualdade, caso de Ruth Escobar, hoje aqui homenageada, que, tendo tido sempre exclusivamente a nacionalidade de origem foi a primeira mulher eleita deputada à Assembleia do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas, para o acompanhamento da Convenção contra todas as formas de discriminação feminina.Entre nós, tantos anos após a entrada em vigor do mesmo Estatuto, ainda não conhecemos Brasileiros em cargos políticos de idêntico relevo, numa comunidade que vem crescendo desde a década de 90… II - 2 -  As Revisões Constitucionais de 1989 e de 1997Ao tempo em que foi conhecido o texto da Constituição brasileira, preparava-se em Lisboa a segunda revisão da Constituição de 1976. Todavia, nenhum dos projetos subscritos pelos partidos cuidava de introduzir no art.15 as alterações exigíveis para a entrada em vigor do novo Estatuto de Igualdade de Direitos políticos. Era o primeiro indício de incompreensão partidária da importância de aprofundar a cidadania luso-brasileira. Insensibilidade dos partidos, não dos deputados. Sintonizada com o sentir das comunidades portuguesas do Brasil, através de contactos frequentes ao longo de quase 20 anos, alertei para a situação a Comissão de Negócios Estrangeiros, onde, de imediato, por unanimidade se votou a seguinte recomendação de nova redação do nº 3 do art.15, dirigida à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC): “Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e sob condição de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à presidência de órgãos de soberania, e das Regiões Autónomas, as funções de Ministro de  Estado, o serviço das Forças Armadas e a carreira diplomática”.Na Comissão de Negócios Estrangeiros constatamos a espontânea reação de cada um dos deputados, em favor da reciprocidade. Pelo contrário, na CERC prevaleceram as posições de cada um dos partidos, cujos representantes ignoraram aquela recomendação. Quando os projetos de revisão subiram a plenário, foi pela mão de 57 deputados de todos os partidos, a título individual, que a emenda ao art.15 foi subscrita. Entre eles estavam os nomes de Adriano Moreira, Pedro Roseta, Natália Correia, Manuel Alegre, Jaime Gama, Luísa Amorim e até do líder parlamentar do PS (António Guterres) e de um Vice.presidente da bancada do PSD (Pacheco Pereira). A proposta não obteve a necessária maioria de 2/3, devido à abstenção ou ao voto contra de PSD, PS e PCP. A favor, o CDS, o PRD, independentes, como Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, e os deputados, que tiveram a coragem de divergir das suas bancadas parlamentares.O eco mediático desta falta de reciprocidade portuguesa teve  naturalmente, forte impacto negativo do outro lado do Atlântico.A revisão constitucional de 1996/97 foi antecedida por um acordo extra- parlamentar dos dois maiores partidos, em que nada se dizia sobre a dação de reciprocidade no art. 15. Sabia-se que todos os partidos parlamentares eram já favoráveis à reciprocidade salvo o PS, por inultrapassável oposição do influente Presidente da Assembleia  da República Almeida Santos, advogado de profissão, que rejeitava tanto o acesso à magistratura judicial (já aberto na Convenção de 1971) como a intervenção política prevista na Constituição de 1988.Apresentamos, novamente, uma proposta de reformulação do art.15, assinada por cerca de 50 deputados de todas as bancadas, incluindo alguns notáveissocialistas. O PS inviabilizou a sua aprovação. A argumentação aduzida, durante os anos de denegação da reciprocidade, quase se limitava a agitar o medo de "invasão" de um pequeno território habitado por 10 milhões, por quase 200 milhões de brasileiros e a mais alguns milhões de africanos e timorenses,(que involuntariamente entravam na crónica do desentendimento luso-brasileiro, só porque todas as propostas sufragadas sobre o art.15 os abrangiam, também, "sob condição de reciprocidade", que, aliás, nenhum deles, até hoje, se mostrou minimamente interessado em conceder). Todavia, o que estave em causa não era a possibilidade de livre circulação, mas apenas o alargamento do estatuto de direitos políticos, só ao alcance de imigrantes legais com mais de cinco anos de residência!...E assim se criou e se manteve um clima de tensão no relacionamento luso-brasileiro, que foi particularmente visível durante a visita de estado do Presidente Jorge Sampaio ao Brasil, nesse ano de 1997 – não obstante ele ter manifestado o maior apoio à causa da cidadania luso.brasileira.Na sequência das declarações do Presidente, o PSD, através de três dos seus deputados, tentou ainda promover a revisão extraordinária da Constituição, viável por maioria de 4/5, não tendo podido reunir o indispensável consenso. Nem mesmo no ano 2000, por ocasião das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, tal desiderato foi alcançado. Os governos não foramalém da assinatura de uma mera compilação dos tratados bilaterais em vigor, com uma melhoria de reduzido significado no estatuto de direitos políticos -  o encurtamento do prazo para o requerer de cinco para três anos II-3 - A Revisão Constitucional de 2001Em 2001, a fim de permitir a adesão  Portugal ao Tribunal Penal Internacional, foi convocada, de urgência, uma revisão extraordinária da Constituição, À partida, para decidir apenas esse ponto, mas tendo alguns partidos aproveitado para acrescentar mais um ou outro, a título excecional,, também eu no grupo parlamentar do PSD coloquei como inadiável a alteração do art.15. Nem todos pareciam muito recetivos, até que Durão Barroso, o presidente do partido, surgiu em seu favor. Pela primeira vez, a respetiva proposta seria feita por um partido politico, não por um grupo de parlamentares, a título pessoal, Pela primeira vez, também, a CERC ouviu, em audiência pública, entre outras personalidades. um incondicional defensor da imediata dação de reciprocidade: o Dr Mário Soares. A intervenção clara, concisa e veemente do fundador do PS conseguiu em poucos minutos o que tardara em anos de combate: levar o representante da bancada socialista a dar ali, sem mais hesitações, um "sim" definitivo. Quando a proposta foi debatida e votada no hemiciclo, já o consenso de todas as bancadas, e de todos os deputados, era um dado adquirido.Houve, é certo, ainda ocasião para uma última e pontual divergência, mas de natureza puramente simbólica: a inclusão ou não de uma expressa referência ao Brasil  no corpo do artigo, atendendo a que a Constituição brasileira também menciona Portugal e os portugueses. Mas a tarefa fundamental estava concluída, nessa tarde de 4 de outubro, em ambiente de concórdia e de festa, à volta destes dizeres do nº 3 do art 15:" Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, com residência permanente em Portugal, são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro ministro, Presidentes dos tribunais supremos e ao serviço das Forças Armadas e no serviço militar."-Na verdade, o grande debate ocorrera, como vimos, meses antes, em julho de 2001, fora do hemiciclo, E as palavras que mais merecem ser lembradas são as de um tribuno, que ao tempo, já não era parlamentar: Mário Soares, que disse, cito:"Este é um ato político de grande visão em relação ao futuro, que devem considerar como um passo mais naquilo que é o nosso universalismo, que é o reforço de Portugal no mundo, quer em relação aos brasileiros, quer em relação aos africanos, quer em relação, futuramente, aos timorenses"