Recordar tempos idos... Falar do presente, também. E até, de quando em vez, arriscar vatícínios. Em vários domínios e não só no da política...
segunda-feira, 21 de julho de 2025
DIOGO J, O RAPAZ DE PORTUGAL
DIOGO J, O RAPAZ DE PORTUGAL
Uma história exemplar de imigração
1 – Os dias passam e ainda tenho dificuldade em acreditar no horror do desaparecimento de Diogo J. e de seu irmão André. Como toda a gente, eu queria muito que não fosse verdade! E, talvez não como toda a gente, não o "descobri" ontem, sempre tive por ele uma especial predileção, porque era meu conterrâneo de São Cosme de Gondomar e porque via nele o ideal tipo de grande jogador e de anti-vedeta no mundo do futebol.
Há dois antigos jogadores do FCP por quem, desde o início do seu percurso, tive um verdadeiro “culto”, considerando-os um modelo a seguir pelos mais jovens: Rúben Neves e Diogo J. Soube só agora, nestas horas de tristeza, que eram os melhores amigos. Se não sabia, também não fiquei surpreendida. Fui acompanhando as suas carreiras com uma idêntica admiração por qualidades que partilham - o desportivismo, a simplicidade, a inteligência, no jogo e nas escolhas profissionais. Inteligência e coragem! Recordo a estreia europeia de Rúben, na "Champions", com a camisola azul e branca (aos 17 anos!), impondo o ritmo de jogo à equipa, com uma autoridade natural. A mesma com que Diogo J, de bola nos pés, corria vertiginosamente pela ala esquerda para marcar os celebrados golos, cujo relato empolgante nos é dado pela letra da canção que lhe dedicam em Liverpool.
Eram, evidentemente, até pelas posições que ocupavam na equipa, jogadores muito diferentes. E também o foram os percursos que se cruzaram nos anos de ouro do Wolverhampton.
Rúben é da formação de do FCP. Conheço um treinador das camadas jovens que um dia, em conversa, me disse que, aos 10 anos, já mostrava talento, visão de jogo e capacidade de assumir decisões. Segundo esse meu amigo, está tal qual era, mais a idade e a experiência. De Diogo não tenho informação privilegiada sobre a progressão nas escolas do Gondomar, mas apostaria que os seus primeiros treinadores lhe fazem elogios da mesma natureza. Foi mais difícil a sua caminhada– o ter sido franzino na infância barrou-lhe o acesso às academias dos clubes maiores, e, por isso, atingiu a meta da profissionalização nos mais modestos, subindo, gradualmente, até ao topo.
De qualquer modo, aproximava-os a sua forma de estar no futebol, o "fair-play", a ambição de vencer, dando o seu melhor, (cada vez mais e melhor) em campo, e fora dele, vivendo despretensiosamente, sem os excessos de exibicionismo mediático correntes entre os seus pares, aqueles que atingiram o mesmo patamar de excelência.
Devo confessar a minha preferência por este perfil de genuinidade, em que se juntam a alta classe e o recato. Voluntariamente “low-profile”… É certo que abro exceções, por exemplo, para um Mourinho ou um Quaresma (até cachecóis de Quaresma usava nos estádios…). Regra geral, porém, os meus “heróis”, são rapazes como Rúben e Diogo, ou, pensando em figuras do passado, como o “bibota de ouro” Fernando Gomes ou o Deco. (Deco, o mais genial executante que vi jogar em toda a minha vida de adepta da modalidade).
Nenhum deles precisou de egocentrismo doentio e autopropaganda para serem bem-amados e reconhecidos. Deco e Diogo J fizeram jus à suprema homenagem que os fãs de um clube podem prestar aos seus ídolos no calor da competição – um cântico com letra exultante e encomiástica, entoado em coro, mil vezes repetido. Nas Antas e no Dragão, quem não se lembra de ouvir, nos primórdios do século, cantar: “É o nº10 / Finta com os dois pés/Melhor que o Pelé/ É o Deco, olé, olé!”? E, mais recentemente, em Anfield, há um hino que fica para sempre: “Oh, é o nº 20/ Vai levar-nos à vitória/Quando corre pela ala esquerda/ Corta para dentro e marca pelo LFC/ Ele é um rapaz de Portugal/ Melhor do que o Figo/ Você sabe/ oh, é o Diogo!” (tradução minha).
2 – No Reino Unido, em Portugal e universalmente a comoção que acompanhou a perda de Diogo J foi imensa. Na verdade, talvez até mais lá fora do que cá. Na Inglaterra, não houve jornal (dos mais elitistas aos mais populares) que não lhe desse honras de primeira página, como “uma grande estrela do Liverpool”. Do povo à Casa Real e ao Primeiro-Ministro, do mundo da política aos do desporto (e não apenas do futebol), da cultura, da música, a reação foi igualmente emotiva, lembrando o craque, o homem, o irmão, a família. “Estou devastado” foi a expressão que mais se ouviu naqueles dias...
No princípio desta semana, na partida particular entre o Liverpool e o Preston, o resultado pouco interessou, cada minuto do "match", cada lance, cada golo foi um pretexto para lembrar Diogo. Nas bancadas, cantavam, incessantemente, “É o nº 20", enquanto agitavam cachecóis com o seu nome e bandeiras de Portugal! É eterno nº 20! Tal como já se anunciava e como os adeptos exigiam, o Liverpool oficializou a decisão: ninguém mais usará a sua camisola nº 20. E, assim, neste gesto sublime um dos maiores clubes do mundo proclama que Diogo, "o rapaz de Portugal", "o rapaz de Gondomar", deixa um vazio infinito, não terá sucessor em campo, estará sempre presente na memória coletiva e na história da instituição, como um verdadeiro símbolo de alegria de viver o jogo, da correção (em toda a carreira teve uma única expulsão, por acumulação de amarelos, que, por sinal, a crítica considerou injusta) e do talento.
Connosco fica aquele sorriso luminoso, de um homem que foi feliz. Nesse aspeto o comparo a Ronaldinho Gaúcho, outro rapaz carismático, que visivelmente jogava por puro prazer e com imensa classe!
Por tudo isto, há um adjetivo, abundantemente colado a Diogo J, por comentadores e jornalistas, que por ser ambíguo, me parece de evitar: "humilde". Pretendem, certamente, aplicar-lhe o termo no sentido positivo, de sinónimo de "discreto", "natural”, “despretensioso”, qualidades que tinha de sobra. Esquecem, contudo, outros significados da palavra que são completamente desajustados a este notável do Liverpool - como "submisso", “deferente” para com os que consideram superiores: pessoa de baixo estatuto social ou económico, falho de recursos.
Ora eu via Diogo J como uma personalidade confiante, determinada, afirmativa, vitoriosa, em campo e fora de campo - o oposto de "humilde" no sentido corrente de submissão aos poderosos, timorato, ou carente de recursos, qualquer que fosse a vertente considerada… Por exemplo, a sua vertente de exímio campeão e de empresário de "e sports", com uma equipa de sucesso em futebol virtual, (a Luna FCP, que acaba de se sagrar campeã nacional no masculino e no feminino). Ou a de tranquilo homem de família, casado com uma bonita namorada de infância, não como tantos jovens colegas ("deslumbrados" pela fama), com uma espampanante modelo de "passerelles" ou uma espécie de "garota de calendário" a exibir permanentemente os dotes físicos. Sem conhecer a sua família de origem, eu arriscaria dizer que houve muito bom entendimento e carinho na relação filial e que ele e o irmão souberam seguir os passos dos pais.
3- Falando das suas diferentes facetas, há uma que quem trabalha no terreno das migrações, como eu, deve salientar: a de Diogo J enquanto imigrante. Que esplêndido exemplo nos deixa, na forma perfeita como se integrou numa sociedade tão diferente, seguindo a velha máxima "Em Roma, sê romano". Esse tipo de integração não se alcança com a "humildade" sinónimo de submissão (complexo de inferioridade…), mas com verdadeira inteligência e sensibilidade. Soube ser o português que levava com ele a vivência da pátria e coaduna-la, harmoniosamente, com as particularidades da vida local. E, assim, foi aceite como igual. "One of us" (um de nós)!
O seu grande amigo Andrew Robertson, defesa do LFC e capitão da seleção escocesa, chamava-lhe, por graça, Diogo "Mc Jota", por o considerar o mais britânico dos estrangeiros! De facto, o nosso "Mc Jota" era, dentro do “team”, um bom companheiro, gostava espontaneamente das mesmas coisas, frequentava as corridas de cavalos, jogava dardo nos "pubs". Tal qual um inglês.
Pode parecer coisa de somenos, mas não é.… assim se fazem amigos, sobretudo quando se é tão simpático e tão pouco dado a vangloriar-se (a sobriedade é qualidade muito cultivada naquele país...).
"The lad from Portugal", cosmopolita e sociável e talentoso, rapidamente conquistou tudo: um lugar na equipa recheada de celebridades, o enorme apreço do treinador, a estima geral dos colegas, o coração da gente de Liverpool, a fama no universo do futebol.
Diz-se que ninguém é profeta na sua terra. Diogo foi profeta na sua cidade de Gondomar, que desportivamente pôs no “mapa mundi” (e eu nascida lá, agradeço!), mas não foi profeta na sua terra, Portugal... Nunca teve na seleção a proeminência que merecia, nem a opinião pública se apercebeu do prestígio que granjeara lá fora e repartia com a Pátria… O rapaz de Portugal deu ao País muito mais do que recebeu. É o destino tradicional dos nossos melhores emigrantes.
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