quinta-feira, 3 de agosto de 2023

2023 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EMIGRAÇÃO FEMININA RESUMO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo, no domínio da emigração, vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 elas vêm reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se, neste quadro jurídico e fáctico, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade", em 2007, às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução nº 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I –AS POLÍTICAS PROIBITIVAS OU LIMITATIVAS DE MIGRAÇÕES FEMININAS Ao longo de mais de cinco séculos, desde o início da Expansão marítima e da colonização de possessões a Oriente e a Ocidente, até à revolução de 25 de abril de 1974, as migrações foram sempre objeto de políticas públicas, que tenham por fim controlar os fluxos de saída, facilitando ou restringindo, pela avaliação conjuntural, o êxodo masculino e proibindo, genericamente, com algumas, poucas, exceções a emigração feminina (caso paradigmático das Órfãs d’el Rei, jovens recolhidas em orfanatos, que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante dote, em regra, terras de cultivo ou empregos públicos...). O direito à liberdade de circulação, à reunificação familiar, à prossecução de projetos individuais, em todas as componentes em que o novo “Direito dos Expatriados”, no plano nacional e internacional, é um conceito de hoje, de valores democráticos e humanistas nossos contemporâneos. É um ramo do Direito Internacional, que assume caráter de exceção, ao colocar no centro os interesses do indivíduo, do cidadão, dando-lhe prevalência sobre o interesse do Estado. Ao longo de séculos, foi em nome dos interesses do Estado que as mulheres portuguesas foram confinadas no território, condenadas à solidão pela partida para muito longe de maridos, filhos, por largo tempo, ou para sempre. Política diametralmente oposta foi seguida na vizinha Castela, que privilegiava a emigração de casais para as colónias da América do Sul, obrigando os homens casados a levarem consigo as mulheres ou a regressarem para fazerem vida conjugal. (C R Boxer, 1977:34). A opção da Coroa Portuguesa eivada de uma intrínseca misoginia teve, como contrapartida, o incentivo à uma colonização sistematicamente baseada na miscigenação. Todavia, se a proibição régia foi quase plenamente respeitada no êxodo para Oriente, dadas as dificuldades, os perigos e os custos da viagem na carreira das Índias, já o não foi para o Brasil, onde as migrações clandestinas de homens e, crescentemente, também de mulheres se revelaram uma constante. No início do século XX, a grande diminuição do custo de transportes, com os novos “vapores” (a máquina a vapor) é o fator determinantes de uma maior igualdade de sexos nas saídas do reino. Regista-se um aumento de mais de cerca de 130% da partida de mulheres e de crianças, que causa alarme entre os decisores políticos, como no mundo académico. Afonso Costa, em ambas esses vestes, proclama a emigração feminina como “uma depreciação do projeto migratório”. (Costa, 1913:182). Era, sobretudo, o risco da cessação de remessas e de “desnacionalização", a que se refere outro dos maiores nomes da ciência, neste domínio, o Prof Emygdio da Silva (Silva, 1917:132). Eivados da tradicional misoginia, a argumentação não deixa de ser o claro reconhecimento da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma bem-sucedida integração e de não retorno. O que o futuro confirmou. O que não adivinharam foi outro tipo de ganho, que pode ser o maior e o mais duradouro: em vez da receada “desnacionalização” o surgimento criação de comunidades, portuguesas de língua cultura e pelo afeto, que são indissociáveis de uma forte componente feminina. Haveria também alguma razoável preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, mas não havia a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e neste como noutros terrenos, direitos absolutamente iguais. II – AS POLÍTICAS DE DESCASO 1 - Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, abrem-se as fronteiras e a plena liberdade de emigrar e regressar ao país é formalmente consagrada na Constituição de 1976. Em tempo de assertiva afirmação de princípios pelo legislador o reverso da medalha foi a sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se os normativos vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em realidade vivida. Perante novas leis igualitárias, registamos uma diluição da problemática feminina no campo da emigração, que continuou padronizado no masculino, permitindo a opacidade do que dizia respeito às mulheres migrantes, como se fossem particularidades sem grande relevância. Apesar do art.º 9º da Constituição, a partir da revisão de 1987, reforçado pelo art.º 109, impor ao Estado a tarefa de promover da igualdade entre os sexos no que respeita á participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional, as mulheres das comunidades do estrangeiro ficaram por largos anos esquecidas. A Comissão para a Igualdade, criada como instrumento operacional de políticas públicas neste domínio, centrava a sua ação no território. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras – e, ainda por cima, na conjuntura da segunda década de setenta, em que se acentuava a “feminização” da emigração, devido à crise económica, que apenas tolerava movimentos migratórios para fins de reunificação familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, ultrapassando barreiras que o estatuto de reagrupamento lhes impunha, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, embora não, em geral, no mesmo tipo de empregos. A possibilidade de profissionalização, maciçamente aproveitada, converteu-se numa autêntica via de emancipação das migrantes portuguesas, dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e um um novo protagonismo dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica, como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995:51). A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência, quando se perspetiva a sua vida como realidade complexa e dinâmica - e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008: 1257)) Em França, em Paris, onde a investigação de Engrácia Leandro se centrou, o sucesso da geração de 60 e 70 (a do "salto" para a Europa...) não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998: 22). As mulheres emigrantes desta emigração rural ou operária alcançaram níveis imprevisíveis de autonomia e bem-estar, que não se deveu às políticas do país de origem, nem tampouco ao diretamente movimento associativo, ao qual terão dado muito mais do que receberam. Na verdade, apesar do contributo que deram à reconversão de clubes/tertúlias masculinas, em círculo de convívio para famílias inteiras, com uma componente cultural, viram-se sempre relegadas para papel secundário nesse espaço português regido pela misoginia tradicional. Ou seja, foram, geralmente, sempre mais discriminadas no meio português do que na sociedade de acolhimento. III AS POLÍTICAS PARA A IGUALDADE A partir das décadas de 70/80, neste contexto não só europeu, mas verdadeiramente universal, era expectável e pertinente que as primeiras intervenções do Estado se focassem no mundo associativo, enquanto sustentáculo da extraterritorialidade da presença portuguesa e terreno das transformações visadas nas políticas públicas para a igualdade, e enquanto parceiro de mobilização para esse objetivo. Conferências, sessões de informação, debates, instrumentos privilegiados na luta feminista ao longo do século passado. revelavam-se atuais e foi através deles, numa estreita cooperação com ONG’s voltadas para a problemática das mulheres e das migrações, que se veio a cumprir, já no século XXI, parte substancial do programa de Governo, nesta matéria. (Aguiar, 2009, 41). Poderemos, todavia, antedatar o início das políticas para a igualdade a junho de 1985, com o 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, uma realização que teve o patrocínio da UNESCO. A ideia surgira na Reunião Regional da América do Norte do CCP e originara uma recomendação, a que a SEE deu imediata sequência. As primeiras eleições para o Conselho, criado pelo DL nº 372/80 de 12 de setembro, efetuaram-se, em colégio eleitoral associativo, no início de 1981. Os eleitos eram todos homens. O Órgão, com que o Executivo pretendia dar voz aos portugueses da Diáspora, numa assembleia magna, para governar em diálogo, rompendo com séculos de políticas paternalistas, revelava-se o espelho do patriarcalismo reinante no relacionamento de género, nas comunidades portuguesas. O grau zero de representação feminina no CCP, tanto na área do associativismo, como na do jornalismo, levantava o problema de democraticidade da nova instituição – problema insolúvel, porque era ainda impensável, em Portugal, a imposição de um sistema de quotas. No segundo ato eleitoral, em 1983, as duas primeiras Conselheiras do CCP ganharam o seu lugar no setor do jornalismo. E foi uma delas, Maria Alice Ribeiro, representante de Toronto, a autora da recomendação para a convocatória de um encontro mundial de mulheres da Diáspora. Com esse congresso, o mais improvável dos países, pelo registo misógino de políticas multiseculares, e uma instituição de rosto masculino, fizeram história, em termos europeus e mundiais, com a primeira iniciativa para o empoderamento de mulheres emigrantes, antecipando em dez anos as decisões da Conferência de Pequim, como afirma Maria do Céu Cunha Rego. O Encontro Mundial de Viana foi um congresso histórico, uma espécie do Conselho das Comunidades no feminino, em que pelo nível das intervenções e pelo aprofundamento das questões da emigração feminina e, globalmente, das migrações, as mulheres demonstraram quanto a sua ausência pesava negativamente no CCP. Entre as principais conclusões das participantes do Encontro de Viana estava o projeto de criação de uma associação mundial de mulheres da Diáspora, que não chegaria a concretizar-se. Por seu lado, a SEE, face à continuada sub-representação feminina no CCP, instituiu, em 1987, uma “Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro", a funcionar, anualmente, na órbita do Conselho. A queda do X Governo e a tomada de posse do novo Executivo significou uma rutura política neste domínio, inviabilizando não só a convocação das Conferências e a prossecução de políticas públicas para a Igualdade como, também, o funcionamento regular do CCP, que acabaria por ser extinto em 1990. O Conselho renasceu, em 1996, em novos moldes, eleito por sufrágio direto e universal, sem significativa alteração dos índices de participação feminina, que ainda hoje, apesar da aplicação do sistema de quotas, se mantêm muito abaixo das metas da Lei da Paridade. Nada de relevante se assinala, ao longo de duas décadas, no que respeita à promoção pelo Estado da participação cívica e política das emigrantes. Só em 2005, por proposta dirigida à SECP pela “Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, que se considera herdeira do projeto de ação sufragado no Encontro de Viana, são assumidos, de forma sistemática e consistente, os deveres constitucionais do Estado neste campo. O 1º Encontro para a Cidadania foi coorganizado pela Embaixada de Portugal e pela AMM da Argentina na Biblioteca Nacional (sala Jorge Luís Borges) e aí, na sessão inaugural, o SECP António Braga manifestou vontade de romper uma longa inércia, falando do “desígnio ”de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e admitindo que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". Era, de facto, um "retomar" a questão de género, que havia tido, apenas, um momento breve de afirmação, na meia década de 80, em que realçaram, como António Braga fazia 20 anos depois: […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". Os Encontros Regionais seguintes foram realizados em Estocolmo (2006), em colaboração com o PIKO (Federação de Mulheres Lusófonas), em Toronto (2007), organização conjunta da Cônsul-Geral Maria Amélia Paiva e de Várias ONG’s locais, em Joanesburgo (2008), em parceria com a Liga da Mulher, e em Berkeley (2008), com a participação do Departamento de estudos Europeus da U Berkeley. O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, ou pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. Este último, na "Conferência para a Igualdade", em Toronto, fez uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração, salientado que "{…]as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas, ao não excecionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo, certamente, buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro", com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas da igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia... Lacão foi ao cerne da questão, ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades - ideia chave para a "paridade" - como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009:11). Ficou bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres, para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. A via do “congressismo” fora claramente adotada "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...]. (Braga, 2009:132) e seria não só continuada, como impulsionada a novos patamares por um governo de outro partido. Ao PS sucedia, em 2011, o PSD, mas contrariando a tentação de rutura, que é tradição entre nós, O Secretário de Estado José Cesário não só a continuou, como deu um decisivo impulso à implementação de políticas de emigração, com a componente de género

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