segunda-feira, 1 de julho de 2024

FUTEBOL MASCULINO, FUTEBOL FEMININO

FUTEBOL MASCULINO, FUTEBOL FEMININO Os "Apaixonados" e as "Navegadoras" O futebol anima este início de verão, com o Euro 2024, porque Portugal promete. "First we take Leipzig, then we take Berlin". Veremos se cumpre, chegando a Berlim, numa transposição (puramente desportiva) da música de Cohen, ao ritmo imposto aos "apaixonados" pelo génio de Vitinha. "Apaixonados"?... Que ideia, a de Martinez, de chamar isso aos rapazes! No ano do 5º centenário de Camões, é incrível não se lembrarem do óbvio cognome de "Lusíadas". Em tempo de ínfimas comemorações nacionais, seria bonito darem ao Poeta, depois de um aeroporto de incerto futuro, uma real e talentosa equipa de futebol masculino. Há que especificar o género, desde que deixou de ser um desporto "intrinsecamente masculino". De facto, até na nossa tão misógina sociedade, mulheres e homens acompanham os jogos com idêntica "paixão". A igualdade está, mais ou menos, conseguida nas bancadas dos estádios e nas "fun zones", não ainda dentro do retângulo, apesar dos maiores clubes já terem equipas femininas competitivas, base de uma seleção que, no último Mundial, deu um ar da sua graça. A exceção é o FC Porto, que, neste aspeto, permanece abaixo dos clubes da Arábia Saudita e do Qatar, embora já com o seu debute anunciado (promessa eleitoral comum às duas listas principais). Longa se adivinha a caminhada, visto que milagre semelhante ao do campeoníssimo voleibol feminino portista não parece estar no horizonte da década! Portugal não é, porém, nem histórica, nem atualmente, um caso isolado de discriminação de sexo no desporto-rei. Sabiam que chegou a ser não só proibida, mas também criminalizada, a sua prática pelas mulheres, por exemplo, no Brasil ou na França, em pleno século XX? Por ditaduras, dir-se-à - Getúlio Vargas, governo colaboracionista de Vichy, (no início de quarenta). Engano! Até na democrática Grã-Bretanha, onde há notícias de "football" ensaiado por mulheres desde o século XVIII, isso lhes foi interdito, durante quase meio século (de 1921 a 1967). Em França o banimento foi levantado em 1970, no Brasil só tiveram licença para competir em 1983. Um argumento pretensamente científico sustentava o proibicionismo de legisladores, governos ou federações: tratava-se de um jogo violento, inadequado à natureza, à estrutura física da mulher, prejudicando a sua saúde e fertilidade. (o futebol a prejudicar a reprodução da espécie - que ameaça!). A viragem dá-se na década de 80, não por "mea culpa" dos cientistas, mas, suponho, pela evidência da prática de outras modalidades desportivas que se iam abrindo a mulheres. O 1º Campeonato da Europa de Futebol Feminino é realizado em 1984, o 1ª Campeonato do Mundo em 1991 (após "ensaio geral" da FIFA num torneio internacional disputado na China, em 1988, com bastante sucesso popular). No masculino, a FIFA tentara, sem êxito, lançar o Mundial quase noventa anos antes, em 1904. Optou, em 1908, pelo facilitismo de considerar a competição olímpica um Mundial de Futebol (amador). Jules Rimet afasta-se desse rumo, e, em 1930 consegue organizar o 1º Campeonato Mundial, no Uruguai. Escolha natural, porque era a equipa campeã olímpica de 2024 e 2028. E, por sinal, venceu, também, essa primeira edição. O futebol europeu estava em segundo plano... A UEFA foi criada em 1954 e realizou o seu 1º torneio, em 1960, com o título de "Campeonato das Nações Europeias" e uma vitória da URSS. A designação atual foi adotada em 1966/68. Há, assim, no século XX, uma diferença de quase nove décadas entre o início da competição masculina (nas Olimpíadas "apropriadas" pela FIFA) e da feminina. Na Europa, em menos de meio século, o atraso cifra-se em nada menos do que 24 anos.... O Caso Português Estranhamente, Salazar, ao contrário dos seus “compagnons de route”, nomeadamente franceses e brasileiros, não terá sancionado, nas leis penais, a prática do "foot" feminino. Procurei traços de legiferação, neste capítulo, e não encontrei - admito que posso ter falhado a pesquisa. Não é, de todo, caso para dar mérito ao ditador, antes para reconhecer o demérito de uma sociedade arcaica, onde nem sequer havia potenciais jogadoras - ou infratoras. O ditador não podia saber do meu mau exemplo de menina que jogava futebol de rua, no meio dos meninos, e organizava torneios femininos clandestinos no Colégio do Sardão. Tudo isto, em fins da década de 40 e inícios de 50, na esteira de Nettie Honeyball, a feminista contemporânea de minhas avós, que fundou o pioneiro "Ladies Fottball Club". (Ao contrário da "british" Nettie, não fui mais do que uma exceção absolutamente irrelevante, mas diverti-me imenso e fartei-me de marcar golos). No calendário oficial, em termos europeus, Portugal começou bem, com a organização da Taça Nacional de Futebol Feminino, em 1985, mas com Silva Resende no comando federativo cai num impasse. Em 1993, por iniciativa de Carlos Queiroz, a FPF recomeçou do zero, convidando para o cargo de selecionador nacional um grande senhor do futebol, António Simões, vindo dos EUA, onde o "soccer" feminino estava no topo do "ranking" mundial. Nas suas próprias palavras: "confrontei-me com uma sociedade muito conservadora, que não queria que as mulheres jogassem: o futebol era só para homens [...] hoje sou um homem feliz, porque se ultrapassaram uma série de preconceitos. Levou 30 anos. Não interessa". Simões orgulha-se, justamente, do seu pioneirismo! A partir de 2012, com a visão do Presidente Fernando Gomes, assiste-se a um salto qualitativo, e logo em 2017, elas têm presença honrosa no Europeu, com uma vitória sobre a Escócia, em 2022, alcançam uma primeira qualificação para o mundial, onde se bateram, de igual para igual, contra potências como os Países-Baixos e os EUA (com um empate, depois de vencerem, sem dificuldade, o Vietnam). Comparativamente, a trajetória ascendente do outro sexo, nos mundiais, foi mais vagarosa - trinta e tal anos para alcançar a primeira qualificação, em 1966. Uma estreia com um sensacional 3º lugar (havia Eusébio, havia o referido Simões)! De seguida, falhamos a qualificação, em 1970 e 1982. Voltamos em 1986 e não passamos da fase de grupos. Novas ausências entre 1990 a 1998. A partir de 2002, sim, marcamos presença ininterrupta, ainda que a melhor classificação seja o 4º lugar de 2006. No Euro, também nos quedamos fora da grande competição por mais de duas décadas e só em 2002 entramos no círculo dos "grandes". Sem mais ausências, sagramo-nos vice-campeões em 2004 e campeões em 2016. A pior classificação do século foi a de 2020 - caímos nos oitavos de final, pelo que está na hora de nos redimirmos... 3 – Progressos e Preconceitos (de Sexo e de Idade) Sendo este o panorama global do futebol português, a palavra “progresso” parece, ajustada a ambos os sexos, ainda que as "Navegadoras" tenham pela frente um longo combate contra discriminações e mal disfarçada oposição de muitos, sobretudo no mundo do futebol, o "futebol empresa", a imperar sobre o "futebol desporto". Melhores aliados se revelam as instâncias internacionais, FIFA e UEFA, e, sobretudo, o público, que vai aderindo à espetacularidade de um jogo mais aberto e espontâneo, ainda mais desporto do que negócio. Em matéria de preconceitos, os homens, na prática, só têm de se confrontar com o “idadismo”, (do qual elas também não estão isentas.). A velhice, neste universo, chega aos trinta e tal anos, a partir dos quais a longevidade, em alta competição, é coisa rara. Portugal tem neste Euro duas fantásticas "raridades", Pepe e Ronaldo. Não se limitam a estar lá, em igualdade de mérito e competência e a serem os mais velhos em competição. Enchem os estádios com a sua magia! Tal como Modric da Croácia. (que pena, a seleção não ter passado a fase de grupos no seu derradeiro Euro!). RONALDO é, por si só, uma bandeira do desporto e do País. Arrasta multidões, de dentro para fora e de fora para dentro do campo. Em Dortmund, até um menino turco invadiu o campo para uma “selfie” com o seu herói e não faltavam adeptos turcos, envergando a camisola das quinas, nº 7, a confundirem-se com os portugueses. PEPE, a caminho dos 42 anos, bate um recorde "impossível", a jogar como sempre, ou como nunca. Por várias vezes, na 2ª parte, se viu o público a aplaudir os seus cortes cirúrgicos de bola, como se fossem golos. E ainda teve fôlego, para ir à frente, tentar a sorte. Terminar a carreira? Não, por favor! No Botafogo, no Al Nassr, onde quer que seja, eu quero continuar torcendo por Pepe! Que o FC Porto estava fora desta corrida, depois do “imbróglio Conceição” (Conceição pai), era, infelizmente, constatação óbvia. A confirmação do novo líder (ou líder novo), foi supérflua, extemporânea e, em início de Europeu, podia ter sido nociva. Não foi, talvez tenha mesmo constituído um motivo extra, para Pepe se transcender. No desporto, assim se responde, quando a classe abunda e conta mais do que a idade! Maria Manuela Aguiar