domingo, 8 de setembro de 2024

O MEMORÁVEL AGOSTO DE KAMALA (Harris) e KÉPLER (Pepe) 1 - Para a maioria dos portugueses, agosto é o mês sonhado ao longo do ano inteiro, mês de libertação de penosas rotinas. Não para mim! Oferecia-me como "voluntária" de serviço, a substituir os colegas, quando não os chefes. Durante os anos em que estive ligada à emigração, o meu agosto era agradavelmente passado em colóquios, sessões de esclarecimento (então muito em voga!), convívios, e festivais de emigrantes. Um ano houve, em que fiquei à frente dos destinos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e me coube decidir a reação ao reconhecimento oficial, pela Austrália, da anexação de Timor-Leste pelo invasor indonésio. Talvez o Ministro não tivesse ido tão longe, mas eu não hesitei em protestar, recorrendo à medida extrema de retirar, temporariamente, o nosso Embaixador de Camberra, chamando-o a Lisboa (nunca simpatizei com potências invasoras…) Apesar de, em regra, poucos eventos relevantes acontecerem no oitavo mês do calendário, há bastantes exceções, boas e más, como se viu neste 2024. Deixando as piores, para outras crónicas, direi que não nos faltaram grandiosos espetáculos e emoções fortes, no desporto e na política (na política internacional – por cá, apenas o habitual, a “rentrée” dos partidos, tudo sob controlo, com a extrema direita a deitar foguetes), Desportivamente, mal esmoreciam os ecos do “Europeu” de futebol, começavam os jogos olímpicos de Paris, onde, (“hélas”!), sofremos as desilusões habituais, com o ciclismo a salvar a face Pátria (há sempre alguém que resiste à mediocridade!). Nos domínios da política, assistimos à estrondosa demissão de Biden, à Convenção do Partido Democrático e à meteórica ascensão de Kamala Harris. 2 – O “fenómeno Kamala” entrou na história da América, na história do feminismo (universal), e vai entrar, também, nos manuais de ciência política. O acaso catapultou para o centro do palco, uma Vice-presidente que fora deixada na sombra, a cumprir tudo o que era tarefa menor ou de mau prognóstico (sina muito comum a vice-presidentes seja do que for…). Uma vez aí chegada, encantou a América, finalmente vista na sua verdadeira dimensão, e tal como é: pessoa amável, competente e corajosa, com uma impressionante folha de serviço público, a aplicar o Direito e a fazer Justiça, no quotidiano. Uma jurista brilhante, que pode proclamar, com orgulho, só ter tido um “patrão” e um “cliente”: o Povo! No seu primeiro dia de trabalho, entrou num tribunal e disse: Kamala Harris for the People”. E nunca mais quis outra missão, antes e depois de ter sido a primeira mulher eleita Procuradora Geral do Estado da Califórnia, antes e depois da Convenção que a sagrou candidata às presidenciais por um Partido Democrático, hoje mais unido do que nunca. A apagada Vice-presidente, figura encoberta, (talvez deliberadamente encoberta…), viu-se descoberta, da noite para o dia, como nº 1,, revelando.se uma personalidade carismática e mobilizadora, a viva imagem de alegria, com a seu sorriso espontâneo e o seu ímpeto de solidariedade e tolerância. The joyful warrior”, “A guerreira alegre”. Numa síntese perfeita, que podia virar pregão de campanha, Barak Obama refez o seu próprio slogan (Yes, we can!), no feminino: “Yes, she can!”. Para a metade feminina, ainda genericamente subestimada e marginalizada nos caminhos que levam ao Poder, Kamela é um exemplo do que pode ser o destino de tantas mulheres mantidas no anonimato, e a quem só falta uma oportunidade para mostrarem o que são e o que valem. O complexo sistema americano favorece os votantes da “América profunda” (e, em geral, profundamente retrógrada), em alguns dos chamados “swing states”, pelo que o resultado final é incerto. Pode Kamala, como Hillary, ganhar amplamente o voto popular e perder nos meandros do colégio eleitoral. Contudo, a partir de agora, ao contrário de Hillary, se quiser, ainda tem idade, apoios, horizonte político, para tentar de novo. O futuro da Europa e do mundo está irremediavelmente ligado ao da América e por isso devemos olhar estas eleições cruciais como se fossem nossas, e ter o "nosso" candidato. O meu é Kamala! Por todas as razões e mais uma, pensando em Portugal, na Europa, na NATO, na Ucrânia, nos aliados do Próximo Oriente, do Extremo Oriente. Decisão fácil…. O contraste com o seu adversário não podia ser maior, como num jogo de luz e de trevas! De um lado, os “alegres guerreiros”, com o seu apelo ao diálogo democrático, ao respeito das diferenças, à união. Do outro, os “angry men”, inventores de “fake news” e profetas do ódio e da calúnia… De um lado, a defesa do Estado de Direito e dos nossos valores civilizacionais, por pessoas de bem, com “curriculum” limpo. Do outro, o“fora de lei” enraivecido, (que orquestrou o “assalto ao Capitólio” em fim de mandato, e já foi condenado por 34 crimes!), o amigo de déspotas sanguinários (Putin, Kim Jong un), ou de perigosos extremistas de direita, como Netanyahu e Viktor Orban… Donald Trump é um homem de passado desbragado e negócios duvidosos (com um curriculum longo de falências fraudulentas e de casos de assédio sexual…). Mentiroso compulsivo, misógino, racista, mais parece personagem saída de um filme de terror! Recordo que, não há muitos meses, veio ameaçar a Europa com um eventual pedido seu a Putin para que invada os países que não atingiram as metas do investimento para a defesa comum (um dos quais é, como se sabe, Portugal…), Por cá, o “trumpismo” é representado, em tom de comédia, pelo Chega de Ventura. Isso não oferece dúvidas, bate certo, é compreensível. Absolutamente incompreensível é a apregoada “neutralidade” do PSD, em declarações do líder da bancada parlamentar, perante o silêncio cúmplice dos responsáveis máximos do partido e do Governo. Se não é, parece “trumpismo” envergonhado! Entre os “notáveis” das várias alas “laranja”, para já, só Marques Mendes levantou a voz, numa censura branda (branda, mas inequívoca) àqueles seus correligionários. 3 – O meu outro grande destaque deste agosto de 2024, vai para um fulgurante fim de carreira, numa outra área. É uma simples, mas sincera homenagem a Képler Laveran Lima Ferreira, que o mundo do futebol eternizará como “Pepe”. O nome já lendário de um dos melhores jogadores de todos os tempos e de todas as geografias, que mostrou a sua classe ao serviço de grandes clubes e ganhou tudo o que havia para ganhar: 29 títulos, entre os mais prestigiados. 141 internacionalizações pela Seleção (o 3º desse ranking). O mais velho jogador de sempre a competir num Europeu, em grande forma, em grande estilo! Pepe é um fenómeno de longevidade e de classe pura, um superdotado que se tornou exemplar, não só pela qualidade de jogo, como pela qualidade humana, por ter vivido uma longuíssima carreira sempre em crescendo, sempre a transcender-se! Com mais de 41 anos, fez o último jogo, no auge, numa corrida épica, vindo de trás, já quase no 120º minuto da partida, para ganhar um lance decisivo, em velocidade e em técnica, a um “craque” francês, com idade para ser seu filho! Desta derradeira campanha, em que a seleção nacional (batida pela França nos "penalties"), não esteve à sua altura, saiu em lágrimas, mas saiu como um herói. Convocado para o “Europeu”, após algum tempo de afastamento por lesão, alguns críticos, de início, duvidavam da sua capacidade de ser útil à equipa, mas todos acabaram por reconhecer a excelência do seu desempenho! Rendidos, os críticos escreviam que ele tinha tudo: “leitura de jogo, antecipação, posicionamento, acerto no tempo, voz de liderança”. Adjetivos como “assombroso” ou “imperial” colaram-se às fantásticas exibições com que Pepe disse adeus aos estádios. O público juntou-se aos comentadores e consagrou-o com os seus aplausos. Festejavam cada ação defensiva sua “como se de um golo se tratasse”. As crónicas jornalísticas testemunharam: “Claque vibra com Pepe”; “Adeptos fizeram vénias ao central, quando foi substituído”. A certa altura, o atleta, que tinha tanto de talentoso como de modesto, confessou-se muito surpreendido: “Estou sem palavras…” Neste mês de agosto, comunicou o seu final de carreira, num emotivo e belíssimo vídeo, em que aparece sozinho, rodeado de troféus conquistados. Imprescindível na Seleção nacional, Pepe tornara-se prescindível no seu clube, e não quis jogar em qualquer outro. Sobre isso, faço minhas as palavras duras de Miguel Sousa Tavares.... Sobre o adeus apenas sublinho que o ser tão prematuro acrescenta à lenda de um jogador absolutamente fantástico, que não envelheceu no campo, e se despediu em glória, com a camisola de Portugal.