Recordar tempos idos... Falar do presente, também. E até, de quando em vez, arriscar vatícínios. Em vários domínios e não só no da política...
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
A VENTURA DE SE CHAMAR VENTURA...
1 – Um almoço com Ventura foi notícia palpitante, num país habituado a que se faça política (e jornalismo político), à volta da mesa de refeições, reais ou imaginárias (quem não se lembra da “estória” da “vichissoise” protagonizada por Marcelo e Paulo Portas?).
Com Ventura, na verdade, tudo é notícia! Agora, esse almoço insignificante, embora não inexistente, entrou na “petite histoire”. Foi até o tema central com que a SIC abriu o ciclo de entrevistas aos candidatos às eleições presidenciais, com o Almirante Henrique Gouveia e Melo. Uma experiente jornalista, Clara de Sousa, caiu na tentação de se focar numa “ementa política” sem qualidade e sem conteúdo, durante quase toda a primeira parte, transmitida para a mais vasta audiência, na SIC generalista, deixando para a SIC Notícias as temáticas realmente importantes. No que respeita ao repasto, o candidato respondeu, num minuto, com precisão matemática, o que tinha de responder: sim, aceitara o convite de um amigo, fora ao almoço com o chefe do “Chega”, conversaram e, entre os dois, não houve “intersecção” - uma maneira esclarecedora, simultaneamente diplomática e contundente, de pôr o ponto final no assunto. Nem outra coisa seria de esperar, as “intersecções” só podem acontecer em quadrantes políticos que não são os do Almirante, embora sejam, como se vem comprovando, aqueles de onde Ventura saiu para engendrar o Chega, a direita do PSD, o PSD de Passos Coelho (o desejado, mas indisponível candidato ideal do Chega às presidenciais).
Sabemos que Clara de Sousa é uma prestigiada autora de "literatura gastronómica", mas nem isso a desculpa de se mostrar mais interessada no que se passou à mesa do restaurante do que no que se vai passando no universo. Debalde Gouveia e Melo dizia que vem almoçando com muita gente, incluindo um outro candidato presidencial, Marques Mendes. Ora aí estava, para mim, uma novidade! Esperava que Clara abordasse a ágape com Luís Marques Mendes, gostava de saber quais as “intersecções” existentes entre dois democratas, que, para além de óbvias e naturais diferenças, partilham um espaço de eleitorado e de pensamento. Mas não, Clara de Sousa descartou a oportunidade - aparentemente não estava no guião… no guião estava, como sempre está, no jornalismo que temos em Lisboa, o “fenómeno” Ventura. Criatura, que eles, os jornalistas, criam e alimentam, com o que Pacheco Pereira chamou no seu último texto na revista Sábado “a gigantesca complacência da comunicação social com o Chega”.
Ainda em matéria de refeições com correligionários ou opositores, devo acrescentar que sou definitivamente a favor, desde que não sejam convertidas em meras armas de arremesso. No meu caso, (por acaso), alguns dos mais divertidos e memoráveis almoços de trabalho e de convívio foram na companhia de um colega de andanças internacionais que era do comité central do PCP e de um colega Deputado que tinha sido, brevemente embora, Ministro do Ultramar….
Penso que sempre ganhei em conhecer os adversários, as pessoas – quando há boa fé, ajuda a fazer oposição civilizadamente. E, se não se consegue fazer amigos, clarifica-se, pelo menos, o relacionamento.
O almoço de que tanto se falou, pela graça dos “media”, correu, do meu ponto de vista, bastante bem, visto que Gouveia e Melo saiu elucidado e Ventura saiu furioso. É o que provam as declarações posteriores de um e do outro.
2 – No que respeita à entrevista da SIC, a segunda parte foi bem mais relevante pelos assuntos abordados, a visão do candidato sobre os poderes presidenciais, a importância de garantir a estabilidade da vida política, a situação internacional que nos condiciona, a imigração, a Lei da Nacionalidade…
Reconheço-me no discurso de Gouveia e Melo, em matéria de relações internacionais e de defesa, nomeadamente no que respeita à concentração de investimentos na exploração e proteção da nossa extensa zona marítima exclusiva, ou na recusa do excesso que representaria afetar os 5% a este objetivo (o Almirante aponta aos 2,5%). Temos, enfim, um candidato que perspetiva o futuro, de forma realista, entrando em linha de conta com as condicionantes externas, europeias e mundiais. Entre nós, em qualquer eleição de âmbito nacional, tornara-se normalíssimo os políticos esquecerem o mundo real em que interagem, para só discutirem questões domésticas, como se fossemos uma ilha isolada. Em regra, não dizem uma palavra sobre Bruxelas, a UE, a NATO, o Banco Central Europeu, a CPLP, o imenso mar português….
Também em questões de política interna estou fundamentalmente de acordo com ele, mormente na sua análise dos poderes presidenciais, no âmago desse Poder: a nomeação do Primeiro Ministro de acordo com os resultados eleitorais, olhando à viabilidade do Executivo (aceitando, por isso, uma aliança do tipo da “geringonça”, se for a única apoiada maioritariamente no parlamento), ou a dissolução da Assembleia da República decidida só em último caso (ao contrário do Presidente Marcelo, Gouveia e Melo teria concedido ao Governo maioritário uma segunda tentativa de passar um Orçamento de Estado, assim como a possibilidade de se reconfigurar, após renúncia ao cargo do Primeiro-Ministro, com uma nova liderança).
Igualmente me identifico com Gouveia e Melo nas magnas questões da nacionalidade e da imigração, quando se distancia não só da extrema direita, como da direita que está no governo (um Governo que desistiu de traçar linhas vermelhas ao extremismo, e começou a mimetizar, nesta fronteira, posições do Chega, raiando a xenofobia).
Nesse campo, como nos demais, Gouveia e Melo foi claro: o país carece de imigrantes e deve criar a capacidade de os acolher de uma forma humanista, regrada e atempada: não se compreende, por exemplo, a contradição de facilitar a concessão da nacionalidade portuguesa aos ricos (a troco de dinheiro…) e de a dificultar aos trabalhadores, que sustentam a nossa sociedade, a economia, a segurança social.
A defesa da dupla nacionalidade para imigrantes foi uma das causas da minha vida, internamente e a nível europeu, no Conselho da Europa. Em Portugal, foi o governo de Sá Carneiro que iniciou, em 1980, o processo de alteração da lei nesse sentido (lei que veio a ser aprovada no ano seguinte, por outro governo da AD - uma AD assumidamente de centro-esquerda, que se não pode confundir com a atual).
No Conselho da Europa foram precisos mais 15 anos para revogar a Convenção de 1963, que impunha a uni nacionalidade. A minha argumentação foi sempre a mesma, testada no terreno, em contactos de proximidade: a aceitação da plurinacionalidade é ainda mais importante para facilitar a integração na nova sociedade do que para manter os laços com o país de origem que nunca, ou quase nunca, se cortam.
Outro poderoso fator de integração é, obviamente, o reagrupamento familiar, pelo qual também batalhei em Estrasburgo, com não menos convicção. “In illo tempore”, quando era presidente da Comissão de Migrações, Refugiados e Demografia´... mas, vinte anos depois, ainda é preciso continuar o combate!
3 – Volto a Ventura, (do qual, ao invés dos média, só falo o necessário) para me regozijar numa semana em que o desporto – a área em que, inicialmente, medrou – só lhe trouxe dissabores.
Primeiro por causa de Mourinho, cuja contratação pelo SLB ofuscou, por completo, o anúncio da sua própria candidatura presidencial. E Mourinho veio para ficar, para nos invadir a casa, nos ecrãs, a toda a hora – uma “overdose” que vamos suportar nos próximos meses ou anos. Enquanto não for despedido do cargo, os dois vermelhos, ou “encarnados”, que os jornalistas acalentam, vão repartir os tempos de antena!
Depois, lá longe, no Japão, dois imigrantes infirmaram o seu discurso miserabilista sobre a imigração portuguesa (na mesma altura em que tentara, sem conseguir, lançar a confusão numa pacífica manifestação junto ao Palácio de São Bento, em que eu suponho que queria provocar o seu "momento Marinha Grande"...).
Os dois atletas, Isaac Nader (filho de marroquinos, nascido cá) e Pedro Pablo Pichardo, (refugiado cubano, naturalizado português há não muitos anos), glorificaram a bandeira das quinas, sagrando-se campeões do mundo. Simplesmente fantástico o “sprint" final de Isaac, a ultrapassar não sei quantos competidores sobre a linha da meta! Espantoso o último salto de Pablo, a desfazer dúvidas (é o melhor do planeta na modalidade, para nós, mais uma medalha de ouro)!
Feitos que vão diretamente, em simultâneo, para a história do desporto e para a história da imigração portuguesa.
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