quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

"4 décadas se migrações em liberdade" SORBONNE NOUVELLE 24 de junho de 2014


SORBONNE
Mesa redonda Emigração Portuguesa que perspectivas?

1974--2014 EMIGRAÇÃO PORTUGUESA depois da REVOLUÇÃO
Maria Manuela Aguiar

SÍNTESE

A emigração portuguesa, ao longo dos tempos, foi quase sempre condicionada ou mesmo proibida, particularmente no que respeita às saídas de mulheres.
Com a fixação de residência no estrangeiro, os portugueses perdiam todos os direitos políticos, e a nacionalidade, se, voluntariamente, adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, mesmo contra sua
vontade, automaticamente, por casamento com um estrangeiro. Perdiam, também, o direito à protecção do Estado em todos os domínios, do social ao cultural. O exercício de direitos da cidadania era, assim,
ligado estritamente à permanência no território.
O 25 de Abril rompeu com o paradigma "territorialista", abrindo caminho à criação de um estatuto de direitos dos expatriados, um estatuto em evolução, norteado pelo princípio de igualdade entre todos os nacionais
Nesta intervenção, partimos da Revolução de 1974 e dos princípios proclamados na Constituição de 1976 para a análise das reformas que procuraram dar-lhes configuração em novas políticas e novos direitos para os Portugueses emigrados.

A EMIGRAÇÃO ANTES E DEPOIS DA REVOLUÇÃO

Em 2014, a AEMM propõe, na sua programação de estudos e colóquios, um olhar sobre a Revolução de Abril de 1974 e sobre o seu significado na área das migrações. À revolução ligamos, naturalmente, uma palavra: liberdade!
Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade para os emigrantes, os que já o eram e os que o queriam ser - uma realidade nova, em rotura definitiva com o passado, porque, de facto, a saída do país, ao longo de mais de quinhentos anos, nunca fora inteiramente livre. As mais antigas e persistentes políticas neste domínio iam no sentido de condicionar ou proibir um êxodo continuado em sucessivos ciclos, quase sempre visto como excessivo, sobretudo quando abrangia famílias inteiras (embora também haja, em contra corrente, exemplos de aceitação ou incentivo à emigração de casais).
A Constituição de 1976 ao proclamar a liberdade de circulação, englobando o direito de emigrar e o direito de regressar ao país, estabeleceu um precedente histórico, numa história multissecular. (1)
 Precedente constitucional de igual alcance é o reconhecimento de direitos políticos aos expatriados e a imposição ao Estado de obrigações para com eles. Doravante, os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos que não sejam “incompatíveis com a ausência".(2)
A interpretação jurídica do conceito de "incompatibilidade" foi evoluindo no sentido do alargamento de direitos, ao ritmo dos compromissos político-partidários possíveis. Os obstáculos não eram de natureza técnico-jurídica, visto que o direito comparado oferecia já, no que a sufrágio nos diversos processos eleitorais respeita, modelos
concretos do seu exercício. Em Portugal, depois de aceite o voto dos emigrantes para a Assembleia da República, em 1976, foi precisoesperar 23 anos pelo direito de voto para o Presidente da República.
Do mesmo modo, após a adesão do País à CEE em 1985, houve que aguardar quase duas décadas para que os portugueses, na sua qualidade cidadãos europeus não residentes na Europa da União pudessem participar na
eleição do Parlamento Europeu (uma opção que é deixada pelos Tratados aos Estados membros...).
Delongas semelhantes retardaram a restituição automática da nacionalidade com efeitos retroactivos -no período que vai da entrada em vigor  da Lei nº 73/81 à entrada em vigor da Lei  nº 1/ 2004...
Estava, apesar de tudo isto, adquirida, ao nível dos princípios a ideia da igualdade de direitos entre os portugueses, dentro e fora de fronteiras. Ao Estado incumbe, desde 1976, desenvolver políticas de protecção dos cidadãos num espaço transnacional, designadamente, para o acesso ao ensino à cultura, à informação, para o acompanhamento jurídico e assistencial no quotidiano.
A democracia passara a ser concebida à dimensão nacional, e iria sendo aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para o "paradigma personalista", centrado na pessoa, nos cidadãos, com
direitos individuais, no seio de uma comunidade nacional que extravasa fronteiras. Foi o fim de um dogma que se impusera, com carácter absoluto, em nome da soberania territorial do Estado. Subsistiam e subsistem, condicionalismos restritivos, continuamos aquém de exemplos dados, em especial, pelos países do sul da Europa, com os quais temos mais afinidades – mas há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de Abril:  -  - - antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, os direitos políticos, a nacionalidade, se adoptassem voluntariamente a de outro país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros), assim como os direitos sociais e culturais depois, os emigrantes são reconhecidos como cidadãos, agentes da cultura e da história portuguesas, na geografia universal.

 OS DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Com o progressivo alargamento de direitos políticos se vai construindo uma " cidadania de iguais", nas comunidades do interior e do exterior, prenunciada na letra da CRP de 1976, ao proclamar que "todos os
cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos". (3)
Os emigrantes passam a votar para a AR (4) porém, não ainda com um “voto igual”, visto que a aplicação do sistema proporcional é reservada aos círculos territoriais, permitindo fixar, na lei eleitoral, um tecto de apenas quatro representantes em dois círculos da emigração, europeia e transoceânico- correspondendo a menos de 2% do total de dos deputados, para uma população que se estima em 30%.
Para as eleições do PR (5) e das Juntas de Freguesia (6), e das Câmaras Municipais (7), a CRP de 1976 exige a residência no território nacional. Não assim para as regiões autónomas, onde o voto pode ser atribuído, nos respectivos estatutos político – administrativos, mas, por outras razões, até à data ainda não o foi.
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, no meio de públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997, com a especial exigência de comprovação da,"existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional". (8) Defendi, então, que o acto voluntário de recenseamento
é a mais tangível prova da subsistência desses laços. Todos os outros
critérios, que foram sendo aventados, se revelaram de tal modo desajustados e parciais, que, ao fim de anos de adiamentos e dedebates, se acordou no requisito único de uma inscrição voluntária nos cadernos eleitorais…
Mais restritiva é, ainda, a norma, que prevê a participação dos não residentes nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito” (9). Até hoje, a AR, decidiu, invariavelmente, por maioria, exclui-los dos processos referendários realizados.
Finalmente, em 2004, por iniciativa da AR, foi consagrado o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu fora do espaço da EU, quase duas décadas de uma proposta de lei, votada por maioria na AR, após a adesão à CEE, em 1985, ter sido objecto de declaração de inconstitucionalidade, suscitada pelo
Presidente da República.
Não irei alongar-me sobre as vicissitudes destes processos, em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base no direito comparado, em particular o ordenamento jurídico espanhol, que atribui aos emigrantes direitos a nível nacional, autonómico e local. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, os responsáveis pelos partidos actuaram, regra geral, de acordo com as suas expectativas sobre o sentido de voto dos emigrantes. Os
que se viam como menos favorecidos, desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado do estrangeiro, artificialmente engendrada pelos partidos mais votados nos círculos da emigração. Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o irrealismo do prognóstico: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e estável - cerca de 260.000 recenseados (10). O clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que aumentou a partir da aprovação da Lei nº 73/81, popularmente chamada "lei da
dupla nacionalidade", ficou a dever-se a confusão entre emigração recente, de nacionais com passaporte português, e as várias gerações de descendentes de portugueses - a Diáspora, neste sentido, em que o
conceito.entrou na linguagem corrente - cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política.

O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP)

O “Conselho” é um órgão consultivo de representação específica dos portugueses do estrangeiro, que, de algum modo, num quadro ainda discriminatório, compensa o défice de intervenção política, embora não seja esse o seu principal objectivo. Foi uma instituição criada para a audição das comunidades, em matérias que respeitam à sua particular situação e pretendia ser um instrumento de relacionamento democrático entre Estado e sociedade civil, apelando à co-participação nas políticas destinadas ao um universo vasto e heterogéneo, composto pela
emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos culturais e pela mais recente, com os seus problemas laborais e sociais, económicos. Esta última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre o terreno de uma solidária partilha das raízes matriciais – colocando o enfoque nos problemas do quotidiano, e, inevitavelmente, em divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Exemplo de vivência
democrática, o Conselho deu de si, desde o início, nas reuniões plenárias e regionais - quando não nos Conselhos de País, que formavam a base mais homogénea da pirâmide -uma imagem mediática de conflitualidade, que teve INTEIRA correspondência na realidade, mas foi sempre mais salientada do que os consensos alcançados em matérias fundamentais.
Essa imagem de radicalismo terá certamente influenciado a decisão do Governo, tomada em 1988, de suspender a convocação das sessões plenárias, para, seguidamente, o substituir por um novo “Conselho”
policêntrico, com vários colégios eleitorais, que não chegaram verdadeiramente a funcionar.
Em 1997, o CCP ressurgiu em figurino completamente diverso. Passou a ser eleito por sufrágio directo e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade portuguesa, e perdeu as suas raízes
associativas, tal como a organização vertical, isto é, as estruturas a nível de comunidades, por área consular, e as reuniões por grandes regiões.
O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas entre cortadas, num percurso mais acidentado do que outros organismos semelhantes existentes na Europa. Mas resistiu, como grande forum democrático, ou
"assembleia" dos portugueses do estrangeiro (Assemblée foi título que passou a assumir, na última reforma o antigo "Conséil" francês).
A hipótese de o CCP ser integrado na arquitectura constitucional, com esse perfil de segunda Câmara, consultiva, foi debatida na AR, em 2004, por iniciativa da Sub- comissão das Comunidades Portuguesas,
mas, ao longo da última década, a ideia não foi retomada. Em discussão está, na AR, uma nova reforma legislativa, que retoma o molde da organização do Conselho por país - áreas consulares - e por regiões.
Uma última observação sobre mecanismos deste tipo, para salientar que são comuns em países de emigração, da Suiça e França, à Espanha, Itália e Grécia e têm sido objecto de atenção, a nível internacional,
nomeadamente no Conselho da Europa – e que é importante ir pensando em projectos que possam germinar, não obviamente no imediato, mas no futuro. No nosso caso, por exemplo, o da criação ou recriação de uma união de instituições da Diáspora, de índole essencialmente cultural. Da nossa Diáspora ou, mais latamente, das diásporas da CPLP.

OLHAR RETROSPECTIVO SOBRE QUATRO DÉCADAS DE MIGRAÇÕES

As políticas desenvolvidas em quatro décadas de democracia enquadram-se no que chamamos o "paradigma personalista", tanto as que emergem da intervenção do legislador, como as que se consumam a nível
do executivo, da administração pública, e com que se procurou, como veremos, nesta sintética referência, o ajustamento a novas e profundas alterações dos movimentos migratórios e aos problemas que trouxera consigo.

1 - A década de 70 - as políticas de apoio à emigração e ao regresso

A criação, logo depois do 25 de Abril de 1974, da Secretaria de Estado da Emigração é um sinal político da vontade de colocar na agenda dos governos provisórios a defesa dos emigrantes portugueses. Contudo,
neste como em outros sectores da administração pública, não partiam do zero. O Secretariado Nacional da Emigração (SNE) tomara, desde 1970, as primeiras medidas de acompanhamento das comunidades no estrangeiro, de protecção social, de apoio às actividades das associações de emigrantes. O regime democrático iria enquadrar e aprofundar conceptualização de políticas para a emigração portuguesa nas
sucessivas fases do ciclo migratório que, nuns casos, se fecha com o regresso e noutros com a definitiva integração em sociedades estrangeiras. É uma livre opção dos cidadãos, que decorre da Constituição, da liberdade de partir e regressar, a todo o tempo. Impunha-se, assim, aos governos uma actuação com meios adequados a cada uma das alternativas.
Na segunda meia década de 70 e em 80, a conjuntura económica quase só permitia as saídas para reagrupamento familiar, com um largo predomínio de mulheres (fala-se de "feminização da emigração"),
enquanto as intenções de regresso, sobretudo da Europa, se avolumavam – e os regressos, quase invisíveis, também…

 Neste contexto, a Europa ocupou o lugar central na atenção dos governantes e o regresso em converteu-se em prioridade. A França e a Alemanha absorviam a quase totalidade dos apoios concedidos em matéria de ensino da língua, de formação de núcleos de assistência social, nas delegações externas da SEE, nos programas de televisão produzidos pela RTP (subsidiados pela SEE e emitidos em canais de televisão daqueles países), no suporte às actividades culturais do mundo associativo.
Desses e de outros países europeus era, semelhantemente, a maioria dos que beneficiavam dos incentivos ao regresso - as contas de "poupança -crédito", que garantiam empréstimos a juro bonificado para investimento, isenções de impostos, isenções alfandegárias.... Medidas que serviam, de imediato, também, o propósito de captação de remessas.
A SEE nasceu no Ministério do Trabalho – uma inserção orgânica no Executivo, semelhante à do SNE no Ministério das Corporações e Segurança Social, reveladora do primado das questões sócio-laborais. (anteriormente a Junta de Emigração funcionara, partir de 1947 no Ministério do Interior, denunciando, apesar da sua composição interministerial, o objectivo primário de controlo e limitação dos movimentos migratórios). A posterior transição da SEE para o MNE não se deveu a uma mudança de perspectiva, mas à procura de
uma melhor articulação das acções externas com os consulados.
Todavia, qualquer que seja a sede do pelouro da emigração no organograma do Governo, é sempre indispensável a ligação ao conjunto dos serviços da administração pública, muitos dos quais não têm conhecimento preciso da realidade da vida dos cidadãos e das comunidades no estrangeiro. Assim, o que os responsáveis pelos
departamentos da emigração não podem resolver directamente, deve ser por eles acompanhado num trabalho incessante de esclarecimento e sensibilização.
Os serviços dependentes da SEE foram, durante as décadas de 70 e 80, objecto de um esforço de recrutamento e formação de técnicos e de aperfeiçoamento das estruturas, ainda que através de um movimento pendular, ora dando forma a novas unidades especializadas, um Instituto autónomo, para além de uma Direcção Geral, ora privilegiando a unificação das suas componentes, as de perfil mais burocrático – regulamentação jurídica,
estatística, informação sobre condições de saída e retorno, acompanhamento de situações concretas, negociação de acordos - e as mais inovadoras, voltadas para a acção cultural, que foi ganhando espaço, gradualmente, a partir da década seguinte.

2 - A década de 80 - O ciclo das comunidades portuguesas

O VI Governo Constitucional, empossado em Janeiro de 1980, alterou a designação da Secretaria de Estado, acrescentando à Emigração a vertente nova das Comunidades Portuguesas. Sem descurar o apoio às
migrações do presente, o governo colocava, assim, igualmente, o enfoque nas mais antigas, na Diáspora, ou seja, na componente cultural. As comunidades transoceânicas foram chamadas à participação
no CCP, ao diálogo com as autoridades do país, estreitando-se, em simultâneo, o relacionamento entre governo central e governos regionais dos Açores e da Madeira, que têm as suas populações, há séculos, espalhadas pelas Américas e pela África
Em Lisboa, a Direcção Geral da Emigração e o Instituto da Emigração, dotado de autonomia administrativa e financeira, foram, nesse ano, fundidos no Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas,
que, seguidamente, desconcentrou competências em delegações no estrangeiro, junto dos consulados, e no país, através de protocolos com Câmaras ou Governos Civis.
No que respeita a fluxos migratórios, neste período, acentuaram-se as tendências da década antecedente, um escasso volume de saídas e regressos em massa - regressos temidos pela opinião pública, de que os media se faziam eco, insistentemente. Todavia, a vinda de mais de meio milhão de pessoas só até 1984 (prosseguindo ao ritmo de cerca de 30.000 por ano até inícios de 90), não constituiu um retorno súbito e desordenado, como o que resultou da descolonização, e dirigiu-se, essencialmente, às terras de origem, servindo para o seu necessário
repovoamento e para a dinamização das economias locais (como, aliás, no balanço final acontecera com os retornados de África)
A partir de 1983, durante o IX Governo Constitucional, o IAECP instalou na delegação do Porto um "Centro de Estudos (que funcionava por projectos, em parceria com universidades e centros de investigação) e uma comissão interdepartamental para apoio ao regresso. Foi então, também criado o "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas", visto como um primeiro passo para a organização de um museu da emigração.
A adesão à CEE, em 1985, não alterou, essencialmente, este estado de coisas. Se é certo que o estatuto de cidadania europeia facilitou a integração de muitos portugueses, nomeadamente através do novo direito
de estabelecimento, não permitiu, todavia, uma segunda vaga migratória.
De referir, ainda, que é desta época o princípio das políticas voltadas para as questões de género, que poderemos identificar na convocatória do 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no
Jornalismo. Era o cumprimento, pelo governo português, com o patrocínio da UNESCO, de uma recomendação do CCP, órgão, onde era exígua, quase inexistente, a representação feminina. Em 1987, estava prevista a primeira reunião de uma conferência anual para audição das mulheres migrantes, a funcionar na órbita do “Conselho”. Foi um projecto que se perdeu, durante o XI Governo Constitucional, tal como o próprio CCP, do qual dimanava….

3 -A década de 90 - um novo discurso sobre emigração/imigração

Após anos de laboriosa construção de uma arquitectura institucional para sustentar as políticas de emigração, assistiu-se, na passagem da década de 80 para a de 90, à sua “desconstrução”, norteada pela ideia de que Portugal deixara de ser um País de emigração e se convertera emdestino de imigração. O IAECP foi extinto e os seus serviços integrados na Direcção-Geral de Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP). A fusão teve como consequência imediata a perda definitiva da autonomia administrativa e financeira, assim como de algumas das suas valências, consideradas dispensáveis, dando-se, posteriormente, a gradual substituição, nos cargos de topo, de funcionários do seu próprio quadro, altamente especializados, por diplomatas, em serviço sempre transitório.
O discurso oficial da inversão das correntes de emigração/imigração era duplamente desajustado à realidade. De facto, muitos portugueses continuavam a abandonar o país, ainda que, maioritariamente com contratos temporários, e a emigração permanecia como realidade incontornável, apesar do abrandamento dos fluxos de saída, com cerca de um terço da população portuguesa no estrangeiro, em condições semelhantes às do passado próximo. Quanto à imigração, o aumento foi diminuto até fins do século, só então se verificando uma entrada em massa de imigrantes, sobretudo europeus de leste e brasileiros no mercado de trabalho.
A desvalorização dos problemas sociais da emigração recente não prejudicou, antes pelo contrário, o enfoque na "diáspora" e na lusofonia – evidenciado na criação da RTPI, um grande investimento estratégico feito pelo Ministério da Comunicação Social na aproximação aos PALOPs e às comunidades portuguesas em todo o mundo
Em 1996, com o XIII Governo Constitucional, o CCP foi relançado, em novos moldes, através de uma eleição por sufrágio directo e universal.
E manteve-se, desde então, em actividade, mais ou menos regular, resistindo à passagem de governos. Uma das suas principais reivindicações, a assistência social a emigrantes idosos em situação de carência (ASIC) veio a ser equacionado, em fim de mandato deste governo.

4 - O século XXI e o recomeço da emigração em massa

O Direito dos Expatriados registou, desde o começo do século XXI, grandes avanços – a recuperação automática da nacionalidade portuguesa, com efeitos retroactivos, o alargamento do direitos de voto, com a definição do critério mais lato para a votação no PR, o sufrágio generalizado para o Parlamento Europeu, a não discriminação das comunidades no acesso ao ensino da língua, as iniciativas para a igualdade entre mulheres e homens e para o reforço dos laços dos jovens com o nosso país, - em que o Dr. José Cesário se tem empenhado muito . Gostaria de realçar, igualmente, as actuais políticas de cooperação com universidades para o estudo das migrações – desde a formação de um Observatório da Emigração, uma parceria SECP/ ISCTE -
ou da estreita colaboração com organizações da sociedade civil na via do “congressismo" –  como meio de mobilização da juventude, dos Luso. Descendentes, das elites das comunidades (a instituição dos “Prémios
Talento” , as cimeiras de políticos de ascendência portuguesa, por exemplo) e de chamamento de sectores ou grupos marginalizados, como as mulheres, ou os mais idosos.
Pensando na interrogação que este colóquio nos dirige “Que perspectivas?” eu terminaria, dando conta de algumas das preocupações que me suscita a situação actual: Perante um surto de emigração desmesurada, quantitativamente próxima da dos anos 60 – sobre a qual se vai pronunciar, em detalhe e com todo o conhecimento de causa, o Dr. Victor Gil - perante o desmantelamento de meios institucionais, a que aludimos, perante o declínio do movimento associativo, ao menos nos seus moldes tradicionais, o que fazer?
Numa área, em que é fundamental a especialização, a experiência, a actuação no terreno, o contacto com as instituições das comunidades, sabemos o que não se deve fazer - a reforma de que se fala, a junção
de estruturas para lidar, em Lisboa, com a emigração e imigração...
Depois da perda de autonomia dos serviços da emigração no Ministério dos Negócios Estrangeiros (de algum modo contra-balançada pela crescente abertura da diplomacia portuguesa a vários domínios, dantes menos centrais, como o económico ou o sócio-laboral…), uma segunda diluição, num departamento destinado, a prosseguir, em simultâneo políticas de base territorial, como são as da imigração, e políticas de actuação externa, direccionadas à cooperação com comunidades muito distintas (no que respeita a organização, problemas e solicitações e à negociação com governos estrangeiros), seria insensata e poderia por
em risco a eficácia dos mecanismos existentes. Na verdade, o ACIDI ganhou funcionalidade, a confiança das comunidades estrangeiras, e até, também, reputação. Internacional. E a SECP, tendo à frente um político com larga experiência e sensibilidade, precisa apenas de um reforço de meios, exigidos pelas novas circunstâncias. Deveria recuperar recursos que perdeu, serviços especializados, que provaram a sua eficiência no passado ainda próximo, como as delegações e os núcleos de assistentes sociais…Nas Embaixadas dos principais países de
destino da emigração actual o ideal seria preencher os lugares de adidos ou conselheiros sociais, que uma austeridade cega extinguiu não há muito tempo.
O processo das migrações actuais, desde logo, pela sua enorme dispersão geográfica e heterogeneidade, envolvendo mulheres e homens, com qualificações, idades, projectos muito diversos, é demasiado complexo para prescindir de meios próprios
Há que prosseguir as políticas de modernização da rede consular e de informatização, a multiplicação das “permanências consulares”, que são um dos mais positivos sinais dos tempos…Há que desenvolver a
investigação sobre o fenómeno migratório, a mobilização do movimento associativismo e dos media das comunidades – incentivando, como disse, e não é demais repetir, a inclusão dos grupos mais marginalizados, e,
até por isso, mais capazes de “fazerem a diferença” - as mulheres, os mais jovens, os mais idosos, mas não menos capazes de exercício do voluntariado. Há que nivelar, por cima, em todos os continentes, o acesso ao ensino e à cultura. Há que promover o encontro entre a nova e a antiga emigração. Há que relançar o CCP.
 É, talvez, a hora de convocar um congresso mundial das comunidades do
século XXI.
É, sem dúvida, a hora de providenciar meios práticos para atingir fins, reforçando, no interior do Governo, o papel do SECP,
.Para Portugal este é um domínio onde se joga o futuro e não só o de  centenas de milhares de novos emigrantes, mas o futuro da língua, da cultura, de uma Nação convivente, universalmente

NOTAS

(1) Nº2 do art.44 : “A todos é garantido o direito de emigrar ou de
sair de território nacional e o direito de regressar”
(2) Art.14:”Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no
estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos
e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a
ausência do país”

(3) Art.48.
(4) Nº 2 do art. 152: “O número de deputados por cada círculo do
território nacional é proporcional ao número de cidadãos nele
inscritos”. Por argumento “a contrario” , este inciso  permite  a
“desproporção” face ao número de recenseados nos círculos fora do
território nacional.
(5) Art. 124: “ 1 - O Presidente da República é eleito por sufrágio
universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses eleitores,
recenseados no território nacional.
2 – O direito de voto é exercido presencialmente no território nacional.”
(6) Nº 1 do art. 246:”A Assembleia de freguesia é eleita pelos
cidadãos eleitores residentes na área da freguesia”.
(7) Art. 252: “A Câmara Municipal é o órgão colegial do município
eleito pelos cidadãos eleitores residentes na sua área (…)”
(8) Nº 2 do art.121
(9) Nº2 do art. 115
(10) A Galiza, face a Portugal, tem quase o dobro de eleitores e uma
taxa de abstenção muitíssimo mais baixa
(11) Na revisão constitucional de 1982 foi introduzida uma nova alínea
no nº 3 do art 74, nestes termos
3. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:
h) “Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa
e o acesso à cultura portuguesa” –
É ainda uma obrigação cumprida de forma imperfeita e irregular nas
diferentes comunidades da Europa e de fora da Europa…

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