quinta-feira, 11 de outubro de 2018

VIVER A CIDADANIA EM TODAS AS IDADES - Abertura do ano académico da USE



Estou muito grata pelo convite para dizer umas breves palavras na abertura do ano académico, na data especial do encerramento das comemorações do 20º aniversário da USE. É um verdadeiro privilégio poder partilhar, assim, um momento importante na sua já longa e brilhante história, que pertence à história de Espinho, ao conjunto das suas mais relevantes instituições. 

Escolhi o tema "Viver a cidadania em todas as idades", porque diretamente me leva  olhar e a enaltecer o papel das universidades séniores que, no nosso país, tem contribuído, singular e poderosamente,  para dar voz e visibilidade à ativa participação cívica dos mais velhos. Não ainda a visibilidade e o reconhecimento que corresponde à obra feita e às infinitas possibilidades da obra a fazer,  mas já no bom caminho. 
Até hoje, a revolução de mentalidades na sociedade portuguesa está por desencadear e o Estado não tem sabido considerá-las na sua enorme diversidade e potencialidade, em múltiplos contextos e numa infinidade de terras. Limitou-se a fazer o fácil, convertendo em parceiro único uma cúpula federativa, uma rede que, por muito mérito que tenha -  e tem! - engloba  e cura, apenas, de parte de um universo vastíssimo e em contínua expansão, do norte a sul, do litoral ao interior do continente, nas ilhas do Atlântico e até já em algumas comunidades da Diáspora, onde a USE tem servido de modelo inspirador. 
Creio que em mais nenhum país do mundo se conhece fenómeno de dimensão e relevância semelhantes no desenvolvimento de uma política ocupacional, uma política verdadeiramente cultural para os idosos, de que o Estado se não tem incumbido, ao contrário de algumas autarquias locais, que o têm compreendido e acompanhado mais de perto e muito melhor. Todos nos regozijamos, certamente, com as palavras do Senhor Vice-presidente da Câmara de Espinho e o seu compromisso de ir mais longe no apoio às condições de funcionamento desta grande e benemérita ONG 
Na definição lata de universidades seniores se abarca, de facto, um extenso leque de modelos, desde simples iniciativas de animação lúdica em "centros de dia", lares residenciais, pequenas tertúlias até à estruturação de comunidades de ensino, reflexão e debate de elevada qualidade, umas promovidas por instituições preexistentes, por paróquias católicas, ou mesmo por departamentos municipais, e outras independentes - do ponto de vista jurídico autênticas ONG's -  impulsionadas por seniores, que se colocam no centro dinâmico da vida das suas urbes e assumem um especial protagonismo, como agentes de intervenção e mudança nos destinos da "res publica". É o caso paradigmático da USE!
Em Portugal, o discurso corrente de governantes, de académicos, de "opinion makers"  tem-se centrado, sobretudo, no envelhecimento como "fardo"  para a sociedade, para as novas gerações, ao pôr o acento no custo das pensões, das prestações de saúde, da dependência social ou na pirâmide demográfica, onde uma componente passiva pesa, segundo eles, sobre as faixas dos ativos, dos laboriosos, dos jovens. Visão incompleta, distorcida, que ignora a pluralidade de contributos de toda a ordem, nomeadamente no campo das artes, da ciència ou da economia (desde logo, como consumidores, como investidores) de que são capazes os cidadãos em todas as fases de uma idade avançada, em que gozam de boa saúde - e tanto melhor quanto mais ativos e produtivos se conservam!.
Resposta muito convincente a prognósticos catastrofistas vem sendo corporizada em atos para além das palavras, por este movimento de "seniores para seniores", norteado pela vontade de revelar os aspetos positivos da dita "terceira idade," pela aptidão para se converter em bandeira de diálogo intergeracional (nomeadamente apelando à presença de jovens no seu corpo docente), para se transformar em prova tangível de criatividade, energia, entusiasmo e eficácia - panóplia de qualidades que a má leitura da realidade. o preconceito liga à mocidade...  
"Os atuais 70 são os antigos 50" - é uma frase realista e expressiva que entrou na linguagem comum.
Estamos de acordo, mas falta tirar da asserção as devidas consequências. Em primeiro lugar,pôr fim à incongruente aposentação obrigatória aos 70 anos, garantindo aos funcionários o direito de continuar no ativo, voluntariamente, como acontece no sector privado ( o que nada tem a ver com a manutenção da idade mínima de reforma, note-se). E o mesdmo se diga de outras normas e práticas discriminatórias. O historial recente neste domínio é inquietante, as restrições e obstáculos postos ao labor dos mais velhos acentuaram-se a partir de 2009 e, sobretudo, de 2011, quando o Executivo ultrapassou os limites do imaginável, ao vedar aos pensionistas qualquer serviço, ainda que desinteressado,  benemerente, prestado a título gracioso. Proibição tão escandalosa que bastou um comentário televisivo, uma contundente e corajosa diatribe de um antigo Ministro das Finanças, para o legislador, à míngua de razão e de argumentos, revogar o inciso legal de imediato.(O comentador foi o Dr Bagão Félix, por sinal da mesma área deológica do governo, não. evidentemente, da mesma geração…).
Este episódio não deve ser esquecido para que nunca mais se repita! Ainda que falhado, foi o mais radical ensaio de excluir os idosos da  participação na "res publica", Mas não foi , antes pelo contrário, um caso isolado. Na mesma época, o poder judicial, a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional, aceitou como boa a determinação do govern de penalizar os reformados pela via de uma "contribuição especial de solidariedade”, em tempo de crise, a que nenhum outro cidadão ficava sujeito. Na Espanha, um partido da mesma família ideológica isentava todos os reformados de qualquer aumento de impostos. Gritante contraste no espaço peninsular, que talvez se explique porque a discriminação em função da idade tem, na sociedade portuguesa, um triste passado, na “praxis”, quando não na letra da lei.
A propósito, recordo o caso de um amigo que, pouco depois de tomar posse da pasta do Trabalho, há mais de um quarto de século, em 1991, me disse, num tom melancólico: " Acabo de constatar que, entre os colegas de governo, sou o segundo mais velho. Nos EUA, neste momento, seria o terceiro mais novo"
.Destas formas larvares de exclusão dos mais velhos, que são barreiras ao exercício pleno da cidadania, muito pouco se fala. Por isso, hoje, aqui, eu quis romper o silêncio contra uma segregação real, mas quase invisível porque vista como "natural". Numa sociedade envelhecida como a nossa, isso significa, afina, a incomensurável perda das contribuições negadas a uma parte da população, gente capaz, experiente, e útil.
Por feliz coincidência, posso sublinhar estas virtudes da idade, referindo que há apenas 48 horas foi anunciado o prémio Nobel da economia para um professor de Yale, de 77 anos, William Nordhaus, que se seguiu à atribuição do Nobel da Medicina a um professor da Universidade de Tóquio, Tasuko Hanjo, da mesma idade. Em Portugal, ambos estariam há 7  anos impedidos de investigar ou de ensinar, nas universidades públicas! E o que dizer do Doutor Arthur Arshwin, um investigador americano de 96 anos, com quem o cientista japonês partilhou o Nobel de Medicina de 2018? Obviamente, teremos de concluir que génio, saber ou.criatividade não têm data limite de validade...
Na verdade, a maior ou menor valorização da sabedoria e do engenho dos idosos tem a ver, essencialmente com padrões de cultura.  A África e o Oriente perpetuam tradições respeito e reconhecimento dos mais velhos, que  o" novo mundo", as Américas, cultiva bem melhor do que" velho continente", a Europa. Basta ver, num outro domínio, o da política, a diferença de médias etárias dos eleitos nos EUA, que é não só muito superior à de Portugal, como até, globalmente, às da UE.
Contudo, na Europa, há o que me parece faltar ainda em Portugal – a progressiva tomada de consciência da urgência de tomar medidas que facilitem a plena participação societal dos mais velhos,  
Permitam-me breves citações de um parecer do "Comité Económico e Social Europeu", neste campo, que coincide no tempo com a referida tentativa portuguesa de cercear o direito a qualquer forma de trabalho, mesmo que "pro bono"  dos pensionistas no setor público. 
Já em 2012, esse parecer recomenda que (cito):
 - "Se coloque a tónica na capacidade e no contributo dos idosos e não na sua idade cronológica, e que os governos, as ONG's e os media realcem estes elementos através de declarações positivas";
 - "Se apoie a participação ativa de todos os grupos etários na sociedade e o aumento da solidariedade e cooperação intergeracional e dentro de cada uma das gerações." :
 - "Se preveja a possibilidade de os idosos permanecerem no posto de trabalho até à idade legal da reforma e memo depois, se assim o desejarem;
 - "Se incite os idosos a candidatarem-se a eleições e a participar como membros dos conselhos de administração das empresas, organismos públicos e ONG's (fim de citação).
Em Portugal, no que respeita a políticas públicas, neste domínio,  pouco se tem avançado. Mais atento à nova realidade do envelhecimento bem mais tardio parece estar o mundo empresarial.  E os meios de comunicação social, também. Por exemplo, o caderno de economia
 do semanário "Expresso", no mês passado, abordou, em sucessivas edições, diferentes ângulos desta problemática.  A 16  de setembro,  destacava que a "senioridade au
menta pressão nas empresas" e que o envelhecimento da população já começa a colocar desafios às empresas na gestão dos seus quadros... "As empresas têm necessidade de valorizar os mais velhos". No número seguinte do caderno de Economia refere a criação do grupo "experienced management" de CEO 's de grandes empresas portuguesas e internacionais, de universidades como Oxford ou a Católica de Lx  , com o objetivo de constituir uma plataforma de especialistas seniores, todos escolhidos pela sua experiência de gestão e liderança para dirigirem projetos ou ações de formação de jovens - a solicitação de qualquer um dos membros do grupo (que integra nomeadamente grandes empresas do PSI 20).
O referido parecer do"Comité"não esquece o papel das ONG'S  na transformação de mentalidades e de práticas de que se fará um novo equilíbrio intergeracional. Neste espaço de dinamização da  sociedade civil, bem poderemos destacar as universidades seniores,em geral, e a de Espinho, em especial. De facto, um pujante movimento senior tem tudo para ser o parceiro privilegiado dos poderes públicos na construção das "cidades futuras", mais abertas, mais justas, mais dinâmicas, onde a cidadania possa ser vivida em todas as idades.

Maria Manuela Aguiar

Espinho, 10 de setembro de 2018
Na abertura do ano académico da Universidade Senior

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