segunda-feira, 18 de março de 2019

SNU - O FILME (março) e "DUAS REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX" (abril) in "Defesa de Espinho"

SNU -  O FILME


1 - O filme estreou, neste mês de março, depois de uma série da RTP, (TRÊS MULHERES), nos ter dado, em 2018, um outro retrato de Snu, como uma de três grandes mulheres da resistência à ditadura portuguesa..
A novela da televisão sobre Natália Correia, Vera Lagoa e Snu é, a meu ver,  mais interessante do que o filme de Patrícia Sequeira, não só pela adequada contextualização política do pensamento e da ação de cada uma, como pela caraterização cénica das  personalidades, que no ecrã ganham a densidade humana em que as reconhecerão os que as conheceram de perto - e que são ainda muitos. Os factos poderão, aqui e ali, divergir da realidade, cruzando a fronteira da ficção -  de qualquer modo, elas surgem-nos como eram.
O filma centra-se no romance verídico, fascinante e trágico que uniu Snu, a intelectual dinamarquesa, a Francisco, o político carismático, que foi Primeiro-Ministro de Portugal. É boa e ousada a ideia de contar uma história, que nunca foi transposta para o cinema. E pode até ser relativamente correta a cronologia dos factos de que se faz o guião, mas parece-me falhar o recorte psicológico dos protagonistas (sobretudo de Sá Carneiro), e faltar a magia da descoberta mútua de dois seres excecionais, a natureza e a força de um relacionamento em que o cresceu no espaço das afinidades culturais e políticas, durante uns breves anos em que ambos queriam mudar uma sociedade tão retrógrada e tinham pressa em a ver transformada pela via de uma democracia de inspiração sueca. Neste aspeto, que é o mais importante. deparámos com uma ficção  em diálogos improváveis, pela falta de conteúdo,  salvando-se pela qualidade, algumas transcrições de discursos de Sá Carneiro (na figura e voz do próprio ou do ator, numa alternância, que é um dos achados positivos desta aventura cinematográfica.
2 - Convivi, desde janeiro de 1980, com estas quatro personagens agora biografadas nos ecrãs -  embora muito menos com Snu Abecassis.. 
Considero genial a representação dos papéis  de Natália e de Vera pelas duas atrizes que espantosamente as encarnaram, como se fossem elas, com o seu jeito, graça e espírito. Ainda eram assim, brilhantes, charmosas e dominadoras quando, anos depois, com elas, (já bem mais velhas), dialogava em ambientes de tertúlia.
Snu é, pelo visto, um desafio maior. É inimitável!  Pela beleza, os imensos olhos límpidos azuis e expressivos, observadores, tristes também, pela postura discreta, sereníssima, gentil, como uma princesa. Humana e atenta aos problemas dos outros, tanto do ponto de vista doutrinal, como nos pormenores do quotidiano. A primeira frase que me disse, com um sorriso, quando eu conversava à entrada do Palácio da Vila em Sintra, com ela, o Primeiro Ministro Sá Carneiro e o casal Mizé e Diogo Freitas do Amaral, (que ali, bem agasalhados, recebiam os convidados, à porta, num dia gélido e ventoso), foi: "Está muito frio, é melhor entrar, pois pode apanhar uma gripe". De vestido de "chiffon" e já sem o abrigo de um casaco invernoso, apressei-me a seguir o avisado conselho. É um pequeno detalhe, todavia não o esqueci, por ser revelador da sua genuína preocupação com os outros.

3 - Na verdade, a intérprete do filme vai bem melhor do que a da televisão - como personagem mais amável, menos rígida, escapando a confundir a firmeza, determinação e o rasgo com a quase arrogância. Menos cuidado terá havido, porém, com a figura de Sá Carneiro - estranho numa produção que faz desfilar grande número de figuras públicas, quase todas  bem escolhidas, reconhecíveis à primeira vista.
O ator  tem fisicamente poucas semelhanças com Sá Carneiro, exceto de perfil, graças a um nariz proeminente e a baixa estatura física, Olhos castanhos, expressão doce, contrastando com o olhar intenso do Sá Carneiro real, a primeira coisa que nele nos atraía. Uns cintilantes olhos muito claros, que espelhavam o que lhe ia na alma, a crença na missão, a força de desafiar o destino (ou o interlocutor!) a alegria de viver vertiginosamente. No guião do filme, Snu diz-lhe que no primeiro encontro foi surpreendida, sobretudo, pelo seu magnetismo. (Quem não foi? Eu fui, definitivamente...).  Oram ao lado de Snu, vemos um homem romântico e invariavelmente  tolerante, no círculo íntimo  - e Francisco terá sido, de facto, um homem de paixões assumidas e de bom trato mesmo depois de ruturas  -  porém, intratável agreste, colérico, na sua faceta de político, Duas imagens que, obviamente, não combinam entre si. Sabemos que os inimigos de tempos passados (e presentes...) gostam de o caricaturar assim, e foi pena que,  neste aspeto, a realizadora não tenha tido o cuidado de procurar falar com quem poderia ajudá-los a moldar o seu perfil, o seu modo de estar, tanto em casa como no universo da política.
Francisco de Sá Carneiro era extremamente bem educado e dotado de uma extraordinária capacidade de auto-controlo, que nunca perdia, mesmo durante a mais acesa das discussões. Os argumentos podiam ser contundentes, as palavras duras como aço, a determinação inabalável, contudo o tom era invariavelmente cortêz. Porventura cortante, sibilino, mas cortez! Ao contrário de vários políticos portugueses abertamente  temperamentais, ele, sem dúvida, também temperamental, era contido nas reações, como  um "gentleman" britânico. Ao contrário de tantos outros, mesmo em discursos de campanha eleitoral, privilegiava a racionalidade das propostas e o comedimento no tom de voz. Era popular, mas não populista, Não cedia nunca em questão de princípios ou na linha estratégica que considerava certa. Era obstinado, corajoso, destemido -  um oponente formidável. Vencido, como foi algumas vezes por maiorias, dentro e fora do partido, sempre aceitou a legitimidade democrática dos vencedores. Mesmo quando batia com a porta, fazia-o com urbanidade, com elegância. Sim, foi algumas vezes vencido, mas não convencido. Tinha a visão de futuro, ou, como alguns preferem dizer, "tinha razão antes do tempo" . A sua insubmissão a preconceitos de uma sociedade anacrónica e das suas "elites" que o levava, se preciso fosse, a colocar a sua livre e sincera ligação a Snu à frente de uma carreira ascensional, era tanto um ato de amor como um gesto político de apelo à modernidade e,sobretudo, de respeito pela Verdade, que norteou a sua vida, no domínio público, como no privado.
2 revoluções no sec XX 1 - À distância de apenas quatro anos é irresistível fazer a comparação entre a celebração das revoluções que marcaram o século XX português: a revolução portadora das ilusões de uma mudança de regime, que se estendeu pelos 16 anos da breve 1ª República e a revolução fundadora da República em que estamos há 40 anos, ainda com a expectativa de a continuar, para além da crise actual, traduzida em involução e empobrecimento geral e em degradante dependência do Estado numa Europa dividida e desigual. O centenário da I República foi objecto de inúmeras organizações, do mundo científico e político, dos “media”, das instituições da sociedade civil, que o tornaram um excelente exemplo do que pode e deve ser feito, sem tombar no elogio nostálgico e ritual - .a permitir um olhar sobre nós, sobre a luta das mulheres e dos movimentos feministas, sobre a questão colonial e religiosa, sobre o fervilhar de ideias e de querelas, sobre o dilatado interregno da ditadura, sobre o 25 de Abril e o agitado início de milénio… Um percurso secular de memórias renascidas. No confronto entre festejos, os de 2014, pelo menos a nível oficial, parecem destinadas a ficar muito aquém do que justifica a importância da maior revolução do século, pelas suas consequências imediatas e futuras…Desde logo, porque representou o fim de um longo ciclo de 500 anos de construção e desconstrução de um vasto império colonial e ultramarino, que, ao entrar do último quartel do século, ia do Atlântico ao Pacífico, em estado de guerra e de desagregação, contra o sentir comum dos Povos. Um anacronismo, um impasse fatal, resolvido no fim de um ciclo de 50 anos de ditadura, de "silêncio e de medo”. Palavras de Maria Teresa Horta, há dias, numa rádio, onde, como em outros “media”, em universidades, em programas da sociedade civil, 1974 vem sendo tema de debate e rememoração, em fórmulas interessantes de fazer História e advento de História - a partir desse dia simbólico em que o império de desfez, com o anúncio e o começo da descolonização, e o País de refez, ao entrar no processo de retorno à sua origem geografica– antes de mais, no domínio da política, onde pela força do voto, se sagrou a opção europeia, a par da opção pela democracia representativa, uma das várias alternativas, que se confrontaram nas pulsões contraditórias do PREC... Em qualquer caso, de fora desta estreita fronteira europeia, para sempre ficaria a Diáspora, todo um espaço em expansão de lusofonia e de lusofilia. A melhor de todas as heranças do império finito: a dispersão universal da língua, enraizada em culturas e em afectos... 2 - Duas revoluções com sorte diversa... A revolução de 1910 morreu antes de envelhecer a geração que lhe deu corpo. Não assim a de 1974, com os jovens capitães que tinham, então, como Fernando Salgueiro Maia, 29 anos, ou pouco mais, e com os políticos, a quem eles abriram os caminhos da livre expressão e da acção concreta, e que eram, igualmente, na sua maioria, gente nova e idealista. Ficam, todos, a meu ver, bem, na galeria dos notáveis da Pátria. Entregaram à geração seguinte um país mais livre, mais justo e mais democrático do que jamais fora e, também, há que dizê-lo, melhor do que é... De facto, se perguntarmos hoje: Este é o Portugal que quisemos? Esta é a Europa em que acreditámos? A resposta é: "não!". Duas vezes “não”... Vivemos, assim, naturalmente, a urgência de recuperar, em simultâneo, o espírito humanista e fraternal da construção europeia, e o sentido libertário e pluralista da revolução de Abril, tal como se projectou na Constituição, em sucessivas revisões, e na cena política nas últimas décadas de novecentos. Ou seja, aceitando que a democracia exige sempre a alternância, o diálogo e o respeito da alteridade. Por isso me parece que uma das iniciativas não formalmente enquadrada em qualquer programação das comemorações, mas que lhe veio acrescentar um sinal de esperança - coisa que tanto nos tem faltado - foi o chamado "manifesto dos 74". E não apenas pelas suas propostas, a meu ver, realistas, sobretudo, na compreensão de que não há boas soluções nacionais, sem boas soluções à escala europeia..Não apenas por essas propostas, mas pela comprovação de que há, entre os Portugueses, na sociedade civil, mais vias de entendimento e de compromisso, do que julgam os políticos “institucionais” , aparentemente limitados no horizonte da sua própria inabilidade de dialogar e alcançar resultados no país e na Europa. Está em causa o futuro de um tempo começado em 74. Há que o demandar sem medo das ideias e dos projectos dos outros-n Por exemplo, sem medo de dar, no hemiciclo de São Bento, no próximo dia 25, voz aos militares de Abril, neles personificando a homenagem merecida desta geração à antecedente. À que fez a grande revolução. Maria Manuela Aguiar abril 18, 2019

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