sábado, 25 de julho de 2020

ADELAIDE VILELA no LUSOPRESSE - sobre Manuela Aguiar




A história de hoje versa sobre a vida de uma Senhora que se deu ao luxo de fazer um percurso memorável. Nesta viagem com vida, por caminhos que fazem história, Portugal ganhou a primeira mulher Secretária de Estado, em domínios até aí reservados a homens, para gáudio de alguns e desgosto de outros. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira nasceu no dia 9 de junho de 1942, na casa da avó Maria, avó materna, em São Cosme de Gondomar. Maria Antónia, ao dar à luz a pequena Manuela traz alegria aos familiares e energias boas a cada aposento da casa grande, uma das chamadas “casas de brasileiros”.  
Naquela moradia, viveu, cresceu, brincou, sonhou e foi feliz a bela Manuela.
 Depois de ler e analisar uma quantidade industrial de informação e muitos comentários contidos no Blog da Dra. Manuela Aguiar, deixei que a emoção me traísse. As coisas do passado provocam-se insónias mas trazem-me cheia de encantos. Assim, de imediato senti ternura imensa nas palavras desta querida amiga que tanto estimo e admiro, e nas respostas de seus primos e amigos, de todos quantos conhecem, privaram ou privam com Manuela Aguiar. O certo é que me vieram as lágrimas aos olhos: “Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que a cultura brasileira estava realmente presente, e mais nas narrativas, nas memórias, na música, na gastronomia do que propriamente na traça do edifício, ao gosto dos anos 20 do século XX”. 
Manuela Aguiar desde muito cedo deu provas de grande maturidade e de uma inteligência fora do comum. Tinha apenas treze anos escreveu um soneto no qual emprega uma linguagem literária fora do comum, e surpreende os grandes poetas da época. O poema foi publicado no suplemento do Diário de Notícias, por muitos anos dirigido por Maria Lamas (Modas e Bordados), com honras de bravura à menina e a seus pais e avós. Agora entendo porque aceitou prefaciar o meu livro “Olhos nas Letras”, pois, sei ao certo que gosta de poesia!  Pelo que lemos Manuela Aguiar foi sempre estudiosa. Para isso teve que ir à luta porque sabia de antemão que era necessário um bom quadro de formação, estudos e experiências.
E como a vida e as histórias se constroem dia a dia, Manuela ingressa na escola pública durante dois anos, mais sete no Colégio do Sardão, e dois no Liceu Rainha Santa Isabel do Porto, qualificando-se com 18 valores no ano de 1960. Às vezes não é fácil, no entanto Maria Manuela sabia o que a esperava. Vieram tempos difíceis e de muito trabalho, mas valeu a pena todo o esforço. Completou o curso de Direito na Universidade de Coimbra com 17 valores, corria o ano de 1965. E ganhou o título de aluna brilhante e estudiosa.
Claro que para ela as oportunidades são únicas, por isso volta a desafiar-se, ao regressar aos bancos da escola, desta vez como bolseira da Fundação Gulbenkian. Os estudos eram o seu forte, ainda que fosse fora de Portugal, e lá vai ela para Paris, entre os anos 1968 e 1970. Se o Direito a tinha convencido, as Terras de Molière viriam a ser o paraíso certo para fortalecer os seus conhecimentos em Sociologia, e naqueles tempos a França estava na moda. Ainda bem que hoje é Portugal que anda na boca do mundo. E foi estimulante saber que Maria Manuela concluiu o ano de titularização na “École Pratique des Hautes Études”, com Alain Touraine, vários certificados avulsos na "revolucionária" Universidade de Vincennes, entre eles o de "Sociologia Americana" e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit", na Faculdade de Direito do Instituto Católico de Paris (única instituição onde os ventos da revolução não tinham alterado o quadro de ensino).
Maria Manuela Aguiar teve ao longo da sua vida muitos mundos dentro do seu coração, assim podemos afirmar que tinha vários países na mira do seu pensamento, com o Canadá e as suas políticas democráticas no alto. Mas sobre as cidades onde viveu ainda hoje declama desta forma tão peculiar:   “Em muitos lados fiz boas amizades que ficaram para sempre: O que António Vitorino de Almeida diz de Viena, posso eu dizer desta outra geografia: "A França  não é o meu país, mas Paris é a minha cidade". (A par de Coimbra, e só perdendo para o Porto).
Percebe-se que já naquela altura, antes e depois do 25 de Abril, Maria Manuela Aguiar era uma mulher que gostava de avançar no tempo, pelo que, com rebeldia ou não, desenvolveu, dinamizou e conseguir uma série de conquistas demonstrando que, quando é necessário, muda-se o que está errado tornando cómodo quaisquer níveis de desenvolvimento úteis para a sociedade.
Durante os tempos de migração em França foi assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/74), onde granjeou grandes amizades e teve excelentes diretores, e que sempre lhe deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das  Nações Unidas…). Um homem do regime (Cortez Pinto), o outro progressista e genialmente inteligente (António  da Silva Leal).
Como professora universitária, Manuela Aguiar - a convite de Álvaro de Melo e Silva – foi docente na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa (1972/73). Logo foi surpreendida com outro convite que a levou à Faculdade de Economia de Coimbra, e como as condições do passado a poucos interessava a Sra. Dra. foi uma sortuda ao encetar o novo e brilhante cargo no derradeiro dia da ditadura, no dia 24 de abril de 1974. Ainda no mesmo ano académico, na Faculdade de Direito, torna-se assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e Mota Pinto, futuro Primeiro Ministro, vindo a reger o curso  de Introdução ao Estudo de Direito, integrando a linha de investigação de Direito de Família do Prof Pereira Coelho. Tempos felizes em que a jovem docente colocava em evidência, perante os seus alunos, a temática sobre o respeito pela lei a como o maior apelo ao desenvolvimento numa nova realidade, sendo a liberdade, e a igualdade, de baixo para cima, um pilar fundamental para uma sociedade livre.
Em 1976, deixa a Faculdade para ser assessora do Provedor de Justiça, instituição inspirada no “Ombudsman” sueco, que acabava de abrir as portas:
“Aí trabalhei com o primeiro Provedor, um dos grandes “militares de Abril”, Coronel Costa Braz e, poucos meses depois, com o segundo, o mais admirável de todos os notáveis dirigentes com quem colaborei - o Dr José Magalhães Godinho". No início de 1990 Manuela Aguiar regressa ao ensino, como docente convidada da Universidade Aberta, e dirige os estudantes de mestrado em Relações Interculturais, curso de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas".
Em Portugal, foi interveniente no Governo e no Parlamento, incentivada pelo Doutor Mota Pinto e, depois, por Sá Carneiro,  a fazer carreira política. E estava encontrada a primeira mulher Secretária de Estado da Emigração, que viria a conquistar a simpatia dos emigrantes espalhados pelo Mundo. No seu executivo conseguiu um feito jamais visto, do qual ainda hoje se fala com maior carinho e gratidão. Como podemos analisar muitos foram as viagens e as negociações que a Secretária de Estado teve que empreender para que os emigrantes lusos no Canadá pudessem reaver a nacionalidade portuguesa, pois aqueles que se tinham adquirido a nacionalidade canadiana perdiam automaticamente a portuguesa, isto na década de 70.
Não nos podemos esquecer que Manuela Aguiar foi uma das mulheres mais influentes na política nacional e internacional. Esteve na política em cinco governos e no parlamento durante cerca de 25 anos, sempre amarrada, de alma e coração, à problemática das migrações, dos Direitos Humanos, da igualdade. Fez igualmente parte do Governo de Mário Soares e de Cavaco Silva e foi a primeira mulher Vice Presidente da Assembleia da República, a dirigir Plenários e delegações Parlamentares

Para quem não se lembra, deixou como legado, aos parceiros sociais, a Comissão para a Igualdade no  Trabalho e Emprego (CITE).
Foi também eleita, em sucessivas legislaturas, como representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia da União da Europa Ocidental e a primeira mulher a Chefiar a Delegação portuguesa nessas organizações, isto a partir de 2002.
Foi Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia e Presidente da Subcomissão da Igualdade da Assembleia e Parlamentar do Conselho da Europa, escolhendo para intervir, também a nível internacional, a causa dos marginalizados, migrantes, refugiados, mulheres...
Na política a nível local, foi deputada na Assembleia Municipal do Porto, nos anos noventa, e vereadora da Cultura da Câmara de Espinho (2005/2011).

Em todos os projetos desenvolvidos como docente ou através da sua carreira política, o projeto de valorização da mulher na sociedade, foi o mais valioso que lhe conhecemos e que na Diáspora Portuguesa desenvolveu, sobretudo entre 2005 e 2010, com a inesquecível  Drª Maria Barroso, com ela percorrendo as "sete partidas do mundo". E aqui reconhecemos o quanto a Dra. Manuela Aguiar fez, no plano nacional como internacional, tendo dado prioridade a múltiplas ações na luta pelos Direitos dos Migrantes em todas os países de acolhimento por onde passou. 

Para terminar este trabalho lembramos algumas da múltiplas condecorações e distinções que recebeu Maria Manuela Aguiar: a Grã- Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique, atribuída pelo Presidente Jorge Sampaio, a Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e a da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Império Britânico (OBE), a Grã Cruz de Francisco Miranda (Venezuela) ou o grande oficialato da Ordem da Estrela Polar (Suécia), e da Ordem de Mérito (França), o Título de "Cidadão do Rio de Janeiro", Medalha Tiradentes (Brasil). Recebeu ainda a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro) e a Medalha de honra da Câmara de Espinho. Destacamos todas as condecorações que recebeu: “do significado que têm para mim, outras condecorações, e muitos títulos de sócia honorária de associações portuguesas, em Portugal e pelo Mundo”. Este ano Manuela Aguiar teria participado, no mês de março, nas celebrações do Dia da Mulher do Lusopresse, festividades canceladas derivado à pandemia que assolou o Mundo. É mais um prémio que vai arrecadar, assim que as linhas aéreas sejam normalmente abertas. Maria Manuela Aguiar tem apoiado o Jornal Lusopresse, através suas brilhantes atuações, e a cada vez que participa nos eventos como convidada especial. Também agradecemos o facto de ter apreciado e referido aos seus amigos e lugares o nosso jornal fazendo-nos acreditar que devemos continuar com a nossa missão de enaltecimento à língua e á cultura portuguesas.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

FUTEBOL 2020


FUTEBOL 2020
O futebol vê-se, e é visto, como um mundo à parte, com as suas Leis e a sua justiça... Um Estado dentro do Estado. E nem uma pandemia global altera esta realidade. A declaração do “estado de emergência”, que levou ao abrupto termo dos campeonatos desportivos, em todas as modalidades, masculinas e femininas, excecionou o futebol profissional masculino (só a1ª Liga...)! Poucos foram os países que fizeram o contrário, caso paradigmático da França, onde o Paris St Germain, 1º classificado nessa altura, foi, sem mais, declarado campeão. A alternativa mais comum foi, porém, não atribuir o título, valendo a classificação existente como critério de apuramento para competições internacionais. Qualquer dessas soluções é aceitável, e, a meu ver, mais realista do que o apressado e perigoso reatamento de jogos oficiais, após cerca de três meses de confinamento dos atletas, sem possibilidade de organizar uma fase de preparação. 
O recomeço, nestas condições, levanta, essencialmente, três ordens de questões: sanitárias, económicas e desportivas. Neste como em outros domínios, a difícil escolha entre as primeiras leva a uma gradação de soluções de compromisso para a abertura, tão segura quanto possível, das actividades do nosso anterior quotidiano. No futebol profissional, a economia falou mais alto, a bem da saúde financeira dos maiores clubes. Os riscos de contágio e os riscos de lesões graves dos atletas (algumas vão acontecendo, menos do que eu receava, graças, talvez, a um mais baixo ritmo de jogo…) foram subestimados pela DGS, que bem prega, mas aqui descura, o distanciamento social e a constante higiene das mãos, como fundamentais para impedir a propagação pandémica... Ora ambas – e, sendo a peleja realizada em espaço aberto, já nem falo das máscaras, aliás, muito úteis, mesmo ao ar livre, como os Orientais nos ensinam) – são impossíveis de respeitar num jogo de contacto físico intenso e constante, como é o futebol… Por isso, a coerência exigiria a proibição, sem apelo nem agravo, da retoma do campeonato nacional… Ao jogo, em si, acresce um outro factor de risco potencial: a mais do que provável movimentação de multidões à sua volta. E não para ouvir, placidamente, discursatas políticas, ou para marchar, a passo lento, num protesto de rua, mas para festejar a irrepetível vitória de um campeonato…. Na verdade, é muito fácil impor jogos à porta fechada, ou proibir a venda de manjericos em vésperas do S João, mas não o será a contenção do ímpeto dos eufóricos adeptos do novo campeão, por muito ordeiros que sejam (na Avenida dos Aliados costumam ser, no Marquês de Pombal, não tanto …). Tendo na memória imagens de Liverpool, esperamos,na melhor das hipóteses, uma massa compacta de gente abraçada a cantar e a gritar, sem máscaras nem viseiras!
Uma terceira, e não secundária questão, é a da “verdade desportiva” – ao menos para quem, como eu, admite a inevitabilidade do futebol profissional ser negócio”, sem, contudo, deixar de ser “desporto”! E a verdade é que, este ano,  o campeonato nacional, prova de resistência, com as equipas no desenvolvimento pleno das suas capacidades e talentos, num percurso, que o público acompanhou e motivou, chegou ao seu termo em março... Teve princípio, meio e fim, ainda que prematuro.   Após três meses de hibernação, em clausura, não há reinício possível! Há, sim, início de coisa de outra natureza: uma espécie de pré-época antecipada, ou de “pré-época da pré-época", onde os últimos podem derrotar facilmente os primeiros, porque, por força das circunstâncias, todos estão nivelados por baixo, a jogar igualmente mal - ainda que uns menos mal do que outros… Para mim, o campeão foi o FCP 2020 e apenas por um ponto apenas de vantagem. Mesmo que este arremedo de futebol estival lhe desse, porventura, maior vantagem, (ou que outro tivesse sido o vencedor) a minha opinião não sofreria mudança. Para a degradação qualitativa a que se assiste muito contribui a falta do público! O futebol genuíno é um diálogo constante entre os atletas, os apoiantes, as claques, emoção colectiva que faz jogar e, nessa medida, "joga!. Proibi-lo é um contra senso… e mais uma forma de discriminação, em que a DGS tem sido tão fértil. Se as primeiras figuras do Estado dão o exemplo da bondade de participação num espetáculo em espaço fechado, com mais de 2000 pessoas, porque têm de estar completamente vazios estádios com lotação de vinte, cinquenta, setenta mil pessoas? (ao ar livre). Porque não se permite um número limitado de convidados, ao menos, nos camarotes das direções dos clubes? Porque não se admite, nas bancadas, escassos milhares de adeptos (experimentalmente, digamos, somente 10% da lotação total), que sejam "a voz" de todos os demais? Muito mais complicado será, previsivelmente, lidar com a “loucura” da vitória final, do que com uma assistência limitada, jogo a jogo...
O "futebol 2020" vai ainda ser lembrado por outra nota chocante: a decisão da FPF de discriminar, ainda mais, o futebol feminino, impondo a este universo, menor e menorizado, tetos salariais , arbitrariedade impensável no futebol macho... Pela primeira vez, na esteira das indómitas  campeãs do mundo norte - americanas, também as portuguesas ergueram a voz e exigiram "futebol sem género"! Mais um momento para a história do futebol global!