quinta-feira, 2 de julho de 2020

FUTEBOL 2020


FUTEBOL 2020
O futebol vê-se, e é visto, como um mundo à parte, com as suas Leis e a sua justiça... Um Estado dentro do Estado. E nem uma pandemia global altera esta realidade. A declaração do “estado de emergência”, que levou ao abrupto termo dos campeonatos desportivos, em todas as modalidades, masculinas e femininas, excecionou o futebol profissional masculino (só a1ª Liga...)! Poucos foram os países que fizeram o contrário, caso paradigmático da França, onde o Paris St Germain, 1º classificado nessa altura, foi, sem mais, declarado campeão. A alternativa mais comum foi, porém, não atribuir o título, valendo a classificação existente como critério de apuramento para competições internacionais. Qualquer dessas soluções é aceitável, e, a meu ver, mais realista do que o apressado e perigoso reatamento de jogos oficiais, após cerca de três meses de confinamento dos atletas, sem possibilidade de organizar uma fase de preparação. 
O recomeço, nestas condições, levanta, essencialmente, três ordens de questões: sanitárias, económicas e desportivas. Neste como em outros domínios, a difícil escolha entre as primeiras leva a uma gradação de soluções de compromisso para a abertura, tão segura quanto possível, das actividades do nosso anterior quotidiano. No futebol profissional, a economia falou mais alto, a bem da saúde financeira dos maiores clubes. Os riscos de contágio e os riscos de lesões graves dos atletas (algumas vão acontecendo, menos do que eu receava, graças, talvez, a um mais baixo ritmo de jogo…) foram subestimados pela DGS, que bem prega, mas aqui descura, o distanciamento social e a constante higiene das mãos, como fundamentais para impedir a propagação pandémica... Ora ambas – e, sendo a peleja realizada em espaço aberto, já nem falo das máscaras, aliás, muito úteis, mesmo ao ar livre, como os Orientais nos ensinam) – são impossíveis de respeitar num jogo de contacto físico intenso e constante, como é o futebol… Por isso, a coerência exigiria a proibição, sem apelo nem agravo, da retoma do campeonato nacional… Ao jogo, em si, acresce um outro factor de risco potencial: a mais do que provável movimentação de multidões à sua volta. E não para ouvir, placidamente, discursatas políticas, ou para marchar, a passo lento, num protesto de rua, mas para festejar a irrepetível vitória de um campeonato…. Na verdade, é muito fácil impor jogos à porta fechada, ou proibir a venda de manjericos em vésperas do S João, mas não o será a contenção do ímpeto dos eufóricos adeptos do novo campeão, por muito ordeiros que sejam (na Avenida dos Aliados costumam ser, no Marquês de Pombal, não tanto …). Tendo na memória imagens de Liverpool, esperamos,na melhor das hipóteses, uma massa compacta de gente abraçada a cantar e a gritar, sem máscaras nem viseiras!
Uma terceira, e não secundária questão, é a da “verdade desportiva” – ao menos para quem, como eu, admite a inevitabilidade do futebol profissional ser negócio”, sem, contudo, deixar de ser “desporto”! E a verdade é que, este ano,  o campeonato nacional, prova de resistência, com as equipas no desenvolvimento pleno das suas capacidades e talentos, num percurso, que o público acompanhou e motivou, chegou ao seu termo em março... Teve princípio, meio e fim, ainda que prematuro.   Após três meses de hibernação, em clausura, não há reinício possível! Há, sim, início de coisa de outra natureza: uma espécie de pré-época antecipada, ou de “pré-época da pré-época", onde os últimos podem derrotar facilmente os primeiros, porque, por força das circunstâncias, todos estão nivelados por baixo, a jogar igualmente mal - ainda que uns menos mal do que outros… Para mim, o campeão foi o FCP 2020 e apenas por um ponto apenas de vantagem. Mesmo que este arremedo de futebol estival lhe desse, porventura, maior vantagem, (ou que outro tivesse sido o vencedor) a minha opinião não sofreria mudança. Para a degradação qualitativa a que se assiste muito contribui a falta do público! O futebol genuíno é um diálogo constante entre os atletas, os apoiantes, as claques, emoção colectiva que faz jogar e, nessa medida, "joga!. Proibi-lo é um contra senso… e mais uma forma de discriminação, em que a DGS tem sido tão fértil. Se as primeiras figuras do Estado dão o exemplo da bondade de participação num espetáculo em espaço fechado, com mais de 2000 pessoas, porque têm de estar completamente vazios estádios com lotação de vinte, cinquenta, setenta mil pessoas? (ao ar livre). Porque não se permite um número limitado de convidados, ao menos, nos camarotes das direções dos clubes? Porque não se admite, nas bancadas, escassos milhares de adeptos (experimentalmente, digamos, somente 10% da lotação total), que sejam "a voz" de todos os demais? Muito mais complicado será, previsivelmente, lidar com a “loucura” da vitória final, do que com uma assistência limitada, jogo a jogo...
O "futebol 2020" vai ainda ser lembrado por outra nota chocante: a decisão da FPF de discriminar, ainda mais, o futebol feminino, impondo a este universo, menor e menorizado, tetos salariais , arbitrariedade impensável no futebol macho... Pela primeira vez, na esteira das indómitas  campeãs do mundo norte - americanas, também as portuguesas ergueram a voz e exigiram "futebol sem género"! Mais um momento para a história do futebol global!

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