sábado, 3 de agosto de 2024

2024 - EFEMÉRIDES

EFEMÉRIDES 2024 - NO CINQUENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO, O CENTENÁRIO DE SOARES E OS 90 ANOS DE SÁ CARNEIRO 1 - Francisco Sá Carneiro nasceu no Porto, em 1934. Teria completado 90 anos no passado dia 19 de julho. Era dez anos mais novo do que Mário Soares, cujo centenário será celebrado, a partir do próximo dia 7 de dezembro. Sá Carneiro e Mário Soares, os fundadores dos maiores partidos da democracia nascente! Cinco décadas depois, PSD e PS, ainda repartem o centro político, moderado e reformista, com o voto largamente maioritário dos portugueses. Pelo contrário, à sua esquerda e direita, PCP e CDS iam minguando, enfraquecidos pela concorrência eficiente de formações que foram apareceram (e, algumas, desaparecendo), nas margens do “centrão”. Foi, pois, num contexto de maior equilíbrio de forças que os quatro principais partidos portugueses fizeram história por caminhos abertos pela Revolução, com lideranças de tal modo carismáticas e mobilizadoras, que não poderemos compreender inteiramente as metamorfoses da sociedade e da política portuguesa de então, sem refletir o seu pensamento e a sua ação.... 2 - A dia 25 de Abril de 1974, Sá Carneiro estava prestes a completar quarenta anos, Soares ia a caminho dos cinquenta, Álvaro Cunhal era já era sexagenário e Freitas do Amaral ainda não tinha feito trinta e três anos. Este curioso escalonamento de idades é, porém, menos relevante do que outras diferenças, de origem familiar e regional, de perfil, de ideologia e visão estratégica, de empatia com um povo ansioso pela mudança. Diferenças, mas também semelhanças - e não penso na formação académica (eram todos juristas da Universidade de Lisboa), mas na marca das suas qualidades pessoais e políticas na refundação de um regime. Todos eles homens com sentido de missão, norteados por valores, por muito contraditórios que fossem (e eram) as suas mundivisões. 3 – Nas inesquecíveis comemorações do cinquentenário de Abril/74, o foco não esteve nestas quatro personalidades, isto é, na componente civilista da Revolução, mas acho que deveria estar no período restante de programação, até ao seu fecho simbólico em 1976, (no cinquentenário da Constituição da República Portuguesa). Isso não significa desvalorizar a cota parte dos militares, mas antes abranger, num olhar envolvente, as duas metades do todo. Suponho que a Comissão das Comemorações, constituída, com pompa e circunstância, para oficiar o ritual festivo não o fará - e, de qualquer modo, o que quer quer que faça não se nota muito - e os poderes públicos provavelmente também não. Ponho a minha esperança no dinamismo da "sociedade civil", em ONG e em “fora” de debates, quer tenham, ou não, afinidades com formações partidárias. O momento é asado, com a confluência das três efemérides, que dão título a esta crónica. 4 - No caso do Dr. Soares, mais do que esperança, há certezas. A preparação das comemorações do seu centenário está em curso, por iniciativa da Fundação com seu nome (e, agora, também, o de sua Mulher) e que assinalará, entre dezembro de 2024 e 2025, um século na vida do País e do Homem, que esteve na resistência a uma ditadura de quase cinquenta anos, e na construção da democracia, que se estendeu pelos outros cinquenta. A “Fundação Mário Soares e Maria Barroso” vem desempenhando um papel exemplar na preservação de um precioso arquivo (o do fundador e não só), e no debate de ideias – no quadrante político que era o dele, fiel ao seu espírito de abertura ao exterior, ao meio académico, ao mundo da lusofonia. Um paradigma difícil de seguir... 5 – Sá Carneiro, nos 90 anos do nascimento de Sá Carneiro, merece, obviamente, igual reconhecimento pelo muito que lhe cabe na arquitetura da nossa democracia, igual preocupação na preservação do seu legado. Do Instituto Francisco Sá Carneiro (o antigo "Instituto Progresso Social e Democracia", rebatizado após a sua morte), se esperaria motivação bastante para o homenagear nesta data, já que na sua folha de apresentação destaca a “aposta” na "valorização da memória do político singular que nos deu o nome". Muito estranha é, por isso, esta omissão. Invocar o seu nome na Universidade de verão e similares, ou dar à estampa, de vinte em vinte anos, edições de curtos depoimentos sobre a sua pessoa e percurso político (em 2000, uma coletânea intitulada "Francisco Sá Carneiro - um olhar próximo", em 2020, com a chancela da JSD, uma segunda coletânea "40 anos, 40 testemunhos sobre Sá Carneiro") e reedições de escritos pouco cuidadas ou acrescentadas, não me parece esforço bastante... 6 - Nada contra as coletâneas, são textos interessantes de ler e reler, mas não substituem a investigação científica aprofundada, a edição de ensaios críticos, o debate académico, em que se deveria alicerçar a divulgação da sua mensagem. E que dizer do tratamento dos arquivos de Sá Carneiro, da recolha de arquivos de velhos militantes, que, por incúria, se vão perdendo? (nem todos, sei que alguns dos mais importantes foram oferecidos, não ao Instituto, mas à "Ephemera", e é fácil perceber o porquê da preferência...). 7 – Contudo, apesar da inércia das estruturas partidárias, Sá Carneiro teve na sua cidade, na noite de 19 de julho passado, o merecido tributo, por iniciativa de um grupo de militantes portuenses do PSD, reunidos no fórum "Porto Laranja". O fórum organizou um jantar - conferência, com José Pacheco Pereira como orador e com mais de uma centena de participantes (tantos quantos o restaurante comportava). O conferencista começou a sua brilhante intervenção pela mostra de documentos inéditos sobre Sá Carneiro e sobre o PPD nos dias agitados da Revolução, mobilizou ânimos, dialogou com os presentes até muito depois da meia-noite. Só espero que haja mais diálogo com quem possa, assim, esclarecer-nos e entusiasmar-nos. Num país que, cronicamente, descura o seu património acervos, a todos os níveis, e em todos os domínios, Pacheco Pereira, com a sua já famosa "Biblioteca e Arquivos Ephemera", está convertido num verdadeiro "herói da resistência" à indiferença que, em linha reta, leva à destruição de documentos, registos de factos, memórias, a que não escapam algumas das mais altas figuras da Pátria... 8 - Uma das surpreendentes revelações de Pacheco Pereira foi a existência de muitas e sucessivas emendas dos textos de Sá Carneiro, (feitas por sua própria mão), que não têm sido respeitadas, nomeadamente, nas recentes reedições dos "Escritos". E mais ainda: a existência de inúmeros textos inéditos, que permanecem fechados nas gavetas e deveriam ser publicados.. Passo importante para aproximar as novas gerações de um Sá Carneiro, demasiadamente ignorado, apesar de tão citado (geralmente de uma forma sintética ou ligeira), e de tão elogiado, (a traços largos e, tantas vezes, com ambiguidade, por antigos opositores, de fora e, sobretudo, de dentro do partido). Um retrato de luzes e de sombras, delineado em algumas das suas mais ambiciosas biografias, na pena dos autores que me parece ser guiada mais por testemunhos hostis do que positivos. É o caso da obra de Miguel Pinheiro, anunciada como fruto de "cinco anos de trabalho exaustivo", abrangendo 76 entrevistas a familiares, companheiros e adversários. Muito esforço, sem dúvida, prejudicado pela falta de equilíbrio na avaliação ou dosagem de testemunhos, (muitos mais contra do que a favor)… 9 - Assim pensa quem sempre foi "Sacarneirista". Um dia darei sobre ele o meu subjetivo testemunho. Aqui e agora, direi apenas que acompanhei o seu percurso, desde a "ala liberal" ao dia 4 de dezembro de 1980, de longe, como cidadã atenta aos seus escritos e intervenções. E, quando o conheci, de perto, num ano incompleto, como membro do seu Governo, confirmei as sintonias, em toda a sua extensão! Em Sá Carneiro, apreciava as qualidades, e, acima de tudo, dos defeitos que lhe apontavam, um dos quais era ter razão "antes do tempo". Por exemplo, ter razão quando, já em 1974, confiava, em absoluto, na capacidade dos portugueses para viverem a democracia plena, sem paternalismos nem tutelas militares. Portugal foi sempre a sua aposta de alto risco!

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