quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

PERCEÇÕES 1 - Nestes últimos dias do ano fala-se muito de guerras (a da Ucrânia, a de Gaza, que alastrou ao Líbano e, agora, a da Síria, todas de desfecho incerto - e que pena não podermos falar de paz neste Natal...), do novo aeroporto de Lisboa (que absurdo, fazer em Lisboa o maior investimento de sempre, como se, para o Estado, não houvesse o resto do país), das eleições presidenciais (um civil ou um militar?), das eleições na Madeira (que parecem ter entrado no calendário vulgar do Prof. Marcelo, cuja tarefa preferida é dissolver, dissolver – juntamente com as “selfies”, provavelmente, o que ficará para a história dos seus dois mandatos), de futebol (SCP E SLB dominando todos os programas semanais de rádio e TV– do FCP só ”faits divers” como a notícia da descida aos túneis do presidente AVB e da sua linguagem vicentina…) e de “perceções” (sobretudo, a propósito dos “sentimentos nacionais” de insegurança, ligando-os à realidade mal conhecida, ou propositadamente deturpada, da imigração. Estava eu hesitante em escolher, entre tantos temas da semana, um para tratar em mais detalhe, quando vi, nos noticiários do dia, em todas as estações, as reportagens sobre “a rusga de Martim Moniz” e "senti" que tinha de escrever sobre a sensação de horror (e de insegurança!) em mim provocada por aquelas imagens - uma fila infindável de pacatos indivíduos, com as mãos encostadas às paredes, a serem revistados por forças policiais. Há meio século, quando fervilhavam as pequenas querelas partidárias, em tempo de construção de um país livre, o muito jovem jornalista Marcelo entretinha-se a criar “factos políticos”, saídos da sua cabeça para as páginas do “Expresso” (e nós, às vezes, até achávamos graça). Agora é um Governo da República, que parece agir ao serviço de preconceitos e de “factos imaginados”, o que não tem graça nenhuma e pode desencadear sérias consequências para a perceção interna e externa da qualidade da nossa democracia, para além do susto e do vexame infligido a tantos cidadãos inocentes. Sim, inocentes! Na verdade, a gigantesca operação de 19 de dezembro de 2024, ao que vi e ouvi, saldou-se em dois detidos (um já a contas com a Justiça e outro por posse de droga - ambos portugueses) e pela apreensão de uma pequena quantidade de material de contrafação. A montanha pariu um rato… podemos até concluir que, de uma forma ínvia e cruel, a operação acabou por provar ser Lisboa, até nas zonas de duvidosa reputação, uma cidade mais segura do que aparenta. Já tenho assistido a rusgas policiais na feira semanal de Espinho, no ocasional combate à contrafação – talvez com mais apreensões de artigos à venda - felizmente, até ver, sem semelhante espalhafato. Dizer que esse alarde de prepotência nos transmite uma “sensação de tranquilidade”, é, simplesmente, incrível…a fazer recordar tempos de pandemia, quando nos vedaram o acesso à praia e aos bancos de jardim e erguerem barreiras policiais para impedir a circulação de carros entre concelhos vizinhos. Eu, na altura, desempenhava um cargo que me dava liberdade de trânsito até ao Porto, ao estádio do Dragão, e via-me fiscalizada, pelo menos, três vezes, antes de chegar ao destino, para assistir a jogos sem público. Nunca tais medidas obviamente excessivas me deram uma sensação de “tranquilidade” - só de insensatez, de desnorte, de incompetência. 2 – Confesso que me preocupa muito a “deriva securitária” (pomposa, embora realista formulação!), deste Governo, que, nos seus primeiros meses, mostrou uma face bem mais benigna e promissora, cultivando cuidadosamente o distanciamento face ao partido de Ventura. Mas eis que, num ápice, se aproxima do "inimigo" não só neste campo de fiscalização intrusiva das populações, como na denegação de acesso ao SNS de todos os imigrantes ainda não legalizados, nos termos de uma iniciativa do "Chega" (que estranho presente natalício...). A campanha começou, como sabemos, na denúncia do aproveitamento da abertura dos nossos serviços de saúde por turistas, que ao país se deslocavam apenas para beneficiarem de tratamentos dispendiosos ou para aqui terem os filhos nas nossas atrativas maternidades. Até aqui, tudo bem, ninguém discordará da urgência de pôr fim a tais abusos. Porém, estender o mesmo regime limitativo aos estrangeiros que vivem e trabalham no país entra no domínio da injustiça e da desumanidade e pode, em certos casos, constituir uma ameaça à saúde pública de estrangeiros legalizados e de portugueses, por igual (como é óbvio, pela via da propagação de doenças, não atempadamente diagnosticads e tratadas). . Não se julgue que estas posições estão na tradição do PSD e dos seus governos. Não estão! E já nem penso nos tempos de Sá Carneiro ou de Mota Pinto, verdadeiros sociais-democratas, mas, por exemplo, na década de Cavaco Silva, que também ainda mostrava preocupações sociais com os desfavorecidos. Disso posso dar testemunho, justamente no que respeita á imigração indocumentada. Embora o meu espaço de intervenção cívica e política tenha sido, fundamentalmente, o da emigração portuguesa, também me envolvi em ações de solidariedade com imigrantes, em movimentos para a sua legalização (brasileiros, guineenses, nos anos noventa, ucranianos no começo do século...). Quando do processo de realojamento de populações das barracas de Lisboa - um dos que marcaram aquela década positivamente - falei com o Primeiro Ministro Cavaco Silva, perguntando-lhe se os imigrantes clandestinos eram abrangidos na solução e ele respondeu que sim, e acrescentou que isso se devia à sua própria decisão! Nessa altura, note-se, a regulamentação interditava a atribuição de habitações sociais a estrangeiros e ele abriu uma exceção inteligente (que sucesso teria o programa de erradicação de barracas, se deixasse tanta gente de fora?). O mesmo, "in illo tempore", aconteceu, e por maioria de razão, em matéria de abrangência nos cuidados de saúde. Ouvir agora um deputado do PSD, prestigiado médico portuense, a defender, do alto da tribuna, na Assembleia da República, a exclusão de trabalhadores estrangeiros, em situação irregular (não meros turistas), do acesso a serviços gratuitos de saúde, é coisa de estarrecer! 3 - Tudo é sacrificado ao altar das perceções, do imaginário popular... Ora os Governos não podem ficar cativos de erróneas perceções. Têm, sim, a obrigação de as desconstruir pela revelação de factos e números autênticos e de adequar à realidade as políticas públicas. Não se pode confundir a situação de "turistas da saúde" com a de imigrantes (ditos) clandestinos ou ilegais, que, em tantos casos, são não só usados como explorados no nosso país. Não se pode alegar que abusam do SNS estrangeiros que são contribuintes líquidos do sistema, porque efetivamente pagam muito mais do que recebem, como os relatórios comprovam. Não se pode, num dos países mais seguros do mundo, lançar campanhas contraproducentes contra a insegurança. E, sobretudo, não se pode apontar o dedo acusatório aos imigrantes, no capítulo penal, quando, de facto, as suas taxas de criminalidade são inferiores às dos nacionais. Isso é a regra por todo o lado e quaisquer que sejam as nacionalidades. Os imigrantes de primeira geração vêm para trabalhar, honesta e duramente. Falo por experiência de vida. Quando comecei as visitas às nossas comunidades recentes, por exemplo, em França, havia cerca de um milhão de portugueses e praticamente nenhum na cadeia. Na geração seguinte, a percentagem de detidos já era próxima da média nacional francesa... Os problemas não surgem com os pais, mas com os filhos, quando lhes não dão condições de integração, de igualdade, de pertença. Os bairros de maioria imigrante precisam muito mais de boas escolas, de bons professores, de associativismo solidário do que de polícia. Depois de ter andado no terreno, no meio das pessoas, esta é a minha perceção. Vamos ser realistas e justos. Chega de "Chega"... Para todos, estrangeiros e nacionais, um Bom Natal!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

MÁRIO SOARES, SEMPRE! Conheci a Dr.ª Maria Barroso e o Dr. Soares em receções de Embaixadas, quando pertencia ao Governo Mota Pinto, em 1978. Com a Dr.ª Maria de Jesus entendimento perfeito, desde a primeira hora! Já com o Dr. Soares não foi bem assim. Os tempos eram de proselitismo partidário e eu, PPD não filiada, estava em campo oposto, mas a atração por uma personalidade tão calorosa e interessante, contribuiu, decisivamente, para o princípio do fim do meu faciosismo político. Em todo o caso, distinguia entre “gostar de Mário Soares” (sim, imenso), e “gostar politicamente de Mário Soares” (não tanto). As minhas memórias de diálogos com ele são inúmeras e, na sua maioria, muito divertidas! Viajar com ele era uma festa, desde o momento em que se entrava no avião. A conversa fluía, animadamente, resvalava para uma vozearia excessiva. Uma vez, até mandei calar toda a gente, ao ver, na primeira fila, o Presidente já a descansar, depois de ter dado a volta completa à aeronave, cumprimentando toda a comitiva. Calámo-nos, por precaução, mas ele, imune ao ruído, dormia bem em qualquer ambiente. Só a viagem à URSS (Rússia, Arménia e Azerbaijão), em tempo de “perestroika”, dava um livro inteiro, com personagens como a família Sahkarov, Gorbatchev, o chique russo da vedeta Raisa e as tentativas do Dr. Soares de sair dos rígidos roteiros soviéticos, a fim de ver as pessoas, no seu quotidiano normal. Vou cingir-me a episódios que envolveram os Deputados da comitiva – um de cada partido, contrariando o critério proporcional, por uma boa razão: o Presidente queria dar lições de convivência e pluralismo partidário, e manifestar o seu apreço pela instituição parlamentar. Apreço sem paralelo no mundo soviético, e, por isso, o protocolo atribuía vistosos carros pretos a toda a gente, diplomatas, empresários, jornalistas, e desterrava para o fim do longo cortejo, o numeroso coletivo de parlamentares, compactados numa velha furgoneta. Nos atos cerimoniais, deposição de coroas de flores em monumentos, receções, discursatas, o Presidente exigia que os parlamentares estivessem à sua volta. E nós éramos os últimos a chegar, depois de uma correria, já com o Dr. Soares a acenar-nos, de longe, impacientemente... sem a nossa presença o evento não começava! E nós não explicávamos o porquê do atraso, para lhe poupar irritações. Aconteceu o mesmo nas três Repúblicas: só ao segundo dia, depois de veementes protestos, conseguimos carros pretos e a nossa precedência protocolar no cortejo. O último incidente protocolar aconteceu em Kiev, onde o avião oficial fez escala, para um encontro de Presidentes, o nosso e o da Ucrânia, seguido de um grande banquete. Tudo no aeroporto. A comitiva teve de ser dividida em dois salões VIP, um para as altas individualidade, outro para as de segunda linha. Ora, nesta categoria decaíram dois Deputados... Sempre atento às pessoas, o Dr. Soares apercebeu-se da sua ausência e quando a tentaram justificar, exasperado, exigiu que os chamassem, de imediato, para a sua mesa. Levantaram-se, prontamente, vários funcionários. Foi tremenda a confusão, as movimentações nervosas, até se acertar a troca, com os Representantes da Nação a ocuparem os devidos assentos. Uma última aula de democracia dada pelo nosso Presidente! Por mais incrível que pareça, cena idêntica sucederia no próprio Palácio de Belém, durante a audiência presidencial a uma Delegação da China. Eu estava, como Vice-presidente da Assembleia, incumbida de acompanhar as suas visitas ao PR e ao PM (Cavaco Silva). À entrada, do Palácio, o Protocolo veio dizer-nos que a sala de receção não comportava as duas largas comitivas, chinesa e portuguesa, sugerindo que alguns dos nossos esperassem lá fora. Os colegas concordaram que só eu estivesse na audiência, como já acontecera, em São Bento, sem objeção do Prof. Cavaco, mais preocupado em falar de uma sua recente visita à China, elogiosamente, em tom formal, como é seu timbre. Não foi assim em Belém. Mal nos tínhamos sentado, e já Presidente me perguntava: “Está sozinha com esta Delegação? Porque é que não vieram mais Deputados?" Ao ouvir as minhas explicações, bradou: "Os Deputados lá fora? Nem pensar! Eu sou um parlamentarista! Quero-os todos aqui connosco”. Foi um reboliço maior do que o de Kiev... Funcionários trazendo poltronas, o próprio Presidente dando instruções, arrastando cadeiras…. Eu só pensava: “Os chineses nunca viram coisa igual. O que acharão de tudo isto?" Na sala cheia, a conversa decorreu, descontraidamente, em modo de tertúlia. Á saída, esperava-nos uma multidão de jornalista, câmaras de televisão, microfones. Para meu espanto, o líder chinês falou, falou, empolgado, a felicitar o povo português por ter como presidente uma tão extraordinária personalidade, numa girândola de elogios, que terminou assim: "é um grande humanista"! Depois, os jornalistas quiseram saber impressões sobre o encontro com o Primeiro-ministro. A resposta foi pronta e lacónica. "Também correu bem". É pouco, lembrar o Presidente Soares nestas poucas nótulas de viagens e encontros. Porém, penso que, só por si, falam do Homem que amava liberdade, a democracia, a vida, as pessoas! A 7 de dezembro de 2024 celebramos o seu centenário, ou seja, seu lugar num século da História de Portugal, na resistência à ditadura de cinquenta anos, e na construção da democracia, nos outros cinquenta. É o tempo de reconhecer quanto “gostamos politicamente do Dr. Soares”. Afinal, o mesmo é dizer “25 de Abril, sempre!” ou “Mário Soares, sempre! “. Maria Manuela Aguiar in "AS ARTES ENTRE AS LETRAS"

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

O HOMEM DO SÉCULO

O Centenário do Homem do Século A 7 de dezembro próximo têm início as comemorações do centenário de Mário Soares. Será a hora de olharmos um século da nossa História, através da História do "Homem do século" - o Político que teve papel principal durante uma Ditadura de quase meio século e, depois, na Democracia, nascida da Revolução cujo cinquentenário celebramos, ao longo de 2024. Uma feliz confluência de efemérides! Tempo de falarmos de Mário Soares, o Homem e o Político – assim, com letra grande. Grandeza de obra e mundividência, com que contribuiu, de uma forma tão decisiva, para a construção da democracia portuguesa. De facto, nenhum dos seus contemporâneos teve, igual longevidade e influência na política portuguesa ou igual prestígio, a nível internacional - Sá Carneiro, porque tão cedo o perdemos, Ramalho Eanes e outros co fundadores da Democracia atual, porque não puderam deixar marca semelhante naqueles dois regimes (1926/1974 e 1974/2024). Grandeza é, assim, uma qualidade que ninguém lhe poderá negar, nem sequer os menos simpatizantes. Nesta questão de afetos, ainda temos de distinguir entre “gostar de Mário Soares" e "gostar politicamente de Mário Soares”, mas, à medida que o tempo passa, a distinção vai-se esbatendo, com o depurar de pequenas querelas partidárias e a valorização do essencial. Atravessei as três fases, por mim falo! Nos primórdios da Revolução, “não gostava de Soares”, muito embora, durante o PREC, tivesse feito quilómetros, através das ruas de Lisboa, em marchas pela Liberdade, que ele corajosamente encabeçava. A partir do momento em que o conheci pessoalmente, em 1978 (era membro do Governo de Mota Pinto e já lá vão 46 anos!), passei a “gostar de Soares”, mantendo o distanciamento político, que entre sociais democratas nunca é abissal, (e eu sou social-democrata “à sueca”, como Sá Carneiro sempre se afirmou). Depois, na era dos seus mandatos presidenciais, comecei a “gostar politicamente de Soares", e cada vez mais. 2 – Não é, porém, sobre o seu legado político que vou escrever, mas sobre a individualidade, com quem tive, como referi, a sorte de conviver. Privilégio que não está ao alcance dos mais novos, a quem posso dizer que era sempre fantástico dialogar com o Dr. Soares, incomparável contador de histórias, versátil, culto, espirituoso! Tínhamos a consciência de estar face a face com uma personalidade que já entrara na História e, contudo, ao sentimento de reverência sobrepunha-se, invariavelmente, a pessoa, com a sua facilidade de trato, a atenção dada a cada interlocutor, a espontaneidade e a graça. Uma entrada (acidental e relutante) na política, deu-me a ocasião de trabalhar, diretamente, com os líderes dos maiores partidos democráticos, em diversos Governos. Sou testemunha de que eram bem mais amáveis e divertidos do que a sua imagem pública deixava imaginar. De todos, só o Dr. Soares, sobretudo a partir das “presidências abertas” , se foi mostrando em público tal como era em privado. As minhas memórias de conversas e episódios passados com ele são inúmeras e, na sua maioria, definitivamente lúdicas! Escolher é difícil, mas necessário…por isso, vou centrar-me em viagens e receções internacionais da sua Presidência. Viajar com o Dr. Soares era uma festa, desde que se transpunha a porta do avião. Lá dentro, as charlas fluíam, resvalaram para a vozearia ruidosa. Uma vez até tomei a iniciativa de mandar calar os companheiros de ruído, ao ver, na primeira fila, o Presidente já a descansar, depois de ter percorrido os corredores da aeronave, a cumprimentar toda a comitiva. Calamo-nos, por precaução, mas ele era imune ao barulho de algazarras, dormia em qualquer ambiente! A viagem à URSS – Rússia, Arménia, Arménia e Azerbaijão – dava um livro inteiro, com as múltiplas tentativas do Dr. Soares para sair dos rígidos roteiros soviéticos e ver gente no seu normal quotidiano, e com interlocutores como Sahkarov, Gorbatchev e Raisa, paradigma feminino da nova elegância soviética. Limitar-me-ei a destacar alguns casos que envolveram os Deputados, um de cada partido. Contrariando o princípio da proporcionalidade das Delegações, o Presidente quis dar aos soviéticos uma lição prática de convivência na alteridade, patenteado o nosso pluralismo democrático em perfeita confraternização. Assim destacava a importância da instituição parlamentar pluripartidária. Importância sem paralelo no sistema soviético e, por isso, o protocolo local atribuia vistosos carros pretos a toda a gente, diplomatas juniores, empresários ou imprensa, e desterrava para o fim do cortejo de viaturas oficiais, numa velha furgoneta, a Delegação Parlamentar! Sucediam-se os atos cerimoniais – visitas, receções, deposição de coroas de flores em monumentos - e o Presidente exigia a nossa presença, a seu lado. Ora, nós, vindos lá de trás, éramos sempre os últimos a chegar, e em esforçada correria, com a Dr. Soares a acenar-nos, de longe, muito impaciente. Sem os Deputados, não deixava começar o evento, e nós, para lhe poupar irritações, nunca explicamos a razão do atraso. Só ao 2º dia, depois de veementes protestos, vimos respeitada a nossa precedência protocolar, e fomos distribuídos em limousines iguais às outras … Sucedeu o mesmo nas três Repúblicas! O último incidente protocolar foi em Kiev, onde o avião fez escala para um encontro de Presidentes, o nosso e o da Ucrânia, seguido de um faustoso banquete. Tudo se passou no aeroporto, pelo que a comitiva teve de ser dividida por duas salas VIP, uma para as altas individualidades, outra para as de segunda linha. Nesta categoria decaíram dois Deputados…Só o Dr. Soares, sempre atento, se apercebeu da ausência e logo exigiu que os chamassem para a sua mesa. Levantaram-se, em simultâneo, vários funcionários, gerando uma tremenda confusão, em nervosas movimentações, até acertarem as trocas com os Representantes da Nação, por fim sentados nas suas cadeiras protocolares. Uma última lição de democracia magistralmente ensaiada pelo nosso Presidente! Por mais incrível que pareça, cena quase idêntica ocorreria no próprio Palácio de Belém, aquando da audiência a uma Delegação da República Popular da China. Na qualidade de Vice-Presidente da Assembleia, chefiei a comitiva que acompanhou os nossos convidados nas suas visitas de cortesia ao Primeiro Ministro Cavaco Silva e ao Presidente Soares. Em ambas as residências, o Protocolo informou que a sala de receção não estava preparada para tanta gente, e os Deputados portugueses concordaram que só eu estivesse presente nas reuniões. O Prof. Cavaco não levantou objeção, preocupado em pôr o foco no sucesso da sua recente visita à China, em tom formal, como é seu timbre. No Palácio de Belém, não foi, de todo, assim. Mal nos sentámos, o Presidente perguntou-me: “Está sozinha? Não vieram mais Deputados?” Ao ouvir as minhas explicações, bradou: “Os Deputados lá fora? Nem pensar! Eu sou um parlamentarista! “. Seguiu-se um rebuliço semelhante ao de Kiev! Os Deputados foram todos chamados à sala, enquanto entravam funcionários com as cadeiras na mão, e o Presidente dava instruções e ele próprio arrastava poltronas. E eu só pensava :”O que acharão os nossos visitantes orientais de tudo isto?” Nunca tinham visto nada igual, de certeza... Na sala cheia, a conversa decorria descontraidamente, em ambiente muito caloroso. À saída, esperava-nos a avalanche de jornalistas, microfones e câmaras. Para meu espanto, o líder chinês, empolgadíssimo, falou, falou…a felicitar o povo português por ter um Presidente tão extraordinário, numa girândola de elogios que terminou na síntese: ´É um grande Humanista!” Questionado, depois, sobre a audiência do Primeiro- Ministro, a resposta foi lacónica: “Também correu bem”. Lembrar o Dr. Soares, nestas breves nótulas de viagens e encontros, é, evidentemente, pouco, mas penso que nelas se vislumbra o Homem que amava a liberdade, a democracia, a vida e as pessoas. E as fascinava. Soares era fixe! in DEFESA DE ESPINHO
Parlamento saúda dedicação de décadas de Manuela Aguiar às comunidades portuguesas Lisboa, 11 out 2024 (Lusa) -- O parlamento aprovou hoje, por unanimidade, um voto apresentado pelo presidente da Assembleia da República de saudação à antiga secretária de Estado e deputada do PSD Manuela Aguiar pela sua dedicação às comunidades portuguesas. Natural de Gondomar, distrito do Porto, licenciada em Direito e que foi professora na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade de Coimbra, Manuela Aguiar, no plano político, começou por exercer funções como Secretária de Estado do Trabalho no IV Governo Constitucional. "Porém, foi ao serviço das comunidades portuguesas que o seu trabalho mais se destacou. Tornou-se, entre 1980 e 1987, a primeira mulher a tutelar a diáspora como secretária de Estado. No desempenho dessas funções, bateu-se decisivamente pela criação do Conselho das Comunidades Portuguesas, órgão consultivo do Governo que ajuda a assegurar a representação e a provedoria dos interesses dos emigrantes", refere-se no voto proposto por José Pedro Aguiar-Branco. No voto, lembra-se também que Manuela Aguiar, no âmbito do Conselho da Europa, se envolveu "nas negociações que consolidaram dentro do espaço europeu o reconhecimento da dupla cidadania e a proteção jurídica dos emigrantes". "Manuela Aguiar foi eleita deputada em oito legislaturas, quase sempre pelo círculo eleitoral de Fora da Europa. No parlamento, foi uma voz livre e inconformada, comprometida com a defesa dos emigrantes e da sua plena participação política em Portugal", acrescenta-se.