Recordar tempos idos... Falar do presente, também. E até, de quando em vez, arriscar vatícínios. Em vários domínios e não só no da política...
sábado, 21 de junho de 2025
SEMEAR VENTOS...
1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"!
No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD).
Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa.
Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta…
2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Xeique Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções.
Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro
"gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra
Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ...
Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras
geografias...
Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador.
Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado...
Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus...
3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades...
A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional, e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia
…
Maria Manuela Aguiar
quarta, 18/06, 12:15 (há 3 dias)
para mim
Caríssima Drª Palmira
Aqui vai, de novo, tal como foi para o jornal, onde acrescentei um parágrafo.
Beijinho
Manuela
SEMEAR VENTOS...
1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"!
No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD).
Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa.
Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta…
2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Sheik Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções.
Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro
"gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra
Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ...
Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras
geografias...
Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador.
Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado...
Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus...
3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades...
A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia
sábado, 14 de junho de 2025
À DESCOBERTA DE RUTH ESCOBAR
(NO DIA DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA)
1 – A descoberta do Brasil pela expedição de Pedro Álvares Cabral ocorreu há exatamente 525 anos, em tempo pascal. No dia 22 de abril de 1500 alguns dos homens pisaram terra, para um primeiro encontro amigável dos povos de dois continentes separados por um oceano. Ao lugar deram o nome de Porto Seguro, hoje cidade turística do Estado da Bahia, especialmente vocacionada para receber os festejos da celebração dessa data matricial. Data que se tornou, oficialmente, o Dia da Comunidade Luso-brasileira por força da Lei nº 5270 de 22 de abril de 1967, (a chamada “Lei da Amizade” da iniciativa do Senador Vasconcelos Torres), a que Portugal deu pronta reciprocidade.
Porém, como sabemos o Direito só tem a força que lhe dão os seus destinatários e, neste caso, o Dia da Comunidade Luso-brasileira foi sendo esquecido pelos dois Estados e tornou-se uma festa da sociedade civil, dos imigrantes de origem lusa no Brasil, com significativo apoio em alguns municípios e Assembleias Estaduais. Entre nós, a data tem sido, regra geral, pura e simplesmente ignorada. Enquanto Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, na meia década de oitenta, tentei remar contra a maré, organizei comemorações oficiais em cidades como Guimarães, Ponte do Lima, Belmonte, mas, que depois que deixei o Governo, há quase quatro décadas, não mais houve interesse governamental em continuar esse legado. E, por isso, deste lado do Atlântico, o 22 de abril, vem sendo, quando muito, festejado num pequeno círculo associativo…
2 – Em 2025, a Associação Mulher Migrante (AMM) promoveu a comemoração deste dia no auditório do FACE, com o patrocínio da Câmara Municipal e a presença e participação da Presidente Dra Maria Manuel Cruz. A iniciativa tornou Espinho um caso singular, um exemplo a ser seguido, nomeadamente, nos Concelhos onde já existe grande número de imigrantes brasileiros – trabalhadores, empresários, estudantes... - quase todos aparentemente bem integrados. Este é, também, o dia deles, o dia de publicamente lhes darmos voz e visibilidade, de manifestarmos a alegria de os vermos felizes na nossa sociedade.
A AMM vem celebrando a efeméride transnacional há vários anos, em Espinho e em outras cidades, sob o título “Brasil- Portugal, a descoberta continua”. Ou seja, pondo o foco na necessidade de combater o desconhecimento mútuo do património material e imaterial comum. Com tal propósito, perante uma audiência de dezenas de estudantes, decidi falar sobre uma mulher portuguesa, Ruth Escobar, completamente ignorada na sua e nossa terra, muito embora tenha feito história no Brasil. Antes do início da sessão, em conversa com muitos dos jovens fiquei com duas certezas: o nome Ruth Escobar, às 15.00, não lhes dizia nada; às 16.00 sairiam todos daquele auditório a saber mais sobre ela do que o resto dos jovens deste país…
3 – Foi um verdadeiro prazer “pôr em palco”, (uma vez mais!), a grande atriz e produtora teatral, pioneira política, feminista e revolucionária, a emigrante portuense imortalizada com o nome de Ruth Escobar.
Maria Ruth dos Santos, seu nome de passaporte, nasceu no Porto, em Campanhã, viveu na rua do Bonjardim, e foi aluna do Liceu Carolina Michaelis, onde se distinguiu a representar todos os diabos de Gil Vicente. Tinha 16 anos quando a mãe a levou, a bordo do Serpa Pinto, numa viagem sem retorno para o Brasil.
Lá, no Colégio Roosevelt, como antes no liceu português, o seu talento em palco deu-lhe prestígio e popularidade, a ponto de conquistar o título de "rainha" do colégio. Mas, como vivia pobremente com a mãe, trocou os estudos pelo trabalho, a vender a "Revista das Indústrias", com o que ganhava mais do que a progenitora. E, ainda antes de fazer 18 anos, deu um passo em frente e angariou apoios da comunidade portuguesa para lançar a sua própria revista, "Ala Arriba". Na veste de jornalista e diretora de jornal, apercebeu-se das ameaças à presença portuguesa na Índia e propôs-se defendê-la, a nível planetário. Tinha 19 anos, quando, com o apoio das comunidades lusas partiu de São Paulo para Nova Iorque e Los Angeles (onde entrevistou o ator Jack Lemon), Hawai, Tóquio, Manilha (entrevistou o Presidente da República) Hong Kong, Macau, Karachi, (para cobrir a Conferência Internacional sobre o Sudeste Asiático - e aí a sua lista de entrevistados célebres cresceu enormemente, com Foster Dulles, Christian Pinaud, Bulganin, Kruschev e outros) Camboja, (onde dialogou com o Príncipe Norodan Sihanouk e dele recebeu uma mensagem e uma fotografia para Salazar), Tailândia e Turquia (mais entrevistas com primeiros –ministros), e, por fim, o mítico Nasser, durante a crise do canal de Suez (no meio de quinhentos jornalistas presentes no Cairo, foi a única a quem ele aceitou responder!). No mundo português foi recebida pelos governadores de Macau e da Índia e, em Lisboa, pelo ditador Salazar.
Durante o longo périplo, os seus “exclusivos” eram disputados por jornais de referência no Brasil, em Portugal e, no caso de Nasser, até nos EUA. Vaticinava-se futuro à jovem e audaciosa jornalista, mas a sua união com o dramaturgo, filósofo e poeta Carlos Escobar levou-a a Paris, onde estudou arte dramática. Aos 20 vinte anos, de volta a São Paulo, faz a estreia como empresária, produtora teatral e atriz. Poucos anos depois, construiu na cidade, no bairro residencial da Bela Vista, um teatro com o seu nome, onde os autos vicentinos se cruzavam com as peças mais vanguardistas. Na década de sessenta fundou o Teatro Nacional Popular para levar às populações do interior do Estado espetáculos de qualidade, encenados num autocarro aberto …
Não era menos exuberante a sua vida fora de cena, (somaria cinco casamentos, cinco filhos. O terceiro marido, arquiteto Wladimir Cardoso, viria a ser o cenógrafo das suas peças de maior sucesso, como o " O cemitério de automóveis" de Arrabal ou "O balcão" de Jean Genet, que, em fins de sessenta, venceu os maiores prémios do teatro brasileiro. Todavia, nessa década, a partir de 1964, Ruth,(com trinta, trinta e tal anos) enfrentou a ditadura em que o Brasil se afundava, convertendo o seu teatro em arena de luta pela liberdade, resistindo a ameaças, ataques de comandos paramilitares, violência sobre os atores, interrogatórios e prisões. De uma das vezes, foi Cacilda Becker, sua mentora e amiga, que interveio junto do Prefeito de São Paulo: "Prefeito, temos de tirar a Ruth, aquela portuguesa vai pôr fogo no quartel, é um serviço que o Senhor vai prestar às Forças Armadas, tire-a de lá quanto antes". E ele tirou...
No começo de setenta, a emigrante sem medo trouxe a Portugal "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis”, que a censura proibiu em Lisboa, mas autorizou na elitista Cascais, longe das massas populares... Aí Ruth conheceu as três Marias, leu "As novas cartas portuguesas", e Simone de Beauvoir, e converteu-se ao feminismo. A nova causa abriu-lhe outros palcos, os da política. Ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros (nunca se naturalizou brasileira), em oitenta, candidatou-se e foi a primeira mulher eleita e reeleita Deputada à Assembleia do Estado de São Paulo e, também, a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e a primeira Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres.
Em 1974, organizara o primeiro Festival Internacional de Teatro, que levou a São Paulo, o que de melhor se fazia nas grandes capitais do mundo, feito que repetiu em 1976, vendo-se reconhecida como grande renovadora da arte dramática brasileira. Depois de deixar o cargo de Deputada, em 1988, voltou aos palcos e à organização de novos festivais internacionais, sempre no mesmo espírito de renovação, tornando-os inclusivos de outros terrenos e saberes: os Festivais de Artes e Ciências dos anos noventa.
A caminho dos 70 anos, a portuguesa mais famosa do Brasil não estava disposta a parar… Já neste século, tive a sorte de assistir ao seu lado, em São Paulo, a uma última produção, tão audaciosa como as primeiras: uma original encenação de "Os Lusíadas".
Só a doença poria um fim prematuro a esse percurso fulgurante, com que Ruth Escobar deixou uma fantástica herança cívica, intelectual e artística, enraizada em na tradição de Gil Vicente (segundo ela, o “Shakespeare português”) e no modernismo com que mudou a face do teatro em São Paulo e no Brasil. Por isso, recebeu, justamente, as mais altas honras brasileiras, a nossa Ordem do Infante D Henrique, a Legião de Honra e a Ordem das Artes e das Letras, de França.
É um nome lendário no Brasil. Está, ainda, por descobrir em Portugal...
A TRAIÇÃO AMERICANA
1 – Assistimos nestes últimos dias ao mais ignóbil ato de traição de que me lembro, desde que acompanho a política internacional. Uma traição americana. A traição de Trump à Ucrânia, sobretudo à Ucrânia, e a toda a Europa. Esse ato, que ficará entre os mais abjetos da história da humanidade, pôs em causa, de um dia para o outro, à resistência heróica de um povo que lutava há mais de três anos, sempre com fraco e tardio apoio de timoratos aliados, mas com sucesso feito de valentia e de inteligência, contra as forças invasoras do império russo. Putin invadira a Ucrânia, com o plano militar de conquista em escassos dias. Três anos depois, tinha o seu próprio território ocupado, e continuava os avanços e recuos nos “oblasts” de leste. De repente, entrou em cena o amigo americano e deu-lhe tudo o que queria em poucas horas!
Como? A mera suspensão de fornecimento de armas, (aliás, ilegal, contra decisões bipartidárias do Congresso, para ele coisa de somenos) não bastava. O exército ucraniano tinha armamento para alguns meses e a Europa preparava-se para o rearmar. No seu mortal “jogo de cartas”, Trump jogou a carta decisiva: o corte dos sistemas de comunicação por satélite, sobre os quais se baseiam, ao minuto, todas as operações militares de ataque e defesa! É assim, a guerra no século XXI!…
Com a Ucrânia no “buraco negro”, por falência dos recursos para a guerra eletrónica, Putin chacina e devasta o inimigo a sei bel-prazer, nas vésperas das cinicamente chamadas “negociações de paz”. Falta saber se Trump não foi ainda mais longe, fornecendo ao amigo Putin dados sobre operações ucranianas, nomeadamente em Kursk. De qualquer modo, manietou Zellensky e deu ao amigo russo “licença para matar”.
Eu tinha de falar sobre o caso, porque não suporto o silêncio que se faz à sua volta, a “normalização” dos crimes que estão a ser cometidos contra um povo cada vez mais indefeso! É arrepiante o silêncio, a passividade da Europa e da própria América democrática no contexto da farsa das “negociações de paz”. Praticamente só me chegou a voz do Senador Mark Kelly, do Arizona, um antigo astronauta, com um currículo feito de missões no espaço. Durante à recente visita à Ucrânia, ao dar-se conta do que ali se passa e por culpa de quem, denunciou veementemente Elon Musk como um “traidor”. É, é um traidor, mas não é o único. O ator principal é Trump. Ele não é apenas o vulgar criminoso condenado pela justiça americana em muitos processos, desde agressões sexuais, a falências fraudulentas. Um criminoso que escapou aos processos maiores, fazendo-se reeleger presidente (penso na invasão do Capitólio, na tentativa de manipulação de resultados eleitorais). É, também, um político que já ganhou o seu lugar na nave dos loucos dos grandes psicopatas. Como Nero ou como Hitler. Não foi por acaso, que o seu Vive Presidente JD Vance, (quando estava no campo oposto, antes de se juntar aos “maus”) o comparou a Hitler. É uma ótima comparação – dois narcisistas, sedentos de poder e capazes do pior. O que revela duas coisas: o jovem Vance lera uns livros, nomeadamente sobre Hitler, e até tinha escrito um, assim mostrando os seus dotes e pretensões intelectuais. Como homem, porém, não presta para nada, porque, para singrar na vida e na política, não hesitou em fazer equipa com quem considerava um Hitler americano!
O ato infamante de Trump, é doravante um aviso sério a todos os aliados (ou antigos aliados) dos EUA: este homem não é confiável! Nunca o será - é um duplo de Putin Durante o seu mandato, a cooperação estratégica com os EUA está irremediavelmente minada, mesmo que a dependência europeia não lhe permita ruturas imediatas - fornecer informação secreta a Trump ou a Putin vai, provavelmente, dar ao mesmo… A ligação íntima dos dois vem de muito longe, ainda que seja enigmática, e vai continuar.
E depois de Trump? Depois, não sei se o regime dos oligarcas americanos está para ficar, ou se a América é recuperável para uma vivência civilizada e democrática. Todavia, penso que não voltará a ser para a Europa o que já foi - aliada de todas as horas, figura tutelar.
2 – Chegámos ao fim de uma era. Ao fim da “pax americana”, que durava desde o termo da II Guerra Mundial, (há 80 longos e remansosos anos). Ao fim da NATO - talvez não oficialmente (só Trump a pode declarar extinta, os outros, por medo, vão fazer de conta que ainda tem alguma serventia, mas não tem, o art.º 5 tornou-se inaplicável e a “intelligence” insegura. Putin e Trump vão instalando o seu cerco à Europa – não somente à Ucrânia, a toda a Europa, ao que se chamava antes, o mundo livre, o mundo ocidental.
A Europa, do ponto de vista da sua defesa e segurança, acordou, subitamente, de um longo sono de 80 anos! Eu tinha pouco mais de dois anos quando a II Grande Guerra acabou. Sempre vivi no conforto e harmonia da paz atlântica. E o mesmo acontece com os milhões de europeus que são mais jovens do que eu, a esmagadora maioria da população do nosso continente. Acordámos incrédulos, com uma única certeza; tudo vai mudar! Estamos sozinhos. Contudo, temos meios. Alguns de imediato, outros a prazo. É um caminho sem retorno, quaisquer que sejam as posições das próximas administrações americanas. É o caminho da nossa independência, não só económica ou científica, mas militar. Cooperação com aliados, sim, em todos os domínios, mas de igual para igual, sem submissão!
Finalmente, neste histórico ano de 2025, a Europa reagiu depressa e bem (falta saber se é para continuar assim). À falta de um novo Churchill, de um novo De Gaulle (que muito antes teriam lido os sinais de ameaça…) tomaram a liderança o britânico Keir Starmer e o francês Macron. O serem potências nucleares dá-lhes esse estatuto, cabe-lhes substituir o papel dos EUA na missão de dissuasão, onde quer que seja necessário, na Alemanha, na Polónia…
O desafio maior que se segue é escolher um modelo institucional, que possa funcionar de forma inteligente e eficaz. Um modelo que se ajuste, com pragmatismo e rigor, à realidade (para quem gosta de futebol, o equivalente a dizer que o sistema tem de assentar na avaliação das capacidades de cada membro concretamente disponível e não em sistemas de jogo perfeitos, para os quais não há jogadores…). A urgência de alcançar resultados a tanto obriga,
No caso europeu é ainda uma oportunidade de conseguir outras mais valias.
A primeira é redesenhar uma fronteira “civilizacional” (por tal se entendendo Estado de Direito, democracia, Direitos Humanos) que, no interior, reaproxima a União Europeia do Reino Unido, da Noruega, do Canadá, da Turquia (?), e, também de países de outros continentes, como o Japão, e a Austrália.
A segunda é excluir, à partida, do núcleo central os países que estão dentro da EU como verdadeiros cavalos de Troia – a Hungria, a Eslováquia e outros Estados pouco ou nada confiáveis.
A terceira será, espero, expurgar de acordos futuros, todas as regras que, no dia a dia, têm mostrado, a sua eficácia de paralisar decisões (antes de mais, a regra da unanimidade).
Ideal seria introduzir na orgânica da nova Aliança (nesta fase transitória, porventura, sem formalização…) flexibilidade, diversidade de estatutos de parceria e cooperação, enquanto se intensifica o investimento nas indústrias de defesa, nos sistemas de comunicação e na ciência.
Nesta fase, os europeus manterão um discurso oficial prudente e a fantasia da cooperação euro-americana… A diplomacia tem de ir por aí, mas, pela minha parte saúdo os que, como o Presidente Marcelo, vão mostrando o desassombro de chamar a Trump o “ex-aliado”.
3 – Terminarei esta breve reflexão, lembrando uma instituição do passado recente, de que não ouvi ninguém falar: A União da Europa Ocidental, instituição pioneira da cooperação inter europeia no pós guerra, que, após a constituição do Conselho da Europa se concentrou no domínio de Defesa e Segurança da Europa, fundada no Tratado de Bruxelas modificado, (cujo art.º 5º ia além do art. 5º do Tratado de Washington (NATO) no compromisso de defesa mútua!). Ou seja, com capacidade para se tornar no “pilar europeu” da NATO. Insensatamente a EU, (já então pouco homogénea nestas matérias, com um terço de países neutrais) não descansou até extinguir o UEO, como, aliás, desejavam os americanos…
A meu ver, é um modelo muito semelhante o que veio propor Keir Starmer, na recente cimeira de Londres, ao definir, magistralmente a “Europa da Defesa” como “a coalition of the willing”. Esta coligação reúne aqueles que estão prontos a assumir o compromisso de defesa mútua. Tal como há décadas não cabe nas fronteiras da UE – estão lá o Reino Unido, a Noruega e o Canadá, desejavelmente a Turquia. E não estarão os governos putinistas da EU, (os Orbans de hoje e de amanhã). Uma Europa de valores e de boa vontade!.
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