Recordar tempos idos... Falar do presente, também. E até, de quando em vez, arriscar vatícínios. Em vários domínios e não só no da política...
sábado, 21 de junho de 2025
SEMEAR VENTOS...
1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"!
No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD).
Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa.
Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta…
2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Xeique Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções.
Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro
"gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra
Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ...
Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras
geografias...
Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador.
Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado...
Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus...
3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades...
A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional, e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia
…
Maria Manuela Aguiar
quarta, 18/06, 12:15 (há 3 dias)
para mim
Caríssima Drª Palmira
Aqui vai, de novo, tal como foi para o jornal, onde acrescentei um parágrafo.
Beijinho
Manuela
SEMEAR VENTOS...
1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"!
No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD).
Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa.
Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta…
2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Sheik Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções.
Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro
"gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra
Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ...
Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras
geografias...
Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador.
Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado...
Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus...
3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades...
A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia
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