quinta-feira, 6 de novembro de 2025

UM NOVO CICLO POLÍTICO EM ESPINHO 1 – Viver em Democracia Em Espinho, tomou posse, no último dia de outubro, o novo Executivo camarário. O ambiente foi de festa, a festa da democracia, com o salão a mostrar-se pequeno para a multidão de munícipes presentes (entre os quais o Primeiro-Ministro do país) e com todos os eleitos em serena e civilizada confraternização. De facto, a participação política autárquica e a gestão da coisa pública, a este nível, é, em muitos casos, bem conseguida, em contraste com o que se passa a nível nacional. Na sucessão de Executivos locais, até quando são de cor partidária diferente, há, em geral, menos ruturas, mais linhas de continuação do que nos Governos da República, (por vezes, mesmo quando os Ministérios ou Secretarias de Estado passam, de mão em mão, para correligionários…). É, sem dúvida, uma prova de bom senso, uma garantia de eficácia e progresso. E, acima de tudo, é, também, um sinal de esperança na resistência da democracia às tremendas ameaças que se adivinham no horizonte próximo, com o desmesurado crescimento do populismo, de movimentos extremistas, de ideologias neonazis e da sua propagação potenciada pela sementeira de mentiras feita nas redes sociais, os pilares do assustador mundo novo que aí vem. Não é um fenómeno português, mas mundial, como sabemos…. Na falta da regionalização do território nacional, que tanto os governos de direita, como os de esquerda se recusaram, por igual, a implementar, o nosso círculo ideal de luta pela tolerância, pelo diálogo, pela verdade e pela cooperação entre os eleitos e a sociedade civil é, certamente, o concelhio, onde o poder é mais próximo das pessoas e mais sensível às suas preocupações e necessidades. Por pensar assim, muito me regozijo com o discurso inaugural do Presidente Jorge Ratola, que, apostando em ganhar a confiança dos cidadãos, dos investidores e de quantos se relacionam com o município, prometeu a sua atenção aos problemas de todos, dos séniores aos mais jovens, e terminou, com um apelo à colaboração geral, dizendo, no seu estilo direto e pragmático: “Seremos exigentes connosco e com todos. Cada um terá de fazer a sua parte”. É uma promessa e um convite ao exercício da nossa cidadania, do nosso direito de cidade! 2 – A magna crise da habitação Outra passagem da intervenção do Presidente, de especial significado nos tempos que correm, foi o apelo ao retorno dos jovens a Espinho, com o compromisso de procurar soluções para lhe dar viabilidade, antes de mais, através do combate à carestia da habitação, a causa principal que os levou a “migrar” para fora do concelho. Entre as causas determinantes da descontrolada inflação de preços a que assistimos, neste domínio, aponta-se, do lado da oferta, não só a subida de custos dos terrenos, como os da própria construção, dos materiais, da mão de obra, e os excessos da fiscalidade e da burocracia. E, do lado da procura, a pressão do turismo de massas e da imigração. Em Espinho, não há ainda sinais de movimento maciço de imigrantes ou da irrupção de “alojamento local”, porta sim, porta não. Maciço é só o turismo que o comboio despeja, de sandália no pé e mochila às costas, no nosso verão, nas praias, com ou sem bandeira azul, que a elite espinhense se apressa a abandonar, rumo aos Algarves... Esta especial situação terá, certamente, facilitado o civismo da campanha eleitoral e a afortunada ausência de discursos de ódio, numa comunidade com fortes sentimentos de pertença. Espinho é ainda, felizmente, uma cidade/comunidade, tradicionalmente aberta aos outros, e, por isso, um “oásis” democrático (não o único, felizmente...), num todo nacional dilacerado por linhas vermelhas entre esquerdas e direitas e por falsas perceções da ameaça de invasores do fim do mundo. Sem grandes vagas migratórias, e sem preponderância do alojamento local, restam, em Espinho, fatores inflacionistas comuns ao país inteiro, como o excesso de procura em relação à oferta, e outros, os amplamente denunciados, e os que ficam na sombra. Não sendo especialista nesta área, só através de uma experiência vivida, me apercebi da real dimensão destes últimos. É certo que, já antes, achava bastante estranho que, numa conjuntura de tão escassa oferta no mercado de casas, houvesse, em Espinho, (e não só em Espinho...) uma enorme proliferação de empresas e agentes envolvidos neste ramo de negócio, mas só recentemente descobri porquê. Na realidade, tudo começa, com ou sem interferência de fundos imobiliários, nas próprias agências imobiliárias. O "novo normal" é a construção de blocos de apartamentos ser financiada, no seu início, pela compra integral das frações do edifício, na planta, por investidores ligados ao setor, que, logo depois, as revendem, através de “contratos de cedência da posição contratual” à clientela dessas empresas, à arraia miúda, aos cidadãos comuns (jovens, velhos, solteiros, casais, pouco lhes importa…). Estes “grossistas” dominam, assim, completamente o panorama, com este esquema de lucro fácil e imediato. Podem ganhar 50%, ou mais, do valor total que vai ser efetivamente pago, pelo último comprador! E não se diga que esse lucro é a justa remuneração do risco de comprar na planta, pois, na maioria dos casos, é ainda na planta que os revendem, transferindo o risco para quem, por preço exorbitante, adquire um pequeno espaço para habitação própria ou para arrendamento. Dou um exemplo concreto, verídico, passado com intervenção de uma das inúmeras agências imobiliárias desta cidade: a compra de um T1, por 165.000 euros, no Lugar de Espinho, já dentro dos limites geográficos de S. Félix da Marinha. Dias ou meses depois, o grande investidor celebra, com um cliente da mesma imobiliária, um “contrato de cedência de posição contratual” por cerca de 94.000! Somando essas duas verbas (os 165.000 euros de compra pelo preço justo, mais os especulativos 94.000) temos o custo do pequeno apartamento para o novo comprador elevado para cerca de 260.000 euros! A construção do prédio em questão vai avançando, e deverá ser finalizada, previsivelmente, no verão de 2026. Se as coisas correrem bem, será, nessa altura, celebrada a escritura de compra e venda por 165.000 euros, verba sobre a qual o último comprador pagará os impostos devidos, depois de ter já pago os quase cem mil euros pela "cedência"... Julgo que vale a pena contar esta história, esmiuçar este processo, porque não se trata de uma singularidade ou exceção, mas de um verdadeiro paradigma, que corresponde a práticas generalizadas. Basta consultar os folhetos de propaganda das imobiliárias e examinar os preços de venda de apartamentos semelhantes ao referenciado, alguns com verbas superiores às indicadas para um T1 da mesma dimensão... Estamos, obviamente, no campo das “cedências”, em edificações de Espinho ou São Félix da Marinha, cujos alicerces ainda mal arrancaram e já rendem ou vão render somas incríveis aos intermediários!... 3 - Um começo de saída para a crise? O conhecimento prático destas situações. longe de me deixar cética e pessimista, com a ausência de políticas públicas de ataque à inflação no mercado imobiliário, no plano nacional, dá-me fundadas esperanças de que, a nível local, onde haja vontade e competência, como considero que haverá em Espinho, este fenómeno possa ser gradualmente combatido, com sucesso. De facto, parece que bastará, para embaratecer em cerca de 40% o preço da nova habitação, que uma entidade se substitua ao papel dos compradores de andares na planta para rápida revenda. Um simples cidadão não pode fazê-lo, mas uma Câmara pode, fomentando, diretamente, a construção de blocos de casas a preços justos para todos, que são, afinal, os preços do mercado sem os especuladores

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A VENTURA DE SE CHAMAR VENTURA... 1 – Um almoço com Ventura foi notícia palpitante, num país habituado a que se faça política (e jornalismo político), à volta da mesa de refeições, reais ou imaginárias (quem não se lembra da “estória” da “vichissoise” protagonizada por Marcelo e Paulo Portas?). Com Ventura, na verdade, tudo é notícia! Agora, esse almoço insignificante, embora não inexistente, entrou na “petite histoire”. Foi até o tema central com que a SIC abriu o ciclo de entrevistas aos candidatos às eleições presidenciais, com o Almirante Henrique Gouveia e Melo. Uma experiente jornalista, Clara de Sousa, caiu na tentação de se focar numa “ementa política” sem qualidade e sem conteúdo, durante quase toda a primeira parte, transmitida para a mais vasta audiência, na SIC generalista, deixando para a SIC Notícias as temáticas realmente importantes. No que respeita ao repasto, o candidato respondeu, num minuto, com precisão matemática, o que tinha de responder: sim, aceitara o convite de um amigo, fora ao almoço com o chefe do “Chega”, conversaram e, entre os dois, não houve “intersecção” - uma maneira esclarecedora, simultaneamente diplomática e contundente, de pôr o ponto final no assunto. Nem outra coisa seria de esperar, as “intersecções” só podem acontecer em quadrantes políticos que não são os do Almirante, embora sejam, como se vem comprovando, aqueles de onde Ventura saiu para engendrar o Chega, a direita do PSD, o PSD de Passos Coelho (o desejado, mas indisponível candidato ideal do Chega às presidenciais). Sabemos que Clara de Sousa é uma prestigiada autora de "literatura gastronómica", mas nem isso a desculpa de se mostrar mais interessada no que se passou à mesa do restaurante do que no que se vai passando no universo. Debalde Gouveia e Melo dizia que vem almoçando com muita gente, incluindo um outro candidato presidencial, Marques Mendes. Ora aí estava, para mim, uma novidade! Esperava que Clara abordasse a ágape com Luís Marques Mendes, gostava de saber quais as “intersecções” existentes entre dois democratas, que, para além de óbvias e naturais diferenças, partilham um espaço de eleitorado e de pensamento. Mas não, Clara de Sousa descartou a oportunidade - aparentemente não estava no guião… no guião estava, como sempre está, no jornalismo que temos em Lisboa, o “fenómeno” Ventura. Criatura, que eles, os jornalistas, criam e alimentam, com o que Pacheco Pereira chamou no seu último texto na revista Sábado “a gigantesca complacência da comunicação social com o Chega”. Ainda em matéria de refeições com correligionários ou opositores, devo acrescentar que sou definitivamente a favor, desde que não sejam convertidas em meras armas de arremesso. No meu caso, (por acaso), alguns dos mais divertidos e memoráveis almoços de trabalho e de convívio foram na companhia de um colega de andanças internacionais que era do comité central do PCP e de um colega Deputado que tinha sido, brevemente embora, Ministro do Ultramar…. Penso que sempre ganhei em conhecer os adversários, as pessoas – quando há boa fé, ajuda a fazer oposição civilizadamente. E, se não se consegue fazer amigos, clarifica-se, pelo menos, o relacionamento. O almoço de que tanto se falou, pela graça dos “media”, correu, do meu ponto de vista, bastante bem, visto que Gouveia e Melo saiu elucidado e Ventura saiu furioso. É o que provam as declarações posteriores de um e do outro. 2 – No que respeita à entrevista da SIC, a segunda parte foi bem mais relevante pelos assuntos abordados, a visão do candidato sobre os poderes presidenciais, a importância de garantir a estabilidade da vida política, a situação internacional que nos condiciona, a imigração, a Lei da Nacionalidade… Reconheço-me no discurso de Gouveia e Melo, em matéria de relações internacionais e de defesa, nomeadamente no que respeita à concentração de investimentos na exploração e proteção da nossa extensa zona marítima exclusiva, ou na recusa do excesso que representaria afetar os 5% a este objetivo (o Almirante aponta aos 2,5%). Temos, enfim, um candidato que perspetiva o futuro, de forma realista, entrando em linha de conta com as condicionantes externas, europeias e mundiais. Entre nós, em qualquer eleição de âmbito nacional, tornara-se normalíssimo os políticos esquecerem o mundo real em que interagem, para só discutirem questões domésticas, como se fossemos uma ilha isolada. Em regra, não dizem uma palavra sobre Bruxelas, a UE, a NATO, o Banco Central Europeu, a CPLP, o imenso mar português…. Também em questões de política interna estou fundamentalmente de acordo com ele, mormente na sua análise dos poderes presidenciais, no âmago desse Poder: a nomeação do Primeiro Ministro de acordo com os resultados eleitorais, olhando à viabilidade do Executivo (aceitando, por isso, uma aliança do tipo da “geringonça”, se for a única apoiada maioritariamente no parlamento), ou a dissolução da Assembleia da República decidida só em último caso (ao contrário do Presidente Marcelo, Gouveia e Melo teria concedido ao Governo maioritário uma segunda tentativa de passar um Orçamento de Estado, assim como a possibilidade de se reconfigurar, após renúncia ao cargo do Primeiro-Ministro, com uma nova liderança). Igualmente me identifico com Gouveia e Melo nas magnas questões da nacionalidade e da imigração, quando se distancia não só da extrema direita, como da direita que está no governo (um Governo que desistiu de traçar linhas vermelhas ao extremismo, e começou a mimetizar, nesta fronteira, posições do Chega, raiando a xenofobia). Nesse campo, como nos demais, Gouveia e Melo foi claro: o país carece de imigrantes e deve criar a capacidade de os acolher de uma forma humanista, regrada e atempada: não se compreende, por exemplo, a contradição de facilitar a concessão da nacionalidade portuguesa aos ricos (a troco de dinheiro…) e de a dificultar aos trabalhadores, que sustentam a nossa sociedade, a economia, a segurança social. A defesa da dupla nacionalidade para imigrantes foi uma das causas da minha vida, internamente e a nível europeu, no Conselho da Europa. Em Portugal, foi o governo de Sá Carneiro que iniciou, em 1980, o processo de alteração da lei nesse sentido (lei que veio a ser aprovada no ano seguinte, por outro governo da AD - uma AD assumidamente de centro-esquerda, que se não pode confundir com a atual). No Conselho da Europa foram precisos mais 15 anos para revogar a Convenção de 1963, que impunha a uni nacionalidade. A minha argumentação foi sempre a mesma, testada no terreno, em contactos de proximidade: a aceitação da plurinacionalidade é ainda mais importante para facilitar a integração na nova sociedade do que para manter os laços com o país de origem que nunca, ou quase nunca, se cortam. Outro poderoso fator de integração é, obviamente, o reagrupamento familiar, pelo qual também batalhei em Estrasburgo, com não menos convicção. “In illo tempore”, quando era presidente da Comissão de Migrações, Refugiados e Demografia´... mas, vinte anos depois, ainda é preciso continuar o combate! 3 – Volto a Ventura, (do qual, ao invés dos média, só falo o necessário) para me regozijar numa semana em que o desporto – a área em que, inicialmente, medrou – só lhe trouxe dissabores. Primeiro por causa de Mourinho, cuja contratação pelo SLB ofuscou, por completo, o anúncio da sua própria candidatura presidencial. E Mourinho veio para ficar, para nos invadir a casa, nos ecrãs, a toda a hora – uma “overdose” que vamos suportar nos próximos meses ou anos. Enquanto não for despedido do cargo, os dois vermelhos, ou “encarnados”, que os jornalistas acalentam, vão repartir os tempos de antena! Depois, lá longe, no Japão, dois imigrantes infirmaram o seu discurso miserabilista sobre a imigração portuguesa (na mesma altura em que tentara, sem conseguir, lançar a confusão numa pacífica manifestação junto ao Palácio de São Bento, em que eu suponho que queria provocar o seu "momento Marinha Grande"...). Os dois atletas, Isaac Nader (filho de marroquinos, nascido cá) e Pedro Pablo Pichardo, (refugiado cubano, naturalizado português há não muitos anos), glorificaram a bandeira das quinas, sagrando-se campeões do mundo. Simplesmente fantástico o “sprint" final de Isaac, a ultrapassar não sei quantos competidores sobre a linha da meta! Espantoso o último salto de Pablo, a desfazer dúvidas (é o melhor do planeta na modalidade, para nós, mais uma medalha de ouro)! Feitos que vão diretamente, em simultâneo, para a história do desporto e para a história da imigração portuguesa.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

2025 - O ANO DE TODAS AS ELEIÇÕES

O ANO DE TODAS AS ELEIÇÕES 1 – Do primeiro trimestre de 2025 ao primeiro trimestre de 2026 temos um país em campanha eleitoral… para as legislativas e as autárquicas, para a presidencial. Das legislativas se poderia dizer “tudo como dantes”, não fosse a subida da extrema direita, se ter tornado pretexto para a pronta adesão do Governo à sua agenda persecutória de uma imigração pacata e laboriosa na vida real, mas diabolizada no discurso (ou, para usar o termo da moda, na “perceção”). Os resultados não explicam o volte-face visto que o Executivo tinha uma ótima alternativa à esquerda para as reformas de que precisamos. Deveria, sim, manter a coerência do seu slogan “Não é não!”, tão estranhamente convertido em “Não é sim!”. Agora, na rua anda já a campanha das autárquicas. A nível global, a curiosidade maior é verificar se a adesão governamental à linguagem e às perceções fabricadas pelo Chega, em nova parceria, permitirá desfazer a tradicional repartição de Câmaras entre os dois grandes partidos fundadores da democracia. Caso o terceiro partido ascenda à “primeira liga”, será em prejuízo de qual das forças em cena? Se for em desfavor do PSD, poderá isso prejudicar a "entente" saída das legislativas? Ou pelo contrário, servirá para transpor a cumplicidade PSD/Chega de nível nacional, para inéditas alianças autárquicas? De qualquer modo, não acredito que essa seja a questão principal em Espinho - aqui, acho impensável uma vitória da extrema-direita. Não têm, porém, faltado imprevistos na caminhada em curso... O primeiro de todos veio da parte do PS, com a incompreensível decisão de retirar o apoio à sua militante, que assumiu, com imensa honestidade e sentido de missão, a presidência da Câmara de maioria socialista decapitada por um processo judicial, que até hoje enche páginas de jornais. Com a mesma coragem que caracterizou toda a sua ação, Maria Manuel Cruz avançou para o sufrágio, à frente de uma lista de independentes. A política precisa muito de mulheres como ela, não de meras figuras decorativas, que os partidos selecionam só para cumprirem, (incumprindo o seu espírito), a lei da paridade. E que depois descartam... Maria Manuel é uma amiga, com quem tem sido um prazer colaborar, sobretudo, em questões ligadas às migrações e à igualdade de género. Esperar-se-ia do PSD, em virtuoso contraste, uma decisão pacífica, a partir da votação consensual da concelhia no nome do seu presidente. Uma concelhia que, finalmente, deu visibilidade ao partido, com abertura de uma acolhedora sede no coração da cidade (na antiga confeitaria Latina de boa memória!) e com uma atividade e mobilização, como não se via há décadas. Todavia, isso não aconteceu, outra sendo a opção de mais altas instâncias hierárquicas. Dito isto, devo, porém, acrescentar que o nome indicado - Jorge Ratola - foi, para mim, não só uma surpresa, como uma boa nova! Conheço-o bem, da minha passagem pela Câmara, no pelouro da Cultura (já lá vão catorze, quinze anos…). É um amigo, o único a quem atribuía esse título naquele gabinete, o único que falava a minha linguagem. Um amigo que aprendi a admirar pelas suas qualidades humanas, a simpatia, a simplicidade, a solidariedade, tanto quanto por uma reconhecida competência técnica. Muitas vezes pensei como o meu mandato teria sido facilitado se o presidente fosse ele… Interessante campanha em perspetiva! 2 – O mesmo prognosticamos na eleição que se segue, a presidencial, já com anúncio de uma pluralidade de candidaturas e algumas esporádicas iniciativas de pré-campanha eleitoral. O voto será no começo de 2026, mas podemos contar, nos últimos meses deste ano, com uma girândola de comícios, debates, entrevistas, arruadas e outros rituais festivos próprios das intensas pugnas eleitorais. Alguns partidos terão representante "oficial", ungido e aclamado nas instâncias partidárias, mesmo que mais não vise do que testar a sua popularidade – caso do PCP, do BE (se se confirmar a corrida de Catarina), e da IL (com um nome que costuma valer bastante mais do que o partido). Não se sabe se o clã de extrema-direita ousará concorrer a partir do seu deserto de nomes sonantes, sendo, como é, partido de um "faz tudo", de um só homem, ainda que, pelo visto, não um homem só… O PSD pode, ou não, voltar a Belém, mas está na corrida para ganhar. No polo oposto, o PS provavelmente não vai a jogo, numa passividade a que já nos habituou. Poderia ainda aderir à candidatura do seu antigo Secretário-Geral, que está no terreno há vários meses, (com audível ruído de vozes contra, mas sem concorrência no seu espaço político). Não há certeza de que o próprio esteja pronto a aceitar esse apoio tardio e ambíguo. Globalmente, os partidos continuam assim a dar mostras da uma insaciável vontade de tutelar quaisquer processos de escolha popular. Nas legislativas, o seu domínio é total, (podendo, como é evidente, arregimentar independentes nas suas listas), nas autárquicas dificultam a concorrência de verdadeiros independentes, a tal ponto que estes apenas vingam como exceção à regra. Em cinquenta anos de democracia, o Porto foi a única das cidades maiores onde um independente conseguiu ser eleito e reeleito Presidente da Câmara, encabeçando a sua própria lista. Outros houve, e há, mas quase sempre vindos de dentro para fora das estruturas partidárias, por dissidência, e não diretamente da sociedade civil. Já na eleição presidencial, não sendo menor a sua ambição de domínio institucional, assiste-se ao que parece ser uma forte perda de influência e protagonismo… Em meio século de democracia, o Palácio de Belém foi ocupado por um militar de Abril, o General Eanes, com apoio oficial de grandes partidos, depois, sucessivamente, por líderes do PS, Dr. Mário Soares e Dr. Jorge Sampaio, e pelos antigos presidentes do PSD, Professores Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa. Mas este último já sem a chancela oficial do seu partido, que ele rejeitou. O ostensivo desinteresse de Marcelo por um rótulo laranja, podia ser apenas uma resposta à clara oposição de Passos Coelho ao seu perfil de candidato. A meu ver não é… o que o norteou foi a certeza de que, de facto, ultrapassava largamente o território do PSD e seria prejudicado pela excessiva conotação ao respetivo rótulo. Um sinal dos tempos! Com pré-história… Os partidos foram perdendo o poder de controlar e condicionar os seus próprios militantes. No século passado, os filiados que se puseram do lado da candidatura socialista do Dr. Soares foram sancionados com pena máxima: a expulsão. Em 2005, aos que fizeram igual escolha não aconteceu nada. Sou um dos exemplos desse progresso - pertenci à Comissão de Honra do Dr. Soares, no seu confronto com o (superfavorito) Prof Cavaco. Quem era, então, o presidente do PSD? Um ilustre democrata e social-democrata, o Dr. Marques Mendes. Assim, começava a impor-se a ideia de que, na escolha do “presidente de todos os portugueses”, todos os portugueses devem ter liberdade de escolha. 3 - Sou adepta declarada da ideia de "despartidarizar" esta eleição, valorizando mais o cidadão, as suas qualidades individuais, do que a identificação partidária. O que não diminui a legitimidade de se candidatarem os militantes dos diversos partidos, apadrinhados, ou não, pelos respetivos diretórios. Na verdade, os nossos cinco presidentes eleitos pelo voto do Povo, incluindo os quatro com notáveis “curricula” partidários, desempenharam funções com independência requerida pelo cargo. É isso que se espera do próximo Presidente. Os três principais candidatos partilham a vontade de transcender a esfera partidária. Gouveia e Melo é um independente, que se situa na área da social democracia, do socialismo reformista. Marques Mendes vai sob bandeira do PSD, mas procura adesões de nomes emblemáticos de outras áreas. Seguro apresenta-se como “independente”. Numa atmosfera de cruzamento de militâncias pelas candidaturas, há tendência a considerar que se deve, sobretudo, a uma reação “contra” fações partidárias ou personalidades. No meu caso, posso dizer que não! Fiz a opção por Gouveia e Melo, tendo a maior estima por Luís Marques Mendes a quem, noutras circunstâncias, poderia dar o voto. E o mesmo digo de António José Seguro. Porquê, o Almirante? Porque tem o perfil que a realidade atual e o futuro exigem. Nas legislativas, os políticos não quiseram olhar o enquadramento internacional da situação vivida, a situação de guerra em solo europeu, o caos provocados por Trump, inimigo confesso da Europa e dos seus valores civilizacionais. Os tempos que correm exigem mundivisão e competência, compreensão dos problemas reais e da sua solução, assim como a capacidade de liderar de que o cidadão Henrique Gouveia e Melo deu provas tão concludentes em momentos de crise. Os candidatos que fizeram nome e carreira mas organizações das juventudes partidárias vangloriam-se da sua "experiência política" a esgrimir argumentos, a arregimentar hostes. No quinquénio que Portugal, a Europa e o mundo vão atravessar até 2030, considero que conta muito mais outro tipo de experiência - a experiência de vida do Almirante Gouveia e Melo capacidade de liderar de que o cidadão Henrique Gouveia e Melo deu provas tão concludentes em momentos de crise.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

DIOGO J, O RAPAZ DE PORTUGAL

DIOGO J, O RAPAZ DE PORTUGAL Uma história exemplar de imigração 1 – Os dias passam e ainda tenho dificuldade em acreditar no horror do desaparecimento de Diogo J. e de seu irmão André. Como toda a gente, eu queria muito que não fosse verdade! E, talvez não como toda a gente, não o "descobri" ontem, sempre tive por ele uma especial predileção, porque era meu conterrâneo de São Cosme de Gondomar e porque via nele o ideal tipo de grande jogador e de anti-vedeta no mundo do futebol. Há dois antigos jogadores do FCP por quem, desde o início do seu percurso, tive um verdadeiro “culto”, considerando-os um modelo a seguir pelos mais jovens: Rúben Neves e Diogo J. Soube só agora, nestas horas de tristeza, que eram os melhores amigos. Se não sabia, também não fiquei surpreendida. Fui acompanhando as suas carreiras com uma idêntica admiração por qualidades que partilham - o desportivismo, a simplicidade, a inteligência, no jogo e nas escolhas profissionais. Inteligência e coragem! Recordo a estreia europeia de Rúben, na "Champions", com a camisola azul e branca (aos 17 anos!), impondo o ritmo de jogo à equipa, com uma autoridade natural. A mesma com que Diogo J, de bola nos pés, corria vertiginosamente pela ala esquerda para marcar os celebrados golos, cujo relato empolgante nos é dado pela letra da canção que lhe dedicam em Liverpool. Eram, evidentemente, até pelas posições que ocupavam na equipa, jogadores muito diferentes. E também o foram os percursos que se cruzaram nos anos de ouro do Wolverhampton. Rúben é da formação de do FCP. Conheço um treinador das camadas jovens que um dia, em conversa, me disse que, aos 10 anos, já mostrava talento, visão de jogo e capacidade de assumir decisões. Segundo esse meu amigo, está tal qual era, mais a idade e a experiência. De Diogo não tenho informação privilegiada sobre a progressão nas escolas do Gondomar, mas apostaria que os seus primeiros treinadores lhe fazem elogios da mesma natureza. Foi mais difícil a sua caminhada– o ter sido franzino na infância barrou-lhe o acesso às academias dos clubes maiores, e, por isso, atingiu a meta da profissionalização nos mais modestos, subindo, gradualmente, até ao topo. De qualquer modo, aproximava-os a sua forma de estar no futebol, o "fair-play", a ambição de vencer, dando o seu melhor, (cada vez mais e melhor) em campo, e fora dele, vivendo despretensiosamente, sem os excessos de exibicionismo mediático correntes entre os seus pares, aqueles que atingiram o mesmo patamar de excelência. Devo confessar a minha preferência por este perfil de genuinidade, em que se juntam a alta classe e o recato. Voluntariamente “low-profile”… É certo que abro exceções, por exemplo, para um Mourinho ou um Quaresma (até cachecóis de Quaresma usava nos estádios…). Regra geral, porém, os meus “heróis”, são rapazes como Rúben e Diogo, ou, pensando em figuras do passado, como o “bibota de ouro” Fernando Gomes ou o Deco. (Deco, o mais genial executante que vi jogar em toda a minha vida de adepta da modalidade). Nenhum deles precisou de egocentrismo doentio e autopropaganda para serem bem-amados e reconhecidos. Deco e Diogo J fizeram jus à suprema homenagem que os fãs de um clube podem prestar aos seus ídolos no calor da competição – um cântico com letra exultante e encomiástica, entoado em coro, mil vezes repetido. Nas Antas e no Dragão, quem não se lembra de ouvir, nos primórdios do século, cantar: “É o nº10 / Finta com os dois pés/Melhor que o Pelé/ É o Deco, olé, olé!”? E, mais recentemente, em Anfield, há um hino que fica para sempre: “Oh, é o nº 20/ Vai levar-nos à vitória/Quando corre pela ala esquerda/ Corta para dentro e marca pelo LFC/ Ele é um rapaz de Portugal/ Melhor do que o Figo/ Você sabe/ oh, é o Diogo!” (tradução minha). 2 – No Reino Unido, em Portugal e universalmente a comoção que acompanhou a perda de Diogo J foi imensa. Na verdade, talvez até mais lá fora do que cá. Na Inglaterra, não houve jornal (dos mais elitistas aos mais populares) que não lhe desse honras de primeira página, como “uma grande estrela do Liverpool”. Do povo à Casa Real e ao Primeiro-Ministro, do mundo da política aos do desporto (e não apenas do futebol), da cultura, da música, a reação foi igualmente emotiva, lembrando o craque, o homem, o irmão, a família. “Estou devastado” foi a expressão que mais se ouviu naqueles dias... No princípio desta semana, na partida particular entre o Liverpool e o Preston, o resultado pouco interessou, cada minuto do "match", cada lance, cada golo foi um pretexto para lembrar Diogo. Nas bancadas, cantavam, incessantemente, “É o nº 20", enquanto agitavam cachecóis com o seu nome e bandeiras de Portugal! É eterno nº 20! Tal como já se anunciava e como os adeptos exigiam, o Liverpool oficializou a decisão: ninguém mais usará a sua camisola nº 20. E, assim, neste gesto sublime um dos maiores clubes do mundo proclama que Diogo, "o rapaz de Portugal", "o rapaz de Gondomar", deixa um vazio infinito, não terá sucessor em campo, estará sempre presente na memória coletiva e na história da instituição, como um verdadeiro símbolo de alegria de viver o jogo, da correção (em toda a carreira teve uma única expulsão, por acumulação de amarelos, que, por sinal, a crítica considerou injusta) e do talento. Connosco fica aquele sorriso luminoso, de um homem que foi feliz. Nesse aspeto o comparo a Ronaldinho Gaúcho, outro rapaz carismático, que visivelmente jogava por puro prazer e com imensa classe! Por tudo isto, há um adjetivo, abundantemente colado a Diogo J, por comentadores e jornalistas, que por ser ambíguo, me parece de evitar: "humilde". Pretendem, certamente, aplicar-lhe o termo no sentido positivo, de sinónimo de "discreto", "natural”, “despretensioso”, qualidades que tinha de sobra. Esquecem, contudo, outros significados da palavra que são completamente desajustados a este notável do Liverpool - como "submisso", “deferente” para com os que consideram superiores: pessoa de baixo estatuto social ou económico, falho de recursos. Ora eu via Diogo J como uma personalidade confiante, determinada, afirmativa, vitoriosa, em campo e fora de campo - o oposto de "humilde" no sentido corrente de submissão aos poderosos, timorato, ou carente de recursos, qualquer que fosse a vertente considerada… Por exemplo, a sua vertente de exímio campeão e de empresário de "e sports", com uma equipa de sucesso em futebol virtual, (a Luna FCP, que acaba de se sagrar campeã nacional no masculino e no feminino). Ou a de tranquilo homem de família, casado com uma bonita namorada de infância, não como tantos jovens colegas ("deslumbrados" pela fama), com uma espampanante modelo de "passerelles" ou uma espécie de "garota de calendário" a exibir permanentemente os dotes físicos. Sem conhecer a sua família de origem, eu arriscaria dizer que houve muito bom entendimento e carinho na relação filial e que ele e o irmão souberam seguir os passos dos pais. 3- Falando das suas diferentes facetas, há uma que quem trabalha no terreno das migrações, como eu, deve salientar: a de Diogo J enquanto imigrante. Que esplêndido exemplo nos deixa, na forma perfeita como se integrou numa sociedade tão diferente, seguindo a velha máxima "Em Roma, sê romano". Esse tipo de integração não se alcança com a "humildade" sinónimo de submissão (complexo de inferioridade…), mas com verdadeira inteligência e sensibilidade. Soube ser o português que levava com ele a vivência da pátria e coaduna-la, harmoniosamente, com as particularidades da vida local. E, assim, foi aceite como igual. "One of us" (um de nós)! O seu grande amigo Andrew Robertson, defesa do LFC e capitão da seleção escocesa, chamava-lhe, por graça, Diogo "Mc Jota", por o considerar o mais britânico dos estrangeiros! De facto, o nosso "Mc Jota" era, dentro do “team”, um bom companheiro, gostava espontaneamente das mesmas coisas, frequentava as corridas de cavalos, jogava dardo nos "pubs". Tal qual um inglês. Pode parecer coisa de somenos, mas não é.… assim se fazem amigos, sobretudo quando se é tão simpático e tão pouco dado a vangloriar-se (a sobriedade é qualidade muito cultivada naquele país...). "The lad from Portugal", cosmopolita e sociável e talentoso, rapidamente conquistou tudo: um lugar na equipa recheada de celebridades, o enorme apreço do treinador, a estima geral dos colegas, o coração da gente de Liverpool, a fama no universo do futebol. Diz-se que ninguém é profeta na sua terra. Diogo foi profeta na sua cidade de Gondomar, que desportivamente pôs no “mapa mundi” (e eu nascida lá, agradeço!), mas não foi profeta na sua terra, Portugal... Nunca teve na seleção a proeminência que merecia, nem a opinião pública se apercebeu do prestígio que granjeara lá fora e repartia com a Pátria… O rapaz de Portugal deu ao País muito mais do que recebeu. É o destino tradicional dos nossos melhores emigrantes.

sábado, 21 de junho de 2025

SEMEAR VENTOS... 1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"! No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD). Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa. Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta… 2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Xeique Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções. Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro "gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ... Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras geografias... Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador. Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado... Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus... 3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades... A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional, e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia … Maria Manuela Aguiar quarta, 18/06, 12:15 (há 3 dias) para mim Caríssima Drª Palmira Aqui vai, de novo, tal como foi para o jornal, onde acrescentei um parágrafo. Beijinho Manuela SEMEAR VENTOS... 1 - Temos um novo Governo, um novo programa de governação, um novo elenco. A nota mais saliente sobre esta equipa é a significativa diminuição do número de mulheres. Nada de muito surpreendente num Executivo declaradamente de Direita (vide discurso em matéria de imigração e nacionalidade...), que começou por exibir a sua modernidade no capítulo da igualdade, mas não persistiu na intenção. O grande paradigma do retrocesso neste campo continua a ser Alain Juppé, que, há décadas, em Paris, surpreendeu o mundo com um Governo vistosamente paritário. Porém, poucos meses depois, promoveu uma profunda remodelação, em que correu com quase todas as mulheres. Ficaram conhecidas como as "Juppettes". Pois bem, o nosso Primeiro-Ministro já tem as suas "Juppettes"! No ano passado, ele impressionara o país com o relativo equilíbrio governamental de género, em termos quantitativos, mas, a meu ver, esse equilíbrio era mais aparente do que real. De facto, mais importante do que o número ou proporção de mulheres é o seu estatuto, a sua influência no conjunto da equipa. Neste aspeto, não houve mudança: no anterior Executivo, como no atual, o núcleo duro, o "inner circle" do Primeiro Ministro é 100% masculino. Na hierarquia do Governo, a primeira mulher surge em 9º ou 10º lugar (vai longe o tempo em que havia mulheres Ministras de Estado ou Ministras das Finanças, aliás, em Governos do PSD). Em todo o caso, uma mulher há, Margarida Balseiro Lopes, que passou a sobraçar três pastas distintas, a da Juventude, em que foi reconduzida, mais as da Cultura e do Desporto. Seguirei com especial curiosidade e interesse a ação desta "ministra tripla", que não vai ter vida fácil…Ainda o programa do governo não tinha entrado na AR e já ela estava confrontada com sérios problemas de violência em dois dos seus pelouros, justamente aqueles em que é neófita: um ator de “A Barraca”, era agredido por um grupo de neoazis, que assim celebravam, à sua maneira, o dia 10 de junho, (antigo "dia da raça"), e membros de uma mal afamada claque do SCP, (os "casuals") atacavam carros de portistas ("super dragões") à pedrada e com material inflamável, incendiando um dos automóveis e tentando reter entre as labaredas os seus cinco ocupantes. Dois deles foram internados de urgência num hospital de Lisboa. Margarida, Ministra da Cultura, veio, de imediato a público, e bem, em defesa do artista Adérito Lopes, covardemente sovado, quando se dirigia para o teatro. Pelo contrário, Margarida, Ministra do Desporto, pelo que vi na televisão e ouvi na rádio, esqueceu-se de manifestar igual indignação no caso gravíssimo de homicídio na forma tentada dos jovens que regressavam de um recinto desportivo. Porquê esta dualidade de critérios? Em qualquer caso, a Senhora Ministra não está sozinha na desvalorização das vítimas de violência ligada ao desporto – os "media" fizeram o mesmo. Se o incidente tivesse ocorrido na cidade do Porto e as vítimas pertencessem a um clube da capital, suspeito o hediondo crime teria feito correr muito mais tinta… 2 - Este clima que cercou o 10 de junho (manchado também, na reunião de antigos combatentes, com os insultos xenófobos dirigidos ao Sheik Munir e, por o ter defendido, ao Almirante Gouveia e Melo) não retira Portugal de um lugar cimeiro no “ranking” dos países mais seguros e mais pacíficos da Europa e do mundo. Mas a nossa segurança global coexiste com duas “bolsas de exceção”, que urge debelar: a violência doméstica e a violência da extrema-direita, de inspiração nazi. Nenhuma das duas é um fenómeno novo, mas esta última vê-se agora potenciada, normalizada por partidos que usam e abusam da linguagem de ódio, da mentira, da criação de falsas perceções. Recordo que, há trinta anos, percorri as ruas da baixa de Lisboa numa marcha de protesto contra o assassinato, precisamente a 10 de junho, do jovem Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. O assassino, cumprida a pena de cadeia, voltou às ruas, e estava no grupo que agrediu o ator Adérito Lopes... Na mesma altura, no Porto, outro "gang" politicamente radicalizado, assaltou voluntárias que prestavam apoio aos sem abrigo, e, em Guimarães, mais um ato brutal de um grupúsculo neonazi, os “1143” atirou um cidadão para o hospital. O mais trágico desenlace aconteceu a sul, o assassinato de um imigrante do Bangladesh, proprietário do "Alam minimercado e frutaria", por dois rapazes brancos de 16, 17 anos. Alam era muito estimado no bairro, andava nos 40 anos, e foi baleado em frente à mulher e às filhas de 10 e 14 anos. Se fosse ao contrário, os assaltantes do Bangladesh a disparar sobre um comerciante branco, o líder do maior dos partidos extremistas, teria, certamente, ocupado o espaço mediático nas redes sociais e em todos os canais de televisão, horas a fio, com o furor das suas histéricas interpretações. Sobre Alam, nem uma palavra Na história destes dias alarmantes, vimos, como salientei, o crime conotado com o futebol desaparecer de cena, talvez porque, aparentemente, lhe falta a bandeira política. Mas, na verdade, faltará?A brutalidade de uns e outros tem o mesmo cunho nazi ... Hoje, não vale equiparar extrema-direita e extrema-esquerda. No último quartel do século passado o terrorismo em Portugal era de extrema esquerda, no primeiro quartel deste século, mudou de campo. Na génese da sua explosão simultânea em vários continentes jogou a influência norte-americana. O assalto selvático ao Capitólio, desencadeado pela recusa de Trump de aceitar democraticamente a derrota eleitoral, tornou-se a matriz das insurreições e arruaças que o mimetizam noutras geografias... Trump festejou o dia de aniversário em Washington, com um desfile militar que custou quase 50 milhões de dólares e foi uma caricata imitação das paradas de Moscovo ou Pequim, enquanto por todo o país mais de 2000 manifestações pacíficas lhe diziam que que os EUA são uma República que não quer um rei nem um ditador. Nesse dia, em Minnesota, foram baleados políticos do Partido Democrático, Melissa Hortman e o marido fatalmente atingidos, o Senador John Hoffman e a mulher, feridos gravemente. No carro do assassino foi encontrada uma lista com mais de setenta nomes a abater, um pouco por todo o lado... Entretanto, na Califórnia, a perseguição de imigrantes levantava vozes de protesto e manifestações, que foram reprimidas com o invasivo envio da Guarda Nacional e de “marines”, contra a vontade dos representantes eleitos do Estado. Uma maneira de empolar a situação e de mediatizar a caça aos “ilegais”, apresentados como criminosos e culpados por todos os males da América. E assim Trump e os seus seguidores, incluindo em Portugal, colocam os imigrantes no lugar onde Hitler expunha os judeus... 3 - A imigração no nosso país aumentou enormemente num curto período de tempo, sem causar alteração no nível de criminalidade dos lugares onde quer que se tenha fixado ( o que foi confirmado pelo Diretor -Geral responsável). Não há melhor prova da sua presença tão cordata quanto necessária. O mal não está nos imigrantes Está em quem, de um momento para o outro, criou, através do poder da palavra, de um discurso xenófobo e constante, a falsa imagem da periculosidade daqueles que são apenas diferentes - pela cor da pele, pela pronúncia, pela forma de vestir... E logo o medo se espalhou, entrou nas conversas quotidianas de gente normal, que interiorizou a irrealista "perceção". E entrou, consequentemente, por oportunismo, nas campanhas eleitorais da direita democrática, entrou, por fim, no programa do Governo da AD. O que representa um risco de converter a perceção em realidade, (não no sentido de lançar estes estrangeiros na senda da criminalidade, - no que não acredito - mas na demolição da sua confiança em nós. Nunca os faremos nossos amigos se os olharmos como inimigos! Quem semeia ventos, colhe tempestades... A limitação do direito ao reagrupamento familiar, prevista no "Programa" apresentado à AR é um tiro no pé - vai contra o Direito internacional e os objetivos de humanização do acolhimento e da integração dos trabalhadores. A limitação da imigração menos qualificada será um revés para os setores da agricultura, hotelaria e restauração (até Trump acaba de desistir de expulsar os ilegais destes três setores nos EUA). E que dizer da aposta na atração de imigrantes altamente qualificados? Eu penso que é bravata e fantasia

sábado, 14 de junho de 2025

À DESCOBERTA DE RUTH ESCOBAR (NO DIA DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA) 1 – A descoberta do Brasil pela expedição de Pedro Álvares Cabral ocorreu há exatamente 525 anos, em tempo pascal. No dia 22 de abril de 1500 alguns dos homens pisaram terra, para um primeiro encontro amigável dos povos de dois continentes separados por um oceano. Ao lugar deram o nome de Porto Seguro, hoje cidade turística do Estado da Bahia, especialmente vocacionada para receber os festejos da celebração dessa data matricial. Data que se tornou, oficialmente, o Dia da Comunidade Luso-brasileira por força da Lei nº 5270 de 22 de abril de 1967, (a chamada “Lei da Amizade” da iniciativa do Senador Vasconcelos Torres), a que Portugal deu pronta reciprocidade. Porém, como sabemos o Direito só tem a força que lhe dão os seus destinatários e, neste caso, o Dia da Comunidade Luso-brasileira foi sendo esquecido pelos dois Estados e tornou-se uma festa da sociedade civil, dos imigrantes de origem lusa no Brasil, com significativo apoio em alguns municípios e Assembleias Estaduais. Entre nós, a data tem sido, regra geral, pura e simplesmente ignorada. Enquanto Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, na meia década de oitenta, tentei remar contra a maré, organizei comemorações oficiais em cidades como Guimarães, Ponte do Lima, Belmonte, mas, que depois que deixei o Governo, há quase quatro décadas, não mais houve interesse governamental em continuar esse legado. E, por isso, deste lado do Atlântico, o 22 de abril, vem sendo, quando muito, festejado num pequeno círculo associativo… 2 – Em 2025, a Associação Mulher Migrante (AMM) promoveu a comemoração deste dia no auditório do FACE, com o patrocínio da Câmara Municipal e a presença e participação da Presidente Dra Maria Manuel Cruz. A iniciativa tornou Espinho um caso singular, um exemplo a ser seguido, nomeadamente, nos Concelhos onde já existe grande número de imigrantes brasileiros – trabalhadores, empresários, estudantes... - quase todos aparentemente bem integrados. Este é, também, o dia deles, o dia de publicamente lhes darmos voz e visibilidade, de manifestarmos a alegria de os vermos felizes na nossa sociedade. A AMM vem celebrando a efeméride transnacional há vários anos, em Espinho e em outras cidades, sob o título “Brasil- Portugal, a descoberta continua”. Ou seja, pondo o foco na necessidade de combater o desconhecimento mútuo do património material e imaterial comum. Com tal propósito, perante uma audiência de dezenas de estudantes, decidi falar sobre uma mulher portuguesa, Ruth Escobar, completamente ignorada na sua e nossa terra, muito embora tenha feito história no Brasil. Antes do início da sessão, em conversa com muitos dos jovens fiquei com duas certezas: o nome Ruth Escobar, às 15.00, não lhes dizia nada; às 16.00 sairiam todos daquele auditório a saber mais sobre ela do que o resto dos jovens deste país… 3 – Foi um verdadeiro prazer “pôr em palco”, (uma vez mais!), a grande atriz e produtora teatral, pioneira política, feminista e revolucionária, a emigrante portuense imortalizada com o nome de Ruth Escobar. Maria Ruth dos Santos, seu nome de passaporte, nasceu no Porto, em Campanhã, viveu na rua do Bonjardim, e foi aluna do Liceu Carolina Michaelis, onde se distinguiu a representar todos os diabos de Gil Vicente. Tinha 16 anos quando a mãe a levou, a bordo do Serpa Pinto, numa viagem sem retorno para o Brasil. Lá, no Colégio Roosevelt, como antes no liceu português, o seu talento em palco deu-lhe prestígio e popularidade, a ponto de conquistar o título de "rainha" do colégio. Mas, como vivia pobremente com a mãe, trocou os estudos pelo trabalho, a vender a "Revista das Indústrias", com o que ganhava mais do que a progenitora. E, ainda antes de fazer 18 anos, deu um passo em frente e angariou apoios da comunidade portuguesa para lançar a sua própria revista, "Ala Arriba". Na veste de jornalista e diretora de jornal, apercebeu-se das ameaças à presença portuguesa na Índia e propôs-se defendê-la, a nível planetário. Tinha 19 anos, quando, com o apoio das comunidades lusas partiu de São Paulo para Nova Iorque e Los Angeles (onde entrevistou o ator Jack Lemon), Hawai, Tóquio, Manilha (entrevistou o Presidente da República) Hong Kong, Macau, Karachi, (para cobrir a Conferência Internacional sobre o Sudeste Asiático - e aí a sua lista de entrevistados célebres cresceu enormemente, com Foster Dulles, Christian Pinaud, Bulganin, Kruschev e outros) Camboja, (onde dialogou com o Príncipe Norodan Sihanouk e dele recebeu uma mensagem e uma fotografia para Salazar), Tailândia e Turquia (mais entrevistas com primeiros –ministros), e, por fim, o mítico Nasser, durante a crise do canal de Suez (no meio de quinhentos jornalistas presentes no Cairo, foi a única a quem ele aceitou responder!). No mundo português foi recebida pelos governadores de Macau e da Índia e, em Lisboa, pelo ditador Salazar. Durante o longo périplo, os seus “exclusivos” eram disputados por jornais de referência no Brasil, em Portugal e, no caso de Nasser, até nos EUA. Vaticinava-se futuro à jovem e audaciosa jornalista, mas a sua união com o dramaturgo, filósofo e poeta Carlos Escobar levou-a a Paris, onde estudou arte dramática. Aos 20 vinte anos, de volta a São Paulo, faz a estreia como empresária, produtora teatral e atriz. Poucos anos depois, construiu na cidade, no bairro residencial da Bela Vista, um teatro com o seu nome, onde os autos vicentinos se cruzavam com as peças mais vanguardistas. Na década de sessenta fundou o Teatro Nacional Popular para levar às populações do interior do Estado espetáculos de qualidade, encenados num autocarro aberto … Não era menos exuberante a sua vida fora de cena, (somaria cinco casamentos, cinco filhos. O terceiro marido, arquiteto Wladimir Cardoso, viria a ser o cenógrafo das suas peças de maior sucesso, como o " O cemitério de automóveis" de Arrabal ou "O balcão" de Jean Genet, que, em fins de sessenta, venceu os maiores prémios do teatro brasileiro. Todavia, nessa década, a partir de 1964, Ruth,(com trinta, trinta e tal anos) enfrentou a ditadura em que o Brasil se afundava, convertendo o seu teatro em arena de luta pela liberdade, resistindo a ameaças, ataques de comandos paramilitares, violência sobre os atores, interrogatórios e prisões. De uma das vezes, foi Cacilda Becker, sua mentora e amiga, que interveio junto do Prefeito de São Paulo: "Prefeito, temos de tirar a Ruth, aquela portuguesa vai pôr fogo no quartel, é um serviço que o Senhor vai prestar às Forças Armadas, tire-a de lá quanto antes". E ele tirou... No começo de setenta, a emigrante sem medo trouxe a Portugal "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis”, que a censura proibiu em Lisboa, mas autorizou na elitista Cascais, longe das massas populares... Aí Ruth conheceu as três Marias, leu "As novas cartas portuguesas", e Simone de Beauvoir, e converteu-se ao feminismo. A nova causa abriu-lhe outros palcos, os da política. Ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros (nunca se naturalizou brasileira), em oitenta, candidatou-se e foi a primeira mulher eleita e reeleita Deputada à Assembleia do Estado de São Paulo e, também, a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e a primeira Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres. Em 1974, organizara o primeiro Festival Internacional de Teatro, que levou a São Paulo, o que de melhor se fazia nas grandes capitais do mundo, feito que repetiu em 1976, vendo-se reconhecida como grande renovadora da arte dramática brasileira. Depois de deixar o cargo de Deputada, em 1988, voltou aos palcos e à organização de novos festivais internacionais, sempre no mesmo espírito de renovação, tornando-os inclusivos de outros terrenos e saberes: os Festivais de Artes e Ciências dos anos noventa. A caminho dos 70 anos, a portuguesa mais famosa do Brasil não estava disposta a parar… Já neste século, tive a sorte de assistir ao seu lado, em São Paulo, a uma última produção, tão audaciosa como as primeiras: uma original encenação de "Os Lusíadas". Só a doença poria um fim prematuro a esse percurso fulgurante, com que Ruth Escobar deixou uma fantástica herança cívica, intelectual e artística, enraizada em na tradição de Gil Vicente (segundo ela, o “Shakespeare português”) e no modernismo com que mudou a face do teatro em São Paulo e no Brasil. Por isso, recebeu, justamente, as mais altas honras brasileiras, a nossa Ordem do Infante D Henrique, a Legião de Honra e a Ordem das Artes e das Letras, de França. É um nome lendário no Brasil. Está, ainda, por descobrir em Portugal...
A TRAIÇÃO AMERICANA 1 – Assistimos nestes últimos dias ao mais ignóbil ato de traição de que me lembro, desde que acompanho a política internacional. Uma traição americana. A traição de Trump à Ucrânia, sobretudo à Ucrânia, e a toda a Europa. Esse ato, que ficará entre os mais abjetos da história da humanidade, pôs em causa, de um dia para o outro, à resistência heróica de um povo que lutava há mais de três anos, sempre com fraco e tardio apoio de timoratos aliados, mas com sucesso feito de valentia e de inteligência, contra as forças invasoras do império russo. Putin invadira a Ucrânia, com o plano militar de conquista em escassos dias. Três anos depois, tinha o seu próprio território ocupado, e continuava os avanços e recuos nos “oblasts” de leste. De repente, entrou em cena o amigo americano e deu-lhe tudo o que queria em poucas horas! Como? A mera suspensão de fornecimento de armas, (aliás, ilegal, contra decisões bipartidárias do Congresso, para ele coisa de somenos) não bastava. O exército ucraniano tinha armamento para alguns meses e a Europa preparava-se para o rearmar. No seu mortal “jogo de cartas”, Trump jogou a carta decisiva: o corte dos sistemas de comunicação por satélite, sobre os quais se baseiam, ao minuto, todas as operações militares de ataque e defesa! É assim, a guerra no século XXI!… Com a Ucrânia no “buraco negro”, por falência dos recursos para a guerra eletrónica, Putin chacina e devasta o inimigo a sei bel-prazer, nas vésperas das cinicamente chamadas “negociações de paz”. Falta saber se Trump não foi ainda mais longe, fornecendo ao amigo Putin dados sobre operações ucranianas, nomeadamente em Kursk. De qualquer modo, manietou Zellensky e deu ao amigo russo “licença para matar”. Eu tinha de falar sobre o caso, porque não suporto o silêncio que se faz à sua volta, a “normalização” dos crimes que estão a ser cometidos contra um povo cada vez mais indefeso! É arrepiante o silêncio, a passividade da Europa e da própria América democrática no contexto da farsa das “negociações de paz”. Praticamente só me chegou a voz do Senador Mark Kelly, do Arizona, um antigo astronauta, com um currículo feito de missões no espaço. Durante à recente visita à Ucrânia, ao dar-se conta do que ali se passa e por culpa de quem, denunciou veementemente Elon Musk como um “traidor”. É, é um traidor, mas não é o único. O ator principal é Trump. Ele não é apenas o vulgar criminoso condenado pela justiça americana em muitos processos, desde agressões sexuais, a falências fraudulentas. Um criminoso que escapou aos processos maiores, fazendo-se reeleger presidente (penso na invasão do Capitólio, na tentativa de manipulação de resultados eleitorais). É, também, um político que já ganhou o seu lugar na nave dos loucos dos grandes psicopatas. Como Nero ou como Hitler. Não foi por acaso, que o seu Vive Presidente JD Vance, (quando estava no campo oposto, antes de se juntar aos “maus”) o comparou a Hitler. É uma ótima comparação – dois narcisistas, sedentos de poder e capazes do pior. O que revela duas coisas: o jovem Vance lera uns livros, nomeadamente sobre Hitler, e até tinha escrito um, assim mostrando os seus dotes e pretensões intelectuais. Como homem, porém, não presta para nada, porque, para singrar na vida e na política, não hesitou em fazer equipa com quem considerava um Hitler americano! O ato infamante de Trump, é doravante um aviso sério a todos os aliados (ou antigos aliados) dos EUA: este homem não é confiável! Nunca o será - é um duplo de Putin Durante o seu mandato, a cooperação estratégica com os EUA está irremediavelmente minada, mesmo que a dependência europeia não lhe permita ruturas imediatas - fornecer informação secreta a Trump ou a Putin vai, provavelmente, dar ao mesmo… A ligação íntima dos dois vem de muito longe, ainda que seja enigmática, e vai continuar. E depois de Trump? Depois, não sei se o regime dos oligarcas americanos está para ficar, ou se a América é recuperável para uma vivência civilizada e democrática. Todavia, penso que não voltará a ser para a Europa o que já foi - aliada de todas as horas, figura tutelar. 2 – Chegámos ao fim de uma era. Ao fim da “pax americana”, que durava desde o termo da II Guerra Mundial, (há 80 longos e remansosos anos). Ao fim da NATO - talvez não oficialmente (só Trump a pode declarar extinta, os outros, por medo, vão fazer de conta que ainda tem alguma serventia, mas não tem, o art.º 5 tornou-se inaplicável e a “intelligence” insegura. Putin e Trump vão instalando o seu cerco à Europa – não somente à Ucrânia, a toda a Europa, ao que se chamava antes, o mundo livre, o mundo ocidental. A Europa, do ponto de vista da sua defesa e segurança, acordou, subitamente, de um longo sono de 80 anos! Eu tinha pouco mais de dois anos quando a II Grande Guerra acabou. Sempre vivi no conforto e harmonia da paz atlântica. E o mesmo acontece com os milhões de europeus que são mais jovens do que eu, a esmagadora maioria da população do nosso continente. Acordámos incrédulos, com uma única certeza; tudo vai mudar! Estamos sozinhos. Contudo, temos meios. Alguns de imediato, outros a prazo. É um caminho sem retorno, quaisquer que sejam as posições das próximas administrações americanas. É o caminho da nossa independência, não só económica ou científica, mas militar. Cooperação com aliados, sim, em todos os domínios, mas de igual para igual, sem submissão! Finalmente, neste histórico ano de 2025, a Europa reagiu depressa e bem (falta saber se é para continuar assim). À falta de um novo Churchill, de um novo De Gaulle (que muito antes teriam lido os sinais de ameaça…) tomaram a liderança o britânico Keir Starmer e o francês Macron. O serem potências nucleares dá-lhes esse estatuto, cabe-lhes substituir o papel dos EUA na missão de dissuasão, onde quer que seja necessário, na Alemanha, na Polónia… O desafio maior que se segue é escolher um modelo institucional, que possa funcionar de forma inteligente e eficaz. Um modelo que se ajuste, com pragmatismo e rigor, à realidade (para quem gosta de futebol, o equivalente a dizer que o sistema tem de assentar na avaliação das capacidades de cada membro concretamente disponível e não em sistemas de jogo perfeitos, para os quais não há jogadores…). A urgência de alcançar resultados a tanto obriga, No caso europeu é ainda uma oportunidade de conseguir outras mais valias. A primeira é redesenhar uma fronteira “civilizacional” (por tal se entendendo Estado de Direito, democracia, Direitos Humanos) que, no interior, reaproxima a União Europeia do Reino Unido, da Noruega, do Canadá, da Turquia (?), e, também de países de outros continentes, como o Japão, e a Austrália. A segunda é excluir, à partida, do núcleo central os países que estão dentro da EU como verdadeiros cavalos de Troia – a Hungria, a Eslováquia e outros Estados pouco ou nada confiáveis. A terceira será, espero, expurgar de acordos futuros, todas as regras que, no dia a dia, têm mostrado, a sua eficácia de paralisar decisões (antes de mais, a regra da unanimidade). Ideal seria introduzir na orgânica da nova Aliança (nesta fase transitória, porventura, sem formalização…) flexibilidade, diversidade de estatutos de parceria e cooperação, enquanto se intensifica o investimento nas indústrias de defesa, nos sistemas de comunicação e na ciência. Nesta fase, os europeus manterão um discurso oficial prudente e a fantasia da cooperação euro-americana… A diplomacia tem de ir por aí, mas, pela minha parte saúdo os que, como o Presidente Marcelo, vão mostrando o desassombro de chamar a Trump o “ex-aliado”. 3 – Terminarei esta breve reflexão, lembrando uma instituição do passado recente, de que não ouvi ninguém falar: A União da Europa Ocidental, instituição pioneira da cooperação inter europeia no pós guerra, que, após a constituição do Conselho da Europa se concentrou no domínio de Defesa e Segurança da Europa, fundada no Tratado de Bruxelas modificado, (cujo art.º 5º ia além do art. 5º do Tratado de Washington (NATO) no compromisso de defesa mútua!). Ou seja, com capacidade para se tornar no “pilar europeu” da NATO. Insensatamente a EU, (já então pouco homogénea nestas matérias, com um terço de países neutrais) não descansou até extinguir o UEO, como, aliás, desejavam os americanos… A meu ver, é um modelo muito semelhante o que veio propor Keir Starmer, na recente cimeira de Londres, ao definir, magistralmente a “Europa da Defesa” como “a coalition of the willing”. Esta coligação reúne aqueles que estão prontos a assumir o compromisso de defesa mútua. Tal como há décadas não cabe nas fronteiras da UE – estão lá o Reino Unido, a Noruega e o Canadá, desejavelmente a Turquia. E não estarão os governos putinistas da EU, (os Orbans de hoje e de amanhã). Uma Europa de valores e de boa vontade!.