domingo, 18 de novembro de 2012


Maria Alice, jornalista e directora do mais antigo jornal de língua
portuguesa em Toronto era uma Mulher de cultura, de Letras e de
causas, com um intenso interesse pelas coisas da política, tanto nacional,
como canadiana e mais ainda pelas da sua comunidade.
Sempre pronta a conversar à mesa do café, ou ao telefone, como se o
tempo que perdia connosco, não o fosse gastar em noitadas de porfiado
trabalho.
Sim, havia o seu “quê” de excessivo na personalidade de
Malice – mas todos os seus excessos eram virtuosos (excepto o de
fumadora inveterada): excesso de generosidade, de voluntariado, de cuidado
com o detalhe, com o sucesso de todas as vertentes de uma acção, que a fazia
uma parceira mais do que fiável, infalível, em qualquer iniciativa conjunta. As suas
organizações tinham o rigor de um relógio suíço, a par de um entusiamo e uma
emotividade muito à portuguesa. Amigos não lhe faltavam, Sabia
escolhe-los na perfeição, e pô-los a trabalhar para o “bem comum”. Foi
através dela que conheci o filantropo Virgílio Pires, o Manuel Leal (que ela
achava “esquerdista” – que exagero! …) ou o Laurentino Esteves, o jovem
promissor, que tratava como um segundo filho
Só ela me faria estar numa passagem de ano em Toronto (porque para
além da minha família portuguesa, achava que eu tinha obrigações para com
a minha vasta família de afectos luso.canadiana…). E não nos
limitamos a confraternizar em duas ou três festas de associações, mas
em quatro ou cinco, umas visitadas no ano que findava e outras já no
ano seguinte,,, No meio de um nevão que cobria os passeios, onde se
afundavam os nossos sapatos de salto alto. Coisa benigna, quando
comparada a uma ida de Toronto a Kingston, que durou horas e horas,
sob sucessivas tempestadas de neve, com o Virgílio Pires firmemente ao
volante do seu Cadillac, que patinava aqui e ali, mas sempre sem
perder o rumo…. E, depois de cumprirmos na íntegra o programa - visita
à Igreja portuguesa, encontro no clube, entrevistas à rádio e à
televisão e jantar como Mayor – regressamos à aventura de mais umas
horas de condução exímia do Virgílio, sob a fúria da intempérie. Em
ininterrupta e divertida conversação a três…
Malice era assim, cheia de energia, de ideias e de projectos, que
levava por diante contra todos os obstáculos, fossem os da natureza ou
os dos seus opositores - que nunca a venceram nem convenceram...
O que a movia? Julgo que era, antes do mais, o portuguesismo, a
vontade de defender a cultura portuguesa na imensa panóplia de
culturas conviventes no Canadá e também o inconformismo face às
práticas e tradições que desvalorizavam o que era feminino .
O Correio Português era o o jornal da Maria Alice e do António
Ribeiro, numa paridade perfeita, pragmática e eficaz.. Mas para
Malice, como os amigos lhe chamavam, o jornal foi mais do que um jornal
bem dirigido e bem escrito. Com ele deu voz à comunidade, fez a
história da comunidade, mas também soube ter voz própria e ser
protagonista de primeiro plano na construção de um universo luso
canadiano que não parou de crescer, após o início das migrações dos
anos 50.
Do seu pioneirismo no campo da escrita e do jornalismo ao seu
pioneirismo na representação dos emigrantes no Conselho das
Comunidades Portuguesas, desde os anos 8o até ao último dia de uma
luta contra grave doença, fica a força de um exemplo de vida, Fica a
memória de um tempo da emigração portuguesa no Canadá, em páginas e
páginas do seu "Correio". E fica, também. à espera dos investigadores
que o possam tratar e divulgar, um precioso arquivo fotográfico,
recolhido no Museu Português deToronto, graças a uma intervenção de Virgílio
Pires, quase na 25ª hora.
Na verdade, Malice tinha sempre à mão para além do inevitável maço de cigarros,
também uma excelente máquina fotográfica...Um mundo a descobrir...
E numa revista que fala de mulheres na ´Diáspora não poderemos
esquecer que a ela se deve a proposta, apresentada no Conselho
das Comunidades, para a realização do mítico 1º Encontro Mundial de
Mulheres Portuguesas, que veio a acontecer em 1985.

Maria Manuela Aguiar

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