Recordar tempos idos... Falar do presente, também. E até, de quando em vez, arriscar vatícínios. Em vários domínios e não só no da política...
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Futebol: fazer história, fazer a festa
1 - No domingo passado a festa do futebol foi vermelha. Todavia, num gesto de sublinhar pela raridade, também saíram à rua as bandeiras verdes dos "leões", que perderam o campeonato - perderam, porque "o segundo é sempre o primeiro dos últimos" e porque lideraram a classificação durante muitas semanas e se deixaram, por fim, definitivamente ultrapassar. Tudo isso aconteceu a sul, com ramificações um pouco por todo o país e emigração.
A norte, os adeptos do clube maior, mantiveram-se numa neutralidade melancólica, recordando uma história recente de vitórias, que revestiam de azul e branco a cidade inteira, e se estendiam, também, pelo mundo português.. Imperava, agora, a indiferença quanto ao vencedor, porventura com gradações.... Em circunstâncias normais, quase todos os portistas. a terem de escolher, optam pelos "verdes", por razões várias - uma das quais é o facto de se sentirem mais iguais a eles, perante o favorecimento com que muitos "media" e as altas instâncias do futebol privilegiam o rival encarnado, ou perante o que consideram a megalomania e o complexo de superioridade de que este dá mostras, reivindicando, por exemplo, a pertença de 6 milhões de portugueses e outras desmesuradas qualificações.
Desta vez, na minha relativa indiferença, incrivelmente, preferi a vitória do SLB, para o que foi determinante a faceta megalómana e o insuportável complexo de superioridade da dupla Jorge Jesus/Bruno de Carvalho, que, por contraste, deu do Benfica de Rui Vitória uma imagem da contenção e urbanidade (esqueçamos, como coisa menor, o seu discurso de vencedor eufórico, com aquela piada despropositada da colocação de Jorge Jesus atrás de um vendedor de pipocas, numa longa lista de afetos ...) .
Em suma, gosto de bons treinadores, que sejam também "gente boa", gente civilizada. Por isso, sou sempre por perfis como os de André Villas Boas, Marco Silva, ou Leonardo Jardim, contra figuras como Jorge Jesus, Co Adriaanse ou Julen Lopetegui - estes dois últimos com a agravante de nem sequer serem treinadores de topo. A arrogância, só a admito a José Mourinho, Fraqueza minha, confesso, mas não só admiro a sua genialidade, como me divirto com os seus "mind games".
2- Jorge Jesus declarou, antes mesmo da perda do título nacional, em jeito de auto-defesa, que já " pagou" o seu contrato (milionário) de três anos com o Sporting. Ao longo da época, não ganhou nada, nem sequer uma Taça de Portugal, na esteira de Marco Silva, pelo que estaria a referir-se ao apuramento direto para a Champions.
O que poderia, nesse capítulo, dizer Rui Vitória, que deu ao clube muitíssimo mais, por muitíssimo menos dinheiro? Com um modesto contrato e sem exigências de grandes investimentos no plantel, fez uma bela campanha na "champions", venceu o campeonato nacional, vai provavelmente ganhar, amanhã, a "Taça da Liga", que conta para a estatística dos títulos oficiais, e, ainda por cima, foi o criador de uma improvável vedeta, vinda da équipa B, Renato Sanches, que já a protagonizou o negócio do ano, quer se venha a transformar, ou não, no "novo Ronaldo", como se anuncia.
Nesta comparação de custos/benefícios dos treinadores, também o FCP perde em toda a linha. E, a meu ver, não somente pelas as derrotas, que o presidente Pinto da Costa foi o primeiro a adjetivar de "vergonhosas", mas pela incapacidade de valorizar magníficos jogadores da formação , como são, por exemplo, Rúben Neves e André Silva. Onde estariam eles se tivessem sido titulares indiscutíveis, no onze base, como foi, a partir de certa altura, Renato Sanches no Benfica?
Rúben e Renato chegaram, ambos, à Seleção A. Rúben jogou da mesma maneira, com a mesma classe, a mesma autoridade e precisão de passe, no onze do Porto e no de Portugal. Impressionante! É mais do que pode dizer-se de Renato, que não provou nada nas suas primeiras chamadas à seleção, mas, apesar disso, vai ao Euro.
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3 - No próximo domingo há mais festa do futebol - azul, desta vez, se o sonho portista se concretizar em espetáculo e golos. E aonde será a festa?..Há mais de uma década que a Câmara Municipal do Porto não saúda os sucessos do clube, que levou o nome da cidade ao mundo inteiro. Triunfos para celebrar. houve-os de toda a espécie: taças e campeonatos nacionais, Taça UEFA," Champions", Taça Intercontinental. Ou seja: sobraram os títulos, as oportunidades, mas faltou visão do seu significado ao então edil portuense. Rui Rio fechou portas aos representantes do clube e às grandes manifestações populares, levando a multidão de bandeiras azuis e brancas a peregrinar entre a avenida, que tradicionalmente acolhia os festejos, e o estádio. Por fim, cada vez mais demandáva apenas o estádio, propriedade privada... Em Lisboa, ou em Coimbra, ou em Guimarães, comemorações semelhantes têm sempre na sede do município, na "casa comum", o seu momento mais simbólico.
Do Presidente da Câmara Rui Moreira se espera, agora, caso a Taça viaje para o Porto, esse gesto institucional - e não como adepto, (a cor clubista é sempre institucionalmente irrelevante), mas em representação do governo da cidade. Não se trata de misturar política e desporto, mas, bem pelo contrário, de destacar a parte de cada um. Os feitos desportivos pertencem não só à história do clube como à da terra. Reconhece-los com uma grande receção na Câmara é, no plano das relações pessoais, uma cortesia. No plano político, é um ato de cultura.
quarta-feira, 4 de maio de 2016
O meu amigo Edmundo Macedo
Um dos últimos textos que me enviou foi sobre Deco, a propósito de um texto meu sobre o mesmo fantástico nº 10.
Que bem sabia escrever...incluindo sobre futebol!
Anderson Luís de Sousa, natural de São Bernardo do Campo, nesse fabuloso Brasil, tinha pés de seda! A seu favor, uma espécie de alavanca invisível combinando perfeitamente com força mecânica e -- senhores! -- eis seu Deco! Do Corinthians para o Benfica, o técnico do Benfica de então, Graeme Souness, "a errar a pontaria", pelo que empréstimo de Deco ao Alverca e depois um pulo até ao venerando Salgueiros. Mais uma vez Pinto da Costa deve ter visto qualquer coisa que mais ninguém na altura viu e vai daí, Deco pr'ó Porto! O mesmo Porto que parece andar há anos virado a sotavento deixando aos outros o barlavento! O mesmo Porto que já tivera o Hernani e o Pavão a cintilar como estrelas! O mesmo Porto da figura mítica chamada Barrigana! E que fez então o Deco? Fez futebol de sonho! Médio de ataque -- os puristas de Manchester, Londres e Chelsea chamar-lhe-iam "attacking midfielder" --, pôs o Porto a jogar um futebol de compêndio, de cátedra, categórico, categórico no sentido de explícito e positivo. Seu Deco -- já se disse e nunca é demais repetir -- tinha pés de seda. Tão de seda que garantiam poupança da relva. Tão de seda que pareciam deslizar em superfície oleosa. Tão de seda que era um encanto vê-lo jogar.
E o futebol de seu Deco exibia traços de peça dramática teatral, exsudava coreografia, vertia elegância de cisne.
É tudo -- e não é pouco -- sobre o futebol divinalmente rico de Deco!
Acima de Deco, quer dizer, melhores do que Deco, só Figo, Ronaldo e Eusébio? Não parece dedução razoável. Que tem o futebol-arquitecto-desenhador-pensador-de Deco -- "attacking midfielder" -- a ver com o futebol-decididamente-e-quase-exclusivamente-golo de avançados, de homens-golo como Figo, Ronaldo e Eusébio?
Edmundo Macedo
Los Angeles, Setembro 2013
segunda-feira, 2 de maio de 2016
O PARADIGMA DO BOSTON PORTUGUESE FESTIVAL
A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA NO SÉCULO XXI - DA DIVERSIDADE Á CONVERGÊNCIA O paradigma do Boston Portuguese festival
(Síntese da comunicação ao colóquio Luso Galaico (Eurocidades Monção/Salvaterra) - 9 de Abril)
1 - A emigração portuguesa é um fenómeno antigo e persistente, embora continuado em fluxos que crescem e decrescem num constante fechar e abrir de novos ciclos. No presente, a crise financeira europeia e mundial, as políticas de austeridade da UE, e, no caso de Portugal, as imposições dos credores externos repercutiram tão negativamente nos níveis de emprego e nas remunerações do trabalho que desencadearam, a partir de 2010, uma grave crise económica e um êxodo migratório só comparável ao dos anos 60 do século passado Fala-se de "nova emigração", com um enfoque numa realidade efetivamente diversa da tradicional - uma fuga de cérebros, de jovens altamente qualificados, com uma significativa proporção da saída autónoma de mulheres, muito embora este segmento mais visível e mais preocupante seja ainda minoritário dentro dos números globais . 2 - As caraterísticas da "nova emigração" são a sua grande heterogeneidade, a tendência para um menor desequelíbrio de género e a maior dispersão em todos os continente, se bem que a Europa permaneça como destino largamente predominante. E, também maior a imprevisibilidade no que respeita às intenções de regresso dos jovens portugueses mais qualificados, à sua mobilidade internacional, e perspetivas de integração na esfera do associativismo, em que se estrutura a "Diáspora", nas comunidades portuguesas do estrangeiro - comunidades orgânicas, coesas e dinâmicas, autênticos espaços de extra-territorialidade da cultura nacional, transmitida de geração em geração. 3 - Estará a presença portuguesa neste mundo institucional ameaçada tanto pelo desinteresse da "nova emigração" como pelo das segundas e terceiras gerações de emigrantes? Estarão as grandes instituições da "Diáspora" condenadas ao declínio num mundo em que a facilidade de comunicação tornou mais próximas todas as terras e, de algum modo, veio desvalorizar as singularidades identitárias? Como atrair à vivência em comunidade a portugueses tão distantes nas suas experiências profissionais e nos seus interesses culturais? A fórmula do "Portuguese Boston Festival", ensaiada nos EUA, na primeira década do século XXI, pode ser uma resposta, com a virtualidade de se adaptar a diferentes circunstâncias. É, essencialmente, um apelo à afirmação da presença cultural portuguesa, em que cada um, cada coletividade, cada cidadão, dá o melhor de si, numa iniciativa anual, numa organização comum, feita de todas as organizações, um "encontro de mundos" - o tradicional e popular, o académico e científico, o artístico, o desportivo e lúdico, o empresarial. Todos unidos à volta de uma távola redonda, por uma causa, a cultura portuguesa, ou, mais latamente, as culturas da lusofonia.
A COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA
1 - O relacionamento entre o Brasil e Portugal, enquanto Estados do mundo da lusofonia, tem conhecido momentos altos, separados por algumas crises passageiras - crises que, aliás, raramente conseguem afetar o bom entendimento entre as pessoas. O que nos une ao Brasil são, de facto, laços tecidos por séculos de migrações, quase sempre consideradas excessivas e objeto de políticas nacionais proibitivas ou limitadoras da liberdade de movimentos através do atlântico. Êxodo multissecular, que contribuiu poderosamente para construir uma nação quase continental, cerca de cem vezes maior do que Portugal, e para lhe dar uma língua unificadora (e a língua, note-se, não se impõe por decreto - vive-se no diálogo quotidiano de gente concreta).
Foi por isso inteligente e justo o gesto do legislador brasileiro, em 1967, ao instituir o Dia da Comunidade Luso-Brasileira, a 22 de abril, data em que, em 1500, Cabral e os homens da sua expedição avistaram a terra a que puseram o nome de "Vera cruz". É o momento simbólico de um primeiro encontro entre povos, que haveriam de construir o Brasil futuro. Portugal aceitou a ideia, naturalmente. Todavia, a lei é letra morta nos dois países... a comunidade não! E a comemoração faz-se, sobretudo, por iniciativa das associações de imigrantes portugueses, em colóquios e debates, chamando personalidades do poder político dos dois países às grandiosas instalações dos seus Gabinetes de Leitura, Grémios Literários, Casas de Portugal...
Entre nós, as comemorações andam esquecidas, tanto a nível oficial, como na sociedade civil... Espinho constituiu-se, este ano, em exceção à regra geral do olvido, graças à proposta de uma associação de mulheres migrantes, acolhida pela Câmara Municipal no auditório da Biblioteca José Marmelo e Silva.
Uma exposição de pintura inspirada em festas populares, semelhantemente organizadas no espaço luso-brasileiro, e três admiráveis conferências sobre literatura e história do Brasil (proferidas pelos Professores Arnaldo Saraiva e Eugénio dos Santos, e pelo escritor e jornalista Danyel Guerra), transformaram a sessão numa "viagem de achamento" de factos, de personagens e de emoções! O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, trouxe de uma recente visita ao Brasil o testemunho das significativas celebrações em que participou (e que haviam sido antecipadas, para contar com a sua presença).
Um dia inesquecível, em que, de algum modo, se "remou contra a maré", num país onde a história do Brasil não é aprendida nas escolas e desapareceu, insolitamente, dos "curricula" das Faculdades de Letras (veja-se o caso da Universidade do Porto, onde Eugénio dos Santos a ensinava, de forma superlativa). Os responsáveis pela "res publica", em particular no domínio da Educação e da Cultura, deviam reler Joaquim Nabuco, o grande intelectual, político, diplomata, que afirmava : "Os Lusíadas" e o Brasil são as duas maiores obras de Portugal.
2 - A comunidade, a fraternidade luso brasileira não é, como pretendem alguns, pura expressão retórica. Leis e práticas do Brasil contemporâneo provam o contrário e pena é que sejam, quase completamente, ignoradas por cá...
Dois exemplos admiráveis, da segunda metade do século XX: a solidariedade para com os retornados de África e o reconhecimento da "cidadania luso-brasileira.
Em 1974/75, o Brasil foi o único Estado a abrir incondicionalmente as fronteiras aos portugueses, que abandonavam Angola e Moçambique, aquando de uma descolonização súbita, que os deixou em situação de refugiados de facto. Para lá foram todos os que quiseram ir, novos ou velhos, saudáveis ou doentes, mais ou menos qualificados, mais ou menos pobres... Nos aeroportos instalaram-se serviços especiais de receção, que, sem burocracias nem delongas, carimbavam nos passaportes destes portugueses uma autorização de residência definitiva! Os que atravessavam o oceano em pequenas embarcações de pesca, eram igualmente recebidos, de braços abertos. Vinham sem haveres, alguns até sem papéis, e logo viam a documentação reconstituída, com base na prova testemunhal dos próprios companheiros de aventura. (Que diferença com o que se vê, hoje, no mediterrâneo, ou nas fronteiras terrestres de uma Europa, que, tão desumanamente, ergue muros de arame farpado contra quem foge da guerra, do terror. Ou paga a sua "deportação" para um destino inseguro, quando não fatal!)
Já alguns anos antes, em 1969, com a mesma compreensão da ideia de pertença a uma comunidade singular, o Brasil estabelecera o estatuto de direitos civis e políticos para imigrantes portugueses (a que Portugal corresponderia em 1971). Enquanto, ainda hoje, a chamada "cidadania europeia" , decorrente do Tratado de Maastricht, em matéria de direitos políticos, não vai além do nível local, a cidadania luso-brasileira, fundada no Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, alarga-se à eleição para órgãos de soberania e ao acesso à magistratura judicial. Em 1988, a Constituição Brasileira foi ainda mais longe e atribuiu aos residentes portugueses, em votação unânime, unilateralmente, mas sob condição de reciprocidade, todos os direitos dos nacionais - capacidade eleitoral passiva e ativa nas eleições, autárquicas estaduais e nacionais, acesso a altos cargos públicos, ao governo local, estadual e federal, à magistratura e ao exército (praticamente excecionando apenas a Presidência da República e sua linha de sucessão, como previsto para brasileiros naturalizados). Portugal só veio a dar plena reciprocidade na revisão constitucional de 2001. Desde então, está em vigor este Estatuto de Cidadania nos dois Estados - o mais avançado que se conhece no século XXI.
Sobra entre nós, brasileiros e portugueses, a fraternidade que falta entre europeus...
3 - Em 1974, com a revolução do 25 de abril, desfez-se o Império, que era obra do Estado, mas resiste a obra das pessoas, dos emigrantes, as relações privilegiadas entre povos da mesma fala, a diáspora. Ganhamos a liberdade de sermos portugueses, lusófonos, europeus, com uma identidade que temos de saber afirmar em cada um dos círculos em que partilhamos um longo percurso, continuando-o em cada novo tempo, com cada nova geração.
Comunidade Luso-Brasileira, CPLP, Europa… Por esta ordem de prioridades? Eu diria que sim, embora saiba que não tem sido essa, desde há muito, a opção estratégica dos nossos políticos.
Maria Manuela Aguiar
Publicado em "Defesa de Espinho", 5ª feira, 28 de abril
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