domingo, 16 de abril de 2017

HOMEM CERTO NO LUGAR CERTO. NO TEMPO ERRADO... (a propósito do Aeroporto Cristiano Ronaldo) 1 . O País continua a discutir, apaixonadamente, dentro e fora dos debates televisivos, numa espécie de multiplicação do programa "Prós e contras", o "batismo" deste aeroporto. Para além da própria denominação, um outro caso se levantou com a inauguração de um busto do patrono de muito duvidosa qualidade. Esta segunda controvérsia tornou-se mais importante porque se constituiu no melhor indício da ligeireza (para não dizer leviandade) com que o processo decorreu de princípio a fim - se é que chegou ao fim, visto ter sido suscitada a questão jurídica da legitimidade do Governo regional interferir em domínio que será (ou não!) do poder de Lisboa. O bronze foi produzido em escassos 15 dias e é de autoria de um generoso dador, desconhecido nos meios artísticos - exemplo de amadorismo, particularmente inadequado para prestigiar o mais profissional dos atletas, em cerimónia abrilhantada pela presença do Presidente da República e do Primeiro Ministro. Pressa, voluntarismo, incompetência. E, segundo alguns avisados comentadores, porventura, um gesto não assumido de rotura geracional na vida política da Região. Ou seja, o meio eficaz de precludir a possibilidade de um futuro Aeroporto Alberto João Jardim. E para a missão de descartar o Homem ao qual, substancialmente, se deve a modernização da Madeira e o avanço do projeto autonómico, quem melhor do que o madeirense mais popular do mundo? A razão porque esta hipótese parece plausível é o desacerto do "timing" da "alternativa Ronaldo". De facto, o jogador está apenas a alguns anos do termo da carreira. a alto nível, e, por isso, não se vislumbra motivo para não adiar, por quatro ou cinco anos, se tanto, um tributo que seria absolutamente oportuno e indiscutível no preciso momento da despedida dos relvados. Março de 2017 é, definitivamente, o tempo errado, para entronizar um " homem certo, no lugar certo". 2 - Lamento ter de criticar uma deliberação que, noutras circunstâncias, veria com agrado, pois sou uma declarada defensora das vantagens de "dar o nome às coisas" - desde aeroportos a instituições culturais e quaisquer outras, sempre que esse ato contribua para a preservação da memória dos feitos e das pessoas com que se construiu ou se constrói a história de um país, de uma região,de uma comunidade, de uma entidade, e com cujo exemplo se conduz essa história ao seu futuro. É justo, é edificante conferir, assim, visibilidade a laços de pertença, a personalidades que são fonte de inspiração para as novas gerações. Reclamar, deste modo, a herança dos nossos maiores, significa não só valoriza-los como valorizar-nos. 3 - Espinho tem, na minha opinião, sabido assumir inteligentemente este desiderato. A singularidade de haver substituído, desde o início do século passado, nomes por números de ruas, não o prejudica, antes pelo contrário: é um aproveitamento hábil do seu traçado geométrico, converteu-se em símbolo de modernidade e permite valorizar as várias excepções mantidas ou introduzidas na sua toponímia. Três excelentes liceus, que são orgulho da cidade, têm como patronos vultos que a enriqueceram enormemente, em diferentes domínios. O mesmo se diga das galerias de arte do FACE, do auditório da sala de cinema do Multimeios, ou da Biblioteca Municipal... Salientarei, em especial, o processo de dação do nome do escritor e pedagogo José Marmelo e Siva à Biblioteca Municipal, porque foi aquele que mais de perto acompanhei, em 2011, enquanto vereadora da Cultura. Marmelo e Silva adotara Espinho para viver e trabalhar, ao longo de décadas e, sendo, reconhecidamente um dos cultores mais originais e mais exigentes da língua portuguesa na busca conseguida da perfeição, constituía uma escolha evidente, na hora certa em que se abria ao público a Biblioteca na sua nova e magnífica sede. A escolha veio a ser a de todo o Executivo municipal, por unanimidade (e aclamação!), sem sombra de aproveitamento partidário ou individual e não sem antes ter sido longamente ponderada. Foi até criada uma comissão para dar parecer - um verdadeiro comitè de "sages", que se pronunciou e dirigiu ao Executivo várias recomendações, entre elas as relevantespropostas de dar às duas salas de leitura,os nomes de Sophia de Mello Beyner e de Edgar Carneiro. Mais e melhor só se conseguiria pela via de um referendo, que é como se sabe, meio dispendioso e, por essa e outras razões, raramente usado entre nós

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