sábado, 24 de junho de 2017

SINTO-ME BRASILEIRA 1 - Se o Presidente Marcelo pudesse ainda surpreender-me pela positiva, te-lo-ia conseguido ao afirmar, no Rio de Janeiro: "Sou Presidente de Portugal, mas sinto-me brasileiro". Não adivinhava esta completa identidade de sentimentos com o nosso presidente, no que ao Brasil respeita e foi, evidentemente, uma alegria constata-lo. Alegria e, igualmente, vontade de saber o "porquê". Se um dia o reencontrar, vou fazer-lhe a pergunta. Lá, do outro lado do Atlântico, viveram, durante algum tempo, os seus Pais, vive, agora, filho, nasceram netos, que são luso-brasileiros.Muitos serão levados a concluir que este quadro familiar é a causa da sua especial sensibilidade para a compreensão das afinidades entre os dois países, Possivelmente é, mas não só... Penso no meu próprio caso. Como quase toda a gente, no norte do país, tenho inúmeras ligações ao Brasil, por onde andaram antepassados diretos, do lado materno e paterno. Os únicos protagonistas dessas aventuras com quem convivi foram a Avó materna, Maria Aguiar, e os irmãos mais velhos da minha mãe, alguns deles nascidos no centro histórico do Rio de Janeiro, na Rua 7 de Setembro. A Avó passou pouco mais de uma década nessa cidade, entre 1910 e 1922 - segundo nos contava, os anos mais felizes da sua vida de casada (perdeu o marido tão jovem, pouco depois do regresso definitivo a Gondomar...). Dos trópicos só trouxe boas recordações, que partilhava connosco em narrativas nostálgicas, sublinhando sempre as belezas naturais do Rio, que descrevia como o paraíso terreal. Na sua "casa de brasileiro", em São Cosme, (sem palmeiras, mas com muitas árvores de frutos tropicais), reunia uma sempre crescente descendência em festas animadas, onde a música que se tocava e cantava era brasileira, a gastronomia, em larga medida também (até no Natal!) e o chá preferido era o mate. Nascida e criada nesta casa, com a sua assumida marca brasileira, eu olhava o Brasil como uma realidade fascinante, exótica e, por isso mesmo, definitivamente alheia. 2 - Uma visão em tudo semelhante à que imperou no imaginário popular, através de séculos, e que levou, por sugestão das "estórias" que se ouviam e da convivência com as experiências (e as fortunas...) trazidas no vai-vem das migrações, ao êxodo de populações de regiões inteiras, sobretudo das terras de Entre o Douro e Minho, que o Estado, em vão, tentou sustar. Era a diferença - de dimensão, de clima e paisagens, de oportunidades, de futuro - o que mais atraía, irresistivelmente, a nossa gente, intelectuais e analfabetos, pobres e ricos, homens e mulheres. Para os que são apaixonados pelas crónicas das "bandeiras" paulistas ou da expedição amazónica de Pedro Teixeira, da escrita de Guimarães Rosa, de Josué Montello, ou Érico Veríssimo, como sou, ou para ingénuas e pouco letrdas moças da aldeia, como aquela de que vou falar, a mensagem que fica do grande país da América tem a mesma aura de grandiosidade e de encantamento... A Avó Maria relatava , com detalhes e muita graça, o episódio que sintetizo em duas palavras. Um verão do início dos anos 30, foi, como era habitual, para a praia, durante o mês de agosto, e levou, para tomar conta dos sete meninos, uma jovem empregada, recém chegada do interior. A rapariga não cabia em si de contente, porque ver o mar era o seu maior sonho. Mas, no dia em que tinha, enfim, todo o Atlântico diante de si, era a viva imagem da tristeza e desapontamento. A Avó, espantada perguntou-lhe: "Então, não gostas, das ondas, deste mar tão bonito? E ela respondeu, simplesmente: "Gosto, mas não vejo o Brasil do outro lado". 3 - "O Brasil do outro lado do mar"! Ela não estava destinada a contempla-lo. Eu, sim, tive essa sorte. E uma grande surpresa logo à chegada, no aeroporto do Galeão, que serve o Rio de Janeiro - nada de especial, de facto, é apenas um aeroporto, como tantos. Contudo, mal pus o pé no chão e respirei a primeira lufada do ar quente de um outono tropical (era abril de 1980), senti-me brasileira - antes mesmo de ser saudada, por uma numerosa comitiva de homens, quase todos falando com sotaque carioca (tal com cá, lá é enorme variedade de sotaques)... Foi, pois, mais a terra do que a língua comum, o que logo me "naturalizou"! Ia em missão oficial, a primeira de muitas, a que obrigava o estar no Governo, à frente do pelouro da emigração. A sensação de estar em casa, de pertencer àquele País era tão forte, que só estranhava as distâncias. Tomar o avíão, em viagens que duravam 5 ou 6 horas, até Manaus ou Belém, idem para aterrar, seguidamente, em Porto Alegre ou S Paulo causava-me, nesse périplo pioneiro, uma espécie de vertigem de irrealidade. Depois, fui-me habituando. Não sei explicar o ocorrido, assim, de súbito. E não sou caso único. Uma vez, à conversa com uma antiga deputada e ilustre jurista, Margarida Salema - irmã de Helena Roseta - descobri que lhe sucedera precisamente o mesmo, sob o sol tropical, na mesmíssima terra escaldante do Galeão. Porém, nem todos são assim abençoados. Quantos portugueses habitam anos e anos, uma vida inteira, no Brasil, gostam da gente, dos costumes, da sociedade, em que são tratados como iguais, e não se sentem tão brasileiros como eu, que sempre lá estive de passagem... Mistérios que o coração tece, com a história, conhecida ou desconhecida, das famílias e dos povos, em singular mistura.

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