sexta-feira, 17 de abril de 2020

A PROPÓSITO DE UM PASSO DE DANÇA DO PRESIDENTE OBAMA

A propósito de um passo de dança do Presidente Obama 

 1 - Correram mundo as imagens do Presidente dos EUA a dançar o tango em Buenos Aires, acompanhado por uma veterana bailarina. Se não era uma sua primeira tentativa, parecia. Descobri, assim uma nova afinidade com um dos políticos que mais admiro: dançamos o tango imperfeitamente, apesar de ser uma música fascinante. (Na verdade, o tango é considerado uma expressão da alma argentina, como o fado é da portuguesa. Um e outro fáceis de compreender ou de sentir, difíceis de interpretar...). Falando por experiência própria, atrevo-me a profetizar que. tal como eu, o Presidente não vai conseguir melhorar muito. 
Todavia, o que importava, ali, não era a qualidade da exibição, mas a vontade de partilhar saberes, aprendizagens, rituais de amizade, em gestos de empatia, que, um a um, somados, tornaram memoráveis as suas históricas visitas a Cuba e à Argentina - coisa que, aliás, se dirá de dois mandatos inteiros, generalizando. Pode até a América vir a ter um (ou uma!) presidente igual ou superior a Obama em pura competência - dificilmente terá o seu encanto, feito de simplicidade e simpatia. Imune, de princípio a fim, aparentemente, aos malefícios do Poder. Sempre igual a si próprio, um grande ser humano .

 2 - Ao ver Obama, caminhar em frente, na pista de dança, sem ritmo mas sempre sorridente. Lembrei-me, não de magnas questões da política internacional, mas da minha experiência pessoal num espaço culturalmente argentino (uma residência de estudantes da Cidade Universitária de Paris), a que não faltavam as noites de festa, noites de tango. 
Nos dois anos de estudos de pós-graduação em França (68/70), vivi o primeiro na Casa de Portugal, em meio tão português, que mal podia acreditar que tinha deixado a Pátria - um meio politicamente fraturado, agitado por toda a ordem de mal entendidos, embora não ,por sorte, dentro do círculo de amigos com quem convivia - e passei o último ano "emigrada", e feliz, na casa de estudantes da Fundação Argentina. A Fundação pertencia ao Estado e era dirigida por um professor de Direito, com estatuto de embaixador e, por sorte nossa, perfil de independência face ao próprio regime do país, onde já havia sinais da pavorosa ditadura que não tardaria a implantar-se. 
 Quando deixava o "campus" universitário, psicologicamente, sentia-me como que a atravessar a fronteira para a França, porque lá dentro, vivia-se o modo de estar, a cultura nacional de cada residência, apesar dos regulamentes da "Cité" exigirem, para evitar a "guetização”, uma quota de estrangeiros… A quota era, com certeza, respeitava, mas em pouco ou nada contribuía para alterar a cultura dominante - o "mainstream" de ca uma das unidades de que se compunha a !Cité",  Na Casa de Portugal (então pertença da Fundação Gulbenkian), quase não se sentia a presença dos "outros", e não me lembro de eventos "comunitários" a que fossem chamados (não havia nada digno desse nome, apenas grupos mais ou menos antagónicos. Não se cantava o fado, não se jogava a sueca, nem se bailava folclore. Via-se televisão francesa e conversava-se ou discutia-se, na nossa língua. A Casa dos Estudantes Argentina, pelo contrário, era uma festa! Quase todos os estrangeiros eram sul-americanos. Abundavam os bons cantores e os músicos, com as suas violas. E ao fim de semana, invariavelmente, com o gira-discos no volume máximo, dançava-se o tango. Todos eram convidados e ninguém assistia sentado. Até eu... Nunca me faltava par, apesar de ir aos solavancos pela sala adiante, sem acertar o passo. Sentia-me bem, no meio de amigos. Fazíamos confidências sobre os nossos problemas, contávamos histórias da nossa família, da nossa terra. A política não era obsessão, emergia, por vezes, (não muitas...), naturalmente. O meu “grupo argentino” de Paris foi tão importante como o português – ali fiz amigos para toda a vida. Não assim, curiosamente, no meio académico – não há um só colega francês cujo nome recorde. .
3 – Estes diferentes espaços em que, então, circulava ofereciam diferentes paradigmas de relacionamento intercultural. Eram microcosmos, é certo, correspondiam a um certo tempo e a um especial contexto, mas evidenciavam (evidenciam...) o modo como, em todos os tempos e contextos, uma sociedade se pode abrir aos outros e fazê-los felizes ou se pode fechar e ignorá-los, deixando-os à margem. 
Hoje, mais ainda do que há 40 anos, um dos maiores problemas da Europa tem a ver com isto: é o medo da vaga de refugiados que aí vem. É o drama da sua imigração - o drama dos jovens, de segunda e terceira geração, que se sentem estrangeiros no seu próprio país. E, afinal, a solução pode começar num simples gesto, numa simples palavra, num passo de dança…

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