quinta-feira, 30 de junho de 2022

COMBATER O CENTRALISMO PORTUGUÊS: O PARADIGMA PINTO DA COSTA

COMBATER O CENTRALISMO PORTUGUÊS: O PARADIGMA DO FUTEBOL NA ERA DE PINTO DA COSTA 1 - Há um FCP antes e outro depois de Pinto da Costa. Como portista de nascença, aos 80 anos, posso dizer que vivi 40 com cada um deles... O FCP, que vai da minha infância à meia idade, era um dos clubes grandes de um país pequeno no mundo do futebol. Tinha eu já uns 13 ou 14 anos quando, pela primeira vez, em 1956, vi o Porto ser campeão nacional. O Porto de Dorival Knipel, brasileiro de origem alemã, oriundo de Minas Gerais. O mítico Yustrich! Quanto à Seleção Nacional, digamos que o seu forte, por essa altura, eram as chamadas "vitórias morais". A exceção, que confirma a regra, foi um 3º lugar no Mundial de 1966, sob o comando de um outro famoso treinador brasileiro, Otto Glória. Os escolhidos de Otto, entre eles o fantástico Eusébio (os "Magriços", como foram chamados, ou não fosse a fase final do torneio jogada na Inglaterra...) exemplificam bem a profunda desigualdade Norte/Sul, desejada e imposta no antigo regime: Dos 23 convocados, 19 eram do sul (mais exatamente,18 de Lisboa, que ainda se sentia capital do Império, e um dos arredores, de Setúbal) e só 4 eram do norte (3 do FCP e 1 do Leixões). E, na realidade, o fosso era ainda maior, pois desse quarteto nortenho, composto pelo guarda-redes Américo, por Custódio Pinto e Festa, do FCP, e por Manuel Duarte do Leixões, apenas o defesa Festa era titular. Para os mais jovens, há que dizer que, nessa remota época, não havia substituições de jogadores durante os noventa minutos, nem sequer por lesão, e que poucas alterações se registavam no onze base de qualquer equipa, ao longo de cada época. E havia mais e pior: todos os cargos das instâncias dirigentes do futebol português eram repartidos, em exclusivo, entre os clubes dominantes da capital (Sporting, Benfica e Belenenses), que, assim, tinham de ser vistos como decisores e juízes em causa própria - com fama e proveito, jogando dentro e fora do campo. Lisboa tratava as colónias e as províncias, da mesma maneira, ou, pelo menos, com a mesma sobranceria - na política, na economia, no desporto, etc, etc, etc... Em suma, na capital estava o Poder absoluto, em todos os setores. Mandava, sem preocupação de equilíbrio, sem controle, sem oposição... A Revolução de 1974 trouxe aos Portugueses a Liberdade e a Igualdade, deu-lhe direitos proclamados na letra da Constituição e das Leis. Os progressos, não seriam, porém, alcançados, ao mesmo ritmo, por todo o lado, em todos os aspetos. Não basta declarar a igualdade, é sempre preciso conquistá-la contra o "status quo", contra interesses instalados. E em nenhum campo foi mais e melhor conseguido do que no futebol. Não porque fosse mais fácil, mas porque houve quem fizesse a revolução no terreno: Jorge Nuno Pinto da Costa. Podemos pensar, como eu penso, que sem revolução democrática não teria havido Pinto da Costa, com o seu inigualável currículo de vitórias, em termos universais E sem Pinto da Costa não teria havido revolução no futebol português! Por tal entendo, antes de mais, a criação de todo um condicionalismo para a igualdade, que permitiu a afirmação pelo mérito, pela qualidade, em qualquer ponto do território onde houvesse o que era preciso para a desenvolver. Geograficamente, o país do futebol, que antes era Lisboa, ficou maior, mais rico e mais competitivo, descobriu novas formas de gestão, muitos talentos e capacidades, até então atrofiados. Significou, também, uma aproximação ao panorama dos outros campeonatos da Europa- uma "europeização" do nosso futebol. De facto, se olharmos em volta, constatamos que a França, (antigo paradigma de centralismo político) não de limita ao Paris St Germain, conta com o Bordéus, o Lyon, o Marselha, o Mónaco... a Inglaterra não é só os clubes londrinos, pois também Liverpool, Manchester, Leicester, etc etc. podem ser a terra do campeão. Na Alemanha, a hegemonia tem estado, por acaso, bem longe de Berlim, na sulista Munique, com o Bayern a justificar, pelo seu jogo, títulos nacionais e internacionais. Dos nossos vizinhos espanhóis se pode dizer o mesmo - apesar de uma rivalidade maior entre os colossos de Barcelona e Madrid, há vida e campeões em outras cidades - como Valência ou Sevilha... E em Madrid, nem sempre é o Real, mas o Atlético, a levar o troféu para o museu. Uma situação, deste ponto de vista, algo semelhante entre os países peninsulares, se lembrarmos, entre nós, para além da alternância entre os grandes de Lisboa e o grande FCP, o título, relativamente recente, do Boavista e a existência de outros clubes muito competitivos a nível internacional, como vem sendo, sobretudo, o Braga. (o senão é, ainda, a subrepresentação do interior, que nem só no futebol é desfavorecido...). 2 - Pinto da Costa lutou para alcançar, não só a igualdade teoricamente proclamada nos diplomas legais, mas a efetiva igualdade de oportunidades. E, em condições de abertura à competitividade, alcandorou o FCP ao topo do mundo do Desporto (do Desporto-Rei) e, por natural repercussão, levando o País, num segundo tempo, anos depois, a um protagonismo crescente. Portugal, os Portugueses: os nossos Mourinhos, (que hoje ganham títulos em todos os continentes do planeta); os Decos, os Ronaldos, os Pepes.. .as equipas técnicas, os gestores, os agentes das estrelas, os dirigentes federativos... A primorosa organização de competições internacionais... O que era, antes do 25 de Abril, uma impossibilidade, e, mesmo depois, coisa extremamente improvável Não estou com isto a dizer que tão extraordinária evolução se deva, por inteiro e diretamente, ao Presidente do FCP. Não tenho, porém, dúvidas de que tudo se seguiu à dinâmica que por ele criada, através de uma verdadeira "regionalização" do futebol e do seu dirigismo. Ou seja, o equilíbrio de poder de "fazer vencedores", em qualquer cidade ou região do País, de acordo somente com a força, visão e vontade de empreendimento dos cidadãos e das suas organizações. Pinto da Costa foi eleito presidente do FCP em 23 de abril de 1982, exatamente oito anos depois da Revolução (ano, por sinal, tão importante no futebol como na política, por ser o ano da primeira Revisão Constitucional, que consagrou a democracia plena, com a extinção do Conselho da Revolução). O clube tinha ganho, até então, meia dúzia de campeonatos... Este ano festejou o seu 30º título de campeão. O Presidente cumpriu, ao longo das últimas quatro décadas, o nosso sonho de sermos os melhores do País. E foi muito, muito mais longe, ao cumprir promessas, que, então, nos pareciam pura utopia: dar ao Clube notoriedade internacional, atingir o final das principais competições europeias. Cumpriu promessas muito para além dos nossos sonhos, e, talvez, até dos dele... Tornou o FCP campeão da Europa e campeão do mundo de futebol. Por duas vezes. Sete títulos internacionais só em futebol sénior... E é, ele mesmo, o presidente de clube mais titulado do mundo, um recordista absoluto e insaciável, à espera de mais e mais vitórias no futuro! O seu fabuloso legado inclui ainda um Estádio e um Pavilhão desportivo, que são obras de arte arquitetónicas, e um Museu como não há igual. 3 - Estou-lhe grata como portista, naturalmente, e, também, como portuense e portuguesa, por ter dado à Cidade e ao País a projeção internacional que lhes faltava, no domínio mediático, por excelência, do mais universal e popular desporto da atualidade. E não menos reconhecida lhe estou, por ter mostrado a Portugal como pode fazer a regionalização, se souber extrapolar para a política os exemplos e os resultados rápidos e extraordinários conseguidos nesse outro campo. Está provado que o centralismo, ao manter o contexto em que "uns mais iguais do que os outros", é sempre inimigo do progresso, favorece a ascensão dos medíocres, alimenta uma burocracia lenta e dispendiosa, distancia os decisores da realidade plural e diversa da vida das pessoas e instituições. A desigualdade gera desiguladade! Portugal é, porventura, hoje, o país mais desigual da Europa, porque é o mais centralizador. Vê-se, caso a caso, ultrapassado pelos diversos Estados que vão aderindo à UE...continua na cauda da Europa, de onde um emblemático "slogan" de Cavaco Silva prometia retirá-lo em 1985. Ai permanecemos, porém, ultrapassados por uns e por outros... Tal como estamos organizados, não temos saída. O ensaio de "descentralização" em curso é já um fracasso irremediável, porque mantém o poder de decisão sobre as políticas concretas, intacto, nas mãos dos homens da capital - na Saúde, como na Educação - transferindo para as autarquias pouco mais do que uma custosa gestão de equipamentos, qualquer que seja o setor. O nível municipal não tem, aliás, dimensão para protagonizar o projeto de mudança de que o País precisa. São muitas as Câmaras, como convém ao Poder constituído (dividir para reinar...), ainda por cima, representadas por uma liderança nacional autárquica da mesma cor partidária... Só com a partilha real do Poder - com autonomia política à semelhança das Regiões dos Açores e da Madeira - poderemos, a meu ver, ultrapassar o impasse em que estamos quase meio século depois da revolução de 1974. É urgente afrontar o Terreiro do Paço, criar dinâmicas regionais, abrir caminho à vitória dos melhores, para que todo o País, com eles, se torne melhor. A política portuguesa, de norte a sul do retângulo continental, precisa, urgentemente, de clonar Pinto da Costa!... in JORNAL ERC E TAL junho 2022

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