segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

MOMENTOS IMPERDÍVEIS NO FACE 1 – Começo por pôr o foco no próprio "Fórum de Arte e Cultura de Espinho", (FACE), que pode ser considerado um verdadeiro “ex-libris” do vanguardismo arquitetónico da cidade, a par do belo edifício da Biblioteca José Marmelo e Silva e do Centro Multimeios. Três obras que ficam a assinalar o início do século XXI espinhense, tal como a Piscina Solário Atlântico e o Teatro São Pedro simbolizam a ambição de modernidade do século passado - o Teatro São Pedro infelizmente já demolido, como quase tudo o que, desde fins de oitocentos, fazia o encanto desta nossa estância de veraneio, celebrada por Ramalho, no tempo em que qualquer turista se podia cruzar numa rua com Amadeo, Manuel Laranjeira ou Fausto Neves. Destes “lugares de culto” (os que ainda fazem parte do nosso quotidiano e aqueles que desapareceram da face de uma terra mágica, mas existem, intactos, na sua memória coletiva) se pode dizer que foram ou são intensamente vivido, pontos de encontro, de confraternização das pessoas, dos de cá e dos visitantes, no coração da cidade. O FACE é, infelizmente, a exceção, apesar da sua beleza, valências e imensas potencialidades. Na verdade, dentro do Fórum, o Museu de Arte Xávega, as Galerias Amadeo Souza- Cardoso, o auditório, parecem só ter ocupação em “dias de festa” … Salvo no que respeita aos serviços e instituições que ali têm a sua sede, o FACE não faz parte do roteiro habitual das gentes da cidade, nem dos turistas, apesar da qualidade da sua programação cultural e de uma situação privilegiada na extremidade sul do quarteirão de restaurantes da beira-mar. O Museu, que testemunha as origens da cidade de uma forma tão original, as Galerias, que constituem um dos mais belos espaços de exposições artísticas de todo o país, não conseguem atrair multidões fora do contexto de uma inauguração, ou de um esporádico evento com o seu seleto grupo de convidados. Depois, ao longo de semanas, ou meses, rareiam as presenças... 2- As Galerias oferecem-nos, agora, (desde 28 de setembro passado e até ao próximo dia 20 de janeiro) mais uma esplêndida exposição: “Momentos”, título de uma esplêndida retrospectiva da obra de Ana del Rio, a pintora que veio de Santander para Espinho há mais de três décadas, e aqui descobriu a vocação artística. É mais um grande acontecimento integrado na agenda cultural do cinquentenário da elevação de Espinho a cidade, uma ocasião ideal para os visitantes “marcarem encontro” com a Arte da nossa conterrânea, e para darem vida ao Fórum. Confesso que ainda não perdi a esperança de ver o FACE entrar nos hábitos de convívio dos espinhenses, como entrou nos meus, desde o tempo em que fiz parte do executivo municipal. De facto, tanto me encantava a antiga Fábrica Brandão Gomes, na sua segunda vida de centro cultural, que lá instalei o meu gabinete de trabalho. Estávamos em fins de 2009, a inauguração da nova face do FACE era muito recente. Uma das minhas primeiras sugestões foi a da imediata abertura ao público de uma cafetaria, com esplanada e vista de mar. Parecia-me a maneira mais prática de captar público, de atrair a juventude, de criar o ambiente onde se formam e enraízam tertúlias, essa ancestral e simpática tradição nossa. A proposta nada tinha de audacioso, antes pelo contrário, pois raros são os museus que não providenciam esse serviço. Eu própria, na capital, (na década de oitenta…), era uma assídua frequentadora do pequeno restaurante do Museu de Arte Antiga, do "self-service" do Museu Gulbenkian ou da cafetaria do Museu da Marinha. Não sei a razão de tão óbvia medida não ter sido logo concretizada, até porque na nova sede da Biblioteca, aberta ao público dois anos depois, foi rapidamente tomada, num muito agradável recanto de convívio para um cafezinho, ou uma refeição ligeira, onde tudo é convidativo: o ambiente, os bolinhos, o prato do dia, (que é só um, mas sempre bom). Por que não conceder o mesmo tratamento ao FACE? Uma iniciativa tão fácil e pragmática poderia, a meu ver, desencadear o princípio do fim de uma certa marginalização deste espaço singular e polivalente, “fidelizando” mais e mais frequentadores. Outro meio de alcançar esse objetivo: a realização de eventos com uma determinada periodicidade. Dou um exemplo: os concertos de violino, que, em 2010/11, eram organizados, trimestralmente, nas Galerias, e faziam sucesso popular. A acústica das Galerias é maravilhosa, a música combina perfeitamente com as Artes pictóricas, e os dois violinos Capela, pertença do Museu por generosa doação dos filhos de genial "luthier", merecem sair da vitrina, de vez em quando. No mesmo sentido, iam projetos passados, que talvez tenham perdido a sua vez, como um clube de jazz, uma oficina de “luthier”, uma delegação do “Museu da Imprensa”.... Mas outros haverá sempre, para tão grandioso edifício. 3 - O passado pode sempre abrir horizontes ao futuro, mas hoje quero olhar, sobretudo, o presente. Nas Galerias Amadeo Souza-Cardoso o presente é a citada exposição de Ana del Rio, que enche de cor e de luz os seus dois longos e espetaculares salões geminados. É uma realização de que nos devemos orgulhar, em especial, porque toda ela tem a marca do talento e da qualidade de Espinhenses– antes de mais, a artista, sem esquecer a organização, a Comissão Executiva (o Dr. Armando Bouçon e a Drª Berta Martins Pereira), a montagem de Adriano Ferreira, e o catálogo da responsabilidade do Dr. Tiago Castro. O catálogo é “de per si” uma obra de arte! São razões de sobra para uma visita ao mundo de Ana del Rio, que se apropria e se expande na impressionante vastidão das Galerias, reconfigurando-as pela beleza estética dos seus quadros e pela sua mensagem humanista. O mundo de Ana del Rio! De tudo o que ela ama e de tudo o que ela nos conta, no traço em que dá vida a flores e a pássaros, à natureza, ao perfil das cidades, a rostos e a vultos que sobressaem ou quase se escondem em explosões e contrastes de luminosidade, de sombras e de brumas - ou em que a sua mão nos conduz à esfera onírica e enigmática do abstracionismo. Em “Momentos”, nas telas, como na vida, fala a Mulher, a cidadã, a feminista, a militante de causas. Momentos imperdíveis no FACE.

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