quinta-feira, 21 de abril de 2016

Uma entrevista

 ENTREVISTA: tema : OS ROSTOS DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA

1. Que evolução podemos traçar da emigração portuguesa nos últimos 50 anos?



Nestes últimos 50 anos de migrações portuguesas podemos distinguir
três fases – a primeira que vai da meia década de sessenta à meia
década de 70, caracterizada por um verdadeiro êxodo que começara na
década anterior, e que levou cerca de dois milhões de portugueses para
a Europa e para novos destinos transoceânicos (Canadá, Venezuela,
África do Sul…) – o que constituiu uma ruptura com os pólos de
atracção tradicionais (Brasil, EUA, Argentina…)

Os maiores contingentes dirigiram-se, para França (quase um milhão) e
outros países do nosso continente e foram esses que fizeram a história
deste período – uma história dramática, muito marcada pela
clandestinidade, pelo engajamento de redes de tráfico de seres
humanos, pelo controlo da Junta de Emigração e por perseguições da
PIDE. A chamada “emigração a salto”! . Os importantes movimentos
transoceânicos paralelos tendem a ser esquecidos ou muito subavaliados
pelos peritos e estudiosos nestas matérias, talvez porque se tenham
processado em condições mais ordeiras, por um lado, e, por outro,
porque fossem, em elevada proporção oriundos dos Açores (para a
América do Norte) e da Madeira (para o sul da América e da África) e,
por isso, menos visíveis no continente…

O perfil dos que partiam da metrópole e das regiões insulares era
muito semelhante. Deixavam a pobreza do mundo rural, tinham baixas
qualificações escolares e profissionais, eram sobretudo homens jovens
- parte deles para se livrarem do serviço militar obrigatório e da
guerra colonial. As mulheres, em regra, vão mais tarde, quando há
condições de alojamento familiar. O crescimento das economias que
apelavam à “mão-de-obra” barata garantia trabalho fácil para todos,
mesmo para os ilegais, incluindo as mulheres.

A crise petrolífera, a recessão mundial, a partir de 1973/74, veio por
abruptamente fim a estes fluxos desmesurados (que só entre 1968 e
1971, envolveram cerca de um milhão e meio). As saídas passam a
limitar-se a mulheres e crianças, admitidas para reagrupamento
familiar.

Na década seguinte, assistimos a movimento maciços em sentido
contrário – o que é, coisa absolutamente inédita numa história
multissecular de expatriação incessante. O retorno de África, súbito e
caótico trouxe cerca de 800.00 entre 1974/76, num tempo em que
acontecia já, gradual, voluntário, ordenado -e, por isso praticamente
invisível - a volta da geração do “salto, que se prolongaria, à média
de 30.000 ao ano ao longo de 80 – um total cerca de um milhão. Como
foi possível integra-los tão bem numa economia tão conturbada e débil?

A meu ver, pelo perfil dos que chegavam, De África, pessoas com rasgo,
capacidade de inovação, experiência empresarial, funcionários
públicos, Da emigração, gente com reformas, rendimentos, projectos de
investimento, que repovoavam as terras que tinha deixado Não voltaram
como tinham ido - na situação de trabalhadores rurais, num sector
agrícola decadente.

A adesão de Portugal à CEE criou uma aparência de prosperidade”, que
deu origem ao discurso prematuro do fim da emigração em Portugal. O
êxodo recomeçaria no início do século XX





2. Podemos estabelecer um perfil do emigrante atual? Ou a atual
população emigrante apresenta características muito díspares?



O que há de diferente neste surto migratório, de uma dimensão já
comparável à dos anos 60, é a sua grande heterogeneidade. Não é
verdade que seja sobretudo uma saída de jovens altamente qualificados.
O que é certo é que, pela primeira vez, há uma parte, ainda uma
minoria, nesse sector, onde, regra geral se encontram as mulheres que
emigrem autonomamente – outra distinção face ao passado, que lhes dá
muita visibilidade. De facto, no conjunto, são uma “pequena minoria”
significativa. O “brain drain” é uma realidade assustadora, embora a
esmagadora proporção dos que saem sejam homens, pouco qualificados,
envolvidos em processos de emigração temporária

Neste momento a falta de perspectivas no País, a falta de esperança, o
discurso dos políticos – talvez mais até a imagem que dão de si, da
sua gestão da coisa pública, do que o discurso… - leva para fora os
que se sentem frustrados, desesperados, desempregados – portugueses de
todas as idades, de todas as formações, de todas as regiões. Nunca se
viu coisa assim·


3. Os destinos da emigração portuguesa atual divergem dos destinos
escolhidos na década de 60/70?



Em larga medida, sim, divergem. Há a novidade da procura de países
como Angola , onde se fala em mais de 100.00, ou, em menor escala, o
Brasil – para onde os movimentos tinham cessado, quase por completo,
em meados do século XX. E há um sem número de países onde se
dispersam, individualmente, ou em pequenos grupos, no Médio Oriente,
na América do Sul, em países asiáticos, na Oceânia – nos sítio mais
inesperados e improváveis.

Mas também há muitos para quem recomeçou o ciclo europeu, ao abrigo do
direito de livre circulação e de estabelecimento. Não podemos saber
precisamente quantos se fixam em países da U E – sabemos que só não
são mais porque também aí é cada vez mais difícil encontrar trabalho…

4. Que papel entende caber ao Estado português, no apoio a esses emigrantes?



Desde o 25 de Abril de 1974 que os emigrantes gozam, face à
Constituição, não só de direitos políticos, mas, genericamente do
direito à protecção do Estado – contra a tradição de circunscrever a
acção dos poderes públicos em favor dos seus nacionais apenas dentro
do seu próprio território, ou, quando muito ao acompanhamento do acto
de saída – condições do contrato de trabalho, apoio na viagem de ida.
A revolução de 74 estabeleceu, assim, um novo paradigma “personalista”
centrado no estatuto de direitos dos expatriados, à semelhança do que
já acontecia e acontece em outros países europeus, sobretudo, do sul
da Europa.

Sucessivos governos delinearam, a partir de 1974, e até à década de
90, toda uma arquitectura institucional de suporte a políticas de
informação, de apoio no domínio social e cultural, de negociação de
acordos bilaterais, de parceria com o movimento associativo das
comunidades. Logo em 1974 foi criada a Secretaria de Estado da
Emigração, sedeada primeiro no Ministério do Trabalho, depois no
Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desenvolveu serviços
próprios, incluindo um Instituto dotado de autonomia administrativa e
financeira, delegações externas, em articulação com a rede consular,
com os conselheiros sociais das Embaixadas. Ou seja, meios adequados,
ainda que com orçamentos sempre modestos para acção cultural externa e
para o ensino da língua aos filhos dos emigrantes (um dever do Estado,
expressamente consagrado na Constituição desde a revisão de 1982). O
enfoque prioritário era na emigração recente, europeia, em questões
sociais e laborais, ainda que, pelo menos desde os anos 80, se
procurasse a ligação à diáspora, em todo o mundo, nomeadamente através
do Conselho das Comunidades Portuguesas

. Porém, desde a última década do século XX, com a ideia de que os
movimentos migratórios tinham cessado de vez (o já então não era
exacto, embora tivessem diminuído relativamente a 60/70 e assumido
mais um carácter temporário) assistimos ao desmantelamento das
estruturas existentes, com o desaparecimento de um instituto autónomo
e a diluição do que restava dos antigos serviços na Direcção Geral de
Assuntos Consulares. Mais recentemente, foram extintos os lugares de
adidos e conselheiros sociais junto das Embaixadas, funcionários
altamente especializados, que tão bons serviços prestaram no passado,
na detecção de problemas e na assessoria de negociações bilaterais.

Hoje, há, é certo, novas formas de contacto, as redes sociais, a RTPI,
uma rede consular informatizada, um Secretário de Estado experiente e
atento. Mas estas fortíssimas correntes migratórias, reclamam
acompanhamento, conhecimento das situações concretas, informação,
assistência, onde for precisa. No dia a dia. O que me parece exigir
reforço de meios materiais e humanos e, onde for possível, um reforço
das parcerias com o associativismo da emigração



5. Para Portugal, a saída de nacionais implica sempre perda de
população ativa. Que consequências, do ponto de vista económico e
demográfico, se podem esperar, num futuro próximo, desta saída?

Também deste ponto de vista a situação é assustadora. Os números são
tremendos – o Secretário de Estado fala, com conhecimento de causa, em
mais de 120.000 saídas por ano… Há o fundado receio de que os mais
qualificados tenham partido definitivamente. Se assim for, isso é uma
perda irremediável para a economia nacional, que deles necessitava
para se reconverter (embora Portugal possa recupera-los na diáspora –
do que, porém, não há certezas…. A larga predominância de uma
emigração temporária, actualmente, faz do regresso dessa maioria uma
questão de criação de oportunidades de emprego. Mas quando se iniciará
esse volte face em Portugal, no interior desta Europa, enredada na
teia das políticas de austeridade anti-desenvolvimentistas, sem visão
estratégica, sem espírito de solidariedade, num afrontamento
norte/sul, que nós somos, entre os países do sul, os únicos que
aparentemente estamos no campo errado ? Neste momento, o que mais há
são interrogações…

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