sábado, 2 de agosto de 2014

1974 1976 A GRANDE MIGRAÇÃO DE RETORNO

 1 -  Retorno é um substantivo que tomou para nós, desde 1974, um
sentido particular, que o confina a uma determinada migração: a que se
seguiu ao fim das guerras de independência na Africa lusófona,
determinada pela força das circunstâncias, cheia de dramas individuais
dentro do drama coletivo da descolonização. Uma imensa vaga
migratória, única e irrepetível no quadro de séculos de expatriação,
em que o regresso a casa fazia parte do projeto inicial, mas não se
concretizava as mais das vezes. Não houve nunca efeito demográfico
comparável após a perda de outras colónias, no ocaso de outros
impérios portugueses - o do Oriente, que se desagregou, devagar, na
era Filipina, o do Brasil, para onde, depois da independência, os
fluxos de saída se mantiveram imparáveis, ou, em fins do século XX, o
fenómeno especialíssimo de Macau, território logo depois convertido
numa das "sedes" culturais e económicas da CPLP, a instituição cujo
alcance a China parece compreender melhor do que Portugal ou qualquer
outro Estado...
De tudo isto se falou num debate que a Associação de Estudos Mulher
Migrante promoveu, em parceria com a Câmara de Gaia, no Arquivo
Municipal Sophia de Mello Breyner, a 3 de julho. A iniciativa
integrou-se num ciclo de colóquios sobre a revolução de Abril e quatro
décadas de migrações portuguesas e  teve como principal orador o Dr
Amândio de Azevedo, antigo Secretário de Estado para os Retornados a
partir de Janeiro de 1976, quando substituiu nessa pasta Vasco Graça
Moura..
 Amândio de Azevedo, que começou a sua militância cívica nos anos 60,
no grupo de católicos portuenses ideologicamente próximos do Bispo do
Porto, viria a ser um dos "pais " da democracia nascente em 1974. Os
altos cargos que desempenhou ao longo de mais de 30 anos (entre
outros, Deputado da Constituinte, Vice Presidente da AR, Ministro,
Embaixador da CEE no Brasil), terão deixado na sombra essa primeira
missão governamental que durou um semestre, o tempo certo para pensar
e executar uma estratégia nova, que mudou o destino de dezenas e
dezenas de milhares de famílias e o ritmo de desenvolvimento de muitas
terras, sobretudo em zonas do interior, contrariando o que seria
expectável em período de tão grande turbulência e incerteza. O seu
mandato breve foi o momento de viragem de uma política generosa, mas
puramente assistencialista e centrada em Lisboa, para uma dinâmica de
inclusão social e económica, pela criação de oportunidades de
empreendimento e emprego nas diversas regiões do país

.Diz-se que o modelo português de integração de quase um milhão de
pessoas, que nada traziam consigo, para além da sua vida para viver, é
exemplar. E, de facto, é-o, a nível europeu e universal. Uma boa razão
para analisar a forma como foi implementado…
 2 -–  O modo como os governos se moveram face à grande vaga do
retorno , mesmo no quadro das comemorações do 25 de Abril não tem, a
meu ver, tido a centralidade que justifica.

A primeira observação: independentemente das críticas que possam
fazer-se à descolonização, - que é neste domínio o aspeto mais vezes
abordado -  há que reconhecer o empenho dos executivos, que se
sucediam, na tarefa ciclópica de acolher  todos os nacionais que
chegavam em turbilhão, num vai-vém de pontes aéreas … Aqueles eram
tempos em que havia um capital de solidariedade humana, que hoje
parece andar perdido nos corredores do poder…
Nos primeiros meses de 1976 não se alterou a dominante solidária, mas
deu -se uma rápida e muito bem planeada transição para uma política de
mobilidade geográfica e motivação empresarial ou mais latamente
ocupacional Fora do campo de ação destas medidas estavam muitos com as
suas situações já resolvidas -   funcionários públicos reintegrados
nos serviços do Estado e aqueles que se haviam espalhado pelo país,
encontrando, sem recorrer a apoios estatais, o seu caminho. Em Lisboa
concentravam-se, então, os outros, os sem emprego, os que ocupavam
quartos de hotéis e faziam as refeições quotidianas com vouchers para
restaurantes a cargo dos governos. Mês após mês. Um guetto dourado,
muitísimo dispendioso para o erário público –  que nem por isso
deixava de ser um guetto…

O abandono deste esquema foi feito rapidamente, em diálogo com os
cidadãos, e com ganhos para eles e para o Estado

Terminou com a ocupação hoteleira, com um realojamento mais precário,
mas em condições dignas, em edifícios públicos (como antigos quartéis,
antigos sanatórios) ou em casas pré-fabricadas, como as que a Noruega
oferecera para o efeito.

 Foi atribuído subsídio de desemprego, que cada um geria conforme
entendesse, em qualquer ponto do país. (Creio que a descentralização
da assistência, completada por ajudas das autarquias locais foi parte
fundamental do sucesso, tão glosado depois)... Foi, ao mesmo tempo,
criado um Fundo financeiro, inicialmente composto por um donativo de
um milhão de contos do governo dos EUA, destinado a constituir o
“capital próprio”, com que estes portugueses se podiam candidatar a
empréstimos bancários para projetos de investimento.
 Foram inúmeros os que resultaram. Souberam, na sua maioria, viver a
viragem das políticas. Saíram do guetto, da situação de dependência:
Um retorno dentro do
retorno…O primeiro foi um  mero exílio, o segundo uma escolha livre e
cidadã de pertença, de participação, de retoma do lugar que era seu em
Portugal

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