terça-feira, 13 de março de 2018

RECENSEAMENTO GERAL NA EMIGRAÇÃO (POR UM DILATADO UNIVERSO DE VOTANTES OU DE ABSTENCIONISTAS'?) 1 - A anunciada proposta do governo socialista de promover em larga escala o recenseamento eleitoral dos portugueses do estrangeiro é de saudar, entusiasticamente. Antes de mais, porque significa um corte com o passado, uma espécie de estrada de Damasco do PS num domínio concreto. Este partido, devo destaca-lo, não sendo monolítico, sempre teve militantes tão "sufragistas" como eu, no que respeita aos direitos políticos dos emigrantes, por sinal e não por acaso, os mais conhecedores da Diáspora, como José Lello ou o ex-deputado do círculo da Europa Carlos Luíz. Contudo, embora ocupassem importantes lugares institucionais, eram uma diminuta minoria,e, como diz o ditado popular, "uma andorinha não faz a primavera". Em 1980, quando o governo da AD, a que eu pertencia como estreante na pasta da emigração, fez uma primeira tentativa - modesta - de alargar de 30 para 60 dias o prazo de recenseamento no estrangeiro, viu a sua proposta de lei chumbado por PS e PCP, A maioria da AD era tão curta, que bastou a ausência de 2 ou 3 deputados retardatários, para sofrer no hemiclo, a sua única derrota, num mandato de 12 meses..Para o processo de recenseamento, que estava a ser organizado no meu gabinete, foi a pior das surpresas. Mesmo assim, o número de inscritos aumentara em 80% num só mês, ultrapassando a barreira dos 100.000 inscritos, com mais de 107.000. 2 - A questão estava, obviamente, inquinada por meros interesses partidários... PS e PCP temiam o voto dos emigrantes que consideravam irremediavelmente "reacionário", acusando o PSD e CDS de tentarem crescer à custa dessa "clientela". Um preconceito que já vinha de trás e limitara, na Constituição de 1976, a participação política dos expatriados à eleição de deputados - em círculos próprios, com um teto baixíssimo de 4 representantes em 250, que constituía, e constitui, a única exceção ao princípio constitucional da proporcionalidade pelo método de Hont. As iniciativas do PSD no sentido de consagrar o direito de voto dos emigrantes na eleição presidencial não fizeram vencimento nos processos revisionais da Constituição em 1982 e 1989, por oposição dos adversários do costume. Em 1996, o PSD foi mais longe e, pela voz de Marques Mendes, condicionou toda a negociação para o acordo do "bloco central" de votos, (indispensável para garantir os dois terços exigidos para a revisão constitucional), ao reconhecimento desse direito, assim como do direito à participação nos "referenda". Foi uma vitória histórica, embora incompleta, porque, num compromisso muito "à portuguesa", o >PSD acabou por ceder à exigência socialista de restringir a capacidade eleitoral dos expatriados, condicionando-a à comprovação da existência de laços de ligação efetiva a Portugal (fórmula vaga, cuja interpretação se remeteu para as leis eleitorais, onde, naturalmente o dissenso prosseguiria em discussões e impasses). .3. Quase 40 anos depois, o recenseamento está aberto ao longo do ano inteiro e os cadernos eleitorais registam, aproximadamente, os 300.000 inscritos . A "comunidade política nacional" no estrangeiro é, pois, diminuta, quando comparada com os cerca de cinco milhões das "comunidades portuguesas". E continua excluída das eleições autárquicas e autonómicas, e, em termos práticos, também dos referendos. Na Espanha, só a Galiza tem muito mais inscritos, e com taxas de abstenção bem mais baixas, tanto nas eleições autárquicas, regionais e nacionais, Entre nós, os votantes têm sido, aproximadamente, uns 30.000 nas legislativas (voto por correspondência) e 10.00 a 12.000 nas presidenciais (voto presencial). A abstenção anda pelos 90% no sufrágio postal e sobe para cerca de 96% quando implica deslocação (em média, deslocações de dezenas ou centenas de quilómetros...) às mesas de voto. É uma situação escandalosa, em que os cidadãos são, a meu ver, mais vítimas do que culpados! Pode imaginar-se, em democracia, coisa pior do que este nível de abstenção? Poder, pode! Penso neste mecanismo de recenseamento automático, construtor, como que por um golpe de mágica, de mais um milhão de inscritos nos consulados, que, sem serem ouvidos nem achados, para os cadernos eleitorais. Ora como os não recenseados não são, previsivelmente, os cidadãos mais zelosos do cumprimento do dever cívico de votar, é de antever um dramático aumento das taxas de abstenção! . Na verdade, apesar da excelente intenção que preside à iniciativa governamental a solução parece mais própria para potenciar a imediata dilatação do universo de abstencionistas do que de votantes Todavia, tão boa intenção não pode ser desperdiçada! Este é o momento ideal para os partidos se reencontrarem, sem velhos medos e preconceitos, num diálogo inédito, abrangente e pragmático, visando o aprofundamento do estatuto de direitos políticos dos emigrantes (voto, em condições de igualdade nos "referenda", nas autárquicas e regionais, aplicação do sistema da proporcionalidade ou, em alternativa, aumento do número de deputados dos círculos de emigração, revisão das modalidades de votação (livre escolha individual do voto em urna ou por correspondência, utilização de novas tecnologias), reforma do Conselho das Comunidades, como órgão de representação específica dos emigrantes. É um ambicioso plano de reinventar o seu estatuto de direitos, requisito essencial de mobilização dos emigrantes para a participação no quadro de um recenseamento tão facilitado quanto possível. Este é o tempo em que ter mais de um milhão de emigrantes nos cadernos eleitorais deixou de ser uma utopia, mas em que a adesão real das pessoas à comunidade política conta muito mais do que os números

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