sábado, 8 de outubro de 2016

No Governo BALSEMÁO

1981 - CONVITE E "DESCONVITE" Francisco Pinto Balsemão tornou-se presidente do PSD e, seguidamente, Primeiro ministro, em Janeiro de 1981. Balsemão era o dono do "Expresso", um milionário lisboeta (fortuna de família, dinheiro "velho", note-se), com uma atitude na vida, um temperamento, um perfil político, que, muito mais do que a ideologia, o distanciavam de Sá Carneiro. E, ao que se dizia, foi-se distanciando dele também no governo, enquanto Freitas do Amaral e Amaro da Costa se aproximavam, num relacionamento cada vez mais sedimentado na colaboração quotidiana, e, finalmente, na amizade. Isto não era segredo para ninguém, nem mesmo para mim, que não pertencia ao "inner circle" de nenhum deles. Com Balsemão houve dissonâncias - as que se conhecem por notícias dos media e outras menos mediáticas, de que me apercebi, por exemplo, no caso do resgate dos pescadores portugueses em território "sarauí" (por sinal, levado a bom termo por um meu colega de Coimbra e grande amigo, Luís Fontoura). Dentro do PSD, era visível a fratura entre Sácarneiristas (que queriam Eurico de Melo - o principal conselheiro do primeiro-ministro desaparecido - ou Cavaco Silva - seu ministro das Finanças - para a chefia do Governo) e Balsemistas, uma maioria do Conselho Nacional do partido. Balsemão venceu, e a AD nunca mais foi a mesma, apenas se arrastou, penosamente, até meados de 83. Recebi um convite para continuar à frente da SEECP, formalizado pelo novo MNE Gonçalves Pereira. Pareceu-me de fraca intensidade, mas aceitei-o, por saber que Freitas do Amaral, com que tinha tido o mais perfeito dos entendimentos, fazia questão de me ver prosseguir o trabalho iniciado, nomeadamente o lançamento do CCP. Na verdade, nesse e nos governos seguintes, tentei levar por diante a política de Sá Carneiro, sem Sá Carneiro. Faltavam meios financeiros e sobravam ataques pessoais, movidos de dentro do partido, por um dos adjuntos do Secretário -Geral António Capucho - que não creio ter estado envolvido na campanha, diga-se - um Capitão Figueiredo Lopes, deputado da emigração, irmão de um Dr Figueiredo Lopes, excelente pessoa, colega de governos, com quem me dei sempre bem). O MNE não me dava, nem de perto nem de longe, o apoio a que estava habituada com Freitas do Amaral. Foi uma aprendizagem dura do que é a política sem aliados no Governo e no partido, duas frentes agitadas. Aprendi, antes de mais, que é muito mais fácil fazer dupla com ministros de outros quadrantes partidários, que nos tratam como parceiros de coligação, do que com correlegionários, que nos tratam como subordinados - casos em que qualquer pessoa que se preze e preze o cargo, tende para a insubordinação. Foi ótima a relação com Freitas do Amaral, CDS, e com Jaime Gama, PS, menos rósea com Gonçalves Pereira, (um independente próximo do PSD ou, pelo menos, de Balsemão) e irremediavelmente conflituosa com Pires de Miranda, PSD., (o mercador de petróleo, pouco versado em outras formas de diplomacia e completamente avesso aos projetos sociais e culturais da emigração). Eu tinha sido eleita, em Outubro de 1980, deputada da emigração, como cabeça de lista no círculo Fora da Europa, com José Gama na 2º lugar, que cabia ao CDS. Podia, felizmente, contar com ele e com muitos líderes das comunidades, que conhecera nos périplos dos ano anterior, mas senti a diferença ... Na Europa, era acusada, num abaixo- assinado cheio de nomes dos principais dirigentes do PSD (a mando do tal Capitão, em quem alguns genuinamente acreditavam), por tudo quanto corria mal no governo - desde o ensino da língua à segurança social ou à falta de emprego. Mas esta parte, a do abaixo assinado contra a Secretário de Estado, publicitada nos "media" foi coisa de pouca dura. Bastou uma viagem à Alemanha (ao "olho do furacão") e tudo se esclareceu, porque eram justamente matérias, que escapavam à decisão do Secretário de Estado da Emigração, simples mediador face ao Ministro da Educação ou do Trabalho. O ataque pessoal redundava, pois, em ataque político radical ao governo da AD, vindo dos militante do principal partido do Governo. Quando expliquei isto de uma forma muito clara, o primeiro signatário pediu-me desculpa e essa campanha terminou ali - outras, muitas, futuras, seriam menos desajeitadas Gastei algum tempo a apagar estes fogos, mas, como é óbvio, ocupava a maior parte do meu tempo, a trabalhar no que importava mais - a execução do programa de co-participação nas política das emigração, a convocação do 1º CCP, o diálogo, dentro desse órgão, como fora dele, com os interlocutores das comunidades, as suas organizações. Havia que estabelecer pontes. Visitas ao estrangeiro, sempre as houve, até durante o Salazarismo e o Marcelismo, que lançou as primeiras estruturas de apoio, tanto aos imigrantes como ao associativismo, com o "Secretariado Nacional da Emigração. Porém faltou-lhes a mobilização sistemática, a centralidade política com que se moldou um novo ciclo. Uma visão bastante “institucionalista”, a minha, eu sei, sem prejuízo de reconhecer os direitos de cada cidadão face ao Estado. Todavia, mesmo os direitos individuais são, em geral, bem mais e melhor protegidos se houver estruturas para a afirmação colectiva, solidariedade, parceria com os governos. Estes têm feito alguma coisa, mas muito pouco em comparação com a obra dos próprios emigrantes, em todos os tempos e em todo os lugares, no Brasil, na França, na Austrália... O 1º Governo Balsemão foi o mais breve de todos aqueles em que estive - sete meses e meio. Quase sempre dentro de fronteiras, porque o MNE achava que não valia a pena sair, nem mesmo para as comemorações do 10 de junho... Limitei-me a umas rápidas deslocações à Europa, para contactos com os meus homólogos, sobretudo com Stoléru, em Paria - contactos nos quais o MNE via, certamente, muito mais interesse do que os reuniões com emigrantes. Mas não houve lugar a lamentações, graças às pontes estabelecidas com o roteiro de visitas do anterior Executivo e ao facto de ter conseguido realizar em Lisboa, em abril, a 1ª reunião do Conselho das Comunidades, trazendo ao País alguns dos principais personagens do mundo da "Diáspora" - veio a montanha ao encontro de Maomé... De qualquer modo, foi um feito ter resistido num governo onde era "personna non grata", conseguindo prosseguir o que fora começado em 80, não só o Conselho, mas o recenseamento eleitoral, a remodelação dos programas de televisão para emigrantes, novos apoios aos "media" das comunidades, cursos de verão para jovens, concursos musicais, ações de formação em folclore e jogos tradicionais (curiosamente com a ajuda de uma colega do colégio do Sardão, a Graça Guedes, que participara numa iniciativa semelhante lançada por Vitor Alves), visitas de emigrantes seniores ao lugar de origem - que, no fim da década de 90 o José Lello retomaria, num formato mais mediático, com o apelativo nome de código de "Portugal no Coração". Em 1981, os seniores eram escolhidos pelos consulados, de entre os que há mais tempo não vinham à sua terra, e para lá seguiam com o apoio dos serviços locais da Secretaria de Estado, nas datas que individualmente escolhiam para a vinda e para o regresso. O meu gabinete era um centro operacional para uma programação intensiva, que envolvia o vai-vém dos outros, seniores, jovens, conselheiros das comunidades, funcionários, que enviava em minha representação a diversas comunidades, enquanto eu permanecia em Lisboa. Pelo mundo viajava uma improvável dupla formada por Rosado Fernandes, catedrático de Letras e António Cabecinha, Cabecinha, um homem que, pelo que lhe ouvi dizer, sempre me pareceu pouco letrado, animando grandes reuniões preparatórias do "Congresso das Comunidades", o tal de cuja presidência Victor Alves fora desapossado. Retrospetivamente, reconheço que o "seu" congresso seria, com certeza, mais profícuo do que o que aconteceu num hotel cinco estrelas, em Lisboa, por altura do 10 de junho. Basta dizer isto: os participantes eram muitos e o tempo escasseava, pelo que Cabecinha, que dirigia os trabalhos, houve por bem proceder a um rateio, que dava pouco mais de um minuto "per capite". O minuto esgotava-se numa saudação irrelevante, naturalmente. Nenhum militar se lembraria de um dislate desta natureza e dimensão... Para me distanciar daquele espetáculo absurdo, entrei muda e saí calada... Logo na abertura das sessões, Victor Alves, que era o representante do Presidente da República, foi insultado. O incidente prolongou-se em afrontamentos vários, em verdadeiras agressões verbais entre congressistas da Europa e de Fora da Europa. No CCP também isso esteve para acontecer, em abril, com guerrilhas de oratória entre a mesma geografia e as mesmas opostas ideologias, mas tudo se resolveu com paciência e diplomacia, garantindo-se aquele nível de diálogo e coesão que é imprescindível ao nascimento de uma instituição, na feliz transição do texto da lei para a vida real. O Conselho teve percurso acidentado, com hiatos, roturas, recomeços, mas continua de pé. O Congresso foi para uns uma festa, para outros um oportunidade de contestação política. Foi um "happening" e não teve "dia seguinte". Pinto Balsemão caiu poucas semanas depois, dentro do próprio PSD, num Congresso Nacional em que, para calar os "críticos" (nome da facção que se lhe opunha internamente, com Eurico e Cavaco à cabeça), se demitiu da presidência do partido e do Executivo, coisa nunca vista... "Saiu sem sair" - como muitos gostariam que acontecesse no "Brexit". Reassumiu as rédeas do partido, na semana seguinte e foi, de novo, chamado pelo PR a formar governo. O MNE Gonçalves Pereira transmitiu-me um convite do Primeiro Ministro para continuar com ele, porque o tinha convencido Balsemão a aceitar a continuação da minha presença nas Necessidades. Balsemão, segundo me contou, estava relutante, achava que eu pertencia, secretamente, ao grupo dos críticos... Não pertencia! Com Eurico e Cavaco nunca tinha tido nem sequer uma pequena conversa! Ficara pelo "bom dia", em poucos encontros casuais. Estava eu a ultimar os preparativos de uma nova ida a Paris, para negociações com Stoléru, quando, na véspera da tomada de posse, se deu o golpe de teatro: Gonçalves Pereira chamou-me para me dizer que, afinal, Balsemão queria no meu lugar um homem de sua confiança, José Vitorino, um dos fundadores do PPD/Algarve, líder regional que queria a pasta do Turismo ou a das Pescas, mas aceitava a Emigração (ao contrário de Jacob, em vez de Raquel, aceitava Lia). O "desconvite", como lhe chamou, expressivamente, o semanário "O Tempo" de Nuno Rocha foi uma surpresa, sem dúvida, que me deixou irritada, nada mais. A pedido de Gonçalves Pereira, com quem, todas as contas feitas, fora interessante trabalhar, contactei, de imediato, com Vitorino, para o pôr a par das questões mais importantes. Fui anfitriã de um almoço de trabalho num restaurante simpático, na calçada da Estrela, em frente ao lado sul do palácio de S Bento. Falei, falei... mas o meu sucessor parecia pouco atento e, antes da sobremesa, interrompeu considerações sobre prioridades governativas para perguntar: "Que carro é que eu vou ter?" A inocente pergunta enfureceu-me, confesso. Não resisti a retorquir, com despropositada satisfação: "Vai ter o carro novo, foi comprado há poucas semanas, mas é o carro mais barato que existe no mercado para Secretários de Estado" . Com cara de poucos amigos, nova questão: "Mas ao menos é preto?" Foi com imensa satisfação que respondi: "Não, é azul claro - um azul muito feio, que era o único disponível" (tudo verdade - tratava-se de um "saldo" de um Peugeot 504, modelo que já não se fabricava. Vitorino tomou a minha escolha como uma espécie de afronta, embora ao tempo da compra, ninguém antecipasse a queda do governo.... Nova interrogação, com semblante fechado: "Porque é que fez isso?". Expliquei-lhe pacientemente: "Para poupar dinheiro do pequeno orçamento do Instituto de Emigração" (a compra do carro fora necessária, porque um motorista estouvado, embora muito simpático, tinha destruído o Citroen "boca de sapo", que sobreviveu até 1981, vindo do velho regime, do Secretariado Nacional da Emigração - com cerca de 10 anos de muito uso). Não sei se foi a absoluta falta de sintonia sobre um Peugeot azul que envenenou, desde as primeiras impressões, o meu relacionamento com José Vitorino. De qualquer modo, a falta de sintonia foi uma constante, ao longo do período em que ele exerceu o cargo governamental e eu assumi o mandato como deputada pelo círculo da emigração "Fora da Europa"entre julho de 1981 e junho de 1983. Voltei ao Palácio das Necessidades nessa data. Vitorino foi, pois, o meu sucessor e o meu antecessor. Quando, um dia, em conversa com Georgina Dufois - que, entretanto substituíra Lionel Stoléru - o referia nesta dupla qualidade, ela sintetizou, brilhantemente: "Votre intercalaire!". De facto, o meu intercalar... ---

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