sábado, 8 de outubro de 2016

No Governo SOARES- MOTA PINTO

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"BLOCO CENTRAL" (1985/87) Seria o mais duradouro dos meus cinco governos - 26 meses. Voltei à Secretaria de Estado da Emigração pela mão de Mota Pinto, o líder que substituiu Balsemão no PSD. Uma experiência inédita na democracia portuguesa, em tempo de crise: o chamado "Bloco Central", com Mário Soares e Mota Pinto. Dois homens que se entendiam bem. Toda a turbulência que abalou o "Bloco" vinha de dentro do PSD, não da vertente interpartidária . Mota Pinto demitiu-se da presidência do partido e, consequentemente, do governo. Não era uma jogada tática "à Belsemão". Não haveria regresso. Os opositores, a ala que sempre se opusera aquela fórmula governativa, a auto - intitulada "Nova Esperança", com Santana Lopes, Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa e outros menos proeminentes, preparava a rotura. O Governo não caiu, de imediato, continuou com Rui Machete, no lugar de Mota Pinto. A queda consumou-se depois do congresso da Figueira, até onde Aníbal e Maria Cavaco Silva foram rodar o carro novo, segundo reza a lenda. Mas isso seria na primavera de 85, o anos em que Cavaco ganhou as eleições, sem maioria. No verão de 83, o resultado eleitoral e o estado das Finanças públicas, na iminência de uma intervenção do FMI, obrigou os dois grandes partidos à coligação (afinal, o mesmo tipo de solução desejado na era da "troika", ironia das ironias da vida política, por radicais opositores do "bloco central", como Cavaco Silva ou Passos Coelho... Eu estava com Mota Pinto, naturalmente, e com a absoluta necessidade de uma aliança o mais abrangente possível naquela conjuntura, e no interior do PSD fui uma das suas mais ruidosas apoiantes. Porém, enquanto o Professor formava governo com Mário Soares, andava eu por longe, nas Américas, festejando a vitória no círculo onde fora reeleita, por larga margem. As notícias apontavam-me como Secretária de Estado da Emigração, mas ninguém me tinha contactado (talvez, porque não havia ainda nem telemóveis nem internet). Nas vésperas de regressar ao país, em New Bedford fui entrevistada pela televisão e pelo jornal Portuguese Times. Confrontada com as notícias que me davam de volta à pasta da emigração, neguei que tivesse sido sondada para o efeito.... Incrédulo de início, mas convencido pelo meu tom peremtório, o Diretor, que era um amigo e confiava na minha palavra fez título de 1ª página com a sensacional informação do meu não retorno ao cargo. Mas mal aterrei em Lisboa fui chamada de urgência ao gabinete de Doutor Mota Pinto e convidada, tal como previam, há muito, as agências noticiosas. Em vão invoquei argumentos para recusa - o meu antecessor (ou intercalar) deixara reduzir os orçamentos para ações, tratara de o gastar no primeiro semestre, fizera nomeações no estrangeiro, que seria impossível pagar, sob pena de total paralisia dos serviços, suspendera, "contra legem", as convocatórias do CCP, a pretexto de proceder a uma reestruturação da lei, que não fizera. Tudo isso havíamos criticado na Comissão de Negócios Estrangeiros, onde a suspensão do funcionamento do CCP foi censurado, por unanimidade. O Doutor Mota Pinto não se deixou convencer - estava certo que eu encontraria soluções. Saí, pois, da Gomes Teixeira, a dizer que não e o Dr Mota pinto a achar que sim, e, no dia seguinte, (dia improvável, um sábado!), lá fui tomar posse e enfrentar as dificuldades. Não eram poucas...Consegui salvar a reunião mundial do Conselho, mas não muitas das nomeações de Vitorino tiveram de ser anuladas. Em New Bedford, Adelino estava zangado comigo - com razão, embora sem culpa minha, que dissera a verdade... O Portuguese Times saiu com a manchete já desmentida por factos supervenientes: o ritmo dos acontecimentos vencera o "timing" da publicação. Ainda hoje, quando nos vemos, ou ele me fala disso, ou eu pressinto que o caso está no seu pensamento. De regresso ao meu pequeno gabinete conventual nas Necessidades, a prioridade foi normalizar a vida do CCP, reativar os canais de contacto, promover as necessárias eleições e organizar a reunião mundial, que teve lugar ainda em 1985. A solene abertura realizou-se, com larga cobertura dos órgãos de comunicação social, no Porto. Sou a favor de receber os representantes das comunidades do estrangeiro nas nossas melhores salas de visitas. Depois da sala dos espelhos do Palácio Foz, em 1981, o salão árabe do Palácio da Bolsa. O único que não terá gostado muito foi o Ministro da Cultura. Coimbra Martins aceitou o meu pedido para presidir, simbolicamente, à sessão e no seu breve discurso aludiu ao "luxo" do local, como se estivessemos a pagar por ele, naquele momento. Estranho conceito da utilização e gozo do património construído, pensei. É certo que as sessões de trabalho continuaram em instalações bem mais ao gosto do Ministro Coimbra Martins, quando ele já não estava connosco, nas modernas, mas, comparativamente, modestas instalações do INATEL da Feira, onde todos ficaram alojados, em regime de internato. O encerramento foi presidido pelo Ministro da Educação, José Augusto Seabra, num cenário mais austero embora com uma sumptuosa torrente de palavras da sua parte. Tarde demais vi que devia ter começado com o titular da Educação e terminado com o da Cultura... De qualquer modo, ambos foram excelentes e a sua participação prestigiou a renascida instituição, como era nosso objetivo. No CCP, muitos haviam sido reeleitos, conheciam-se bem. debatiam ideias e propostas acaloradamente, mas, por fim, estavam de acordo no essencial, que era não pôr em causa a existência do Conselho. Se era importante para eles, não era menos para mim. Julgo que o CCP é dispensável políticos que procuram simplesmente manter o "status quo", numa aparência de grande harmonia e progresso, e indispensável para os que querem, realmente, mudar as coisas e mudá-las em diálogo com as pessoas, pressionando os colegas de governo a dar resposta positiva. Neste caso, valia a pena pagar os custos de alguns ataques despropositados, que faziam manchetes de imprensa. Embora fosse eu, como membro do governo, o alvo principal desses ataques, nunca me senti particularmente incomodada - respondia-lhes à letra, não resistia à tentação de responder. Estas batalhas campais tinham, assim, o seu lado lúdico. Outras vezes, era eu própria que procurava acalmar os ânimos e restabelecer a paz entre as hostes amplamente maioritárias, que eram "mais papistas do que o Papa", e os demais. Recomendações das mais relevantes, como a que criou os conselhos regionais, ou a que reclamou o voto nas eleições presidenciais, acabavam votadas por unanimidade. O jantar de encerramento foi, em 83, como fora em 81, uma festa de despedida de amigos. Lembro-me, sobretudo, de uma frase de um dos mais radicais delegados de França, um padre operário, que à saída me dizia, em tom de gracejo: "Há quem queira estar de bem com Deus e com o Diabo". Ao que eu, no mesmo tom ligeiro e amigável, retorqui: "Pois há, incluindo padres". Seletiva a nossa memória - não me lembro de mais nenhuma das palavras que disse nessa noite. O tempo era de austeridade, imposta com firmeza, mas também com inteligência e com resultados. O Ministro das Finanças era Hernâni Lopes, não uma espécie de funcionário da própria "troika", de onde veio e para onde voltou, como Victor Gaspar. A "saída limpa" foi real, segui-se, não uma ameaça de colapso bancário, mas a era das "vacas gordas" de Cavaco Silva, com fundos comunitárias, que pareciam inesgotáveis. Para os serviços da SE Emigração a diferença não se notou. Os orçamentos eram sempre tão magros (salvo no Governo Sá Carneiro), que me tornei perita em fazer o que importava com pouco dinheiro. O melhor exemplo foi o do pagamento de uma promessa eleitoral do PS, que apontava para a criação de um Instituto de Apoio ao Regresso. Confesso que não tinha lido atentamente e lista de compromissos do outro partido, um vistoso pacote de "cem medidas para cem dias" e fui surpreendida por uma áspera crítica num jornal, que, decorridos os emblemáticos cem dias, me acusava de ter incumprido essa medida em concreto. Falei com o MNE Jaime Gama e dispus-me a providenciar a promessa, na forma de um Instituto. Para meu infinito espanto, deparei com uma invencível oposição do colega responsável pela reforma administrativa (um socialista!), muito empenhado em apresentar trabalho, fechando Institutos, não abrindo mais um. Por irritação e teimosia, em doses iguais, decidi levar por diante o projeto, sem custos, sem formalização legal, através de afetação de funcionários dos nossos serviços e de parcerias interdepartamentais. E resultou! Conseguimos o suporte técnico da OIT para ideias saíram maioritariamente da poderosa imaginação criativa portuguesa. O sucedâneo do "Instituto - promessa" era composto por um "Centro de Estudos" , (dirigido por um e dinamizado por especialistas da "Casa", ou por académicos sem vínculo à Secretaria de Estado, em projetos muitas vezes protocolados com outras entidades, algumas das quais os subsidiavam os subsidiavam, e por uma "Comissão Interdepartamental", que reunia entidades públicas a nível regional (o ICEP, o IAPMEI, a CCRN e Câmaras Municipais. Foi no norte que a Comissão melhor funcionou, contrariando o preconceito de que as comissões só servem de pretexto para adiar soluções. A OIT considerou esta fórmula exemplar e deu-a como paradigma para outros países de emigração. O colega da reforma administrativa ignorou-nos olimpicamente. Do mesmo modo, informalmente, sem custos, que disseminei, um pouco por todo o país, as Delegações da SEE, algumas unipessoais, formadas por funcionários destacados, que prestavam serviço em instalações cedidas nos Governos Civis ou nas Câmaras Municipais. (Trinta anos depois, é de um modo semelhante que os Gabinetes de Apoio ao Emigrante se multiplicam de norte a sul do país, com uma diferença - o estarem integrados nos quadros municipais de pessoal e não nos da Secretaria de Estado, a quem cabe dar o suporte técnico). Nos anos 80, o mais difícil foi abrir espaço para uma certa autonomia dessas Delegações, ou Delegados (todos voluntários, e, por isso, dedicadíssimos!), porque Lisboa era ciosa dos seus poderes - recordo cenas que pareciam saídas da série "Yes, Minister", tendo-me, a mim, como protagonista... A primeira visita ao estrangeiro foi para participar na 2ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa responsáveis pelas migrações, em Roma. Uma estreia absoluta em cimeiras internacionais, onde fui logo me elegeram, juntamente com Anita Gradin, da Suécia, vice-presidente da Conferência. Consegui, não sozinha, evidentemente, as coisas foram bem preparadas nas reuniões prévias de altos funcionários, pela Rita Gomes nomeadamente, que a seguinte fosse agendada para Portugal. Veio a realizar-se em 1987, ainda eu estava nas mesmas funções, e coube-me presidi-la na cidade do Porto, pouco antes de abandonar para sempre as Necessidades. Eu não era dessa opinião - e na ausência de estatísticas ou estudos fiáveis, estávamos perante meros palpites, com alguma vantagem para mim, porque, ao contrário dos funcionários, contactava emigrantes, dentro e fora do país e apercebía-me de que muitas das casas construídas com as suas remessas, já estavam habitadas ou em vias de o serem. E, em abono desta convicção, havia um estudo, realizado por um adido comercial da Embaixada de França que, nos inícios da década de 80, estimava em 150.000 os retornados às origens, só a partir daquele país. Por isso, em Roma, não hesitei em cortar o "nâo" daquela frase, proclamando: "há regressos significativos a Portugal". Surpreenderam ainda mais os meus colegas os comentários que fiz à nova à lei nacionalidade, em Portugal, permitindo a dupla cidadania. A dupla nacionalidade, expliquei, favorece a integração na sociedade de acolhimento, tanto ou mais do que a ligação ao Estado de origem, porque esta ligação é inquebrantável, e, bem vistas as coisas, obsta aos pedido de naturalização, se estes implicarem a perda do estatuto de cidadania originário. Os ministros da emigração, como o espanhol, e eu, viam e proclamavam esta evidência. Para os ministros da imigração, a perpetiva trazida por Portugal era absolutamente inovadora, precisavam de tempo para fazer caminho, mas a dúvida estava lançada. Era o princípio do fim do dogma da uninacionalidade, consagrado pela Convenção de 1963. Anita Gradin logo ali se ofereceu para organizar uma mesa redonda sobre a "vexata questio", que veio a realizar-se em Estocolmo no ano seguinte. A controvérsia continuou, ao longo de inúmeras outras reuniões e mantém-se, mesmo depois de aprovada a atual Convenção sobre a nacionalidade. À reticência dos países do norte, junta-se a dos do leste europeu, não em razão de migrações recentes mas de antigas minorias étnicas que subsistem dentro de fronteiras. A Europa e as suas divisões ancestrais... A Conferência de Roma foi interessante a vários títulos, um deles o de uma forte afirmação feminina, não só pela eleição de duas mulheres para a vice-presidência (a presidência vai por inerência para o país anfitrião), como da voz forte de várias outras, entre as quais a francesa Georgina Dufois. Georgina e Anita, amigas e aliadas com as quais sempre pude contar, eram ambas eram mulheres de esquerda, daquela esquerda genuinamente generosa, da qual não tenho divergências. Sempre do lado dos imigrantes - Anita em palcos internacionais, como o Conselho, o OSCE, a Comissão Europeia, Georgina com uma mete´rica carreira política no país de imigração mais importante para Portugal. Trabalhámos num ambiente de total franqueza e confiança, nas muitas reuniões que tivemos, em Paris, Estrasburgo, Lisboa. A informalidade surpreendeu sucessivos embaixadores de Portugal em França - e o mesmo aconteceria na Suécia, nas conversas com Anita Gradin. Era mundo da solidariedade feminina, onde imperava o pragmatismo, o entusiasmo em resolver problemas, com a mesma visão das coisas. E as três, éramos (somos!) igualmente, feministas. Recordo-me de uma visita do 1º Ministro francês a Lisboa, com uma larga comitiva de Ministros, entre eles, naturalmente, Georgina. Estávamos nas vésperas de uma comissão mista luso-francesa sobre migrações e, por isso, Georgina e eu, depois do longo debate geral, reunimos, ao fim da tarde, para tratar dessa agenda no Palácio das Necessidades, na "sala dos Embaixadores". Resolvemos tudo o que havia para resolver nuns escassos 15 minutos, em matéria de agenda, de apreciação sintética das soluções viáveis para as principais questões a debater, dias depois, em Paris. À saída, Georgina comentou a diferença entre a nossa breve e produtiva análise dos "dossiers", em comparação com as morosas e menos conclusivas negociações masculinas... Era bem verdade, mas devo acrescentar que, também com alguns homólogos masculinos tinha negociações diretas e francas, sem subterfúgios, compreendendo rapidamente até onde se podia ir, sabendo que contava com eles e com a sua simpatia para com os nossos emigrantes - o caso de Jean-Claude Juncker, no Luxemburgo, de Klaus Hug e de Hunzicker, na Suiça, de JL This, Secretário de Estado da Região de Bruxelas, e até também, embora numa relação pessoal de menor familiariedade, dos alemães da RFA, onde conseguimos alguns muito bons resultados no eixo bilateral - aí devidas ao trabalho técnico do Conselheiro Social em Bona, que compilava números, estatístas, factos, a que a mentalidade germânica, é, justamente, muito sensível... Não esqueço que no Luxemburgo e, sobretudo na Suiça, tudo começou também, não propriamente nessa Conferência de Roma, de boa memória, mas em diligências da nossa diplomacia. O quadro de contactos na Europa passava ainda por relações muito cordiais com os colegas britânicos, mas a emigração em Londres, que se distinguia pelo alta proporção de mulheres, não era, então, tão problemática como é hoje. No levantamento de questões sociais, contei, sobretudo, com os Conselheiros das Comunidades. Entre os países de emigração, o diálogo e concertação ficou, a meu ver, sempre aquém do desejável - com a Espanha, a Itália e a Irlanda. A expeção foi o mais improvável e distante destes países, a Grécia, que mostrava especial interesse na avaliação das soluções por nós encontradas. Numa das várias visitas que fiz a Atenas, encontrei a então Ministra da Cultura, Melina Mercouri, responsável pelas politicas para os gregos no estrangeiro, que são, fundamentalmente, centradas no domínio da Cultura- e muito bem, a meu ver. Melina era uma mulher majestosa - é o mínimo que dela posso dizer. A visita foi de cortesia, as conversações ficavam a cargo do operacional era o Secretário de Estado. Pensando bem, de Portugal se poderia dizer outro tanto, com um ministro de porte menos impressionante, mas que delegava, do mesmo modo, os seus poderes em questões de emigração, dando ampla autonomia aos Secretários de Estado-que agradecem... Fora da Europa, na RAS, o trabalho da Embaixada era excelente (na secção consular, Mário Silva tinha mais contactos com o Governo e Diretores-gerais do que qualquer dos nossos diplomatas - aliás, muito bons). O mesmo se pode dizer do Canadá, (primeiro com Góis Figueira, viva imagem de dinamismo, depois com vários sucessores), do Brasil (onde a boa relação Brasil/ Portugal estava no seu ponto mais alto) e da Venezuela (se esquecer, em 1980, o Embaixador político, que era mais político de oposição do que Embaixador). Os EUA eram outro "modus operandi" - nada corria fundamentalmente, por Washington, onde nem valia a pena ir, mas pelos Estados, ou seja, pelos consulados - os de carreira e os grandes Cônsules honorários, como o Dr Adriano Seabra da Veiga, em Connecticut, e Edmundo Macedo, na Califórnia do Sul. Idem, quanto à Austrália, onde o melhor dos diplomatas era o Dr. Carlos Lemos, de Melbourne, embora muitos dos nossos sucessivos representantes em Camberra e Sidney fossem muito competentes. Todavia, como exige a carreira, ficam em média dos três anos, nunca se enraízaram - a rotação destina-se a isso mesmo. Em síntese: fui conhecendo, cada vez melhor, os factos e as pessoas. À medida que ganhava em experiência, ia, porém, perdendo orçamento - uma coisa compensava, até certo ponto, a outra, mas muito mais teria conseguido com outros meios. Posso dizer que nunca fui fiz parte do alargado grupo de Secretários de Estado, que aceitam a pobreza de meios como uma fatalidade. Protestava sempre, dentro e fora de portas do Ministério, achava injusto que os emigrantes dessem tanto ao país, até materialmente, nas remessas, investimentos e benfeitorias, e recebessem tão pouco em retorno, apoiados por serviços de fundo da escala de prioridades do OE (orçamento de Estado). Em 81, no Governo Balsemão, tive companhia, nas queixas tornadas públicas - Bráz Teixeira, o Secretário de Estado da Cultura, outra das pastas menos contempladas pela fortuna... Ele disse que o seu orçamento era "ridículo", eu disse que o meu era "vergonhoso". A minha adjetivação fez título gordo no Diário Popular e mereceu destaque, um pouco menos vistoso, em outros jornais. "Obviamente, demito-os", terá pensado o Primeiro-Ministro, quando leu a imprensa naquele dia. E, na primeira oportunidade, demitiu-nos. No meu caso, por uma dupla ordem de motivos, sendo a segunda a que já referi, a suposta pertença à facção dos "críticos" ou "rurais do norte". Claro, que mal saí do governo perguntei logo: "Onde estão os críticos?" e juntei-me a eles, para dar póstuma razão ao chefe do Governo. Braz Teixeira, o filósofo de quem eu gostava muito, tivera da política experiência que lhe bastava para o resto da vida. Voltou ao mundo de onde viera. Eu "aterrei" em São Bento até 1983 e, depois, regressei ao Palácio das Necessidades por mais quatro anos e tal, repartidos por governos de perfil diverso. Neste primeiro, recuperei autonomia face ao ministro (Jaime Gama), talvez por ser do "outro partido", no contexto de uma aliança, tal como com a AD, vivida agradavelmente sem agruras por dentro, mas condenada, a prazo, por fatores exógenos - a oposição interna no PSD. Só na fase final, já sem Mota Pinto, este Executivo perdeu a unidade garantida pela harmoniosa diarquia que ele formava com Mário Soares. Sentia ter, de novo. a confiança plena das mais altas figuras do Estado. Foi um tempo de dias fastos, apesar da crise e da justificada austeridade. Retomei as normais visitas às comunidades, de Paris ao Hawai e a organizações internacionais (Conselho da Europa, OCDE, CIM), onde Portugal assumiu um "high profile". E pude ver o CCP fazer caminho, sem mais suspensões, ensaiando, pela força das maiorias, quando não dos consensos, novas configurações - as reuniões regionais, a Comissão Permanente, a aprovação, ano a ano, de um programa cultural, a preparação de "conferências temáticas", uma das quais sobre igualdade de género. Paridade foi coisa que nunca houve no Conselho, bastião masculino, presidido, porém, por uma mulher (que era eu, por inerência de funções). E dele saiu, feita por uma das outras raras mulheres que aí tiveram voz, a jornalista Málice Ribeiro, uma proposta para a realização de um encontro mundial de mulheres emigrantes. Ninguém se opôs e eu registei a recomendação - a que tão pouca importância terão dados os relatores, que não a encontrei nas atas finais. Nem por isso a esqueci, e convoquei, como devia, essa espécie de "Conselho no feminino", que excedeu largamente as expetativas - as gerais e , até, confesso, também, as minhas. E foi a origem das políticas de emigração com a componente de género! (numa tese de doutoramento de um jovem académico luso-canadiano é o que ele salienta dos meus vários mandatos. Surpreendeu-me - era aspeto que, até aí, nunca tinha sido salientado - nem sequer por mim! Não por desvalorizar as questões de género na emigração, mas porque aquele primeiro passo não teve continuidade, durante duas décadas - até ao início dos "Encontros para a Cidadania". Estes "Encontros" nasceram de uma proposta que, em nome da Associação "Mulher Migrante", apresentei a António Braga, em 2005, precisamente no 20º aniversário do pioneiro Encontro Mundial de Junho de 1985. Nessa data, já o governo já entrara num plano inclinado, depois da saída de Mota Pinto, forçada pela "Nova esperança". Para Rui Machete - um amigo de antes da Revolução, que muito admiro - tudo era mais difícil, até porque estava mais próximo daquele movimento. A ascensão de Cavaco Silva foi o ponto final. Soares e Cavaco - uma dupla impossível... Estava eu em Cabo Verde, quando se deu a rotura oficial. De qualquer modo, essa viagem, a primeira a um PALOP, na área da cooperação, não da emigração portuguesa, que aí, então, não existia, foi um momento especial: a descoberta de um povo fantástico, de uma perpetiva de outras migrações e de outras maneiras de ser lusófono. Correu, como dizem os brasileiros "bem demais"! Tudo: o encontro com o 1º Ministro Pedro Pires, as conversações sobre políticas globais de emigração, a assinatura de um acordo de segurança social, de muito interesse para os Cabo-verdianos de Portugal, os contactos com cabo verdianos retornados, as visitas ao Mindelo, a Santiago e à Ilha do Fogo e até outros aspetos, como o intercâmbio cultural - levei comigo, a pedido do Embaixador Baptista Martins, o grupo de fados de Coimbra de António Bernardino. Foi um sucesso retumbante! Quem assistiu ao duplo concerto de Travadinha e Bernardino na ilha do Fogo, nunca esquecerá três ou quatro horas de música sublime, que acabou em ambiente de tertúlia. A terminar, experimentaram os instrumentos musicais uns dos outros e cantaram em coro. Que belo fim de ciclo, ao som dessas violas, guitarras e vozes inegualáveis. A coligação rompeu, de vez, começou o processo eleitoral, que daria a vitória ao PSD, com menos de 30%. Nesse preciso dia estava em Lisboa uma delegação de luso-americanos da Assembleia e do Senado do Estado da Califórnia, a meu convite, intermediado pelo Cônsul- Geral Gabriel de Brito, também presente. Já tínhamos visitado o PR Eanes e a AR, o Porto e o Alto Minho (sempre incluídos nos roteiros dos meus convidados mais ilustres), e achamos interessante mostrar-lhes como se vive, em Portugal, uma noite eleitoral. Todos os partidos aceitaram recebe-los, visitamos, sucessivamente, as diversas sedes das campanhas eleitorais. Foi divertido! A minha presença causava espanto, nada mais, e como logo apresentava os americanos, tudo ficava claro. Eles estavam um pouco perplexos, achavam o ambiente muito mais morno do que na América. "Esperem até ver o quartel-general dos vencedores!". Era o PSD, no Méridien. Aí se fazia a festa toda! A Delegação juntou-se à festa.

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