quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

BISPO DE BRAGANÇA E MIRANDA versus MÁRIO SOARES

(antes de virar Soarista) A coisa mais próxima de uma discordância, que tive com o Primeiro-ministro, durante os dois anos e alguns meses do governo do Bloco Central, foi provocada por uma incursão na política do Senhor Bispo de Bragança e Miranda. A propósito das medidas de austeridade, impostas pelo estado das finanças e pela intervenção do FMI, para salvar Portugal da falência em que o Governo Balsemão deixara o país, em 1983. Tempos duros - mas mal comparados aos que se viveram, neste século, com as perniciosas imposições da troika... Então, a fórmula foi aplicada inteligentemente e resultou em pleno, oferecendo ao Executivo de Cavaco, a partir da adesão à CEE, em 1985, um futuro melhor, de "vacas gordas". Em democracia, a crítica é livre e das liberdades usou aquela alta autoridade da Igreja para zurzir as mais altas autoridade do Estado. Aproveitou o mês de agosto e um ajuntamento de emigrantes em férias para lhes recomendar que acautelassem as suas poupanças, que não as mandassem para Portugal, porque isso era o mesmo que" pôr dinheiro em saco roto" - exatamente estas palavras, um ditado popular para o povo entendesse bem o seu conselho. Vi os títulos de jornal, mas interpretei a intervenção episcopal como mais uma das muitas que havia que aguentar, estoicamente, enquanto Hernâni Lopes cuidava de acertar as contas (e acertou, ao contrário de Gaspar e Luísa). Para além de ficarmos a saber a opinião do Bispo, achei que os emigrantes mais o seguiriam como líder espiritual do que como consultor financeiro e, por mim, guardei sobre o caso um despreocupado silêncio. Contudo, um ou dois dias depois (estava eu a norte do país, nos meus périplos habituais), recebi um telefonema direto do Primeiro Ministro. Perguntou-me se conhecia as declarações do Bispo e eu disse que sim. Informou-me, então, que o Conselho de Ministros estava reunido, tinha analisado a diatribe de Bragança e decidido que era urgente ripostar. E eu fora escolhida para a missão. Argumentei que não era a pessoa mais indicada para discutir as finanças do país com o Bispo, cuja referência ao país como um"saco roto" tinha sido feita a uma audiência de emigrantes, como o poderia ter sido a residentes, (empresários, donas de casa, a jogadores de futebol...), a não punha em causa as políticas da emigração, pelas quais eu era responsável, A meu ver, o ideal era uma réplica do próprio Chefe do Governo e, como o Dr Soares declinasse, de imediato, sugeri o Ministro das Finanças. Firmemente, embora amavelmente, pôs ponto final às minhas objeções - a decisão do Conselho de ministros estava tomada, a incumbência entregue. Não me parecia, francamente, que subir o tom da polémica fosse útil e, por isso, o meu comunicado de imprensa ou entrevista - já não sei qual o modo utilizado - foi frouxo, morno, porque não consegui deixar de ser genuína. Dei a entender que o Sr Bispo não era especialista de finanças (como Jesus Cristo, segundo o Poeta), e assim encerrei, de vez, as hostilidades. Não creio que os mandantes do Conselho de Ministros tivessem considerado brilhante o desempenho da mandatária... Todavia, quando o mesmo Senhor Bispo, algum tempo depois, recebeu o já´Presidente Soares em Bragança, com grandes manifestações de regozijo e com os maiores encómios, pensei que talvez eu tivesse com aquela minha passada atitude contribuído um pouquinho para isso...

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