segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

BRASIL 2000

BRASIL - uma ÚLTIMA VIAGEM Depois de deixar a VP da AR, raramente fui indicada pelo PSD para integrar delegações parlamentares (não incluo aqui 13 anos nas delegações institucionais, Conselho da Europa e UEO). Que me lembre apenas duas idas ao Brasil, uma num 25 de abril, inaugurar uma estátua em S Paulo, na companhia de vários militares da revolução de 74, outra nas festividades do 5º centenário da Descoberta, no ano 2000 e uma aos EUA, em defesa da independência de Timor. Em 2000, coincidi com o Dr. Mário Soares na comitiva do Presidente Sampaio. Do ponto de vista pessoal foram dias maravilhosos, revi os amigos da nossa comunidade, estava permanentemente entre muita gente interessante, em excelentes hotéis, sempre em movimento, de cidade em cidade - Salvador, Porto Seguro, São Paulo, Rio.... De avião ou em deslocações em mini autocarros, muito confortáveis (poucas eram as limousines), em que me sentei ao lado da Secretária de Estado da Cultura, ou do José Lello, Secretário das Comunidades. Com o Zé Lello, de longe a longe, a discussão subia de tom e, para acalmar os ânimos, o Dr Mário Soares mandava-me mudar de sítio e sentar.me com ele no banco da frente... Do ponto de vista de uma avaliação das comemorações em si, com a exceção de algumas belas exposições, a nota só pode ser negativa. Em Porto Seguro atingiu-se o ponto alto do baixo nível do programa :uma caravela, "made in Brazil" que devia aportar ali e então, encalhou desastradamente; algures nos arredores, nesse e nos dias seguintes, houve cargas da polícia sobre manifestações de índios, a programação cultural parecia um "show" de meninos da escola primária, umas danças de roda, umas frouxas serenatas nas ruas antigas do belo centro histórico, um concerto numa pequena capelinha apinhada de ilustres personagens... a assinatura de uma adenda ao Tratado de Igualdade entre Portugueses e Brasileiros, que se limitava a diminuir uns prazos para pedir o estatuto de direitos políticos e a coligir documentos pré-existentes. Tudo insignificante face ao significado da efeméride, como Mário Soares haveria de expor, no ano seguinte, em linguagem contundente, numa audição parlamentar, de que falarei adiante Do ponto de vista do futuro do Tratado da Igualdade, contudo, esta acabou por ser, acidentalmente, uma jornada de uma importância crucial. Acidentalmente, graças a uma conversa tida pelo Dr Soares comigo, no átrio do hotel de Salvador da Bahía, que poderia ter acontecido em qualquer outro lugar e em qualquer outro momento. Estávamos ali, de pé, adiantados em relação à hora de sair, fazendo comentários soltos sobre já não sei sobre o quê. Até que eu comecei a criticar o facto de Portugal se mostrar incapaz de corresponder aos avanços da Constituição Brasileira, que, doze anos antes, conferira aos imigrantes portugueses, a plenitude de direitos da nacionalidade, sob condição de reciprocidade. A não dação de reciprocidade na Constituição portuguesa suspendia, pois, o alargamento do estatuto em vigor para os nossos compatriotas e era motivo de escândalo. Temia-se a qualquer altura a revogação do testo constitucional brasileiro, nesta matéria. A hora certa de por fim à polémica era aquela comemoração, que só assim, ganharia a devida dimensão. O Dr Soares concordava a cem por cento com as minhas diatribes e, logo ali, acordámos um plano para promover em Lisboa, ainda durante o ano de 2000, uma revisão extraordinária da Constituição, que era possível por 3/5 da Câmara. O passo seguinte foi reunir na Fundação Soares com deputados dos vários partidos - todos adeptos da "reciprocidade", como é óbvio. Não encontrámos abertura da direção das bancadas, nomeadamente do próprio PS, que, em 1997 fora o responsável único pelo impasse em que permanecíamos (o PS de Almeida Santos, que foi, nesta questão, um obstáculo intransponível, contra uma corrente quantitativamente largamente maioritária, onde se contavam Manuel Alegre, Sampaístas, Soaristas...). Tudo parecia perdido. Mas eis que, em 2001, acontece o inesperado, uma revisão constitucional com um ponto único: a criação das condições para Portugal poder aderir ao Tribunal Penal Internacional (TPI). A tentação de acrescentar outros pontos foi irresistível - alargou-se um pouco, mas pouco, o âmbito da revisão extraordinária. Óbvio, eu tentei introduzir a questão da reciprocidade. A recetividade na direção do grupo parlamentar era nenhuma, mas Durão Barroso interveio e não houve mais oposição. Criou-se a habitual Comissão para a revisão, com uma longa agenda de audições de personalidades. Sugeri ao representante do PSD, Marques Guedes, que incluísse o Dr Soares e ele ficou espantado. "Tem a certeza? Já contactou o Dr Mário Soares?" "Não, não o contactei, mas não é preciso. Tenho a certeza absoluta de que vem aqui defender esta emenda". E tinha!. Naquela auspiciosa tarde em Salvador, o Dr Soares fora muito claro - podia contar com ele em todas as propostas e diligências na matéria. O argumento para chamar o Dr. Soares à audição foi o facto de ele ter sido o Presidente ao tempo da criação da CPLP (e o Estatuto de Igualdade na nossa Constituição não se limitava ao Brasil, alargava-se a todos os países de língua oficial portuguesa). O Dr Soares foi e arrasou o que restava de oposição à emenda - o seu próprio partido, o amigo Almeida Santos, Jaime Gama... Foi tão contundente numa audição pública, cheia de jornalistas, que o representante do PS logo ali se rendeu à evidência do discurso. Estava finalmente alcançada a reciprocidade! A partir daí, a votação, em plenário, que seria unânime (ou quase - houve uma abstenção, mas que era genérica, não direcionada à questão brasileira) era um mero "pro forma" . Terá sido essa a última grande intervenção parlamentar de Mário Soares! Aconselho a sua leitura - é uma obra-prima se sabor queirosiano!

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