sábado, 7 de janeiro de 2017

SAUDADES DE MÁRIO SOARES

Estava, por acaso, a ver a RTP3 e a notícia veio, pondo fim àquela esperança impossível num milagre, que temos, enquanto as pessoas ainda estão entre nós. Há muito que considerava a figura do Dr Soares como o "primus inter pares" da nossa democracia. Há muito que, sempre que o encontrava, sabia que estava a olhar o Homem que mais influíra na história portuguesa do meu tempo de vida. Contudo, ainda não pensava assim quando o conheci em 1979. Não era do seu partido - e, na altura, isso pesava bastante - embora reconhecesse já a imensa importância do seu papel, antes e, sobretudo, desde o 25 de abril, fizera quilómetros atrás dele, como tantos anónimos fizeram, em marchas e demonstrações cívicas, nas ruas de Lisboa. Ninguém como ele lutou e alcançou, para um Povo inteiro, a Liberdade. Mas, na verdade, só comecei a gostar dele quando o conheci pessoalmente. Com ele, o à vontade era natural, a aceitação de quaisquer discordâncias políticas também (era eu Secretária de Estado no Governo Mota Pinto - governo que o líder do PS aceitava mal, como Sá Carneiro, porque era um governo de nomeação presidencial). Quando voltei aos Governos AD em 1980 e 1981, a oposição política mantinha-se: o Dr Soares estava ainda do outro lado, mas o seu encanto pessoal era o mesmo. Até que me vi do seu lado, no Governo do Bloco Central! E a minha relação com ele era quase invariavelmente marcada pela boa disposição, por ditos engraçados da sua parte, a que eu procurava responder. Apesar de voltar a situar-me no campo oposto, por uns meses, no governo minoritário de Cavaco Silva, não tardámos a retomar um diálogo refrescante e divertido (o reencontro, depois da queda do Governo Soares/MotaPinto, foi no estádio das Antas, numa grande festa portista, em que fui, por boa sorte, colocada ao seu lado). Seguidamente, já com Mário Soares Presidente, via-o e acompanhava-o, muitas vezes, na qualidade de Vice-Presidente da Assembleia. Uma das vezes em que aguardávamos, no salão nobre, a chegada de um Chefe de Estado estrangeiro, um casal real, o de Espanha, suponho, enquanto os outros membros da Mesa da Ar aguardavam à entrada do Palácio, disse-me, qualquer frase como esta: "Está aqui comigo, quando podia estar lá em baixo, na comitiva, a receber o Rei..." . Foi com toda a sinceridade que lhe respondi: "Prefiro, de longe, estar aqui na conversa com o Senhor Presidente!" Sim, não havia nada que eu preferisse a um diálogo, mesmo que só de uns cinco minutos, com o Dr Soares! Não era a conversa com o Presidente, nem com o grande protagonista da nossa História, mas com o Dr Mário Soares. Tive, por fim, o gosto de fazer a única campanha presidencial, que o Dr Soares não ganhou - e eu previa que não ganhasse, mas achei-o simplesmente fabuloso! E pude intervir em alguns pequenos comícios, ao seu lado, e dizer o que me ia na alma, quanto ao que essa candidatura significava para Portugal: ter de novo um Presidente, que acrescentava prestígio ao País, cujo nome era universalmente reconhecido. São essas recordações - sobretudo, as deliciosas narrações que encheram o último serão que passei na sua casa, com ele e a Drª Maria Barroso, na primavera de 2015 - que relembro agora. com muita amizade e infinita tristeza.

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